segunda-feira, 7 de julho de 2025
O tédio do fim do mundo
Enquanto escrevo esta coluna a Europa tira a roupa, e lota praias, lagos e piscinas, sufocando de calor. E, atenção, o verão estreou há poucos dias — 21 de junho para ser preciso.
França começou por sofrer uma série de tempestades violentas. Numa única noite caíram 17 mil raios. Logo a seguir veio a atual onda de calor, com as temperaturas a ultrapassar os 40 graus. As autoridades foram forçadas a fechar escolas, monumentos e pontos de interesse turístico.
Barcelona registrou o seu junho mais quente desde 1914. No Reino Unido, as altas temperaturas já estão provocando incêndios.
É outra vez o fim do mundo. O problema é que ao repetir-se todas as semanas, ainda que em diferentes formatos e geografias, o apocalipse acaba por se tornar fastidioso.
Lembra-me um episódio que a minha avó costumava contar, sobre um elefante cor-de-rosa que, lá pelos anos 1950, foi visto a passear-se pelas ruas da Chibia, uma pequena cidade do sul de Angola. No primeiro dia, a notícia do avistamento do paquiderme foi recebida com incredulidade e extraordinária comoção. Acontece que o animal gostou da cidade e passou a visitá-la, primeiro semana sim, semana não, e, finalmente, quase todos as manhãs. Em pouco tempo deixou de ser um fenômeno extraordinário. Era apenas um estorvo de colossais dimensões.
Mesmo a cor rosada — que lhe dava uma aparência onírica, quase milagrosa — foi explicada prosaicamente pelos caçadores locais: o animal banhava-se num lago próximo, ficando coberto de lama avermelhada.
As crianças passaram a persegui-lo, gritando obscenidades e atirando-lhe pedras. A velhinhas expulsavam-no dos quintais à vassourada. Deram-lhe até um apelido, Rosinha — o que, definitivamente, arrasou com o que ainda pudesse restar da reputação, e do orgulho, do infeliz animal.
Por este andar, acabaremos tratando o fim do mundo com idêntica impaciência. Caem 17 mil raios numa mesma noite?! O povão encolhe os ombros, entediado:
— Pô que tu é chato, ó Finzinho!
A temperatura chegou aos 46 graus no Alentejo, em Portugal? Os alentejanos estendem-se à sombra das oliveiras — e aproveitam para dormir uma sestinha.
O fim do mundo virou boletim meteorológico: “Céu parcialmente apocalíptico, com possibilidade de dilúvios à tarde, rios de sangue, pragas de gafanhotos, e um ligeiro colapso civilizacional ao entardecer”.
Em Israel assassinam-se crianças por fome, a tiro, de todas as formas possíveis, num interminável exercício de crueldade, porque, no entendimento dos seus assassinos, não são crianças mas terroristas em gestação.
E nós? Nós prosseguimos impassíveis. Tomando alguma bebida gelada, de preferência na praia, enquanto comentamos o colapso civilizacional como quem discute um filme de ação.
Rosinha, o elefante cor-de-rosa, dança nos salões dos palácios presidenciais, nos parlamentos, nos quartéis, nas redações dos jornais, nas igrejas, nas ruas, praças e jardins de todas as grandes cidades — mas já ninguém o vê. Ninguém o quer ver. Habituamo-nos a tudo. Inclusive, ao fim de tudo.
José Eduardo Agualusa
França começou por sofrer uma série de tempestades violentas. Numa única noite caíram 17 mil raios. Logo a seguir veio a atual onda de calor, com as temperaturas a ultrapassar os 40 graus. As autoridades foram forçadas a fechar escolas, monumentos e pontos de interesse turístico.
Barcelona registrou o seu junho mais quente desde 1914. No Reino Unido, as altas temperaturas já estão provocando incêndios.
É outra vez o fim do mundo. O problema é que ao repetir-se todas as semanas, ainda que em diferentes formatos e geografias, o apocalipse acaba por se tornar fastidioso.
Lembra-me um episódio que a minha avó costumava contar, sobre um elefante cor-de-rosa que, lá pelos anos 1950, foi visto a passear-se pelas ruas da Chibia, uma pequena cidade do sul de Angola. No primeiro dia, a notícia do avistamento do paquiderme foi recebida com incredulidade e extraordinária comoção. Acontece que o animal gostou da cidade e passou a visitá-la, primeiro semana sim, semana não, e, finalmente, quase todos as manhãs. Em pouco tempo deixou de ser um fenômeno extraordinário. Era apenas um estorvo de colossais dimensões.
Mesmo a cor rosada — que lhe dava uma aparência onírica, quase milagrosa — foi explicada prosaicamente pelos caçadores locais: o animal banhava-se num lago próximo, ficando coberto de lama avermelhada.
As crianças passaram a persegui-lo, gritando obscenidades e atirando-lhe pedras. A velhinhas expulsavam-no dos quintais à vassourada. Deram-lhe até um apelido, Rosinha — o que, definitivamente, arrasou com o que ainda pudesse restar da reputação, e do orgulho, do infeliz animal.
Por este andar, acabaremos tratando o fim do mundo com idêntica impaciência. Caem 17 mil raios numa mesma noite?! O povão encolhe os ombros, entediado:
— Pô que tu é chato, ó Finzinho!
A temperatura chegou aos 46 graus no Alentejo, em Portugal? Os alentejanos estendem-se à sombra das oliveiras — e aproveitam para dormir uma sestinha.
O fim do mundo virou boletim meteorológico: “Céu parcialmente apocalíptico, com possibilidade de dilúvios à tarde, rios de sangue, pragas de gafanhotos, e um ligeiro colapso civilizacional ao entardecer”.
Em Israel assassinam-se crianças por fome, a tiro, de todas as formas possíveis, num interminável exercício de crueldade, porque, no entendimento dos seus assassinos, não são crianças mas terroristas em gestação.
E nós? Nós prosseguimos impassíveis. Tomando alguma bebida gelada, de preferência na praia, enquanto comentamos o colapso civilizacional como quem discute um filme de ação.
Rosinha, o elefante cor-de-rosa, dança nos salões dos palácios presidenciais, nos parlamentos, nos quartéis, nas redações dos jornais, nas igrejas, nas ruas, praças e jardins de todas as grandes cidades — mas já ninguém o vê. Ninguém o quer ver. Habituamo-nos a tudo. Inclusive, ao fim de tudo.
José Eduardo Agualusa
O lento avanço da razão sobre as tribos
Nos anos mais sombrios da Idade Média, a conformidade era imposta. A Igreja pontificava e todos seguiam. Pensava-se igual, porque apenas isso era admitido. A individualidade era asfixiada. A tribo unida era forçada a pensar unida.
O Renascimento começa a romper essa masmorra intelectual. Os descobrimentos abrem horizontes. O indivíduo floresce. Apesar de acidentes de percurso, podia-se pensar e agir com a própria cabeça.
No Iluminismo, proclama-se o Império da Razão. Chegaríamos mais longe, pensando certo e com rigor. Sob a tutela da razão, as nossas concepções seriam ordenadas e o progresso viria. Que se enxotem os preconceitos e superstições. As emoções e valores tinham que achar os seus lugares, mais modestos.
No último século e tanto, entra em cena a abundância de resultados da pesquisa científica, com seus dados contundentes. No que é observável, ela deveria ter a palavra final. Doenças ou vacinas, a verdade passa a ser definida pelos critérios da ciência.
Avanço definitivo? Nem tanto, as vitórias foram mais modestas do que se esperava. Avançamos, é verdade. Mas o Império da Razão é periclitante. Para muitos, é uma nova moda, rechaçada ou não entendida. Há os que têm um pé nas verdades tribais e outro na razão científica, uma esquizofrenia intelectual.
Com grande consternação, temos que reconhecer os limites nos avanços da razão. Acreditamos no que acreditam as gentes da nossa tribo. Os intelectualmente mais refinados escolhem aqueles fatos e eventos, até verdadeiros, que melhor reforçam as crenças que já tinham. Os outros, nem isso. Lembra-nos Galbraith: “Diante da escolha entre mudar de opinião e provar que isso não é necessário, quase todos se dedicam a demonstrar a segunda opção”.
Façamos um exercício mental – os filósofos chamariam isso de solipsismo. Em sistemas econômicos ou em políticas sociais, será que as opiniões da nossa própria tribo não influenciam escandalosamente o que pensamos? Nossos amigos não pensam como nós? E não lemos os mesmos autores? O que dizem os nossos gurus, não é o que pensamos nós?
Algo começamos a entender, já existe alguma pesquisa nesse assunto. Demonstrou-se que as nossas opiniões e percepções são profundamente influenciadas pelas tribos a que pertencemos. A cartilha do Iluminismo prescreve que a razão nos auxiliaria a formar nossas opiniões. Mas, num número embaraçoso de situações, primeiro vem as crenças que trazemos de nossas tribos. Pespegada por fora, vem o verniz da razão.
Mais iniciativa individual ou mais Estado? Mais liberdade ou mais ordem? Mais autonomia ou a proteção oferecida pelas políticas públicas? Essas proposições estão além do alcance da ciência, são juízos de valor. Mas não fazem sentido no vácuo.
Por exemplo, é legítimo o direito do Estado de obrigar alguém a tomar uma vacina? A ciência nada pode dizer. Todavia, em casos reais, as discussões têm por trás o risco da doença e de seus efeitos colaterais. Conta a eficácia das vacinas, a transmissibilidade da doença e vários outros critérios. Tudo isso é ciência e é indispensável para tomar decisões inteligentes, ainda quando envolvem juízos de valor. Contudo, o que vemos é uma cacofonia de opiniões desencontradas.
As grandes revoluções na tecnologia da informação escancaram, cada vez mais, os dados e os fatos. Tudo está no Google. Porém, tendemos a encontrar nele aquilo que confirma o que já acreditávamos. Os próprios algoritmos do Google já exacerbam uma tal endogenia intelectual, pois na próxima busca virão sites com ideias na mesma linha.
Na Idade Média, todos tinham que pensar igual. Passamos a viver num mundo em que a variedade de gentes e de crenças se multiplicou. Terreno fértil para o Iluminismo.
Porém, nesse particular, a revolução das redes sociais teve um efeito deletério, competindo com seus imensos ganhos. Elas recriaram uma nova Idade Média. Passamos a nos relacionar por meio delas, apenas com gente que pensa igual. Geograficamente, estão hoje todos misturados. Mas, intelectual e emocionalmente, iguais estão conectados com iguais, pelos seus celulares. Que lástima, apesar de utilíssimos. Os celulares se prestam para isso! E quando se encontram os diferentes, não há diálogo produtivo. São “eles” contra “nós”.
O que está dito acima, pelo menos parcialmente, pode explicar a grande polarização política e ideológica dos dias de hoje. As mídias sociais contribuem grandemente para juntar os iguais e dar-lhes confiança e força, por sentirem-se solidamente acompanhados, tenha ou não cabimento o que proclamam. Qualquer imbecilidade pode virar uma crença grupal, como eram as superstições na Idade Média. E como naquela época, não se sabe lidar com o contraditório – que fertiliza as mentes.
Acreditava-se que a Grande Peste resultava da ira dos deuses ou coisa equivalente. Saíam todos em procissão, rezando e pedindo misericórdia. E as pulgas das ratazanas, infectadas, passavam de um devoto para o que estava ao lado. Será que igual não acontece hoje, sendo as pulgas os celulares?
O Renascimento começa a romper essa masmorra intelectual. Os descobrimentos abrem horizontes. O indivíduo floresce. Apesar de acidentes de percurso, podia-se pensar e agir com a própria cabeça.
No Iluminismo, proclama-se o Império da Razão. Chegaríamos mais longe, pensando certo e com rigor. Sob a tutela da razão, as nossas concepções seriam ordenadas e o progresso viria. Que se enxotem os preconceitos e superstições. As emoções e valores tinham que achar os seus lugares, mais modestos.
No último século e tanto, entra em cena a abundância de resultados da pesquisa científica, com seus dados contundentes. No que é observável, ela deveria ter a palavra final. Doenças ou vacinas, a verdade passa a ser definida pelos critérios da ciência.
Avanço definitivo? Nem tanto, as vitórias foram mais modestas do que se esperava. Avançamos, é verdade. Mas o Império da Razão é periclitante. Para muitos, é uma nova moda, rechaçada ou não entendida. Há os que têm um pé nas verdades tribais e outro na razão científica, uma esquizofrenia intelectual.
Com grande consternação, temos que reconhecer os limites nos avanços da razão. Acreditamos no que acreditam as gentes da nossa tribo. Os intelectualmente mais refinados escolhem aqueles fatos e eventos, até verdadeiros, que melhor reforçam as crenças que já tinham. Os outros, nem isso. Lembra-nos Galbraith: “Diante da escolha entre mudar de opinião e provar que isso não é necessário, quase todos se dedicam a demonstrar a segunda opção”.
Façamos um exercício mental – os filósofos chamariam isso de solipsismo. Em sistemas econômicos ou em políticas sociais, será que as opiniões da nossa própria tribo não influenciam escandalosamente o que pensamos? Nossos amigos não pensam como nós? E não lemos os mesmos autores? O que dizem os nossos gurus, não é o que pensamos nós?
Algo começamos a entender, já existe alguma pesquisa nesse assunto. Demonstrou-se que as nossas opiniões e percepções são profundamente influenciadas pelas tribos a que pertencemos. A cartilha do Iluminismo prescreve que a razão nos auxiliaria a formar nossas opiniões. Mas, num número embaraçoso de situações, primeiro vem as crenças que trazemos de nossas tribos. Pespegada por fora, vem o verniz da razão.
Mais iniciativa individual ou mais Estado? Mais liberdade ou mais ordem? Mais autonomia ou a proteção oferecida pelas políticas públicas? Essas proposições estão além do alcance da ciência, são juízos de valor. Mas não fazem sentido no vácuo.
Por exemplo, é legítimo o direito do Estado de obrigar alguém a tomar uma vacina? A ciência nada pode dizer. Todavia, em casos reais, as discussões têm por trás o risco da doença e de seus efeitos colaterais. Conta a eficácia das vacinas, a transmissibilidade da doença e vários outros critérios. Tudo isso é ciência e é indispensável para tomar decisões inteligentes, ainda quando envolvem juízos de valor. Contudo, o que vemos é uma cacofonia de opiniões desencontradas.
As grandes revoluções na tecnologia da informação escancaram, cada vez mais, os dados e os fatos. Tudo está no Google. Porém, tendemos a encontrar nele aquilo que confirma o que já acreditávamos. Os próprios algoritmos do Google já exacerbam uma tal endogenia intelectual, pois na próxima busca virão sites com ideias na mesma linha.
Na Idade Média, todos tinham que pensar igual. Passamos a viver num mundo em que a variedade de gentes e de crenças se multiplicou. Terreno fértil para o Iluminismo.
Porém, nesse particular, a revolução das redes sociais teve um efeito deletério, competindo com seus imensos ganhos. Elas recriaram uma nova Idade Média. Passamos a nos relacionar por meio delas, apenas com gente que pensa igual. Geograficamente, estão hoje todos misturados. Mas, intelectual e emocionalmente, iguais estão conectados com iguais, pelos seus celulares. Que lástima, apesar de utilíssimos. Os celulares se prestam para isso! E quando se encontram os diferentes, não há diálogo produtivo. São “eles” contra “nós”.
O que está dito acima, pelo menos parcialmente, pode explicar a grande polarização política e ideológica dos dias de hoje. As mídias sociais contribuem grandemente para juntar os iguais e dar-lhes confiança e força, por sentirem-se solidamente acompanhados, tenha ou não cabimento o que proclamam. Qualquer imbecilidade pode virar uma crença grupal, como eram as superstições na Idade Média. E como naquela época, não se sabe lidar com o contraditório – que fertiliza as mentes.
Acreditava-se que a Grande Peste resultava da ira dos deuses ou coisa equivalente. Saíam todos em procissão, rezando e pedindo misericórdia. E as pulgas das ratazanas, infectadas, passavam de um devoto para o que estava ao lado. Será que igual não acontece hoje, sendo as pulgas os celulares?
Superganância
O tempo livre do animal laborans (animal trabalhador) nunca é gasto em nada a não ser no consumo e, quanto mais tempo ele adquire, mais gananciosos e vorazes se tornam seus apetites.
Hannah Arendt , "A Condição Humana"
O esporte sem grandeza de Trump
Se há um espécime humano incapaz de compreender a essência do esporte olímpico, ou ver grandeza no esporte em geral, esse espécime se chama Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos prefere a pancadaria crua de uma luta de MMA, a que assiste presencialmente na boca do octógono. Fora isso, só mesmo a prática do golfe — e, mesmo assim, apenas num dos 15 clubes e resorts de sua propriedade (11 nos Estados Unidos, dois na Escócia, um na Irlanda, um nos Emirados Árabes — e algum dia, quem sabe, sonhe com um em Gaza?), onde é de bom-tom dos convidados deixá-lo ganhar. A ideia de competir sem vencer lhe é existencialmente indigesta. A ponto de, em 2018, ainda no primeiro mandato, referir-se aos soldados americanos tombados na Primeira Guerra e enterrados no cemitério francês de Aisne-Marne como “otários e perdedores”. Dificilmente teria tido empatia pelo maratonista John Stephen Akhwari, da Tanzânia, que na Olimpíada de 1968, no México, celebrou cruzar a linha de chegada em último lugar, mais de uma hora depois do vencedor. Questionado por que não desistira da prova quando sofreu uma queda e deslocou o joelho, Akhwari respondeu com naturalidade:
— Meu país não me enviou de 8 mil quilômetros de distância para começar a corrida; me mandaram até aqui para terminar a corrida.
Pois quiseram o destino e o calendário esportivo fazer desse presidente viciado em Big Macs e Coca-Cola o anfitrião da Copa do Mundo, no próximo ano, e da Olimpíada de Los Angeles, em 2028. Os primeiros sinais de incompatibilidade entre esses megaeventos de afluência global e seu combate à “invasão de nossas fronteiras” já vão se fazendo sentir. Por um excesso de zelo colateral ao decreto que proíbe a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de 12 países e impõe restrições parciais a sete outros (entre os quais Cuba), o mesa-tenista brasileiro Hugo Calderano se viu proibido de viajar para os Estados Unidos a tempo de disputar a importante competição desta semana, o WTT Grand Smash.
Justo Calderano, caramba, que tem dado tantas alegrias ao Brasil num esporte em que a China reina absoluta. A bordo de um passaporte português, o mesa-tenista brasileiro se vale das facilidades oferecidas a cidadãos da União Europeia (UE) quando viaja, inclusive para os Estados Unidos. Em 2023 disputou um Pan-Americano em Cuba, conseguindo ali a vaga para a Olimpíada de Paris, e dela saiu em inédito quarto lugar. Desde então, só vem empilhando sucessos. Terceiro lugar no ranking mundial, é o único atleta não asiático entre os cinco melhores do planeta. Sua recente vitória na Copa do Mundo de 2025 sobre o até então imbatível Lin Shidong foi um estrondo. No mês passado, pôde comemorar os 29 anos levando pela segunda vez o WTT na Eslovênia e pretendia nova conquista agora em Las Vegas.
Minuciosa, sofrida e rigorosa, a preparação de um atleta de alto rendimento para uma competição permite poucos imprevistos. Um empecilho de última hora, então, é desconcertante. No caso, sua inócua viagem a Cuba levou algum burocrata übertrumpista a ver vermelho (no caso, vermelho de comunista) e a dificultar sua entrada automática em solo americano. Até ele obter a retificação do erro já não havia mais tempo de competir em Vegas.
O episódio pode ser o prenúncio de confusões futuras. Em princípio, os decretos de Trump vetando a entrada de cidadãos de determinados países também contemplam exceções para atletas e equipes participantes dos grandes eventos. Mas a própria sanha com que o governo tem procurado cumprir a meta de 3 mil deportações por dia, somada ao orçamento recém-aprovado de US$ 150 bilhões para políticas de imigração e segurança da fronteira, pode levar pequenos burocratas a valorizar seus pequenos poderes e a multiplicar confusões. Difícil prever o estado do país de Trump em seu último ano de mandato, quando hordas de turistas e olímpicos descerão sobre Los Angeles. Vale lembrar que os Jogos de Seul foram decisivos para a abertura do regime sul-coreano em 1988. E que a Olimpíada de Moscou em 1980 permitiu uma primeira espiada no regime soviético até então blindado por Leonid Brejnev.
Por ora, o olimpismo que Donald Trump mais incentiva atende pelo nome de Enhanced Games (jogos turbinados, em tradução livre). Estão programados para maio de 2026, serão disputados em Las Vegas com patrocínio de um fundo de capital de risco capitaneado por Donald Jr. e já contam com mais de cem atletas inscritos nas três modalidades programadas: natação, atletismo e levantamento de peso. A novidade dessa “Olimpíada do século XXI” é que os participantes competirão turbinados por tudo o que o doping tem de mais moderno. Tudo o que é proibido pelo COI estará liberado. As premiações já anunciadas incluem um bônus de US$ 1 milhão para quem quebrar o recorde mundial na prova de 100 metros e 50 metros nado livre.
— Nosso negócio está em destravar o potencial humano. Estamos criando a vanguarda da super-humanidade — diz o fundador da ideia, o australiano Aron D’Souza.
Os jogos juntam fraude, tudo por dinheiro e violência (contra o corpo humano), as práticas preferidas de Donald Trump.
— Meu país não me enviou de 8 mil quilômetros de distância para começar a corrida; me mandaram até aqui para terminar a corrida.
Pois quiseram o destino e o calendário esportivo fazer desse presidente viciado em Big Macs e Coca-Cola o anfitrião da Copa do Mundo, no próximo ano, e da Olimpíada de Los Angeles, em 2028. Os primeiros sinais de incompatibilidade entre esses megaeventos de afluência global e seu combate à “invasão de nossas fronteiras” já vão se fazendo sentir. Por um excesso de zelo colateral ao decreto que proíbe a entrada nos Estados Unidos de cidadãos de 12 países e impõe restrições parciais a sete outros (entre os quais Cuba), o mesa-tenista brasileiro Hugo Calderano se viu proibido de viajar para os Estados Unidos a tempo de disputar a importante competição desta semana, o WTT Grand Smash.
Justo Calderano, caramba, que tem dado tantas alegrias ao Brasil num esporte em que a China reina absoluta. A bordo de um passaporte português, o mesa-tenista brasileiro se vale das facilidades oferecidas a cidadãos da União Europeia (UE) quando viaja, inclusive para os Estados Unidos. Em 2023 disputou um Pan-Americano em Cuba, conseguindo ali a vaga para a Olimpíada de Paris, e dela saiu em inédito quarto lugar. Desde então, só vem empilhando sucessos. Terceiro lugar no ranking mundial, é o único atleta não asiático entre os cinco melhores do planeta. Sua recente vitória na Copa do Mundo de 2025 sobre o até então imbatível Lin Shidong foi um estrondo. No mês passado, pôde comemorar os 29 anos levando pela segunda vez o WTT na Eslovênia e pretendia nova conquista agora em Las Vegas.
Minuciosa, sofrida e rigorosa, a preparação de um atleta de alto rendimento para uma competição permite poucos imprevistos. Um empecilho de última hora, então, é desconcertante. No caso, sua inócua viagem a Cuba levou algum burocrata übertrumpista a ver vermelho (no caso, vermelho de comunista) e a dificultar sua entrada automática em solo americano. Até ele obter a retificação do erro já não havia mais tempo de competir em Vegas.
O episódio pode ser o prenúncio de confusões futuras. Em princípio, os decretos de Trump vetando a entrada de cidadãos de determinados países também contemplam exceções para atletas e equipes participantes dos grandes eventos. Mas a própria sanha com que o governo tem procurado cumprir a meta de 3 mil deportações por dia, somada ao orçamento recém-aprovado de US$ 150 bilhões para políticas de imigração e segurança da fronteira, pode levar pequenos burocratas a valorizar seus pequenos poderes e a multiplicar confusões. Difícil prever o estado do país de Trump em seu último ano de mandato, quando hordas de turistas e olímpicos descerão sobre Los Angeles. Vale lembrar que os Jogos de Seul foram decisivos para a abertura do regime sul-coreano em 1988. E que a Olimpíada de Moscou em 1980 permitiu uma primeira espiada no regime soviético até então blindado por Leonid Brejnev.
Por ora, o olimpismo que Donald Trump mais incentiva atende pelo nome de Enhanced Games (jogos turbinados, em tradução livre). Estão programados para maio de 2026, serão disputados em Las Vegas com patrocínio de um fundo de capital de risco capitaneado por Donald Jr. e já contam com mais de cem atletas inscritos nas três modalidades programadas: natação, atletismo e levantamento de peso. A novidade dessa “Olimpíada do século XXI” é que os participantes competirão turbinados por tudo o que o doping tem de mais moderno. Tudo o que é proibido pelo COI estará liberado. As premiações já anunciadas incluem um bônus de US$ 1 milhão para quem quebrar o recorde mundial na prova de 100 metros e 50 metros nado livre.
— Nosso negócio está em destravar o potencial humano. Estamos criando a vanguarda da super-humanidade — diz o fundador da ideia, o australiano Aron D’Souza.
Os jogos juntam fraude, tudo por dinheiro e violência (contra o corpo humano), as práticas preferidas de Donald Trump.
Palestinos são mortos na fila para pegar comida
Mahmoud Qassem perdeu o filho Khader no final de junho. O jovem de 19 anos tentava chegar a um centro de distribuição de alimentos na Faixa de Gaza operado pela Gaza Humanitarian Foundation (GHF), entidade apoiada por EUA e Israel.
"A última vez que a mãe dele e eu falamos com ele foi às 23h daquela noite. Ele disse que estava em um lugar seguro – ele tinha ido ao centro de distribuição de Netzarim –, e eu disse para ele se cuidar", contou Qassem à DW de uma tenda na Cidade de Gaza onde a família está abrigada.
"À 1h da manhã, tentei ligar de novo, mas o telefone dele não estava recebendo chamadas. Comecei a ficar ansioso. Não houve notícia todo o tempo, e esperei até as 14h do dia seguinte. Sentia como se um fogo queimasse dentro de mim", disse o homem de 50 anos.
No dia 27 de junho, Qassem foi ao centro da Faixa de Gaza e procurou nos hospitais até descobrir que Khader havia sido morto. Quando o corpo foi finalmente recuperado, após coordenação com o exército israelense, viu-se que ele exibia diversas marcas de tiro.
"Um garoto de 19 anos que nem sequer tinha começado a viver a vida, tudo por buscar uma caixa [de alimentos]", disse Qassem, mal contendo as lágrimas. Khader fizera a jornada contra a vontade do pai, por sentir que precisava sustentar a família.
"A situação aqui é indescritível. As pessoas estão se sacrificando para sobreviver. Só Deus sabe o que estamos passando. Ninguém sente por nós – nem o Hamas, nem Israel, nem os países árabes, ninguém."
Relatos quase diários de violência, feridos e mortos ligados à distribuição de alimentos e ajuda humanitária expõem as condições insuportáveis enfrentadas pelos 2,3 milhões de habitantes de Gaza, que se tornaram quase totalmente dependentes dos suprimentos que entram pelos postos controlados por Israel.
Quase toda a população do enclave foi deslocada pelo conflito, que já deixou cerca de 57 mil vítimas no lado palestino desde outubro de 2023, segundo contagem do Ministério da Saúde em Gaza, e 93% da população está em situação de insegurança alimentar aguda, segundo uma análise recente das Nações Unidas.
Alimentos e outros suprimentos se tornaram extremamente escassos em Gaza, mesmo com a retomada das entregas de ajuda da ONU e a abertura de novos centros de distribuição operados pela GHF – dos quais três atualmente em funcionamento, após quase três meses de bloqueio israelense.
Autoridades israelenses justificaram o bloqueio alegando que o Hamas está desviando ajuda e usando-a para financiar suas operações. A alegação foi rejeitada pela ONU e por outras organizações de ajuda internacionais e locais, que há muitos anos mantêm uma rede e um mecanismo de distribuição bem estabelecidos em Gaza.
Mas os caminhões que entram com essa ajuda têm sido repetidamente saqueados, seja por gangues armadas ou por pessoas comuns desesperadas por comida. Enquanto isso, o exército israelense tem intensificado seus ataques aéreos, emitindo ordens de evacuação para grandes áreas do norte e sul de Gaza.
A situação é difícil de ser averiguada de forma independente, já que Israel não permite o acesso de jornalistas estrangeiros ao enclave palestino.
Pai de cinco filhos, o palestino Saeed Abu Libda, de 44 anos, disse à DW que conseguiu recentemente pegar um saco de farinha quando um caminhão passou perto de Khan Younis. "Sei que era arriscado, mas precisamos comer", afirmou por telefone.
Segundo ele, havia milhares de pessoas esperando pelos caminhões. De repente, ele ouviu dois projéteis sendo disparados. "Vi pessoas no chão, algumas estavam feridas; outras, despedaçadas. Fui atingido por estilhaços no abdômen, mas por sorte foi um ferimento leve."
O Ministério da Saúde em Gaza afirma que mais de 500 pessoas foram mortas nas últimas semanas por bombardeios, ataques aéreos e tiros. A maior parte das vítimas estava na fila para buscar comida nos centros de distribuição de ajuda ou próxima a caminhões que transportavam esses mantimentos.
O Ministério do Exterior isralense refutou essas alegações na terça-feira passada (01/07) e acusou o Hamas de atirar em civis, afirmando que o grupo palestino "espalha falsas alegações culpando as FDI [Forças de Defesa de Israel], infla números de mortos e divulga imagens falsas".
No mesmo dia, cerca de 130 das maiores entidades de caridade e ONGs, dentre elas Oxfam e Save the Children, pediram o fechamento da GHF alegando que a fundação força milhares de famintos a transitar por zonas militarizadas, correndo risco ao tentar acessar ajuda humanitária vital.
O presidente da GHF, Johnnie Moore, reagiu dizendo que a fundação não encerraria suas operações, que o grupo distribuiu mais de 55 milhões de refeições e que está disposto a trabalhar com a ONU e outras agências de ajuda.
Moore sugeriu ainda que o Ministério da Saúde de Gaza estaria inflando o número de mortes associadas à distribuição de ajuda humanitária. Segundo ele, o órgão divulga "todo dia uma estatística de vítimas civis e, simultaneamente, atribui 100% dessas mortes civis à espera por ajuda – praticamente sempre, à espera da nossa ajuda".
O exército isralense admitiu em várias ocasiões ter disparado "tiros de advertência" contra indivíduos que se aproximavam de posições militares próximas aos locais de distribuição de ajuda, mas não divulga informações sobre o número de vítimas.
No final de junho, reportagem publicada no jornal israelense Haaretz afirmou que soldados israelenses foram autorizados a abrir fogo contra multidões perto de centros de distribuição de alimentos, com o objetivo de mantê-las afastadas de posições israelenses dentro das zonas militarizadas.
Soldados não identificados citados pelo Haaretz relataram ter usado força letal contra pessoas desarmadas que não representavam ameaça. O caso estaria sob investigação interna por suspeita de violação do direito internacional e crimes de guerra.
Em nota conjunta, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Israel Katz rejeitaram a denúncia, acusando o Haaretz de divulgar mentiras que visam "difamar as FDI, o exército mais moral do mundo".
As FDI também rejeitaram as acusações, afirmando em comunicado que não houve ordens para "atirar deliberadamente contra civis, incluindo aqueles que se aproximam dos centros de distribuição".
Mas três dias depois da publicação da reportagem, o exército isralense anunciou a reorganização de estradas de acesso e centros de distribuição de ajuda humanitária, com a criação de novos checkpoints e sinalizações para "reduzir a fricção com a população e manter a segurança das tropas que operam ali".
A GHF tem repetidamente negado relatos de violência em seus centros de distribuição e acusado veículos estrangeiros de mentir. "Não tivemos um único incidente violento em nossos locais de distribuição. Não houve incidentes violentos nas proximidades dos nossos centros", sustentou Moore.
No entanto, após as denúncias levantadas pelo Haaretz, a GHF declarou que elas eram "graves demais para serem ignoradas" e pediu uma investigação.
Neste sábado (05/07), a GHF anunciou que dois funcionários americanos teriam sido feridos num "ataque terrorista direcionado" com granadas. A entidade culpou o Hamas.
Enquanto isso, palestinos desesperados muitas vezes precisam caminhar por horas através de zonas devastadas pela guerra para alcançar os centros de distribuição, localizados em áreas militarizadas designadas por Israel. Esses centros costumam funcionar apenas por um curto período, e muitas vezes não está claro onde as pessoas podem se reunir com segurança enquanto esperam pela ajuda.
"A estrada até lá é muito perigosa, e eu tento ao máximo não desviar da estrada principal", contou Ahmed Abu Raida por telefone à DW. Como outros tantos, ele também vive em um barraco improvisado com a família, em Mawasi, no sul de Gaza. "Esperamos o anúncio da abertura dos centros, e durante as longas horas de espera, há tiros intensos vindos de várias direções."
Abu Raida disse que foi a um centro da GHF em Rafah várias vezes e conseguiu pegar uma caixa contendo farinha, lentilhas, macarrão, chá e óleo de cozinha. "Quando entramos no local, há um grande caos por causa da enorme quantidade de pessoas", relatou.
Segundo ele, o processo de distribuição é aleatório. "Não há fiscalização nem limite para a quantidade de caixas que alguém pode pegar." E, assim como outros ouvidos pela DW, ele disse também considerá-lo humilhante e injusto: idosos, mulheres, pessoas vulneráveis não têm chance.
"O que podemos fazer? Não temos comida suficiente nem renda para comprar nos mercados, onde os preços estão absurdamente altos", lamentou. "Tudo o que recebemos é apenas o suficiente para nos manter vivos."
"A última vez que a mãe dele e eu falamos com ele foi às 23h daquela noite. Ele disse que estava em um lugar seguro – ele tinha ido ao centro de distribuição de Netzarim –, e eu disse para ele se cuidar", contou Qassem à DW de uma tenda na Cidade de Gaza onde a família está abrigada.
"À 1h da manhã, tentei ligar de novo, mas o telefone dele não estava recebendo chamadas. Comecei a ficar ansioso. Não houve notícia todo o tempo, e esperei até as 14h do dia seguinte. Sentia como se um fogo queimasse dentro de mim", disse o homem de 50 anos.
No dia 27 de junho, Qassem foi ao centro da Faixa de Gaza e procurou nos hospitais até descobrir que Khader havia sido morto. Quando o corpo foi finalmente recuperado, após coordenação com o exército israelense, viu-se que ele exibia diversas marcas de tiro.
"Um garoto de 19 anos que nem sequer tinha começado a viver a vida, tudo por buscar uma caixa [de alimentos]", disse Qassem, mal contendo as lágrimas. Khader fizera a jornada contra a vontade do pai, por sentir que precisava sustentar a família.
"A situação aqui é indescritível. As pessoas estão se sacrificando para sobreviver. Só Deus sabe o que estamos passando. Ninguém sente por nós – nem o Hamas, nem Israel, nem os países árabes, ninguém."
Relatos quase diários de violência, feridos e mortos ligados à distribuição de alimentos e ajuda humanitária expõem as condições insuportáveis enfrentadas pelos 2,3 milhões de habitantes de Gaza, que se tornaram quase totalmente dependentes dos suprimentos que entram pelos postos controlados por Israel.
Quase toda a população do enclave foi deslocada pelo conflito, que já deixou cerca de 57 mil vítimas no lado palestino desde outubro de 2023, segundo contagem do Ministério da Saúde em Gaza, e 93% da população está em situação de insegurança alimentar aguda, segundo uma análise recente das Nações Unidas.
Alimentos e outros suprimentos se tornaram extremamente escassos em Gaza, mesmo com a retomada das entregas de ajuda da ONU e a abertura de novos centros de distribuição operados pela GHF – dos quais três atualmente em funcionamento, após quase três meses de bloqueio israelense.
Autoridades israelenses justificaram o bloqueio alegando que o Hamas está desviando ajuda e usando-a para financiar suas operações. A alegação foi rejeitada pela ONU e por outras organizações de ajuda internacionais e locais, que há muitos anos mantêm uma rede e um mecanismo de distribuição bem estabelecidos em Gaza.
Mas os caminhões que entram com essa ajuda têm sido repetidamente saqueados, seja por gangues armadas ou por pessoas comuns desesperadas por comida. Enquanto isso, o exército israelense tem intensificado seus ataques aéreos, emitindo ordens de evacuação para grandes áreas do norte e sul de Gaza.
A situação é difícil de ser averiguada de forma independente, já que Israel não permite o acesso de jornalistas estrangeiros ao enclave palestino.
Pai de cinco filhos, o palestino Saeed Abu Libda, de 44 anos, disse à DW que conseguiu recentemente pegar um saco de farinha quando um caminhão passou perto de Khan Younis. "Sei que era arriscado, mas precisamos comer", afirmou por telefone.
Segundo ele, havia milhares de pessoas esperando pelos caminhões. De repente, ele ouviu dois projéteis sendo disparados. "Vi pessoas no chão, algumas estavam feridas; outras, despedaçadas. Fui atingido por estilhaços no abdômen, mas por sorte foi um ferimento leve."
O Ministério da Saúde em Gaza afirma que mais de 500 pessoas foram mortas nas últimas semanas por bombardeios, ataques aéreos e tiros. A maior parte das vítimas estava na fila para buscar comida nos centros de distribuição de ajuda ou próxima a caminhões que transportavam esses mantimentos.
O Ministério do Exterior isralense refutou essas alegações na terça-feira passada (01/07) e acusou o Hamas de atirar em civis, afirmando que o grupo palestino "espalha falsas alegações culpando as FDI [Forças de Defesa de Israel], infla números de mortos e divulga imagens falsas".
No mesmo dia, cerca de 130 das maiores entidades de caridade e ONGs, dentre elas Oxfam e Save the Children, pediram o fechamento da GHF alegando que a fundação força milhares de famintos a transitar por zonas militarizadas, correndo risco ao tentar acessar ajuda humanitária vital.
O presidente da GHF, Johnnie Moore, reagiu dizendo que a fundação não encerraria suas operações, que o grupo distribuiu mais de 55 milhões de refeições e que está disposto a trabalhar com a ONU e outras agências de ajuda.
Moore sugeriu ainda que o Ministério da Saúde de Gaza estaria inflando o número de mortes associadas à distribuição de ajuda humanitária. Segundo ele, o órgão divulga "todo dia uma estatística de vítimas civis e, simultaneamente, atribui 100% dessas mortes civis à espera por ajuda – praticamente sempre, à espera da nossa ajuda".
O exército isralense admitiu em várias ocasiões ter disparado "tiros de advertência" contra indivíduos que se aproximavam de posições militares próximas aos locais de distribuição de ajuda, mas não divulga informações sobre o número de vítimas.
No final de junho, reportagem publicada no jornal israelense Haaretz afirmou que soldados israelenses foram autorizados a abrir fogo contra multidões perto de centros de distribuição de alimentos, com o objetivo de mantê-las afastadas de posições israelenses dentro das zonas militarizadas.
Soldados não identificados citados pelo Haaretz relataram ter usado força letal contra pessoas desarmadas que não representavam ameaça. O caso estaria sob investigação interna por suspeita de violação do direito internacional e crimes de guerra.
Em nota conjunta, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o ministro da Defesa Israel Katz rejeitaram a denúncia, acusando o Haaretz de divulgar mentiras que visam "difamar as FDI, o exército mais moral do mundo".
As FDI também rejeitaram as acusações, afirmando em comunicado que não houve ordens para "atirar deliberadamente contra civis, incluindo aqueles que se aproximam dos centros de distribuição".
Mas três dias depois da publicação da reportagem, o exército isralense anunciou a reorganização de estradas de acesso e centros de distribuição de ajuda humanitária, com a criação de novos checkpoints e sinalizações para "reduzir a fricção com a população e manter a segurança das tropas que operam ali".
A GHF tem repetidamente negado relatos de violência em seus centros de distribuição e acusado veículos estrangeiros de mentir. "Não tivemos um único incidente violento em nossos locais de distribuição. Não houve incidentes violentos nas proximidades dos nossos centros", sustentou Moore.
No entanto, após as denúncias levantadas pelo Haaretz, a GHF declarou que elas eram "graves demais para serem ignoradas" e pediu uma investigação.
Neste sábado (05/07), a GHF anunciou que dois funcionários americanos teriam sido feridos num "ataque terrorista direcionado" com granadas. A entidade culpou o Hamas.
Enquanto isso, palestinos desesperados muitas vezes precisam caminhar por horas através de zonas devastadas pela guerra para alcançar os centros de distribuição, localizados em áreas militarizadas designadas por Israel. Esses centros costumam funcionar apenas por um curto período, e muitas vezes não está claro onde as pessoas podem se reunir com segurança enquanto esperam pela ajuda.
"A estrada até lá é muito perigosa, e eu tento ao máximo não desviar da estrada principal", contou Ahmed Abu Raida por telefone à DW. Como outros tantos, ele também vive em um barraco improvisado com a família, em Mawasi, no sul de Gaza. "Esperamos o anúncio da abertura dos centros, e durante as longas horas de espera, há tiros intensos vindos de várias direções."
Abu Raida disse que foi a um centro da GHF em Rafah várias vezes e conseguiu pegar uma caixa contendo farinha, lentilhas, macarrão, chá e óleo de cozinha. "Quando entramos no local, há um grande caos por causa da enorme quantidade de pessoas", relatou.
Segundo ele, o processo de distribuição é aleatório. "Não há fiscalização nem limite para a quantidade de caixas que alguém pode pegar." E, assim como outros ouvidos pela DW, ele disse também considerá-lo humilhante e injusto: idosos, mulheres, pessoas vulneráveis não têm chance.
"O que podemos fazer? Não temos comida suficiente nem renda para comprar nos mercados, onde os preços estão absurdamente altos", lamentou. "Tudo o que recebemos é apenas o suficiente para nos manter vivos."
Sobre gatos e jabutis
Um dos meus grandes amigos de infância foi um gato. Fofura branca de rabo preto, manso e pacífico, chamado de “pechincha”, não sei exatamente por quê. Presente de um vizinho, um achado pelo valor da gentileza. Sempre que me via triste, choroso pelos cantos da casa, penalizado “pelas trelas” cometidas, ele se achegava e ronronava na linguagem afetiva dos felinos domésticos (família dos “felidae”) que miam quando insatisfeitos ou rugem quando ameaçadores.
Quando ele se foi, sofri e prometi a mim mesmo que não em apegaria a nenhum animal doméstico. Senti, faz muitos anos, que cães e gatos, conhecidos, atualmente, como “pets”, são capazes de exercer na sociedade humana as funções de companheirismo, divertimento e os benefícios menos visíveis, porém não menos importantes, preencher nossos vazios e estimular nossos afetos.
A esta altura, o leitor deve estar se perguntando: que papo é esse quando a agenda esteve e está repleta conflitos e incertezas e, no plano nacional o Congresso reina sobranceiro, impondo reveses ao Executivo que, ao fim e ao cabo, têm o custo suportado pela população brasileira?
Por coincidência, no centro da questão política Governo x Congresso está o setor energético, conta de luz e dois representantes da nossa fauna: o gato e o jabuti. Aí entram em cena o Código Penal e o criativo senso de humor do brasileiro. O parágrafo terceiro do artigo 155 estabelece: “Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. E a esperteza delinquente encontra uma forma de subtrair a energia da rede elétrica sem o devido pagamento à distribuidora com ligações clandestinas (furto) e adulterações de medidores ou dispositivos equivalentes (estelionato).
Ora, a ação delituosa é uma prática que, no caso da energia elétrica, exige habilidades, movimentos silenciosos e furtivos para não serem notados, à semelhança dos gatos, “gatunos”, um felino, ao mesmo tempo, ágil e sensual, capaz de inspirar a denominação de “gato” ou “gata” às pessoas atraentes.
Mas não fica por aí. O bichano concorrente é “o gato de água” obedece ao mesmo padrão de comportamento delituoso. Em ambos os casos, os prejuízos do crime afetam o patrimônio público, prejudicam as políticas de distribuição e abastecimento, agravam os danos da infraestrutura e afrontam respeito à lei cuja observância assegura a manutenção do estado de direito.
No mundo da política, porém, o representante mais importante da fauna brasileira é “um réptil de carapaça convexa” conhecido como jabuti. Como entrou e por que entrou na cena, em especial, no Congresso Brasileiro? Na sua origem, está a expressão “Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”.
A linguagem popular consagrou um significado especial: quando, ao longo do processo legislativo, os parlamentares se defrontam com um dispositivo estranho ao tema principal do projeto de lei: é um jabuti! A prática é mais comum do que se imagina. Ele está ali quietinho que, em grande medida, contraria legítimos interesses republicanos. Hoje, é um frequente personagem nos embates congressuais
Em recente episódio, a derrubada dos vetos presidenciais significa a ressureição de robustos jabutis que haviam sido incluídos enquanto tramitava o projeto de lei do marco legal das eólicas offshore. Segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), os jabutis vão custar, aproximadamente, R$ 197 bilhões ao consumidor longo de 25 anos e, por igual período, um aumento de 3,5% a 9% na conta de luz
Neste sentido, cabe salientar que uma parte do ônus se alastra pela economia e pune a sociedade com a alta inflacionária. De outra parte, este tipo decisão tem sérios efeitos sobre expectativas e sobre a visão estratégica que apontam o Brasil como um grande protagonista da questão ambiental com a autoridade de quem construiu uma matriz energética limpa, atualmente, ampliada pelas fontes renováveis de energia.
A rigor, o jabuti é produto da “esperteza” brasileira que ao beneficiar poucos, prejudicam, seriamente, uma população inteira. Não dá para obter a vantagem de poucos representados pela pressão fraudulenta em prejuízo de muitos cujos direitos são difusos e destituídos da força dos grupos de pressão organizados. Os jabutis são inocentes. Culpados são os fraudadores da vontade popular.
Cabe, ao final, reagir, politicamente, para que “gatos” e “jabutis”, bípedes e engravatados, não comprometam vocação ambiental do país, caso as escolhas políticas se distanciem da dimensão estratégica que o Brasil representa para um mundo em profundas transformações.
Quando ele se foi, sofri e prometi a mim mesmo que não em apegaria a nenhum animal doméstico. Senti, faz muitos anos, que cães e gatos, conhecidos, atualmente, como “pets”, são capazes de exercer na sociedade humana as funções de companheirismo, divertimento e os benefícios menos visíveis, porém não menos importantes, preencher nossos vazios e estimular nossos afetos.
A esta altura, o leitor deve estar se perguntando: que papo é esse quando a agenda esteve e está repleta conflitos e incertezas e, no plano nacional o Congresso reina sobranceiro, impondo reveses ao Executivo que, ao fim e ao cabo, têm o custo suportado pela população brasileira?
Por coincidência, no centro da questão política Governo x Congresso está o setor energético, conta de luz e dois representantes da nossa fauna: o gato e o jabuti. Aí entram em cena o Código Penal e o criativo senso de humor do brasileiro. O parágrafo terceiro do artigo 155 estabelece: “Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. E a esperteza delinquente encontra uma forma de subtrair a energia da rede elétrica sem o devido pagamento à distribuidora com ligações clandestinas (furto) e adulterações de medidores ou dispositivos equivalentes (estelionato).
Ora, a ação delituosa é uma prática que, no caso da energia elétrica, exige habilidades, movimentos silenciosos e furtivos para não serem notados, à semelhança dos gatos, “gatunos”, um felino, ao mesmo tempo, ágil e sensual, capaz de inspirar a denominação de “gato” ou “gata” às pessoas atraentes.
Mas não fica por aí. O bichano concorrente é “o gato de água” obedece ao mesmo padrão de comportamento delituoso. Em ambos os casos, os prejuízos do crime afetam o patrimônio público, prejudicam as políticas de distribuição e abastecimento, agravam os danos da infraestrutura e afrontam respeito à lei cuja observância assegura a manutenção do estado de direito.
No mundo da política, porém, o representante mais importante da fauna brasileira é “um réptil de carapaça convexa” conhecido como jabuti. Como entrou e por que entrou na cena, em especial, no Congresso Brasileiro? Na sua origem, está a expressão “Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”.
A linguagem popular consagrou um significado especial: quando, ao longo do processo legislativo, os parlamentares se defrontam com um dispositivo estranho ao tema principal do projeto de lei: é um jabuti! A prática é mais comum do que se imagina. Ele está ali quietinho que, em grande medida, contraria legítimos interesses republicanos. Hoje, é um frequente personagem nos embates congressuais
Em recente episódio, a derrubada dos vetos presidenciais significa a ressureição de robustos jabutis que haviam sido incluídos enquanto tramitava o projeto de lei do marco legal das eólicas offshore. Segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), os jabutis vão custar, aproximadamente, R$ 197 bilhões ao consumidor longo de 25 anos e, por igual período, um aumento de 3,5% a 9% na conta de luz
Neste sentido, cabe salientar que uma parte do ônus se alastra pela economia e pune a sociedade com a alta inflacionária. De outra parte, este tipo decisão tem sérios efeitos sobre expectativas e sobre a visão estratégica que apontam o Brasil como um grande protagonista da questão ambiental com a autoridade de quem construiu uma matriz energética limpa, atualmente, ampliada pelas fontes renováveis de energia.
A rigor, o jabuti é produto da “esperteza” brasileira que ao beneficiar poucos, prejudicam, seriamente, uma população inteira. Não dá para obter a vantagem de poucos representados pela pressão fraudulenta em prejuízo de muitos cujos direitos são difusos e destituídos da força dos grupos de pressão organizados. Os jabutis são inocentes. Culpados são os fraudadores da vontade popular.
Cabe, ao final, reagir, politicamente, para que “gatos” e “jabutis”, bípedes e engravatados, não comprometam vocação ambiental do país, caso as escolhas políticas se distanciem da dimensão estratégica que o Brasil representa para um mundo em profundas transformações.
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