Quando ele se foi, sofri e prometi a mim mesmo que não em apegaria a nenhum animal doméstico. Senti, faz muitos anos, que cães e gatos, conhecidos, atualmente, como “pets”, são capazes de exercer na sociedade humana as funções de companheirismo, divertimento e os benefícios menos visíveis, porém não menos importantes, preencher nossos vazios e estimular nossos afetos.
A esta altura, o leitor deve estar se perguntando: que papo é esse quando a agenda esteve e está repleta conflitos e incertezas e, no plano nacional o Congresso reina sobranceiro, impondo reveses ao Executivo que, ao fim e ao cabo, têm o custo suportado pela população brasileira?
Por coincidência, no centro da questão política Governo x Congresso está o setor energético, conta de luz e dois representantes da nossa fauna: o gato e o jabuti. Aí entram em cena o Código Penal e o criativo senso de humor do brasileiro. O parágrafo terceiro do artigo 155 estabelece: “Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. E a esperteza delinquente encontra uma forma de subtrair a energia da rede elétrica sem o devido pagamento à distribuidora com ligações clandestinas (furto) e adulterações de medidores ou dispositivos equivalentes (estelionato).
Ora, a ação delituosa é uma prática que, no caso da energia elétrica, exige habilidades, movimentos silenciosos e furtivos para não serem notados, à semelhança dos gatos, “gatunos”, um felino, ao mesmo tempo, ágil e sensual, capaz de inspirar a denominação de “gato” ou “gata” às pessoas atraentes.
Mas não fica por aí. O bichano concorrente é “o gato de água” obedece ao mesmo padrão de comportamento delituoso. Em ambos os casos, os prejuízos do crime afetam o patrimônio público, prejudicam as políticas de distribuição e abastecimento, agravam os danos da infraestrutura e afrontam respeito à lei cuja observância assegura a manutenção do estado de direito.
No mundo da política, porém, o representante mais importante da fauna brasileira é “um réptil de carapaça convexa” conhecido como jabuti. Como entrou e por que entrou na cena, em especial, no Congresso Brasileiro? Na sua origem, está a expressão “Jabuti não sobe em árvore. Se está lá, ou foi enchente ou foi mão de gente”.
A linguagem popular consagrou um significado especial: quando, ao longo do processo legislativo, os parlamentares se defrontam com um dispositivo estranho ao tema principal do projeto de lei: é um jabuti! A prática é mais comum do que se imagina. Ele está ali quietinho que, em grande medida, contraria legítimos interesses republicanos. Hoje, é um frequente personagem nos embates congressuais
Em recente episódio, a derrubada dos vetos presidenciais significa a ressureição de robustos jabutis que haviam sido incluídos enquanto tramitava o projeto de lei do marco legal das eólicas offshore. Segundo a Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) e a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), os jabutis vão custar, aproximadamente, R$ 197 bilhões ao consumidor longo de 25 anos e, por igual período, um aumento de 3,5% a 9% na conta de luz
Neste sentido, cabe salientar que uma parte do ônus se alastra pela economia e pune a sociedade com a alta inflacionária. De outra parte, este tipo decisão tem sérios efeitos sobre expectativas e sobre a visão estratégica que apontam o Brasil como um grande protagonista da questão ambiental com a autoridade de quem construiu uma matriz energética limpa, atualmente, ampliada pelas fontes renováveis de energia.
A rigor, o jabuti é produto da “esperteza” brasileira que ao beneficiar poucos, prejudicam, seriamente, uma população inteira. Não dá para obter a vantagem de poucos representados pela pressão fraudulenta em prejuízo de muitos cujos direitos são difusos e destituídos da força dos grupos de pressão organizados. Os jabutis são inocentes. Culpados são os fraudadores da vontade popular.
Cabe, ao final, reagir, politicamente, para que “gatos” e “jabutis”, bípedes e engravatados, não comprometam vocação ambiental do país, caso as escolhas políticas se distanciem da dimensão estratégica que o Brasil representa para um mundo em profundas transformações.

Nenhum comentário:
Postar um comentário