segunda-feira, 31 de julho de 2023
Xingu, 50 anos à frente
Escrevo no Xingu, algo que, de certa forma, me parece o coração do Brasil. Um coração com algumas pontes de safena, sangue escasso e contaminado de um belo rio que corre pelas suas artérias. Como o grande coração do cacique Raoni, regido por um marca-passo.
A chamado do próprio Raoni, muitas etnias se reuniram aqui para discutir os problemas dos povos originários. Não são poucos.
Grande pesquisador da Amazônia, Paulo Moutinho me disse algo que não esquecerei: o futuro já chegou ao Xingu, a região está 50 anos adiante quanto aos efeitos do aquecimento global.
De fato, há rios secando, rios que se tornam intermitentes, e o belo Xingu também sofre com hidrelétricas, poluição do garimpo e da extensa plantação de soja.
Estamos entrando num dos mais severos El Niños da História. Temo pela Amazônia. Ouvi a história de um velho cacique para quem o barulho de folhas secas pisadas são uma novidade. Na infância ele nunca o ouviu; daí o medo de grandes queimadas.
Quando fui deputado, procuramos estudar o El Niño e indicar algumas medidas para atenuar seu impacto. Passou muito tempo, e parece que agora o El Niño vem que vem bravo.
Os jovens indígenas são combativos e manejam a internet. Raoni chamou um grande encontro no Xingu também para passar o bastão. Ele anda pelos 94 anos, e outros líderes também envelheceram. Os jovens e as mulheres parecem estar prontos para conduzir o processo. Aliás, as mulheres já estão no Ministério dos Povos Indígenas, na presidência da Funai e no Parlamento.
Sei que falar de indígenas nem sempre é fácil. No passado, os editores não gostavam, e os políticos associavam usar cocar a ter anos de azar.
Mas há algo que as pessoas precisam saber. No Xingu, por exemplo, 16 etnias evitam que os efeitos climáticos devastem mais a região com consequências para toda a humanidade.
Seria interessante pensar também como as pessoas que menos devastaram o planeta são as que mais sofrem, sobretudo vendo desaparecer a água, seu recurso vital. As mudanças climáticas são injustas, mas aqui no Xingu sentimos o peso dessa conclusão.
Algumas figuras, sobretudo a corrente política que esteve no poder, acham que os indígenas deveriam se integrar à sociedade.
Às vezes, os males que marcam seu corpo nascem do encontro conosco. Em alguns lugares, a cachaça destrói o fígado; em outros, os refrigerantes e biscoitos impulsionam a obesidade, diabetes e a pressão alta.
Lembro-me do romance do querido Antônio Callado em que o personagem Nando se preparava para uma romântica viagem revolucionária e se perguntava o que se leva na mala para o Xingu. Aconselharia uma dose de realismo, algum repelente e se preparar para o calor, que já é muito intenso no inverno. O curso da vida foi duro com o coração do Brasil.
Ainda bem que existem as imagens para mostrar como é bom passar por aqui. Elas mostram a beleza que ainda existe. Para mim, essas viagens são um encontro com o passado. Há 34 anos, participei do Encontro de Altamira, um protesto contra a construção da usina de Belo Monte. Raoni estava lá, documentei seu encontro com Sting, conheci Anita Roddick, dona da The Body Shop. Os sobreviventes de muitas lutas estão por aqui. Roberto Smeraldi, a quem conheci no enterro de Chico Mendes, e quase fomos espancados por fazendeiros no aeroporto de Rio Branco. O grande amigo dos indígenas Sydney Possuelo, a quem consulto regularmente. Acabo de falar com uma japonesa que ajuda os caiapós há 30 anos e mora em Tóquio. Talvez esse encontro seja para nós também apenas a renovação da esperança numa luta que, certamente, transcende os limites de nossa vida.
Não se pode falar em grandes vitórias. Apenas isto: o coração ainda bate.
A chamado do próprio Raoni, muitas etnias se reuniram aqui para discutir os problemas dos povos originários. Não são poucos.
Grande pesquisador da Amazônia, Paulo Moutinho me disse algo que não esquecerei: o futuro já chegou ao Xingu, a região está 50 anos adiante quanto aos efeitos do aquecimento global.
De fato, há rios secando, rios que se tornam intermitentes, e o belo Xingu também sofre com hidrelétricas, poluição do garimpo e da extensa plantação de soja.
Estamos entrando num dos mais severos El Niños da História. Temo pela Amazônia. Ouvi a história de um velho cacique para quem o barulho de folhas secas pisadas são uma novidade. Na infância ele nunca o ouviu; daí o medo de grandes queimadas.
Quando fui deputado, procuramos estudar o El Niño e indicar algumas medidas para atenuar seu impacto. Passou muito tempo, e parece que agora o El Niño vem que vem bravo.
Os jovens indígenas são combativos e manejam a internet. Raoni chamou um grande encontro no Xingu também para passar o bastão. Ele anda pelos 94 anos, e outros líderes também envelheceram. Os jovens e as mulheres parecem estar prontos para conduzir o processo. Aliás, as mulheres já estão no Ministério dos Povos Indígenas, na presidência da Funai e no Parlamento.
Sei que falar de indígenas nem sempre é fácil. No passado, os editores não gostavam, e os políticos associavam usar cocar a ter anos de azar.
Mas há algo que as pessoas precisam saber. No Xingu, por exemplo, 16 etnias evitam que os efeitos climáticos devastem mais a região com consequências para toda a humanidade.
Seria interessante pensar também como as pessoas que menos devastaram o planeta são as que mais sofrem, sobretudo vendo desaparecer a água, seu recurso vital. As mudanças climáticas são injustas, mas aqui no Xingu sentimos o peso dessa conclusão.
Algumas figuras, sobretudo a corrente política que esteve no poder, acham que os indígenas deveriam se integrar à sociedade.
Às vezes, os males que marcam seu corpo nascem do encontro conosco. Em alguns lugares, a cachaça destrói o fígado; em outros, os refrigerantes e biscoitos impulsionam a obesidade, diabetes e a pressão alta.
Lembro-me do romance do querido Antônio Callado em que o personagem Nando se preparava para uma romântica viagem revolucionária e se perguntava o que se leva na mala para o Xingu. Aconselharia uma dose de realismo, algum repelente e se preparar para o calor, que já é muito intenso no inverno. O curso da vida foi duro com o coração do Brasil.
Ainda bem que existem as imagens para mostrar como é bom passar por aqui. Elas mostram a beleza que ainda existe. Para mim, essas viagens são um encontro com o passado. Há 34 anos, participei do Encontro de Altamira, um protesto contra a construção da usina de Belo Monte. Raoni estava lá, documentei seu encontro com Sting, conheci Anita Roddick, dona da The Body Shop. Os sobreviventes de muitas lutas estão por aqui. Roberto Smeraldi, a quem conheci no enterro de Chico Mendes, e quase fomos espancados por fazendeiros no aeroporto de Rio Branco. O grande amigo dos indígenas Sydney Possuelo, a quem consulto regularmente. Acabo de falar com uma japonesa que ajuda os caiapós há 30 anos e mora em Tóquio. Talvez esse encontro seja para nós também apenas a renovação da esperança numa luta que, certamente, transcende os limites de nossa vida.
Não se pode falar em grandes vitórias. Apenas isto: o coração ainda bate.
Experimentos
Na terça-feira, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou a criação de um Monumento Nacional em memória do menino negro Emmett Till e de sua mãe, Mamie Till-Mobley. Na verdade, serão três os monumentos que evocarão o assassinato de Emmett, com requintes de selvageria, por supremacistas brancos nos idos de 1955. O primeiro será erguido na igreja de Chicago onde o garoto fora velado; o segundo, na ravina do Rio Tallahatchie, no Mississippi, onde encontraram seu corpo brutalizado; e um terceiro, certamente o mais significativo, na entrada do tribunal onde os matadores confessos, dois irmãos graúdos, foram rapidamente absolvidos por um júri branco.
À época, a mãe-coragem de Emmett obrigara o país a encarar o que restara do filho: uma massa disforme e desumanizada exposta em caixão aberto, sem retoques. Como já relatado neste espaço, a atrocidade serviu de catalisador para o Movimento pelos Direitos Civis que galvanizaria o país na década seguinte.
Passaram-se quase 70 anos. Desde então, 12 presidentes ocuparam a Casa Branca. Ainda assim, Biden achou necessário explicar ao país o motivo de um memorial nacional para os dois corpos negros.
— Vivemos tempos em que se tenta banir livros, enterrar a História — disse o presidente. — Por isso queremos deixar bem claro e cristalino: embora a treva e o negacionismo possam esconder muita coisa, não conseguem apagar nada. Não devemos aprender somente aquilo que queremos saber. Devemos poder aprender o que é preciso saber.
Reparações históricas e desculpas oficiais costumam vir na rabeira da própria História. E com frequência nada reparam. Ainda assim, acabam compondo um retrato das feridas de cada nação. No caso atual, a iniciativa de Biden não deve ser descartada como mero artifício eleitoreiro visando ao pleito de 2024. Há também uma real preocupação com um surto de apagamento histórico em curso na América profunda e retrógrada. Quando governadores extremados como Ron DeSantis, da Flórida, ou Greg Abbott, do Texas, ordenam escolas e bibliotecas públicas a varrer das estantes clássicos da literatura negra e LGBTQIA+, um monumento nacional à coragem de Mamie Till chega em boa hora.
Para a população negra dos Estados Unidos, existe uma ferida coletiva que nenhuma reparação ainda conseguiu cicatrizar. Ela tem nome extenso: Estudo Tuskegee de Sífilis Não Tratada no Homem Negro. Trata-se do mais longo experimento não terapêutico em seres humanos da História da medicina. Ele durou de 1932 até 1972 e teve como propósito estudar os efeitos da sífilis em corpos negros. Por meio de concorridos convites divulgados em igrejas e plantações de algodão, o Instituto de Saúde Pública da época selecionou 600 homens, todos filhos ou netos de escravizados. A grande maioria nunca tinha se consultado com médico. No grupo, 399 estavam contaminados pela doença, e 201 eram sadios. Aos contaminados foi informado apenas serem portadores de “sangue ruim”. Como o estudo visava à observação da doença até o “ponto final” — a autópsia —, os doentes foram ficando cegos, dementes e morreram sem conhecer a penicilina, que a partir dos anos 1940 se tornou o tratamento de referência para sifilíticos. A família dos que morriam recebia US$ 50 para cobrir o enterro. A pesquisa só foi interrompida em 1972, quando o jornalismo da Associated Press revelou a história, levando o governo americano a pagar US$ 10 milhões em acordo coletivo com os sobreviventes.
Oito deles, já quase nonagenários, estavam no Salão Leste da Casa Branca em maio de 1997 quando o então presidente Bill Clinton pediu desculpas públicas pelo horror cometido. Em discurso marcante, falou em nome do povo americano:
— O que foi feito não pode ser desfeito. Mas podemos acabar com o silêncio, parar de desviar do assunto. Podemos olhá-los de frente para finalmente dizer que o que o governo dos Estados Unidos fez foi uma ignomínia, e eu peço desculpas.
Ainda assim, passado menos de um ano, nova barbárie experimental veio à luz, desta vez com cem meninos negros e hispânicos de Nova York arrebanhados por três instituições de renome científico. Todos eram irmãos caçulas de delinquentes juvenis e tinham idade entre 6 e 11 anos. O estudo pretendia demonstrar a correlação entre determinados marcadores biológicos e o comportamento violento em humanos. Para isso, aplicaram nas crianças injeções intravenosas de fenfluramina, substância posteriormente associada a danos à válvula mitral. Às mães que os levavam ao local do experimento foi oferecida uma recompensada de US$ 125 .
Tudo isso e muito mais faz parte do pesado histórico de abuso de corpos negros, até mesmo em nome da ciência. Não espanta, portanto, a rejeição quase atávica à obrigatoriedade de vacinação contra a Covid-19 manifestada pela população negra em tempos recentes. A retirada de circulação ou dificuldade de acesso a livros que narram essas vivências deveriam ser impensáveis em 2023. É sinal de uma sociedade adoecida pelo medo de livros.
À época, a mãe-coragem de Emmett obrigara o país a encarar o que restara do filho: uma massa disforme e desumanizada exposta em caixão aberto, sem retoques. Como já relatado neste espaço, a atrocidade serviu de catalisador para o Movimento pelos Direitos Civis que galvanizaria o país na década seguinte.
Passaram-se quase 70 anos. Desde então, 12 presidentes ocuparam a Casa Branca. Ainda assim, Biden achou necessário explicar ao país o motivo de um memorial nacional para os dois corpos negros.
— Vivemos tempos em que se tenta banir livros, enterrar a História — disse o presidente. — Por isso queremos deixar bem claro e cristalino: embora a treva e o negacionismo possam esconder muita coisa, não conseguem apagar nada. Não devemos aprender somente aquilo que queremos saber. Devemos poder aprender o que é preciso saber.
Reparações históricas e desculpas oficiais costumam vir na rabeira da própria História. E com frequência nada reparam. Ainda assim, acabam compondo um retrato das feridas de cada nação. No caso atual, a iniciativa de Biden não deve ser descartada como mero artifício eleitoreiro visando ao pleito de 2024. Há também uma real preocupação com um surto de apagamento histórico em curso na América profunda e retrógrada. Quando governadores extremados como Ron DeSantis, da Flórida, ou Greg Abbott, do Texas, ordenam escolas e bibliotecas públicas a varrer das estantes clássicos da literatura negra e LGBTQIA+, um monumento nacional à coragem de Mamie Till chega em boa hora.
Para a população negra dos Estados Unidos, existe uma ferida coletiva que nenhuma reparação ainda conseguiu cicatrizar. Ela tem nome extenso: Estudo Tuskegee de Sífilis Não Tratada no Homem Negro. Trata-se do mais longo experimento não terapêutico em seres humanos da História da medicina. Ele durou de 1932 até 1972 e teve como propósito estudar os efeitos da sífilis em corpos negros. Por meio de concorridos convites divulgados em igrejas e plantações de algodão, o Instituto de Saúde Pública da época selecionou 600 homens, todos filhos ou netos de escravizados. A grande maioria nunca tinha se consultado com médico. No grupo, 399 estavam contaminados pela doença, e 201 eram sadios. Aos contaminados foi informado apenas serem portadores de “sangue ruim”. Como o estudo visava à observação da doença até o “ponto final” — a autópsia —, os doentes foram ficando cegos, dementes e morreram sem conhecer a penicilina, que a partir dos anos 1940 se tornou o tratamento de referência para sifilíticos. A família dos que morriam recebia US$ 50 para cobrir o enterro. A pesquisa só foi interrompida em 1972, quando o jornalismo da Associated Press revelou a história, levando o governo americano a pagar US$ 10 milhões em acordo coletivo com os sobreviventes.
Oito deles, já quase nonagenários, estavam no Salão Leste da Casa Branca em maio de 1997 quando o então presidente Bill Clinton pediu desculpas públicas pelo horror cometido. Em discurso marcante, falou em nome do povo americano:
— O que foi feito não pode ser desfeito. Mas podemos acabar com o silêncio, parar de desviar do assunto. Podemos olhá-los de frente para finalmente dizer que o que o governo dos Estados Unidos fez foi uma ignomínia, e eu peço desculpas.
Ainda assim, passado menos de um ano, nova barbárie experimental veio à luz, desta vez com cem meninos negros e hispânicos de Nova York arrebanhados por três instituições de renome científico. Todos eram irmãos caçulas de delinquentes juvenis e tinham idade entre 6 e 11 anos. O estudo pretendia demonstrar a correlação entre determinados marcadores biológicos e o comportamento violento em humanos. Para isso, aplicaram nas crianças injeções intravenosas de fenfluramina, substância posteriormente associada a danos à válvula mitral. Às mães que os levavam ao local do experimento foi oferecida uma recompensada de US$ 125 .
Tudo isso e muito mais faz parte do pesado histórico de abuso de corpos negros, até mesmo em nome da ciência. Não espanta, portanto, a rejeição quase atávica à obrigatoriedade de vacinação contra a Covid-19 manifestada pela população negra em tempos recentes. A retirada de circulação ou dificuldade de acesso a livros que narram essas vivências deveriam ser impensáveis em 2023. É sinal de uma sociedade adoecida pelo medo de livros.
A aposta sobre a consciência que a Ciência perdeu
Dois homens fizeram, há 25 anos, uma aposta que poderia muito bem ter sido aquele "aposto que...", falado em conversas casuais, sem repercussões.
Mas estamos falando de duas figuras de renome em suas áreas: o filósofo australiano David Chalmers e o neurocientista teuto-americano Christof Koch.
O desafio foi sobre um dos assuntos intrigantes da existência: a consciência.
Koch e Chalmers concordaram em estabelecer uma série de estudos com pesquisadores colaboradores para testar ideias sobre como o cérebro gera consciência.
Parece muito complicado, mas Koch explicou o conceito de forma poética em uma entrevista à revista científica sueca Forskning & Framsteg: "São as pegadas da consciência deixadas no órgão da consciência, que é o cérebro".
O que eles querem descobrir, acrescentou, é "quais partes do cérebro são necessárias para realizar uma experiência consciente", o que ajudaria a finalmente entender como a consciência é alcançada.
Duas décadas e meia depois, o filósofo e o cientista se encontraram na 26ª reunião anual da Associação de Estudos Científicos da Consciência, realizada recentemente na Universidade de Nova York (EUA).
E foi então que se declarou o vencedor indiscutível da aposta.
David Chalmers e Christof Koch falaram com James Copnall, do programa Newsday do serviço mundial da BBC. O apresentador começou perguntando à dupla como tudo começou. Confira as perguntas e respostas:
Chalmers - Foi em 1998, em uma conferência em Bremen, na Alemanha, sobre os correlatos neurais da consciência, a ideia de que certas áreas do cérebro podem estar diretamente associadas à consciência.
Christof (Koch) ficou muito entusiasmado com essa ideia e apostou que em 25 anos teríamos identificado as áreas do cérebro que estão ligadas à consciência. Eu pensei que era um pouco otimista, então apostei que não.
Christof, o que você estava pensando? Por que você estava tão otimista?
Koch - Porque junto com Francis Crick, o biólogo molecular britânico que descobriu a estrutura helicoidal da molécula hereditária de DNA, havíamos pensado em um programa empírico em 1990 que, para nos afastarmos dos debates filosóficos sobre a consciência e a natureza da realidade e da mente e da alma, tudo isso, focaríamos nas marcas que a consciência deixa no cérebro.
Sabemos que o cérebro é o órgão da consciência, não o coração.
Sabemos que não envolve o cérebro inteiro, apenas partes dele: você pode perder partes do cerebelo ou da medula espinhal, por exemplo, mas ainda estar consciente.
Com argumentos como esse, pensamos em um programa empírico para fazer progresso empírico: um programa que fosse independente, no qual não importa de qual convicção filosófica particular você fosse. Idealista [conceito em que só vidas biológicas têm consciência] ou pampsiquista [todos os objetos, até os inanimados, têm alguma forma de consciência], você poderia avançar esta questão empírica.
Então a ideia era que, se podemos classificar o DNA, descobrir o que nossos genes significam, então por que não descobrir a consciência?
Koch - Precisamente.
Você aceitou que perdeu a aposta, mas o quão perto você acha que chegou de ganhar?
Koch - Bem, aprendemos muito nos últimos 25 anos.
Aprendemos mais sobre o cérebro na última década do que em toda a história da humanidade. Sabemos melhor como manipulá-lo, seja experimentalmente em laboratório ou tomando substâncias psicodélicas ou outras.
Assim, estamos começando a rastrear onde a consciência vive, por assim dizer, nas densas selvas do cérebro.
Mas não chegamos a um consenso entre a comunidade de neurocientistas, clínicos e psicólogos que estudam esse assunto.
Mas estamos falando de duas figuras de renome em suas áreas: o filósofo australiano David Chalmers e o neurocientista teuto-americano Christof Koch.
O desafio foi sobre um dos assuntos intrigantes da existência: a consciência.
Koch e Chalmers concordaram em estabelecer uma série de estudos com pesquisadores colaboradores para testar ideias sobre como o cérebro gera consciência.
Parece muito complicado, mas Koch explicou o conceito de forma poética em uma entrevista à revista científica sueca Forskning & Framsteg: "São as pegadas da consciência deixadas no órgão da consciência, que é o cérebro".
O que eles querem descobrir, acrescentou, é "quais partes do cérebro são necessárias para realizar uma experiência consciente", o que ajudaria a finalmente entender como a consciência é alcançada.
Duas décadas e meia depois, o filósofo e o cientista se encontraram na 26ª reunião anual da Associação de Estudos Científicos da Consciência, realizada recentemente na Universidade de Nova York (EUA).
E foi então que se declarou o vencedor indiscutível da aposta.
David Chalmers e Christof Koch falaram com James Copnall, do programa Newsday do serviço mundial da BBC. O apresentador começou perguntando à dupla como tudo começou. Confira as perguntas e respostas:
Chalmers - Foi em 1998, em uma conferência em Bremen, na Alemanha, sobre os correlatos neurais da consciência, a ideia de que certas áreas do cérebro podem estar diretamente associadas à consciência.
Christof (Koch) ficou muito entusiasmado com essa ideia e apostou que em 25 anos teríamos identificado as áreas do cérebro que estão ligadas à consciência. Eu pensei que era um pouco otimista, então apostei que não.
Christof, o que você estava pensando? Por que você estava tão otimista?
Koch - Porque junto com Francis Crick, o biólogo molecular britânico que descobriu a estrutura helicoidal da molécula hereditária de DNA, havíamos pensado em um programa empírico em 1990 que, para nos afastarmos dos debates filosóficos sobre a consciência e a natureza da realidade e da mente e da alma, tudo isso, focaríamos nas marcas que a consciência deixa no cérebro.
Sabemos que o cérebro é o órgão da consciência, não o coração.
Sabemos que não envolve o cérebro inteiro, apenas partes dele: você pode perder partes do cerebelo ou da medula espinhal, por exemplo, mas ainda estar consciente.
Com argumentos como esse, pensamos em um programa empírico para fazer progresso empírico: um programa que fosse independente, no qual não importa de qual convicção filosófica particular você fosse. Idealista [conceito em que só vidas biológicas têm consciência] ou pampsiquista [todos os objetos, até os inanimados, têm alguma forma de consciência], você poderia avançar esta questão empírica.
Então a ideia era que, se podemos classificar o DNA, descobrir o que nossos genes significam, então por que não descobrir a consciência?
Koch - Precisamente.
Você aceitou que perdeu a aposta, mas o quão perto você acha que chegou de ganhar?
Koch - Bem, aprendemos muito nos últimos 25 anos.
Aprendemos mais sobre o cérebro na última década do que em toda a história da humanidade. Sabemos melhor como manipulá-lo, seja experimentalmente em laboratório ou tomando substâncias psicodélicas ou outras.
Assim, estamos começando a rastrear onde a consciência vive, por assim dizer, nas densas selvas do cérebro.
Mas não chegamos a um consenso entre a comunidade de neurocientistas, clínicos e psicólogos que estudam esse assunto.
David, como filósofo, você acha que é possível que a consciência seja simplesmente incognoscível?
Chalmers - Bem, há um gigantesco mistério filosófico aqui: é o problema filosófico mente-corpo.
Como os processos físicos no corpo e no cérebro lhe dão uma mente.
Como a consciência existe em primeiro lugar.
Isso é o que chamamos de problema difícil da consciência, e é um mistério filosófico e científico muito profundo.
Acho importante ressaltar que essa aposta não era sobre por que a consciência existe. Tratava-se deliberadamente de uma questão científica mais administrável: quais áreas do cérebro estão mais intimamente associadas à consciência.
E acho que, em princípio, essa é uma questão para a qual deveríamos estar em posição de descobrir a resposta a qualquer momento.
Koch - Discordo, James, de sua pergunta sobre se a consciência será para sempre incognoscível [inacessível à inteligência humana].
Não! Temos um conhecimento muito íntimo da consciência porque é o nosso mundo, o que você vê, as vozes que você ouve agora são uma experiência consciente.
Portanto, estamos intimamente familiarizados com isso. Na verdade, estamos mais familiarizados com a consciência do que com qualquer outra coisa.
O que pode permanecer incognoscível é, como diz David, por que estamos conscientes, como surge a consciência de um órgão como o cérebro?
No entanto, no centro de nossa existência neste mundo está a consciência.
David, depois de todos esses anos, Christof te pagou o vinho... Valeu a pena esperar?
Chalmers - Sim. A aposta era que quem ganhasse receberia uma caixa de bom vinho e no final Christof cedeu e me deu 6 garrafas de vinho.
Acabamos por beber um excelente Madeira 1978.
Além disso, decidimos fazer outra aposta por mais 25 anos. Então nos encontraremos novamente em 2048 para ver se descobrimos os correlatos neurais da consciência até então.
Christof, sua confiança sobre esse caminho não foi afetada, então você terá uma nova chance.
Koch - Sim, a tecnologia está melhorando, especialmente com empresas como a Neuralink de Elon Musk e outras tecnologias relacionadas, estamos melhorando em intervir diretamente no cérebro.
Na verdade, agradeci o fato de ter perdido a batalha, obviamente, mas acho que todos nós ganhamos a guerra pela Ciência: todos nós aprendemos muito sobre a base neurológica da consciência, e isso é progresso.
É assim que a Ciência funciona.
Vinte e cinco anos atrás, vocês eram jovens pioneiros brilhantes em seu campo. O que os jovens nesse patamar estão pensando hoje? A consciência da inteligência artificial em 25 anos, talvez?
Chalmers - Podemos fazer uma IA (inteligência artificial) consciente? Esse é um desafio muito grande para os próximos anos.
É também uma questão filosófica: devemos construir uma IA consciente? Seria conveniente ou poderia ter consequências ruins para nós ou para a IA?
De qualquer forma, acho que a IA é o maior desafio de nossos tempos.
Koch - As máquinas podem ser conscientes? Não sabemos. É uma questão em aberto.
Chalmers - Bem, há um gigantesco mistério filosófico aqui: é o problema filosófico mente-corpo.
Como os processos físicos no corpo e no cérebro lhe dão uma mente.
Como a consciência existe em primeiro lugar.
Isso é o que chamamos de problema difícil da consciência, e é um mistério filosófico e científico muito profundo.
Acho importante ressaltar que essa aposta não era sobre por que a consciência existe. Tratava-se deliberadamente de uma questão científica mais administrável: quais áreas do cérebro estão mais intimamente associadas à consciência.
E acho que, em princípio, essa é uma questão para a qual deveríamos estar em posição de descobrir a resposta a qualquer momento.
Koch - Discordo, James, de sua pergunta sobre se a consciência será para sempre incognoscível [inacessível à inteligência humana].
Não! Temos um conhecimento muito íntimo da consciência porque é o nosso mundo, o que você vê, as vozes que você ouve agora são uma experiência consciente.
Portanto, estamos intimamente familiarizados com isso. Na verdade, estamos mais familiarizados com a consciência do que com qualquer outra coisa.
O que pode permanecer incognoscível é, como diz David, por que estamos conscientes, como surge a consciência de um órgão como o cérebro?
No entanto, no centro de nossa existência neste mundo está a consciência.
David, depois de todos esses anos, Christof te pagou o vinho... Valeu a pena esperar?
Chalmers - Sim. A aposta era que quem ganhasse receberia uma caixa de bom vinho e no final Christof cedeu e me deu 6 garrafas de vinho.
Acabamos por beber um excelente Madeira 1978.
Além disso, decidimos fazer outra aposta por mais 25 anos. Então nos encontraremos novamente em 2048 para ver se descobrimos os correlatos neurais da consciência até então.
Christof, sua confiança sobre esse caminho não foi afetada, então você terá uma nova chance.
Koch - Sim, a tecnologia está melhorando, especialmente com empresas como a Neuralink de Elon Musk e outras tecnologias relacionadas, estamos melhorando em intervir diretamente no cérebro.
Na verdade, agradeci o fato de ter perdido a batalha, obviamente, mas acho que todos nós ganhamos a guerra pela Ciência: todos nós aprendemos muito sobre a base neurológica da consciência, e isso é progresso.
É assim que a Ciência funciona.
Vinte e cinco anos atrás, vocês eram jovens pioneiros brilhantes em seu campo. O que os jovens nesse patamar estão pensando hoje? A consciência da inteligência artificial em 25 anos, talvez?
Chalmers - Podemos fazer uma IA (inteligência artificial) consciente? Esse é um desafio muito grande para os próximos anos.
É também uma questão filosófica: devemos construir uma IA consciente? Seria conveniente ou poderia ter consequências ruins para nós ou para a IA?
De qualquer forma, acho que a IA é o maior desafio de nossos tempos.
Koch - As máquinas podem ser conscientes? Não sabemos. É uma questão em aberto.
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