quarta-feira, 28 de abril de 2021

Quem com ferro ferra

Os generais, quando longe dos olhos e ouvidos dos paisanos, dispensam-se os beija-mãos da farda. Daí que, há pouco, em Brasília, um irritado Edson Pujol, ex-comandante do Exército, ao encontrar-se com um abestado Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, fulminou-o: "Pô, Pazuello, quando o Bolsonaro lhe proibiu de comprar as vacinas você devia ter pedido demissão. Obedecendo, você se ferrou e nos ferrou junto!". Por "junto" referia-se ao Exército.

Modéstia do general Pujol. O Exército já está ferrado desde que Jair Bolsonaro fez dele avalista, sócio e cúmplice de seu governo, ao presentear milhares de fardados com funções no Estado para as quais não tinham nenhum preparo. Com isso, Bolsonaro deu um colorido verde-oliva ao seu conceito particular de mamata e, em troca, pode proclamar que vai chamar o Exército para ajudá-lo a acabar de ferrar o Brasil. Claro, o Exército é "dele".


Ferrar, segundo os dicionários, significa também "marcar a ferro, como se faz com o gado", e Bolsonaro imprime suas iniciais nos que se ajoelham à sua cruzada em prol da pandemia. Enquanto, internamente, o Exército aplica aos seus os protocolos de higiene, distanciamento e máscara, Bolsonaro desfila alegremente sua política de contágio, doença e morte sob o silêncio aprovador dos generais. Ou faz deles fabricantes e distribuidores de cloroquina, produto tão eficaz contra a Covid quanto xampu de ovo.

E a que o cinismo de Pazuello, ao circular sem máscara por um shopping de Manaus, nos leva a pensar? Que, um dia, esse homem aceitou que Bolsonaro o montasse e fizesse dele formalmente o responsável pela Saúde no Brasil.

É bom ler dicionários. No Aurélio, o verbo ferrar, significando "causar dano ou prejuízo", como o general Pujol o usou, é apenas a sétima acepção; no Houaiss, é a 14ª. Em ambos, a principal acepção é "pôr ferraduras (em cavalgadura)". Com todo respeito.

Crime às escancaras!

O Brasil com suas 38 mil salas de vacinação, aplicando uma vacina a cada 5 minutos em 8 horas de funcionamento por dia e trabalhando 20 dias por mês, conseguiria vacinar 60,8 milhões de pessoas por mês. Temos como meta vacinar nesta primeira fase a população com mais de 18 anos. Cerca de 160 milhões de brasileiros com duas doses da vacina, significa aplicar 320 milhões de doses de vacina. Poderíamos vacinar toda a população em 5,3 meses com um bom projeto de vacinação. Ou seja, se tivéssemos recebido vacina em janeiro, terminaríamos esta fase no início de junho!
Gonzalo Vecina, fundador e presidente da Anvisa (1999 /2003)

General abandona Brasil de Alice e tenta arrastar Bolsonaro para país real

O general Luiz Eduardo Ramos não mudou apenas da Secretaria de Governo para a Casa Civil da Presidência. Há um ano, vivendo entre dois mundos —o País das Maravilhas e o País do Espelho—, o general pedia aos jornalistas um noticiário de Alice, livre de cadáveres. Sem alarde, ingressou no Brasil real pela porta dos fundos, vacinando-se às escondidas. "Porra, eu quero viver!" Tenta agora arrastar Bolsonaro para a realidade: "A vida dele corre risco"..

Em abril de 2020, quando ainda cuidava da articulação política do Planalto, o general Ramos estava abespinhado com a imprensa. Achava que o noticiário trazia "uma cobertura maciça dos fatos negativos." Incomodava-se especialmente com o excesso de cadáveres e de esquifes. "No jornal da manhã, é caixão, é corpo. Na hora do almoço, é caixão novamente, é corpo. No jornal da noite, é caixão e é corpo."

O general Luiz Eduardo Ramos não mudou apenas da Secretaria de Governo para a Casa Civil da Presidência. Há um ano, vivendo entre dois mundos —o País das Maravilhas e o País do Espelho—, o general pedia aos jornalistas um noticiário de Alice, livre de cadáveres. Sem alarde, ingressou no Brasil real pela porta dos fundos, vacinando-se às escondidas. "Porra, eu quero viver!" Tenta agora arrastar Bolsonaro para a realidade: "A vida dele corre risco".


Em abril de 2020, quando ainda cuidava da articulação política do Planalto, o general Ramos estava abespinhado com a imprensa. Achava que o noticiário trazia "uma cobertura maciça dos fatos negativos." Incomodava-se especialmente com o excesso de cadáveres e de esquifes. "No jornal da manhã, é caixão, é corpo. Na hora do almoço, é caixão novamente, é corpo. No jornal da noite, é caixão e é corpo."

Nessa ocasião, os mortos por Covid eram contados na casa dos 3 mil. E o general rogava aos meios de comunicação que pendurassem fatos positivos nas manchetes. Coisa digna de Lewis Carroll e do País das Maravilhas criado por ele para sua personagem Alice. Nos telejornais do ministro Ramos, haveria um vácuo no qual a realidade deixaria de existir. Restaria apenas a fantasia.

No universo criativo de Carroll, Alice, depois de visitar o País das Maravilhas, decidiu atravessar o espelho de sua casa. Entrou no País do Espelho, onde enxergou tudo ao contrário. Era nesse país que vivia o general Ramos. Atrás do espelho do Planalto, havia um presidente que chamava pandemia de "gripezinha" e fechava os olhos para os mortos: "Eu não sou coveiro!".

No Brasil maravilhoso que o general Ramos havia idealizado, o noticiário refletia a realidade invertida do país do espelho, onde brilhavam Bolsonaro e a cloroquina. Quem ousasse mostrar o mundo real passaria por impatriótico. Como não foi possível esconder os caixões e os corpos, agora roçando a casa dos 400 mil, a ficha do general caiu.

Sem saber que sua voz era transmitida pela internet, o general confessou ter estendido o braço para uma vacina em segredo. Seguiu o protocolo de ocultação do Planalto. "Tomei escondido, né?, porque a orientação era para não criar caso, mas vazou."

Observado pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Marcelo Queiroga (Saúde), o general abriu o coração: "Não tenho vergonha, não. Eu tomei e vou ser sincero, porque, porra, eu, como qualquer ser humano, eu quero viver. E se a ciência e a medicina estão dizendo que é a vacina, né, Guedes, quem sou eu para me contrapor?"

O general revelou o seu esforço para transportar Bolsonaro do país das maravilhas para o Brasil real, onde a sub-vacinação faz surgir variantes novas do coronavírus. Ramos quer vacinar o amigo: "Estou envolvido pessoalmente, tentando convencer o nosso presidente, independente de todos os posicionamentos, que nós não podemos perder o presidente para um vírus desse. A vida dele, no momento, corre risco." Bolsonaro tem 66 anos.

Num país em que um ministro palaciano toma vacina contra Covid escondido e o presidente da República precisa ser convencido do óbvio, só há duas alternativas possíveis: ou está todo mundo meio doido no governo, ou o brasileiro está completamente maluco.

Somos todos pacientes

Para José Paulo Cavalcanti, Merval Pereira, Carlos Alberto Sardenberg e Joaquim Falcão

O dicionário “Aurélio” revela o amplo significado da palavra “paciente”. Uma palavra fundamental por sua capacidade de desmontar bate-bocas, inibir impaciências em filas, adiar vinganças e apaziguar minha angústia diante deste claro endoidecimento do Brasil.

Somos todos pacientes porque haja paciência para suportar o hospício desta psicose jurídico-política. De um lado, um enorme ressentimento porque o “povo”, que já foi puro e sagrado, teve motivos para eleger um presidente querelante, sabotador e autoritário; do outro, um surto suicida incapaz de apaziguar um sistema obsessivamente legalista em que a forma pode valer mais que o “objeto” ou substância (falando francamente: que o crime).



A palavra paciente é parte do linguajar jurídico, mas creio que seria absurdo ou despropositado chamar assassinos, genocidas e ladrões — gente como Capone, Eichmann, Goebbels, Stálin, os torturadores do regime militar, os assassinos do menino Henry, os larápios confessos da Operação Lava-Jato e Derek Chauvin, o policial que matou com óbvio viés racista George Floyd — de “pacientes”.

Uma palavra que invoca neutralidade não deveria ser usada como sinônimo de quadrilheiros. Sobretudo de gente que traiu o seu voto. Mas cabe perguntar: quando um réu vira paciente? A resposta é clara: quando ele é importante!

Aliás, se ele é o dono da grande fazenda, nem poderia ser julgado. Chamá-lo, pois, de paciente fatalmente revela a parcialidade e a lealdade do tribunal às convenções estruturais do “sistema brasileiro”, ancoradas na cautela dos compadrios, dos favores e do “você sabe com quem está falando?”, ou julgando... Essa “medida cautelar da paciência” explicita como o que conta não é o crime, mas quem o cometeu.

Trata-se de mais uma jabuticaba expressiva do jeitinho brasileiro.

Uma amiga americana compara com brilho Trump e Bolsonaro. Mas é provável que Donald seja mais facilmente explicável que Jair.


A palavra-chave nessa comparação é o compromisso e a lealdade a uma tradição democrática e republicana. É a fidelidade com a liberdade e com a igualdade como valores. Biden e Harris fazem parte dessa lista, que tem desacordos, mas não tem dúvida relativamente às complexas e duras exigências deste regime inacabado por definição chamado democracia.

Aqui no Brasil, ainda não concordamos se não seria melhor continuar mais ou menos numa realeza ibérica (franquista ou salazarista), mais ou menos populista-socialista e mais ou menos liberal-aristocrática, mas sempre autoritária, ou se vamos continuar como frustrados republicanos, arcando com o difícil compromisso de fazer valer a lei para todos — sobretudo, para nós mesmos!

E, por último, mas não por fim: se vamos cobrar coerência da instituição guardiã da Constituição, o STF.

As diferenças culturais entre Brasil e Estados Unidos são grandes, mas nada no campo do humano é impossível. Os americanos têm uma Constituição pioneira, pequena e inteligível; aqui, um oceano de leis complementares e de privilégios impede a clareza. Eles começaram republicanos, e nós fomos um pouco de tudo. Lá, trata-se de manter continuidade; aqui, de liquidar antigos privilégios; lá, quanto mais privilegiado, mais se é responsável perante a lei; aqui, o justo oposto. Lá, um federalismo localista obriga a julgamentos com início, meio e fim; aqui, há o recurso que engaveta os processos, tirando a confiança na maior das igualdades: a equidade perante a lei.


A melhor prova é o caso Floyd. Lá, está resolvido! Aqui, o STF anula sentenças e suspeita de um movimento anticrime fundamental para corrigir as trapaças do populismo, as sobrevivências do fidalguismo e o retorno do filhotismo. Lá, o trabalho é um chamado; aqui, foi e ainda é estigma e cicatriz da escravaria.

Aqui, o ministro Gilmar Mendes afirma, com maestria sociológica, que o governo do PT engendrou um “plano perfeito” de poder. Num texto magistral, esse paladino da coerência continua: “Na verdade, o que se instalou no país nesses últimos anos, e está sendo revelado na Lava-Jato, é um modelo de governança corrupta. Algo que merece o nome, claro, de Cleptocracia”. Onde foi parar esse juiz? Será que ele foi canibalizado por sua imparcialidade?

Para concluir, lembro uma outra pérola do mesmo magistrado em sua resposta a um colega: “O moralismo é a pátria da imoralidade”.

Como um velho acadêmico metido a cronista em pleno processo de cancelamento, digo apenas que a incoerência como um valor é, sejamos modestos, a terra da injustiça.
Roberto DaMatta

Pensamento do Dia


 

Bolsonaro despreza dados oficiais para inventar seus próprios fatos

No segundo mês de governo, Paulo Guedes pediu uma tesourada no Censo. Para cortar gastos, o ministro propôs a redução do questionário da pesquisa que seria feita em 2020. Como consequência, o país teria menos informações sobre suas desigualdades e menos elementos para elaborar políticas públicas.

“Se perguntar demais, você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber”, afirmou Guedes. O ministro tentava fazer graça, mas acabou revelando o desprezo que o governo Jair Bolsonaro teria pela realidade.

Em 2020, o Censo foi adiado por causa da pandemia. Na sexta-feira (23), o Ministério da Economia confirmou que ele também não será feito em 2021. Para piorar, Bolsonaro cortou 25% do orçamento que seria usado para preparar a pesquisa. Com isso, o país também corre o risco de atravessar 2022 sem aquelas informações que o governo “nem queria saber”.


O apagão de dados é uma política de Bolsonaro. Desde o início do mandato, o presidente e seus auxiliares trabalham para desacreditar estatísticas oficiais. O governo prefere enterrar informações incômodas.

O mesmo IBGE que foi alvo dos cortes no Censo também havia sofrido ataques de Bolsonaro em 2019. Irritado com os números do desemprego, ele distorceu a metodologia das pesquisas da área para dizer que o órgão “não mede a realidade”. O instituto precisou divulgar uma nota para desmentir o presidente.

No meio ambiente, Bolsonaro já questionou dados do Inpe que apontavam uma alta no desmatamento em seu governo. Na pandemia, encomendou do Ministério da Saúde uma manobra para maquiar as estatísticas de mortes por Covid-19 e esconder seu papel na tragédia.

Sucatear esses órgãos e desqualificar a produção de dados públicos são parte de um projeto. Como não tem um programa de governo para lidar com a realidade, Bolsonaro escolheu inventar seus próprios fatos.

Programa de extermínio

A lentidão do processo de vacinação é uma face desse extermínio, é mais um elemento desse extermínio, desse genocídio que está em curso no Brasil. A pandemia se tornou numa crise sanitária de extermínio da classe trabalhadora brasileira, de parte importante da classe trabalhadora brasileira
Sara Granemann, Faculdade de Serviço Social da UFRJ

Não é preciso esculachar, seu juiz

Sugiro ao Supremo Tribunal Federal que poupe o próprio tempo, a nossa paciência, o dinheiro do pagador de impostos e pare de julgar os casos da Lava Jato ou correlatos. Declare-se logo de uma vez que tudo, absolutamente tudo, não passou de uma grande conspiração de procuradores e magistrados inescrupulosos e pronto: fim da comédia.

É cansativo assistir a Gilmar Mendes e outros ministros do tribunal vociferando contra a operação, culpando procuradores pelo que eles não fizeram e declarando que os juízes naturais dos processos são incompetentes para julgá-los. Gritando que os delatores não delataram, que eles foram forçados a delatar ou que as delações não valem nada, muito pelo contrário.


O espetáculo é extenuante, desnecessário. Não se pode investigar gente poderosa, combinado. Tribunal superior, então, nem pensar, está certo. O Estado de Direito não permite condenar corruptores e lavadores de dinheiro poderosos, entendido. Ricardo Lewandowski já deu o recado: sai mais caro para o país combater a corrupção do que a corrupção em si. Mensagens roubadas e mensagem captada. Vamos, então, diminuir os custos financeiro e emocional.

Lula venceu, Renan Calheiros venceu, Jair Bolsonaro venceu, toda essa gente aí venceu de um jeito ou de outro, Sergio Moro e procuradores já foram calados, e ninguém vai mexer com os amigos dos amigos.

Não é preciso esculachar, seu juiz. Por favor, pare agora.

Caem todas as máscaras

Os ministros Paulo Guedes e Luiz Eduardo Ramos merecem ser convocados para depor na finalmente instalada CPI da Covid só com base nas declarações estarrecedoras que, sem saber que eram gravados, emitiram na reunião desta terça-feira do Conselho Nacional de Saúde Suplementar.

Num dos ataques verborrágicos que sempre tem e, depois de flagrado, diz ter sido mal interpretado, o ministro da Economia do Brasil diz, numa só tacada, que os chineses inventaram o coronavírus (teoria conspiratória sem comprovação), mas produziram vacinas ruins, piores que as dos americanos, para combatê-lo.

A vacina chinesa CoronaVac é uma das poucas de que os brasileiros dispõem para se proteger do vírus. Só está disponível por ação do governo de São Paulo e do Instituto Butantan, porque o governo a que Guedes serve boicotou sua aprovação e disse por muito tempo que não a compraria.

Teve de comprar porque o presidente Jair Bolsonaro, chefe de Guedes, optou por não comprar as vacinas “melhores”, da Pfizer, quando lhe foram oferecidas com antecedência e em larga escala. Tudo isso será objeto de escrutínio da CPI.

O ministro da Economia do Brasil também lamentou o aumento na expectativa de vida, atribuindo a ele, e não ao show de incompetência do governo de que faz parte, a falta de insumos, leitos e vacinas. É um escárnio inconcebível diante de quase 400 mil mortos pela covid-19.

O colega de Guedes na Casa Civil, general do Exército brasileiro Luiz Ramos, também no quentinho de uma reunião que imaginava não estar sendo registrada em áudio, confessou uma molecagem: ter tomado vacina escondido (!) porque seria a orientação do governo.

Aqui escancara outra razão por que a CPI tem de existir, e por que ele tem de se sentar no banco dos depoentes: além de boicotar a compra de vacinas, o governo de que Ramos e Guedes fazem parte difundiu desinformação que alarmou a população, reduziu a confiança na imunização como forma de debelar a pandemia e não promoveu a campanha de informação e conscientização que era seu dever produzir. Esses itens constam da tabela que a Casa Civil de Ramos produziu, um dos poucos documentos que atestam afirmações reais sobre o governo já produzidos na era Bolsonaro.

Longe do confessionário dos homens públicos de Brasília, um ex-companheiro de primeiro escalão de Guedes e Ramos, o general Eduardo Pazuello, escolheu a dedo a cidade que vivenciou o maior caos do morticínio de Covid-19, Manaus, para ser um fanfarrão e desfilar sem máscara num shopping center.

O homem que assinou o protocolo indefensável do tratamento precoce com cloroquina, que, segundo o ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, foi o grande responsável pela não aquisição de vacinas, que negligenciou os avisos sobre a falta iminente de oxigênio na mesma Manaus em que tira sarro na cara dos brasileiros enlutados, tem de se sentar logo no banco da CPI para prestar contas sobre sua atuação criminosa à frente de um ministério para o qual nunca poderia ter sido nomeado num país decente, por um presidente que levasse uma emergência sanitária a sério.

Não foi só Pazuello que tirou a máscara diante do país. Guedes e Ramos, com suas falas indignas, também foram desmascarados, ainda que a contragosto, diante da sociedade. O que mais se pode esperar deste governo, que, mesmo com uma investigação contra si instalada no Senado Federal, age com tamanha desídia?

Nada parece chamar esses homens à responsabilidade. Diante desse quadro de cinismo de Estado, é sinal da nossa desgraça que seja alguém com o currículo de Renan Calheiros a comandar as investigações. Não terá sido a primeira vez. Os que hoje condenam Renan há muito pouco tempo chamavam Eduardo Cunha de herói pela condução do impeachment de Dilma Rousseff. As máscaras estão todas no chão. Que se punam os culpados.

O CPF de Bolsonaro

Difícil definir qualquer sentimento em relação a Jair Messias Bolsonaro. Só desgosto. Infelicidade. A foto com o cartaz “CPF cancelado” foi um de seus gestos mais perversos. E mais revelador. A expressão é usada pela milícia, policiais e grupos de extermínio, quando uma pessoa é assassinada por facção rival.

Ele conhece o jargão. Riu, às gargalhadas, ao posar com o cartaz, no mesmo dia em que o Brasil chorava 390 mil mortes por Covid. Esse é Bolsonaro. Dois ministros pavoneiam-se ao lado do Capitão e de um escandaloso apresentador de TV, bem ao gosto dos bolsonaristas.

A foto foi veiculada na véspera da instalação da CPI da Covid. Marca o desprezo de Bolsonaro pela vida. Deve “ilustrar” os arquivos da comissão. Mais uma para a coleção do presidente irresponsável que tratou a pandemia com descaso, e a morte de milhares de brasileiros com “e daí”? Não sou coveiro”.

No fim-de-semana, o governo mandou vazar para a imprensa 23 acusações que, acredita Bolsonaro, virão com a CPI. Tiro no pé. Aliás … da falta de maldade e burrice esse governo não padece.

A cada questão apresentada pelo governo, uma condenação: O presidente foi omisso, estimulou aglomeração, promoveu tratamentos precoces sem qualquer comprovação cientifica, militarizou o Ministério da Saúde (a expressão é do governo).


Podemos estar mais perto do impeachment do que se imagina. Sabe-se lá. A depender da composição que se desenha na CPI, a sorte pode estar do nosso lado. Bolsonaro não terá dias tranquilos nos próximos meses.

O senador Renan Calheiros, candidato a relator, adversário declarado do presidente, aconselhou o governo a se preparar para a CPI, começando pelas acusações levantadas pelo próprio Palácio do Planalto. “Melhor treinar. Afinal, treino é treino. Jogo é jogo”.

Ontem à noite, Renan ficou impedido de assumir a relatoria da CPI pela Justiça do DF. Vai recorrer. Tomara que vença. Alguém tem que atazanar, com vontade, a vida de Bolsonaro, seu CPF, sua familia. Menos notas de protesto e repúdio. Mais ação, mais denúncias, mais processos.

Que venha a CPI, com força total. Deixa de ser idiota, Bolsonaro (a frase é dele, para um jornalista). Chegou sua vez.
Mirian Guaraciaba