sábado, 25 de novembro de 2017

Paisagem brasileira

Pedra da Gávea  - 1940 (RJ), Jorge Mendonça

Sob proteção

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As comemorações do centenário da Revolução Russa enfatizaram o fracasso do comunismo nos países em que ele exerceu o poder. Faltou conferir igual ênfase ao sucesso obtido nos países em que ele esteve fora do poder — sua capacidade de mobilização, os vultuosos eleitores que reuniu, sua atração sobre os jovens de talento. Tome-se o caso do historiador francês Paul Veyne, um dos maiores especialistas em Antiguidades do nosso tempo. Em 1951, aos 21 anos, recém-admitido na prestigiosa Escola Normal, ele ingressou, com direito à correspondente carteirinha de sócio, no Partido Comunista Francês (PCF). Seu entusiasmo era moderado. Veyne não acreditava nos “amanhãs que cantam” apregoados pelo poeta Aragon, ao descrever o glorioso advento do comunismo. Mas via no imperativo de ingressar no partido uma questão de “bem ou de mal, de moral, de altruísmo.”

Paul Veyne descreve sua adesão ao comunismo — com precisão e inteligência que valem para muitos além das circunstâncias francesas — no livro de memórias que publicou em 2014. Já circulavam as narrativas dos crimes de Stalin. O “paraíso socialista” da fábula dava lugar à realidade de uma tirania totalitária. No entanto, aderir ao comunismo, mesmo contra evidências que saltavam à vista, obedecia a um “valor moral”, explica Veyne:

“Na verdade, a escolha de um valor é sempre individual (cada indivíduo faz sua escolha), mas, aos olhos desse indivíduo, essa escolha não é subjetiva como os gostos ou as cores; o valor de um objeto é sentido como pertencendo objetivamente a esse objeto, e não como vindo de mim. Quando aderimos a um valor (o altruísmo, a humanidade, o respeito à natureza), temos o sentimento de responder a um apelo desse objeto mesmo, de termos para com ele um dever de não indiferença, ainda que outros indivíduos, que fizeram uma outra escolha, não sintam nada disso.”

Tampouco os podres do PCF eram suficientes para afugentar os crentes. Maurice Thorez, o número 1 da agremiação, morava num apartamento de seis cômodos, e, quando sua esposa, Jeannette Vermeersch, foi questionada a respeito, respondeu: “Você queria que o secretário-geral do nosso grande partido morasse num pardieiro?”. Certa vez o motorista de um alto funcionário do partido confidenciou a um grupo de alunos da Escola Normal que costumava leva-lo a encontros amorosos com a mulher de outra alta figura do partido. Em paralelo a tais diabruras vigorava a exigência de uma estrita moralidade sexual. Não se admitiam casais não casados. E quando, na “célula” de Veyne, se descobriu um homossexual, a reação foi (1) abafar o caso e (2) recomendar ao infeliz camarada “que se tratasse”.

O PCF, com seu meio milhão de militantes e alguns milhões de eleitores, era o maior partido da França. Na Europa só tinha rival no Partido Comunista Italiano. Herdara a mística da Resistência, para a qual forneceu a maioria dos integrantes, e, num mundo traumatizado pelos 60 milhões de mortos da II Guerra Mundial, alardeava-se “no campo da paz”, contra os propósitos belicosos que atribuía aos Estados Unidos, então em guerra na Coreia. As duas superpotências tinham bombas nucleares, mas a bomba soviética, segundo a conveniente divisão entre os bons e os maus, era “a bomba da paz”.

Enquanto permaneceu no partido (até 1956), Veyne abrigou uma “dúvida secreta”. Seria o PCF realmente o campeão dos desfavorecidos: “Em realidade”, escreve, “seu papel era o de atiçar, em benefício da União Soviética, o odioso ciúme da outrora grande França diante dos Estados Unidos.” Os mais lúcidos entre os comunistas franceses sabiam das perseguições dos campos de trabalho forçado e das “autocríticas” arrancadas aos dissidentes da URSS, mas se esforçavam em não pensar nisso. Tampouco, segundo Veyne, se perguntavam se o comunismo era realmente “um bom meio de assegurar a prosperidade dos desfavorecidos.”

Num daqueles dias, passando por Cannes, Veyne deu com a frota americana do Mediterrâneo ancorada no porto. “É preferível ver isso a ver encouraçados soviéticos”, comentou, provocando na irmã, que o acompanhava, um sorriso maroto. Escreve Veyne: “Eu contava com os Estados Unidos; era um comunista sob a proteção americana”. Sua reação revela uma das razões do sucesso do comunismo, na França, na Itália e em outros países. Que bom era ser comunista, desde que fora de um país comunista.

Vem aí o Ministério dos Estados?

Em O Espírito das Leis (1746) Montesquieu recomendou que as repúblicas, para fins de segurança contra inimigo externo, adotassem o modelo da Federação, ou seja “uma convenção pela qual vários corpos políticos consentem em se tornarem cidadãos de um Estado maior que querem formar”.

Foi nesse ânimo que, 30 anos mais tarde, as 13 colônias inglesas na América se organizaram na Convenção de Filadélfia e constituíram os Estados Unidos. Entre as características da nova nação se incluía a preservação das autonomias dos estados, integrados a um corpo nacional para fins comuns. Um século e pouco depois, na primeira constituinte republicana, o Brasil adotaria o mesmo modelo, em tom mais moderado. Abandonou, então, o regime monárquico e a forma unitária de Estado.


De lá para cá, se existe uma vocação percebida na história da nossa república, é a vocação para federalismo na teoria e para centralismo na prática. Nossa Federação não esconde suas tendências suicidas. "Todo poder à União!", parecem bradar quantos chegam à presidência da República. E a corte da burocracia federal aplaude em pé. Poder centralizado, político e financeiro, sistemas únicos, programas nacionais, serviços federais, bases nacionais comuns, parecem ser melhor do que mulher, do que doces portugueses e do que uísque aged 30 years.

A relação entre democracia e descentralização é autoevidente. Pelo viés oposto, quanto mais centralizado o poder, mais ele avança na direção do autoritarismo ou, mesmo, do totalitarismo.

A Constituição de 1988 reafirmou o compromisso com a intenção federativa a ponto de incluir os municípios como entes federados, concedendo-lhes autonomia política, administrativa e financeira. Até parece. O que se viu a partir daí foi uma re-centralização, acompanhando a deterioração fiscal dos entes federados.

Melhor e mais destapado exemplo disso aconteceu no dia 1º de janeiro de 2003 quando Lula, num de seus primeiros atos como presidente da República, criou um Ministério das Cidades, que logo se tornaria a cereja do bolo na mesa central do poder. É o ministério pelo qual todos brigam e o que maior poder de barganha tem no jogo do poder, pois dele sai o dinheiro para obras e programas municipais. Acaba de se tornar posto de provimento por indicação do presidente da Câmara dos Deputados.

A centralização estimula a corrupção e as más práticas políticas. Ademais, a dependência induz o dependente à irresponsabilidade. A falência dos entes federados brasileiros e o suicídio da Federação pode acabar gerando um Ministério dos Estados, onde se entregarão os dedos porque os anéis já foram. É preciso deixar de lado a desídia segundo a qual, como tenho tantas vezes afirmado, "está tudo errado, mas não mexe", e repactuar o Brasil. A situação está para lá de ridícula.

Percival Puggina

Brasil é governado por uma patota que se reveza no poder

O governo do Temer se parece muito com uma “pá mecânica de lixo”. Tudo que não presta é jogado lá dentro do Palácio do Planalto, onde já existem outros entulhos em decomposição. Por isso, não é de estranhar a convocação do deputado de Goiás, Alexandre Baldy, para compor a equipe do presidente como ministro das Cidades. Baldy gozava da intimidade do contraventor Carlinhos Cachoeiro.


Na CPI de 2012, que apurou os crimes do bicheiro, Baldy foi apontado como “Menino de ouro de Cachoeiro”. O bicheiro, condenado pela justiça, meteu-se em trapalhadas desde o início do governo Lula, quando o então poderoso ministro Zé Dirceu ainda dava as cartas e comandava a organização criminosa petista de dentro do palácio.

À imprensa, o novo ministro evitou falar sobre a sua amizade com o seu conterrâneo delinquente. Aliás, falar para dizer o quê? Desmentir o óbvio quando seu nome apareceu na CPI que apontou os crimes do contraventor.

Tudo é muito confuso na política brasileira. Veja: sai a quadrilha do PT, chefiada por Lula e Dilma, e entra a outra comandada por Temer, como denunciou o Ministério Público. Por isso que o povo não entende muito bem de onde surge tanto político envolvido em escândalos e o porquê da dificuldade em encontrar um nome limpo para assumir qualquer função pública nesse governo.

Agora mesmo o país assiste a prisão da cúpula da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, depois que a polícia esvaziou o Tribunal de Contas com a prisão de seus conselheiros corruptos. O deputado Jorge Picciani, presidente da Alerj, é pai do ministro do Esporte Leonardo Picciani, citado na delação premiada de Renato Pereira por manipular concorrência pública de publicidade para beneficiar o marqueteiro e seus comparsas.

Lá dentro do Planalto estão outros ministros envolvidos em negociatas: Moreira Franco e Eliseu Padilha, atolados na Lava Jato. E, claro, o próprio Temer. Pois é, também estão na cadeia Sérgio Cabral, ex-governador, e seus seguidores na organização criminosa, agora também na companhia de Garotinho e Rosinha. Diante disso é que se conclui: o país vem sendo administrado, nas últimas décadas, por quadrilhas políticas que se revezam no poder.

Como os malfeitores estão infiltrados nos partidos, onde fazem seus casulos, fica difícil escolher um nome honesto para exercer qualquer função pública que não tenha o rabo preso. Os que chegam a integrar esse governo, por exemplo, fazem parte da mesma patota que manda no país há décadas.

Quando surge um nome para compor a equipe desse governo, não estranhe, ele faz parte do entulho que comanda a máquina política. Infelizmente, essa é a realidade. E a julgar pelos nomes que aparecem para suceder essa turma que está aí, não devemos ter muita esperança em relação a um Brasil melhor depois das eleições 2018.

Outro problema grave é que as instituições estão deterioradas, enfraquecidas e bagunçadas. Nota-se um real confronto entre os poderes. O Ministério Público alfineta o STF por não concordar com as sentenças proferidas por alguns de seus ministros. A Polícia Federal briga com o MP porque é excluída das delações premiadas. E a procuradoria-geral da República é questionada quanto aos privilégios que concede aos delatores, oferecendo-lhes impunidade total dos crimes em troca das delações premiadas desses figurões.

A mixórdia é própria de um país psicopata, desordenado moral e eticamente. Mesmo com as investigações da Lava Jato em curso, quase todos os dias a Polícia Federal sai à caça de corrupto logo às primeiras horas da manhã, prova de que os cofres públicos continuam sendo saqueados.

Virou rotina prender gente do governo envolvido em propinas. Até na área do esporte, o camburão já amanheceu na porta de alguns ilustrados. Dentro do Congresso Nacional então a situação continua periclitante. É lá que são graduados os futuros ministros. Se uma das condições para a indicação fosse os bons antecedentes, dificilmente um desses formandos preencheria satisfatoriamente os requisitos para exercer um cargo público.

Não se engane, é assim que vamos chegar em 2018, ano eleitoral. Cheio de dúvidas quanto ao destino do país, pois essa geração de políticos ainda é, com certeza, a mais indulgente. E quando a gente imagina que a maioria desses senhores serão reeleitos nos seus currais, aí, sim, as esperanças morrem de verdade.

Imagem do Dia

16 Beautiful Pictures Of West Yorkshire That Are Just Simply Stunning
West Yorkshire (Inglaterra)

O efeito Picciani

Depois de Lula e dos demais esquecidos da primeira temporada deste emocionante seriado, tivemos Temer, Aécio e agora os Picciani…

O ciclo é sempre parecido: à completa e persistente omissão com relação a crimes de todos velhíssimos conhecidos sobrepõe-se, de repente, uma super-reação das mesmas autoridades até então omissas desencadeada, em geral, para desviar a atenção dos alvos realmente visados por essas subitas inversões de comportamento. Segue-se a comoção publica expressa numa “indignação” que pode incluir todos os ingredientes menos o de uma genuína surpresa com as “revelações” sobre o comportamento de sempre dos alvos da vez, que deságua invariavelmente na desolação com os panos quentes em que tudo acabará morrendo.

Fiquemos com o episódio mais recente. Quem não sabia, sobretudo no Rio de Janeiro, quem são os Picciani? O pai é, ha quatro mandatos, presidente da Assembléia Legislativa do RJ. Um filho, Rafael, era o secretário de Transportes de Eduardo Paes. O outro, Leonardo, foi contratado por Dilma como o goleiro do impeachment na Camara Federal, entregou o voto contra que vendeu e, mesmo assim, Temer teve de engoli-lo como seu ministro de esportes. Ou seja, ele virou o dono oficial da Olimpiada. Extra-oficialmente, a torcida do Flamengo e o resto do Rio inteiro sabiam que a estrutura fisica do evento que a Rede Globo faturou comercialmente sozinha ja era território privativo de caça da família, dona da Mineradora Tamoio de onde saiu cada pedra da construção da Cidade Olímpica e da reforma geral do Rio de Janeiro que inglês veria na Olimpíada comprada por Lula, O Esquecido, nos termos pelos quais acabou pagando o laranja Carlos Arthur Nuzman. O esquema dos Picciani é prosaico de tão explícito. Depois do milagre da conversão de uma estação de trens publica no shopping center privado batizado de Centro Comercial de Queimados, eles vêm, sucessivamente, transformando os bois que essa operação rendeu em pedra para obras publicas e estas em mais e mais bois da Agrobilara, sócia da Mineradora Tamoio e de tantas cositas mas.

Mas o padrão brasileiro não varia. A exposição com pompa e circunstância do que todo mundo sabia desde sempre gera uma espécie de “obrigação” de uma repercussão. E la vai a falsa imprensa (a verdadeira acaba tendo de ir de arrasto) estendendo microfones a figuras escolhidas para bradar o óbvio. E isso pede outra reação das autoridades que, sabendo desde sempre de tudo e até, frequentemente, tendo participado da falcatrua, nunca se tinham dado por achadas. Como a nossa justiça é feita para que processo nenhum chegue ao fim, o abacaxi invariavelmente vai parar no colo do STF. O país divide-se, então, em “lados”: os que querem que os milhões de eleitores se danem e possam ser substituídos pela decisão de 6 juízes com posições assumidas na disputa de poder e os que são obrigados a engolir a impunidade do ladrão flagrado para não dar a 6 juízes essa perigosíssima prerrogativa.

Evidentemente essa não é a única alternativa possível. No mundo que funciona existe o direito a leis de iniciativa popular para garantir que o Legislativo discuta o que o país achar que ele deve discutir, o referendo para garantir que ele não desfaça o que o povo mandar ele fazer, e o recall para garantir que assim seja, amém, porque quem manda é quem demite.

Todo mundo sabe que o problema não é o sujeito submeter-se ou não ao poder econômico, o fantasma contra o qual todos os exorcismos, mesmo os mais primitivos, são justificados no Brasil, o problema é você não poder tirar ele de la nem que fique provado que é um vendido. Não resolve nada montar esquemas incontroláveis por definição para financiar campanhas eleitorais com “dinheiro público”, essa coisa que não existe. Não adianta nada dar superpoderes ao Ministério Público e à Polícia Federal. Ao contrário. Isso é um perigo pois, daí pra frente, como é que fica? Tem de torcer pra que eles não se corrompam nunca, mesmo podendo tudo? Que não entrem jamais no jogo político? Que não exijam supersálarios já que são super-homens?

O chato nessa história é tudo ser tão certo e sabido e ha tanto tempo. É o poder que corrompe. O dinheiro é só um meio pra comprar poder, já se sabe desde a Bíblia. Por isso o sentido da democracia é sempre diluir e jamais concentrar o poder. Ou seja, nem o Judiciário tem de tirar, nem o Legislativo tem de repor político flagrado no cargo. Não é o cargo, é o mandato que deve ser protegido por certas imunidades, exatamente porque pertence ao eleitor, o outro nome do povo, unica fonte de legitimação do poder numa democracia. O que quer que se invente em materia de sanção à corrupção nada vai ser tão eficiente, tão barato e, principalmente, tão à prova de corrupção, portanto, quanto dar ao eleitor, e só ao eleitor, o poder de se livrar, no ato e no voto, de todo agente público que der o menor sinal de que se corrompeu, aí incluídos também os juízes, os promotores e os policiais.

“Ah mas brasileiro não tem cultura nem educação pra isso”.

E quem é que tem? O político brasileiro?! O juiz que ele nomeia?! Desde quando precisa de cultura e educação pro sujeito saber quando tá sendo roubado? Conversa! Os Estados Unidos fizeram essa reforma no final dos 1800 quando a população era aquela dos filmes de caubói…

O Brasil tem cura, mas tem que focar em duas coisas. A primeira é que democracia é quando o povo manda e os políticos SÃO OBRIGADOS a obedecer. A segunda é que, na vida real, manda quem tem o poder de demitir. O resto é mentira.

Só o eleitor tem o direito de dar e de tirar mandatos a pessoas comuns pra exercerem temporaria e condicionalmente poderes especiais. O território do Legislativo acaba antes e o do Judiciário só começa depois desse limite que é exclusivo dele. Passar esse poder a qualquer agente público é acabar com a legitimidade da representação que sustenta todo o edifício da democracia e plantar a corrupção e a opressão que, com toda a certeza, a gente vai colher amanhã.

Estatísticas e mistério ignorados

O 11º Anuário Brasileiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública preocupa todos os que se importam com a própria vida e a dos demais concidadãos. Não há como ficar indiferente ao assustador crescimento dos crimes, especialmente os letais. No entanto, há muitos mistérios nesses números.

O primeiro é sobre a qualidade dos dados. As informações estatísticas dos estados da Federação foram classificadas em três níveis. No primeiro estão justamente os estados que apresentam taxas mais altas ou aumentos de crimes mais preocupantes (PA, MG, PR, SC, CE, PB, AL, AM, RN, PE, RJ, PI, ES). No segundo grupo estão alguns dos estados mais ricos e poderosos do país (RS, MT, GO, SP) ou os que mais contestam os dados apresentados (SE, AC, MA) por não concordarem com o tratamento dado às estatísticas fornecidas. SP, o mais rico de todos, está no segundo grupo. O que exatamente significa essa menor qualidade dos dados?

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Quando observamos ocorrências analisadas, a pulga atrás da orelha fica ainda mais alvoroçada. Nos estados em que as mortes violentas cresceram pouco, estacionaram ou diminuíram aparecem assustadores números de desaparecidos, uma classificação misteriosa. Foram ao menos 693.076 registros de pessoas desaparecidas em dez anos no país, um terço dos quais em SP (242.568), que, no entanto, exibe a taxa mais baixa de homicídios. O segundo colocado, RS, registrou 91.469; e o terceiro, aquele estado que sempre está em foco como o estado em que o crime está “fora de controle”, com 56.365 sumidos. As taxas por cem mil habitantes confirmam que, nessas milhares de pessoas cujo desaparecimento foi registrado por familiares, alguns estados e o Distrito Federal se destacam. A taxa deste oscila em torno de cem por cem mil; a de SP aumenta bruscamente a partir de 2009, dobrando a taxa apresentada em 2007 e chegando perto dos 80 por cem mil. Na do Rio de Janeiro, onde imperaria o crime, não há aumentos significativos, e a taxa fica em torno dos 30 por cem mil.

Ora, no imaginário alimentado por romances e filmes policiais, alguns fatos narrados por pessoas comuns e o bom senso indicam que pode haver muita volatilização de corpos, o que impediria o registro da morte da infeliz criatura que não vai ter nem choro, nem vela, nem fita amarela. Quantos poderiam ser de fato mortes violentas? Onde moravam os sumidos? Há também a categoria mortes indefinidas que são corpos encontrados na via pública sem definição da causa da morte. Outra categoria é a de mortes por agressão ignoradas, quando não houve investigação para precisar se foi homicídio, acidente ou suicídio. Todas essas mortes estranhas são diferentemente registradas pelas secretarias de Segurança e de Saúde nos estados e atingem percentuais elevados, mas variando segundo o estado e o ano. Quando investigadas, a localização dos ignorados e parte das indefinidas corresponde à mancha dos homicídios concentrados nas regiões mais pobres da cidade: a dos subúrbios (AP3), a da Zona Oeste (AP5) e o entorno das favelas espalhadas em outras áreas também.

Em 2006, o PCC realizou uma operação de terror, matando policiais e chacinando membros das facções inimigas dentro e fora das prisões de SP. Foi assim que se tornou o único comando nesse estado. Nunca foram investigadas as 564 mortes durante os dois dias em que a cidade de São Paulo parou. Sabe-se também, pelas pesquisas feitas na periferia da cidade, que o PCC, como todo cartel ou máfia hierarquizada, julga e pune os que desobedecem ao seu código que proíbe mortes por vingança, expulsando ou matando quem fere seus interesses de negócio ilegal, mas evitando mortes que chamem atenção. Quantos desses punidos pelo PCC são os desaparecidos que começaram a subir logo depois das rebeliões, os que deveriam ser somados os indefinidos e ignorados? O PCC estende o seu domínio pelo Brasil. No Nordeste e no Norte, promoveu em 2016 rebeliões em prisões e chacinas fora delas. No Rio de Janeiro, parece ocorrer operação de pânico feita contra transeuntes, membros dos comandos locais e policiais. A investigação sobre essa movimentação deveria estar sendo feita pelos serviços de inteligência militares e da Polícia Federal. Esta é a ação federal necessária para enfrentarmos o preocupante aumento da criminalidade no país.

Alba Zaluar

O MDB virou Arena

A comissão de ética do PMDB expulsou a senadora Kátia Abreu. É uma notícia surpreendente. A esta altura do campeonato, ninguém seria capaz de imaginar uma comissão de ética no PMDB. O partido acusa a ruralista de indisciplina por suas críticas ao governo Temer. Ela diz que foi banida porque não compactuou com as práticas do grupo que está no poder. “Lutei pela democracia no partido, mas os corruptos venceram”, disse.

“A mesma comissão de ética não ousou abrir processo contra membros do partido presos por corrupção e crimes contra o país”, acrescentou. Não é preciso simpatizar com Kátia para reconhecer que ela tem razão.

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Há muito tempo, o PMDB se esforça para bater seus próprios recordes em modalidades previstas no Código Penal. No ano passado, a Lava Jato começou a recolher alguns campeões. A operação prendeu caciques como Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Sérgio Cabral.

Outros figurões já foram denunciados ao Supremo, mas usam o foro privilegiado para se proteger. É o caso de Renan Calheiros, José Sarney, Jader Barbalho, Edison Lobão, Eliseu Padilha e Romero Jucá.

Nenhum deles foi incomodado pela comissão que deveria zelar pela imagem da sigla. Pelo contrário: foi Jucá quem articulou a expulsão da senadora tocantinense. Ele disse que a punição “demonstra uma nova fase de posicionamento do partido”.

Para o deputado Jarbas Vasconcelos, fundador da legenda em Pernambuco, o episódio desta quinta foi mais uma “novidade desagradável”. “Isso nunca existiu no PMDB. O partido sempre foi democrático e respeitou opiniões divergentes”, protestou.

No mês que vem, a sigla fará uma convenção nacional para mudar de embalagem. Vai aposentar o P e voltar a se chamar MDB, como nos tempos em que fazia oposição à ditadura militar. Talvez fosse mais honesto adotar o nome da Arena, que proibia qualquer contestação ao regime.