sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Charge O Tempo 07/10/2016

Votando e aprendendo a votar

Não tenho o hábito de comemorar derrota de adversários, porque me lembro de que também já tive as minhas, aritmeticamente, humilhantes. No entanto, o resultado das eleições é uma espécie de confirmação eleitoral do fim de uma época.

Na verdade, o marco inaugural foi o impeachment, que muitos insistem em dizer que foi produto de uma articulação conservadora e dos meios de comunicação. Os defensores dessa tese têm uma nova dificuldade. Se tudo foi mesmo manobra de uma elite reacionária, se estavam sendo punidos pelo bem que fizeram, por que o povo não saiu em sua defesa nas urnas?

Sei que a resposta imediata é esta: a Operação Lava Jato, o bombardeio da imprensa, tudo isso produz uma falsa consciência. Esse argumento é uma armadilha. Nas cartilhas, exaltamos a sabedoria popular. Vitoriosos nas urnas, é para ela que apontamos, a sabedoria popular. De repente, foram todos hipnotizados pela propaganda?


Considero que estas eleições mostraram também uma grande distância entre campanhas e eleitores. No entanto, o declínio geral do sistema político não pode servir de refúgio para esconder a própria derrota.

Em certos momentos da História é difícil delimitar a fronteira entre um movimento político e uma seita religiosa. Mesmo antes do período eleitoral, tive uma intuição do que isso representa. Estava pedalando pela Lagoa, no Rio de Janeiro, e uma jovem com fone no ouvido gritou: “Golpista!”. Saía da natação, era uma bela manhã de setembro, sorri para ela.

Na verdade, estava a caminho de casa para ler o relatório da Polícia Federal sobre as atividades de Antônio Palocci que envolvem os governos do PT. Imaginava o que iria encontrar. Ao chegar em casa pensei nela, na moça com dois fios saindo do ouvido. Se pudesse ler isso que li e tudo o que tenho lido, talvez compreendesse o que é ser dirigido por uma quadrilha de políticos e empreiteiros.

Num raciocínio de rua, pensei ao cruzar com operários da Odebrecht que trabalham nas obras do metrô na Lagoa: esses são gentis, dizem bom-dia.

Bobagem de manhã de setembro, mas uma intuição: enquanto se encarar a queda de um governo que assaltou e arruinou o Brasil como um golpe de Estado, será muito difícil deixar os limites da seita religiosa e voltar à dimensão da vida política.

Há derrotas e derrotas. A mais desagradável é quando não existe uma única voz sensata, dizendo a frase consoladora: o pior já passou.

Quem lê o que se escreve em Curitiba, não só os contos de Dalton Trevisan, mas os relatórios da Lava Jato, percebe que muita água vai rolar.

As eleições não mostraram apenas uma derrota do PT, mas revelaram a agonia do sistema político. Certamente, as de 2018 serão ainda mais decisivas para precipitar a mudança.

Esse é um dos debates que já correm por fora. Às vezes, tocando em aspectos do problema, como o foro privilegiado, o número de partidos; às vezes, discutindo uma opção mais ampla, como a mudança do próprio regime.

Certamente, um novo eixo mais importante de debate se vai travar entre as forças que apoiaram o impeachment. Não são homogêneas, têm diferentes concepções.

A derrocada do populismo de esquerda não significa que não possa surgir algo desse tipo no outro lado do espectro político. Os eleitos de agora têm uma grande responsabilidade não somente com a aspereza do momento econômico, mas também com sua própria trajetória.

Se o sistema político está em agonia, isso não significa que será renovado a partir do zero. A História não começa nunca do zero. Um novo sistema político carregará ainda muitos feridos das batalhas anteriores. E talvez alguns mortos, por curto espaço de tempo.

Creio que o alto nível de abstenção e votos nulos possa fortalecer esse debate. Embora a abstenção elevada seja um fenômeno internacional.

No mesmo dias das eleições municipais no Brasil, a Colômbia votou o referendo sobre o acordo de paz. Abstenção: 62%. Na Hungria, votou-se o projeto europeu de cotas para receber imigrantes. O número de eleitores foi inferior a 50%, invalidando a votação.

Cada lugar tem também suas causas específicas para que tanta gente não se importe com algo que nos parece.

As eleições confirmaram que a qualidade dos políticos representa muito no aumento do descrédito. Mesmo em países com voto facultativo e, relativamente, altos níveis de abstenção, isso parece confirmar-se. Uma campanha como a de Obama atraiu mais gente para as urnas nos EUA.

Depois das eleições começa a etapa em que a superação da crise econômica entra para valer na agenda. Sempre haverá quem se coloque contra todas as reformas e projete nelas todas as maldades do mundo.

Mas entre os que consideram as mudanças necessárias é preciso haver a preocupação de que os mais vulneráveis não sejam atingidos. O instrumento para atenuar o caminho é um nível de informação mais alto sobre cada movimento.

Tenho a impressão de que o Ministério da Educação compreendeu isso na reforma do ensino médio. Outros fatores contribuem para que a discussão seja adequada ao momento. Várias vozes na sociedade já se manifestam a respeito da reforma.

E, além disso, é um tema bastante debatido. Lembro-me de que em 2008 Simon Schwartzman me alertou para o absurdo do ensino médio brasileiro. Defendi a reforma e não me recordo de ninguém que defendesse o ensino médio tal como existe hoje. Por que conter o avanço?

É o tipo do momento em que é preciso esquecer diferenças partidárias. Os índices negativos estão aí para comprovar.

O Congresso pode discutir amplamente o tema, apesar da forma, por medida provisória. Mesmo as críticas sobre a retirada da obrigatoriedade da educação física devem ser consideradas – embora eu ache a educação física facultativa mais eficaz que a obrigatória. E mais agradável para o corpo.

Fernando Gabeira

Petistas se queixam de Lula e cobram a renovação antecipada da cúpula do PT

A tragédia eleitoral que se abateu sobre o PT no primeiro turno das eleições municipais deflagrou um fenômeno inédito: a autoridade de Lula começa a ser questionada por alguns de seus próprios correligionários. Por ora, as críticas soam em ambientes internos. Longe dos refletores, petistas de mostruário acusam Lula de retardar a renovação da direção partidária. O movimento de cobrança começa a ganhar os contornos de uma onda.

Um petista histórico disse ao blog que deve procurar Lula para aconselhá-lo a se afastar da rotina partidária. Avalia que o ex-presidente deveria se dedicar em tempo integral à sua defesa, liberando o partido para apressar a substituição dos seus dirigentes, a começar pelo presidente, Rui Falcão. Afirma traduzir o sentimento de um número crescente de filiados insatisfeitos com o estilo centralizador que Lula imprime à sua liderança.

Os insatisfeitos desejam antecipar de dezembro de 2017 para o início do ano a escolha dos novos dirigentes. Antes da abertura das urnas municipais, falava-se em abril. Agora, uma parte dos descontentes já defende que o calendário seja encurtado para janeiro ou fevereiro. Reivindica-se também o fim do chamado PED, o processo de eleições diretas do PT. Alega-se que esse modelo favorece a corrente majoritária de Lula, Construindo um Brasil Novo.

Nos fundões do PT, critica-se também o rol de nomes cogitados como potenciais substitutos de Rui Falcão. A lista inclui o próprio Lula e duas alternativas endossadas por ele: o ex-ministro e ex-governador da Bahia Jaques Wagner e o senador Lindbergh Farias. Em menor ou maior grau, os três estão sob a mira da Lava Jato. E os petistas desgostosos receiam que, optando por um deles, o partido acabe virando a página para trás.

O Instituto Lula virou velório

O Instituto Lula anda mais deserto que enterro de indigente. Os empresários que patrocinavam o camelô de empreiteiras disfarçado de palestrante estão na cadeia ou usando tornozeleiras. Também se evaporou a fila de reitores interessados em transformar em doutor honoris causa o Exterminador do Plural que nunca leu um livro nem aprendeu a escrever. E os candidatos que faziam o diabo para enfeitar o palanque com o campeão de votos hoje fogem de Lula como o diabo da cruz.

Como até Dilma Rousseff tem mais coisas a fazer, o réu da Lava Jato dispõe de todo o tempo do mundo para conversar com os advogados que todo santo dia dão as caras por lá. O ex-presidente que não é visitado por ninguém acorda e dorme sonhando com algum milagre capaz de livrá-lo da visita à República de Curitiba ─ e com a algum álibi que torne menos penosa a visita ao juiz Sergio Moro. Não vai conseguir nem uma coisa nem outra.

O que já estava muito ruim ficou bem pior nesta semana. O acervo de maracutaias envolvendo o chefão foi ampliado com negociatas produzidas em parceria com seu sobrinho Taiguara Rodrigues. Há poucas horas, o ministro Teori Zavascki anexou o ex-presidente ao balaio dos indiciados no Quadrilhão.

Bom nome. No caso de Lula, quadrilha é pouco. Tudo em que se mete é superlativo.

Desconfie das jabuticabas

A maioria das democracias consolidadas dá início à execução de sentenças penais após a condenação em segunda instância. No Brasil, a regra formal vinha sendo a de esperar o trânsito em julgado, isto é, até que se esgotassem todas as possibilidades de recurso.

Em termos estritamente lógicos, é possível que o Brasil estivesse fazendo o certo, e o resto do mundo relevante, o errado. Mas tendo a desconfiar de jabuticabas. Numa análise probabilística, quando a maioria dos países que "deram certo" fazem de um jeito, e o Brasil, de outro, não é pequena a chance de que sejamos nós que estamos bobeando.

Paixão

Vejo com bons olhos, portanto, a decisão do Supremo, agora com caráter vinculante, que admite a possibilidade de que réus comecem a cumprir a pena de prisão após a confirmação da condenação pela segunda instância. Como os ministros mostraram na sessão de quarta-feira (5), há um apaixonante debate jurídico acerca do alcance da presunção de inocência que pode, a meu ver, resolver-se para qualquer um dos lados. Tanto a posição mais garantista, que exige o trânsito em julgado, como a mais rigorosa, que admite a execução antecipada de pena, são racional e juridicamente defensáveis.

O que me faz pender para a segunda são considerações logísticas. O Brasil já é o país com uma das piores e mais caras Justiças do mundo. Em proporção do PIB, gastamos aqui com Judiciário/MPs/Defensorias cinco vezes mais do que a Alemanha e nove vezes mais do que a França, e é difícil sustentar que obtenhamos um produto de qualidade comparável.

Uma das muitas razões para essa discrepância é que nossas instâncias iniciais não são efetivas, tendo-se tornado pouco mais do que etapas burocráticas de processos que só se resolvem nas cortes superiores. Se queremos uma Justiça menos jabuticaba, precisamos fortalecer a primeira e a segunda instâncias. A decisão do STF caminha nesse sentido.

Começar de novo

A implosão dos grandes partidos, que já deram o que tinham que dar, para o bem e para o mal, pode ser ótima para o Brasil e a democracia.
Resultado de imagem para explosão do pt charge 
O que sobrar deles, as melhores partes, espera-se, poderão se juntar em novos partidos, com novas pessoas, ideias e práticas.
Nelson Motta

PT amadurece decisão de mudar nome e sigla


Repensando o partido - Assista
Após o fracasso eleitoral do dia 2, ganhou força no PT a proposta de mudança de nome e de sigla, para evitar a debandada de militantes do partido devastado pela corrupção. O ex-presidente Lula e dirigentes petistas se assustaram com o resultado das urnas, mostrando que o PT encolheu 63%, e agora avaliam a necessidade de “mudar para sobreviver”, antes que a eleição de 2018 decrete a extinção do partido.

O temor no PT é que sua extinção venha a ser precipitada com a eventual prisão de Lula. Sem ele, o PT acabaria, avaliam dirigentes.

Estimativas internas indicam que em 2018 o PT somente deve eleger 30 deputados federais, se tanto. Hoje são 58, mas elegeu 70 em 2014.

Um obstáculo para o PT mudar de nome é a autoria da proposta: o ex-ministro Tarso Genro, é de facção contrária à de Lula, que o detesta.

Manifesto pacifista

Neste início de milênio, o mundo gasta em torno de um trilhão e meio de dólares com os orçamentos militares, quase a metade pelos Estados Unidos. Ao longo do século 20, num cálculo conservador, os gastos com armas passaram de 50 trilhões de dólares. As guerras produziram, direta e indiretamente, quase 200 milhões de cadáveres, segundo o historiador Eric Hobsbawm. Conclusão: cada cadáver custou 250 mil dólares!

made from human bones by Francois Robert, a statement about the consequences of war:
Francois Robert

Isso mesmo, faça a conta: 250 mil dólares para eliminar uma pessoa. O que é mais barato, matar ou manter a vida? Quantos neste mundo conseguem amealhar 250 mil dólares ao fim de décadas de trabalho? Quantas escolas podem ser construídas com essa fortuna? Por isso, a indústria bélica busca e fomenta conflitos em todo o planeta. Os países perdem, ela sempre sai ganhando. Matar dá muito dinheiro.

Cabe aqui uma pergunta para a espécie que se ufana da inteligência e da civilização: por que ainda preferimos semear a morte que manter a vida?
O convívio - com a aceitação das diferenças inerentes a cada povo e cada cultura - é uma utopia. A violência é a realidade. Agora e sempre?

Imagem do Dia

beautiful....:

A urna eletrônica e a jabuticaba

Nelson Rodrigues diagnosticou o complexo de vira-lata que assola a nacionalidade brasileira. Seu mais perceptível sintoma é dizer que se algo só existe no Brasil e não é jabuticaba, então não serve. A urna eletrônica é característica brasileira e não é jabuticaba, logo...

Em 1970, durante o milagre brasileiro, o partido governista, a Arena, venceu as eleições com facilidade. A partir de 1974, em virtude do influxo econômico decorrente da primeira crise do petróleo, a oposição, abrigada sob a frente denominada MDB, passou a lograr resultados eleitorais cada vez melhores. Em 1978, instituiu-se o “senador biônico”, não eleito pelo povo, o que garantiu à Arena a maioria no Senado.

Charge, humor, Noé, política, Brasil, falsidade, corrupção,:

Durante a gestão do general Figueiredo, a habilidade jurídica do ministro Leitão de Abreu foi extremamente necessária para desenvolverem-se casuísmos destinados a evitar o massacre eleitoral da Arena nas eleições de 1982. Nessa época, ao fim do bipartidarismo correspondeu o surgimento de partidos com numeração nacional, bem como eleições estaduais e municipais simultâneas em todo o Brasil. A coincidência de eleições era necessária porque o voto era vinculado — isto é, o eleitor devia votar em candidatos do mesmo partido, sob pena de ver seu voto declarado nulo — o que garantiria ao PDS, sucessor da Arena, maioria no Congresso.

A criação jurídica do voto vinculado é largamente atribuída ao brilhantismo de Leitão de Abreu.

Essa concepção uniformizadora, como várias outras questões estruturais do Brasil, não foi alterada pela atual Constituição. Conservando a ideia de partidos nacionais, com numeração nacional, ela manteve a coincidência nacional de eleições e a uniformidade nacional dos mandatos quadrienais.

Assim, a cada eleição, o Brasil exibe ao mundo gigantesca manobra militar, verdadeira ordem unida nacional, a qual, reverenciando Leitão de Abreu, bate continência às instituições eleitorais do regime militar. Somente nesse contexto, somente num país tão uniformizado, pode-se usar urna eletrônica. Como tal uniformidade não tem paralelo, é quase impossível aos demais países adotá-la.

A urna eletrônica, sintoma da permanência de instituições políticas do regime militar, é segura e evita as fraudes em papel. Ela não deve ser motivo de sensação do complexo de vira-lata.

A vergonha é não ter ocorrido, desde 1988, reforma política que permita a democratização do Brasil, enterrando de vez as instituições do regime militar.

Rodrigo Lopes e Felipe Deiab 

Que não seja apenas quadro na parede

A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam.
 Resultado de imagem para ulisses guimarães
Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública
Ulisses Guinarães

'Uma mulher desagradável'

Calma, leitor amigo. Como dizia Chopin, “não me compreenda tão depressa”. Já dava para suspeitar que se trata de Dilma. Só que a frase do título não é minha. Tanto que está entre aspas. É do ex-primeiro ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho. E está no novo livro de José António Saraiva, Eu e os Políticos – lançado no último fim de semana, em Portugal, e já esgotado. Saraiva, por quase 30 anos diretor do mais importante semanário de Lisboa, o Expresso, aproveitou as intimidades com políticos importantes da terrinha para entregar amantes, desafetos e indiscrições. Sonho com algo assim no Brasil de hoje. Iria ser divertido.

Ao ver esse livro nas montras, lembrei curiosa historinha que se conta no interior de Pernambuco. Dando-se que um poeta popular escreveu cordel com título Os Canalhas de Gravata. E não vendeu nada. Foi quando um espertinho comprou toda a edição e pôs, com caneta, um acento no último “a”. Passou a ser Os Canalhas de Gravatá. E vendeu tudo. Rápido. Na feira de Gravatá, claro. Afinal, todos temos curiosidade em saber os podres dos outros. Sobretudo políticos. É algo universal.

Resultado de imagem para dilma desagradável
Voltando ao livro de Saraiva, no capítulo dedicado a Passos Coelho, consta que, para ele, Dilma seria “Uma mulher presunçosa, arrogante, desagradável, roçando a má educação”. Após o que refere gafes que cometeu por lá. Como a que se deu na reunião ibero-americana de Cádis, em novembro de 2012. Quando Dilma passou horas conversando com o presidente de Portugal, Cavaco Silva, em espanhol (!!!). Comenta Passos Coelho: “Como se não soubesse quem ele era. Cavaco estava estupefato, sem saber o que fazer: Dilma era presidente do Brasil há dois anos e não o conhecia?”.

Noutra passagem, Dilma comunicou que visitaria oficialmente o país em 10 de junho (de 2013). E não, como seria de esperar, para se juntar às comemorações do Dia de Portugal. Qualquer diplomata em princípio de carreira sabe que qualquer outro dia, em função das festas, seria melhor que aquele. É como se alguma autoridade estrangeira quisesse reunir-se, com o presidente do Brasil, em 7 de setembro. Na hora do desfile. Um vexame. Tiveram que arrumar, de última hora, helicópteros para recebe-la. Passos Coelho diz, em tom de galhofa: “Inventamos uma cimeira que não existiu, pois ela não vinha preparada para isso”.

Fosse pouco, assim que saiu do avião, Dilma decidiu reunir-se com membros do PS. Partido que fazia dura oposição ao governo. O que equivaleria, por aqui, a visitar Lula, ou Rui Falcão, antes de reunir-se com Temer. O governo luso ficou arreliadíssimo. Enquanto Dilma, nem aí. E aproveitou para degustar, logo depois, um bom bacalhau no restaurante Eleven. Feliz. Também, amigo leitor, tendo Marco Aurélio Garcia (“Top-Top”) como assessor diplomático, ia querer o quê?...

Eleições. Campeões de originalidade, nessas eleições, foram dois candidatos a vereador. Um anão, cujo lema era “Dos males o menor”. E um cidadão, Antônio Carlos Alves – que, na Justiça Eleitoral, registrou-se como Ninguém. Seu slogan era: “Ninguém merece seu voto”. Verdade pura. Ninguém mesmo. Sobretudo Ninguém.

Navegante da democracia


“A caravela vai partir. As velas estão pandas de sonho e aladas de esperança. Posto no alto da gávea pelo povo brasileiro, espero um dia poder anunciar: “alvíssaras, meu capitão! Terra à vista! À vista a terra ansiada da liberdade!” – com essas palavras, o dr. Ulysses encerrou seu discurso de anticandidato à presidência da República, no plenário da Câmara dos Deputados. Acabara de ser indicado pelo MDB para enfrentar o tonitruante general Ernesto Geisel, imposto pelo Alto Comando das Forças Armadas para substituir o general Garrastazu Médici.

Não ia adiantar nada, pois as eleições presidenciais eram indiretas, pelo Congresso, onde o candidato militar dispunha de ampla maioria, garantida pela Arena, o partido do “sim”, frente ao partido do “sim, senhor”, o MDB. Coube ao grupo mais aguerrido da oposição, os “autênticos”, lançar a proposta da anticandidatura, aproveitando a brecha da lei eleitoral que permitia aos candidatos acesso à televisão e a percorrer o país em campanha.

A primeira decepção veio antes que Ulysses Guimarães começasse a discursar: as emissoras de televisão já posicionadas saíram do ar, por decisão do mais arbitrário dos presidentes da República, o general Garrastazu Médici. Depois, vieram proibições de toda ordem, até de comparecer às praças públicas, ocupadas por cães policiais. Mesmo assim, naquela manhã, com os jornais momentaneamente sem censura, o país tomou conhecimento de uma das mais belas páginas da literatura política do país.

Ulysses Guimarães, presidente do MDB, falou durante uma hora a um auditório de início desanimado, que aos poucos recebia vergastadas de democracia, ouvindo exortações como a anistia aos presos políticos e aos exilados, eleições diretas, liberdade de imprensa, restabelecimento do habeas-corpus e devolução do poder aos civis.

Quando concluiu a oração logo intitulada do “navegar é preciso”, recebeu prolongados minutos de ovações e de entusiasmo. Tornou-se o timoneiro da oposição, entregando-lhe uma nova carta de marear. Enfrentou todo tipo de obstáculos até o restabelecimento da democracia.

Agora que se celebram cem anos do nascimento do maior dos seus combatentes, lembra-se que a travessia terminou onde começou: o dr. Ulisses desapareceu no mar, sem que seus despojos jamais tenham sido encontrados. Ainda navega na lembrança de todos nós.

Tem alguém aí?

Eu achava que detinha algum conhecimento, ao menos o suficiente para conseguir atravessar os dias identificando o terreno onde pisava. Lembro inclusive de ter sido uma criança com ares de veterana, topetuda, mas o tempo passou, a roda girou, e hoje, à medida que os dias se sucedem, mais amadora me sinto. Em algum momento dei uma cochilada e esse breve instante de distração foi suficiente para o mundo fazer um looping e me desalojar. Acordei agorinha e estou me desconhecendo. Não me transformei numa barata, e sim numa moscona — cada um com sua metamorfose. O fato é que não sei de mais nada. Estou nauseada, boiando nesse mar de opiniões contundentes. Quero voltar a pisar em terra firme, mas para isso preciso que alguém me resgate.

Tem alguém aí?

Tem alguém aí que ainda duvide de alguma coisa? Dúvida é a ausência de certeza. Não costumava ser pecado mortal ter dúvida, tínhamos várias e de certa forma era um estado de alerta positivo, nos conduzia à investigação, ao aprofundamento dos fatos e de nós mesmos. Só que para esclarecer as dúvidas era preciso paciência.
"Porque é depois de conhecermos as Estrelas, que passamos a andar pela terra com o olhar virado para o céu.":

Tem alguém aí com paciência? Paciência é a virtude de saber esperar e de ser perseverante. Esperar. Lembra esperar? É, faz tempo. Coisa que não há mais. Não há mais tempo para pensar antes de responder, pensar antes de agir, pensar antes de acusar, pensar antes de ofender. Ninguém dedica nem dois minutos a fim de se portar com civilidade, nem meio minuto para escolher entre o sim e o não. Hesitou, perdeu. Azar o seu.

Tem alguém aí com compaixão?

Compaixão é o sentimento de identificação com quem sofre ou passa por dificuldades. Muito nobre, mas para que serviria compaixão, alguém saberia dizer? Temperar saladas, evitar rugas, ganhar dinheiro? Antigamente servia para temperar amizades, evitar conflitos, ganhar paz de espírito. Pouco lucrativo, entendo.

Tem alguém aí não querendo ganhar nada com isso?

Agride-se. Persegue-se. Humilha-se. Debocha-se. Patrulha-se. Quanto mais se pega no pé, mais se ganha em estatura. Se eu flagro o outro no erro, ponto pra mim. Deixo claro que o bom sou eu. Que o certo sou eu. É a forma mais rápida de se autoelogiar sem dar muito na vista.

O que tenho visto? Muita gente eloquente, inteligente, posicionada, articulada, bem-resolvida, politizada e não aceitando vacilações: julgamento sumário para quem não estiver do meu lado. Em outra encarnação, devo ter tido carteirinha desse clube, mas como eu dizia no início do texto, dormi no ponto, não paguei todas as mensalidades, mosqueei.

Tem alguém aí que não é tão bom? Que não sabe tudo? Que está meio perdido?

Então segura aí, me espera, vou com você. Também não estou me achando.