sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A urna eletrônica e a jabuticaba

Nelson Rodrigues diagnosticou o complexo de vira-lata que assola a nacionalidade brasileira. Seu mais perceptível sintoma é dizer que se algo só existe no Brasil e não é jabuticaba, então não serve. A urna eletrônica é característica brasileira e não é jabuticaba, logo...

Em 1970, durante o milagre brasileiro, o partido governista, a Arena, venceu as eleições com facilidade. A partir de 1974, em virtude do influxo econômico decorrente da primeira crise do petróleo, a oposição, abrigada sob a frente denominada MDB, passou a lograr resultados eleitorais cada vez melhores. Em 1978, instituiu-se o “senador biônico”, não eleito pelo povo, o que garantiu à Arena a maioria no Senado.

Charge, humor, Noé, política, Brasil, falsidade, corrupção,:

Durante a gestão do general Figueiredo, a habilidade jurídica do ministro Leitão de Abreu foi extremamente necessária para desenvolverem-se casuísmos destinados a evitar o massacre eleitoral da Arena nas eleições de 1982. Nessa época, ao fim do bipartidarismo correspondeu o surgimento de partidos com numeração nacional, bem como eleições estaduais e municipais simultâneas em todo o Brasil. A coincidência de eleições era necessária porque o voto era vinculado — isto é, o eleitor devia votar em candidatos do mesmo partido, sob pena de ver seu voto declarado nulo — o que garantiria ao PDS, sucessor da Arena, maioria no Congresso.

A criação jurídica do voto vinculado é largamente atribuída ao brilhantismo de Leitão de Abreu.

Essa concepção uniformizadora, como várias outras questões estruturais do Brasil, não foi alterada pela atual Constituição. Conservando a ideia de partidos nacionais, com numeração nacional, ela manteve a coincidência nacional de eleições e a uniformidade nacional dos mandatos quadrienais.

Assim, a cada eleição, o Brasil exibe ao mundo gigantesca manobra militar, verdadeira ordem unida nacional, a qual, reverenciando Leitão de Abreu, bate continência às instituições eleitorais do regime militar. Somente nesse contexto, somente num país tão uniformizado, pode-se usar urna eletrônica. Como tal uniformidade não tem paralelo, é quase impossível aos demais países adotá-la.

A urna eletrônica, sintoma da permanência de instituições políticas do regime militar, é segura e evita as fraudes em papel. Ela não deve ser motivo de sensação do complexo de vira-lata.

A vergonha é não ter ocorrido, desde 1988, reforma política que permita a democratização do Brasil, enterrando de vez as instituições do regime militar.

Rodrigo Lopes e Felipe Deiab 

Nenhum comentário:

Postar um comentário