sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Navegante da democracia


“A caravela vai partir. As velas estão pandas de sonho e aladas de esperança. Posto no alto da gávea pelo povo brasileiro, espero um dia poder anunciar: “alvíssaras, meu capitão! Terra à vista! À vista a terra ansiada da liberdade!” – com essas palavras, o dr. Ulysses encerrou seu discurso de anticandidato à presidência da República, no plenário da Câmara dos Deputados. Acabara de ser indicado pelo MDB para enfrentar o tonitruante general Ernesto Geisel, imposto pelo Alto Comando das Forças Armadas para substituir o general Garrastazu Médici.

Não ia adiantar nada, pois as eleições presidenciais eram indiretas, pelo Congresso, onde o candidato militar dispunha de ampla maioria, garantida pela Arena, o partido do “sim”, frente ao partido do “sim, senhor”, o MDB. Coube ao grupo mais aguerrido da oposição, os “autênticos”, lançar a proposta da anticandidatura, aproveitando a brecha da lei eleitoral que permitia aos candidatos acesso à televisão e a percorrer o país em campanha.

A primeira decepção veio antes que Ulysses Guimarães começasse a discursar: as emissoras de televisão já posicionadas saíram do ar, por decisão do mais arbitrário dos presidentes da República, o general Garrastazu Médici. Depois, vieram proibições de toda ordem, até de comparecer às praças públicas, ocupadas por cães policiais. Mesmo assim, naquela manhã, com os jornais momentaneamente sem censura, o país tomou conhecimento de uma das mais belas páginas da literatura política do país.

Ulysses Guimarães, presidente do MDB, falou durante uma hora a um auditório de início desanimado, que aos poucos recebia vergastadas de democracia, ouvindo exortações como a anistia aos presos políticos e aos exilados, eleições diretas, liberdade de imprensa, restabelecimento do habeas-corpus e devolução do poder aos civis.

Quando concluiu a oração logo intitulada do “navegar é preciso”, recebeu prolongados minutos de ovações e de entusiasmo. Tornou-se o timoneiro da oposição, entregando-lhe uma nova carta de marear. Enfrentou todo tipo de obstáculos até o restabelecimento da democracia.

Agora que se celebram cem anos do nascimento do maior dos seus combatentes, lembra-se que a travessia terminou onde começou: o dr. Ulisses desapareceu no mar, sem que seus despojos jamais tenham sido encontrados. Ainda navega na lembrança de todos nós.

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