domingo, 17 de abril de 2016

E agora?

Este é tempo de partidos, tempo de homens partidos. O eco de versos de Drummond nos acompanha nestes dias.

Esse é tempo de divisas, tempo de gente cortada.

Um tempo em que estamos diante de uma escolha de Sofia, tendo de optar entre situações repelentes. Qualquer que seja a alternativa, o resultado será desastroso, deixará ressentimentos, frustrações, cobranças, hostilidade, um clima impossível para reconstruir a economia destruída e a convivência política em frangalhos. Não se discute uma agenda ou um projeto, o país está paralisado, o governo fica só às voltas com seu balança-mas-não-cai, a comprovar que, embora tenha decidido que está acima das leis, não consegue se desvencilhar da lei da gravidade. E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?

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Vira-se a página mas a agonia não acaba. Pior ainda… a festa era ilusão, mal deixou lembrança boa. Mas fomos arrastados a essa situação. Mesmo quem sempre soube que não se trata de golpe mas inicialmente não era favorável ao impeachment, cansou de esperar em vão que se colocassem outras alternativas além dessa punição prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal. À medida que as coisas avançaram, constatados os crimes de empréstimo proibido de bancos públicos, sobretudo em ano eleitoral, e mais os créditos não autorizados pelo Congresso, em vão se passou pelo cartão amarelo das advertências e ressalvas dos tribunais no exame das contas. Em vão se esperou um reconhecimento do erro, um pedido de desculpas, uma garantia de não repetir o crime, uma explicação que fosse além da mentira de dizer que era necessário por causa dos benefícios sociais e não por benesses a empreiteiros e campanhas eleitorais de marketing milionário. Como se a ínfima proporção estatística do Bolsa Família e outros programas pudesse fazer frente aos gastos exorbitantes que ajudam a compor a Bolsa Amém, de compra de apoio e créditos subsidiados. E quem preferia não seguir para o trauma do impedimento acabou tendo de ceder para não ser cúmplice da impunidade, diante do desprezo à responsabilidade como valor e das descaradas manobras de obstrução da Justiça, incluindo até termo de posse antecipado para o caso de necessidade e edição extra do Diário Oficial, em meio a um crescendo de ataques às instituições e de provocação às pessoas de bem.

O ideal para evitarmos que as coisas chegassem a esse ponto seria termos parlamentarismo. A Constituição de 88 até caminhara nesse sentido, mas acabou dando nesta coisa híbrida e estéril onde atolamos, porque interesses de presidenciáveis na ocasião impediram que ela confirmasse o que seu arcabouço se preparara para acolher. Só que não é hora de querer essa saída como casuísmo, só para se livrar da crise imediata. Tem de ser amadurecido, numa discussão equilibrada e sempre recusada. E agora, José?

Debate amadurecido anda em falta. Ainda outro dia, o ex-ministro do STF Ayres Brito se queixava de que o debate está infantilizado e maniqueísta, na base do herói ou vilão e é necessário um chamamento ao entendimento. Vamos precisar muito disso na reconstrução do país. Por exemplo, deve-se criticar os excessos e qualquer atitude ilegal nas investigações mas quem tem de dar a última palavra sobre isso é o Supremo, não uma campanha sistemática de desqualificação das instituições dirigida à opinião publica nacional e estrangeira. Equilíbrio e sensatez são fundamentais para sairmos dessa insanidade geral. Para o bem do país é preciso unir o Brasil acima dos partidos e das torcidas inflamadas, assumindo responsabilidade pelas decisões a tomar e passando confiança à nação, sem o pensamento mágico infantil de se apresentar como Salvador da Pátria ou pintar o adversário como o inimigo público número 1. Há tarefas muito duras pela frente, quando só no estado de São Paulo mantém-se há mais de um ano a média diária de 13.000 demissões e 20 fábricas fechando. Como assinalam Cesar Benjamin e outros, o ciclo de distributivismo sem reforma que marcou os governos do PT foi superficial e já terminou. E agora, José?

Essas reformas necessárias têm de ser discutidas a sério — e não apenas na economia ou na legislação trabalhista. Estamos vivendo uma profunda crise na democracia representativa, que leva o eleitor a não se sentir representado por quem elege. Seja porque as campanhas marqueteiras mentem e enganam, seja porque o sistema partidário trai o voto, tem partido demais, deputado demais, qualidade de menos, ética de menos. Democracia é meta, não pode ser tática eleitoreira. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Procuro a citação exata que me dança na memoria. Você marcha, José, para onde? Abro a antologia a esmo e encontro outro poema, “Pneumotórax”, de Manuel Bandeira. Talvez seja a resposta para estes dias tristes:

A vida inteira que podia ter sido e não foi. (…) A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Ana Maria Machado 

Um líder bufão

O vídeo gravado por Lula mostra claramente o desespero de um homem derrotado, de um líder bufão, que ocupou por mais de uma semana um apartamento de luxo de um hotel em Brasília para convencer ($) deputados de que a Dilma não poderia desocupar o Palácio do Planalto, que o impeachment é golpe. A voz gasguita é de quem cansou de falar em vão, porque o resultado certamente será desfavorável ao seu partido e, a Dilma, que nunca governou o país, simplesmente deixa o palácio pela porta dos fundos.

Lula, se a decisão deste domingo for desfavorável, vai desocupar o apartamento de luxo, mas a gerência do hotel precisa ficar de olho com a conta, pois os antecedentes dele e de seus parceiros que ocuparam os imóveis, não são recomendáveis. Se a hospedagem foi paga com dinheiro do governo, o Ministério Público deverá investigar porque o contribuinte não pode pagar a conta de um bando de gente que ocupou um hotel cinco estrelas para fazer lobby político.

Lula chegou a Brasília há dias como um super-homem da política. Falou aos ventos das suas qualidades e da sua habilidade de convencimento. Recebeu parlamentares diariamente, confabulou, e ofereceu ministérios e cargos públicos em todos os órgãos do governo, mas se frustrou. Falava em nome de um partido natimorto, desqualificado e acusado de corrupção. Perdeu a credibilidade e a confiança para continuar argumentado a favor da Dilma. Cansou e entregou as armas quando a Dilma, numa entrevista, jogou a toalha dizendo-se “carta fora do Trabalho” depois da votação do impeachment.

No vídeo que divulgou à população, Lula tem dificuldade de falar, mostra uma expressão de desespero porque sabe, como ninguém, que o afastamento temporário da Dilma pode deixá-lo desprotegido e nas garras do juiz Sergio Moro que, desde o início da semana, colhe com precisão cirúrgica, o depoimento da delação premiada de Marcelo Odebrecht, presidente da empresa, que tenta reduzir a sua pena entregando as maracutaias petistas.

Com o afastamento da Dilma Lula perde todos os “privilégios” que o STF outorgou sem nenhuma base jurídica legal, quando avocou o seu processo à Corte Suprema.

A preocupação do Lula procede porque ele sabe que envolveu sua família no escândalo, deixando-a vulnerável às investigações da Lava Jato. Além disso, abandonou centenas de amigos quando não os defendeu publicamente, a exemplo de Zé Dirceu, Vaccari e tantos outros que amargam cadeia.

Depois deste domingo, se a Dilma for impedida de governar, Lula perde o poder que tinha no governo da amiga. A caneta seca e, com ela, evapora-se o poder do homem que mandou e, principalmente, desmandou no país. Assistirá também a redução dos movimentos sociais nas ruas, porque os líderes vão entender que seus direitos sociais não serão mexidos com o novo governo porque são constitucionais, baseados em leis. Quanto as centrais sindicais, estas aos poucos vão se integrar ao novo governo, com exceção da CUT, sob o risco de desaparecem sem o dinheiro do FAT que as alimentam e as alienam.

Resta ao Lula e a Dilma uma aposentadoria confortável como ex-presidentes e anistiados, o que não acontece com os brasileiros comuns que veem desaparecer o seu minguado dinheiro corroído pela inflação e pela estagnação da economia, herança maldita que os dois deixam ao povo brasileiro.

É o fim

Entre 130 e 135 votos declarados em um colégio de 513 deputados. Isso é o máximo que a presidente Dilma Rousseff, o ex Lula, o PT e companhia conseguiram arregimentar em meses de despudoradas barganhas para evitar o impeachment. Um fiasco que, independentemente do resultado da votação deste domingo, sepulta o governo.

Sem rodeios: um governo que aposta na omissão como única hipótese de não ser derrotado e que sem qualquer escrúpulo compra a peso de ouro a ausência de parlamentares em sessão de votação, inexiste. Acabou. E há tempos.

Objetivamente, Dilma sempre foi um desastre.


Os anos de seu primeiro mandato já não tinham sido fáceis. Talvez pela herança de casa arrombada que Lula deixou. Mas os desmandos de 2013, como a explosão do crédito e a redução populista das tarifas de energia - uma mistura venenosa de soberba e voluntarismo -, derrotaram de vez a economia. As contas públicas, mesmo pedaladas, começaram a não fechar. A roubalheira na Petrobras emergiu, a seleção brasileira tomou de 7 a 1 da Alemanha, dentro de casa, naquela que seria “a Copa das Copas”.

Dilma se reelegeu depois de, com mentiras e artimanhas, fazer o diabo. Muita mentira, reconhecida até pelo seu inventor. “Tivemos um problema político sério, porque ganhamos a eleição com um discurso e depois das eleições tivemos que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer”, admitiu Lula, em outubro do ano passado.

O governo que já era uma catástrofe conseguiu quase o impossível: piorar. E muito mais.

Em 2015, Dilma fingiu tentar um ajuste fiscal que, por oposição do PT e aliados, pouco saiu do papel. Ainda assim, é ao ajuste fiscal que não existiu – basta olhar o descalabro das contas governamentais -- que Dilma, Lula e o PT atribuem o insucesso do primeiro ano do segundo mandato. Ao ajuste necessário que Dilma não fez, soma-se a Operação Lava Jato, que, de acordo com a inteligência bandida de Lula, emperra o crescimento do país, como se o investigador, e não o meliante, fosse o culpado pelo crime.

E o ano de 2016 não começou. Há meses o impeachment é pauta única. Para evitá-lo, o governo tentou de tudo: comprar deputados com cargos e verbas, incentivar exércitos de movimentos sociais, judicializar até as vírgulas. E, de acordo com a colunista Dora Kramer, pode até decretar Estado de Defesa para valorizar a posição de vítima.

Papel predileto sempre que se veem encurralados, as “vítimas” Dilma, Lula e PT não devem parar por aí. Já fazem correr aos quatro cantos que, se derrotados, vão incendiar o país. Lula garantiu que não sairá das ruas e não dará trégua a Temer. “Não estaremos nessa de união nacional, não vamos colaborar”. Nada de novo, já que nunca colaborou. O PT e ele não assinaram a Constituição de 1988, ajudaram a destituir Collor e viraram as costas para Itamar Franco, demonizaram o Plano Real.

Até aqui, o governo experimentou diferentes adaptações de discursos. Primeiro, taxou a previsão constitucional de impeachment como golpe. Mudou o tom depois de o STF negar a existência de artigos golpistas na Constituição. Passou então a acrescentar a ausência de crime para subsidiar o impedimento. Agora, anuncia que um governo do vice seria ilegítimo, por não vir das urnas, brigando de novo com a Constituição que prevê o vice como substituto do titular.

Os governistas que restam ainda tentam faturar com a impopularidade do deputado Eduardo Cunha, enrolado até acima do pescoço em bandidagens de vários matizes.

Vendem a ideia de que o impeachment é vingança de Cunha, escamoteando o fato de que o rito foi ditado e referendado pela Suprema Corte. E, sem pudor, inventam o cerne do “golpe”: Cunha mancomunou-se com Michel Temer porque na linha sucessória o presidente da Câmara é vice e, portanto, pode vir a substituir Temer. Fazem de conta que não sabem que, desde que se tornou réu, Cunha não pode assumir a Presidência da República.

Põem fogo nos “nem-nem”, que, ao rejeitar Dilma, Temer e Cunha, negariam votos ao impeachment e evitariam a derrota da presidente. Podem até obter sucesso. Mas o resultado pífio da votação, com menos de um terço da Câmara, associado à incapacidade, inépcia e incompetência demonstradas nos últimos anos, inviabilizam por completo Dilma como mandatária.

Aprovado, o impeachment só oficializa algo que há tempos o país já vive: o fim de um governo que não existe.

Os protagonistas da crise

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Chegou o dia D. O dia da decisão. Há poucas dúvidas sobre a aprovação do pedido de impeachment da presidente da República Dilma Rousseff pela Câmara Federal. As projeções mostram uma votação bem acima dos 342 votos necessários para o recurso passar pelo crivo da representação popular. O fato merece uma avaliação mais acurada, a partir da questão central que se coloca: a presidente pode ou não ser afastada pelo crime de pedalada fiscal? Transferir recursos de uma rubrica para outras finalidades é ou não crime? O Tribunal de Contas da União já deu sua resposta: é, sim. Mas a Advocacia Geral da União alega que esse “crime” não foi cometido. A par da pendenga jurídica, transparece o argumento de que o afastamento da presidente do assento presidencial ganha o empuxo de outro fator: a mancha de lama que cobre a era petista no poder.

Veja-se a situação sob outro prisma: com a economia nos trilhos, mercado de trabalho em alta, inflação controlada, serviços públicos de alta qualidade, administração sem escândalos, controle absoluto dos cronogramas, espaço na administração ocupado por quadros meritórios, governo aprovado pela imensa maioria da população, haveria condições de se afastar a presidente por ilícito de pedalada fiscal? Pouco provável. Dilma está sendo empurrada para fora do Palácio do Planalto pela moldura caótica do país. Para muitos, transferências ou desvios de recursos de uma rubrica para outro não seriam, por si só, argumentos para apear Sua Excelência. Haveria condição menos traumática? Sim. A renúncia. Mas tal posicionamento não combina com sua índole.

E como têm se comportado os protagonistas principais do processo em curso? Façamos ligeira análise. A Suprema Corte age quando é acionada. Mesmo assim, emerge a hipótese de que contribui, e muito, para judicializar a política. Veja-se a decisão sobre o fluxo do voto. É de competência do Supremo passar horas debatendo como devem votar os deputados? Que coisa mais extravagante a ideia de definir o roteiro de votação pela latitude e longitude dos entes federativos em relação a Brasília. O fato é que, ao longo das últimas semanas, a Alta Corte adentrou perigosamente o território do Legislativo, sob a defesa esquisita do seu presidente Ricardo Lewandowski, para quem, nesses tempos de gravidade, apesar de não serem eleitos, os integrantes do STF têm legitimidade para “rever” atos de outros Poderes. Mesmo atos políticos como um processo de impeachment. Ele e Marco Aurélio Mello defendem o obtuso conceito de que decisão política do Parlamento pode ser derrubada pelo Supremo.

O advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, emerge como protagonista da agonia da presidente. Mais parece um advogado tentando adiar os estertores de seu cliente. Não se omitiu. Um leão derrotado. Mas cabe ao presidente da Câmara o destaque como protagonista do impeachment. Trata-se de um equilibrista, matreiro, profundo conhecedor dos meandros da Casa parlamentar que dirige. É inacreditável como o alvo preferencial do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, tem se desviado de flechadas a ele dirigidas. Acumula denúncias junto ao STF, mas se mantém firme na condução do processo de afastamento de Dilma. Mesmo que seja obrigado a se afastar do comando da Câmara, tem, ainda, uma sobrevida, bastando anotar a recente operação de mudança na composição do Conselho de Ética, onde sofre processo para cassação de mandato.

Lula, como protagonista-comandante das tropas de defesa de Dilma, tem perdido batalhas. Nem conseguiu ser nomeado ministro e tudo indica que não o será, ante a possibilidade de afastamento da presidente por 180 dias, conforme reza o rito do processo de impeachment no Senado. Nesse ínterim, tanto ela como Lula, sem o foro privilegiado, ficam sob as luzes e a lupa da República de Curitiba. Ante a recente avalanche de delações premiadas – incluindo a delação bombástica de Marcelo Odebrecht – projetam-se nuvens plúmbeas sobre seu futuro imediato. Para eles, os tempos de borrasca continuarão.

O vice Michel Temer continuará a ser o protagonista-mor do ciclo político-administrativo que se abre. Com seu perfil de moderação, experiente político que é, tendo sido três vezes presidente da Câmara dos Deputados, Temer terá muitos desafios nos próximos meses. Entre eles, destacam-se: 1. Resgatar a confiança da sociedade – consumidores, setores produtivos e organizações sociais por meio de programas que possam gerar credibilidade; 2. Formar uma equipe de quadros de qualidade, respeitados e admirados; 3. Administrar as pressões de partidos e lideranças que lhe dão apoio, particularmente no que se refere à ocupação de espaços na administração; 4. Sinalizar com um programa de significativas mudanças, marcando avanços na frente da economia e na consolidação da infra-estrutura social; 5. Resgatar o interesse internacional pelo país, significando a volta dos investimentos; 6. Conter a onda crítica a ser deflagrada por movimentos que, na era lulodilmista, tem agido na órbita do Estado, como Centrais Sindicais; 7. Mostrar disposição de abrir os canais do Parlamento para intensa interação com a representação política; 8. Propiciar condições para a abertura de um ciclo de grandes reformas, entre as quais a reforma política, a reforma tributária, a reforma da previdência, a reforma trabalhista e a reforma do pacto federativo.

Quanto a Dilma, terá grande espaço para se recuperar do impacto causado pelo afastamento (temporário? definitivo?) e juntar forças ao lado de Lula para voltar a assentar na cadeira presidencial. Será desconfortável para ela viver no Palácio da Alvorada, porém longe do Palácio do Planalto. Estará cercada por uma equipe de reanimação e sob os conselhos pontuais de Luiz Inácio, para quem a melhor opção será a de vê-la definitivamente afastada do poder. Se isso ocorrer ganhará tempo para fazer o que sabe: correr o país em caravana, subir aos palanques estaduais e execrar “esse governo golpista”. Lula se sente bem no papel de oposicionista-mor.

E as ruas? Tendem a se acalmar ante a hipótese de um governo de salvação nacional. Tendem a continuar cheias de tensão caso a crise não dê sinais de contenção.

O futuro do Brasil em jogo

O petismo, nas últimas semanas, tentou desesperadamente frear a marcha do impeachment. No front político, colocou o governo à venda, oferecendo ministérios e cargos de escalões superiores a qualquer deputado que se comprometa a votar em favor de Dilma ou simplesmente se ausente da sessão decisiva; no front social, pôs os “movimentos sociais” para ameaçar o caos nas ruas se Dilma for derrotada (na sexta-feira, eles já interditaram diversas rodovias); e, no front da linguagem, abandonou o simplório slogan “impeachment é golpe” para refinar um pouco a argumentação, alegando que “impeachment sem crime de responsabilidade é golpe”, com a mensagem implícita de que Dilma não teria cometido tal crime. Pois este domingo é o dia em que o Brasil, por meio de seus representantes eleitos, pode dar a resposta adequada.

Em primeiro lugar, porque, como mostramos em nosso editorial desta sexta-feira, os crimes de responsabilidade cometidos por Dilma Rousseff, com suas maquiagens orçamentárias que extrapolaram qualquer limite, são evidentes. É por eles que a presidente será julgada. A manipulação das contas públicas é a demonstração cabal de descaso pelos recursos tirados do contribuinte por meio dos impostos, e não é à toa que o legislador a considerou grave o suficiente para caracterizá-la como infração merecedora do impeachment. É verdade que “impeachment sem crime de responsabilidade é golpe”, mas é igualmente verdadeiro que, no caso em questão, não há golpe nenhum em curso. Os fundamentos jurídicos do pedido assinado por Hélio Bicudo, Janaina Paschoal e Miguel Reale Jr. são irrefutáveis e a evidência é avassaladora.

Em segundo lugar, porque, ao não esboçar a mínima repreensão quando líderes como Vagner Freitas (da CUT) e Aristides Santos (da Contag) falam – em pleno Palácio do Planalto! – em “armas na mão” e em “ocupar gabinetes” de deputados, Dilma mostra que consente com o uso dos “movimentos sociais” – que são, na verdade, entidades-satélites do petismo – e com sua retórica violenta, demonstrando o desapreço do petismo pelas instituições. É isso que faz Lula afirmar que, caso Dilma perca na Câmara e seja eventualmente afastada pelo Senado, não sairá mais das ruas contra o que chama de “governo ilegítimo”. O Brasil não pode se intimidar, não pode deixar de fazer a coisa certa por causa de ameaças e bravatas de quem só dá valor às instituições quando elas estão a serviço de um partido político.

E isso nos leva ao terceiro ponto: a derrota do impeachment neste domingo será a confirmação de um modo abjeto de fazer política, em que mandatários e parlamentares enxergam cargos e órgãos públicos como propriedade particular. Se o feirão organizado por Dilma se tornar o fator decisivo para que a votação deste domingo termine em favor da presidente, a esperança de uma moralização da política sofrerá um enorme abalo. Se a impunidade prevalecer, os deputados estarão dizendo ao Brasil que o crime compensa – basta comprar as pessoas certas, ou se vender às pessoas certas, contando que a memória curta do brasileiro lhes garantirá uma “absolvição” nas urnas, seja em outubro próximo, quando vários parlamentares tentarão se tornar prefeitos, seja em 2018, quando eles tentarão a reeleição ou outros cargos.

A votação deste domingo não será a definitiva – ainda que prevaleça o impeachment, será preciso que o Senado promova o julgamento –, mas é decisiva, porque será um indicativo de nosso grau de tolerância. Sabemos que muitos votarão pelo impeachment guiados mais por conveniência que por convicção. Sabemos que o Congresso é comandado por duas figuras indignas até mesmo de exercer mandato, quanto mais de presidir casas legislativas. Mas, se temos de um lado da balança um impeachment justo conduzido por maus políticos, do outro a alternativa é aceitar o estabelecimento da corrupção sistemática dentro do governo, premiar o toma-lá-dá-cá, fechar de vez os olhos à manipulação das contas públicas, resignar-se à condição de reféns das ameaças de CUT e MST. Isso não podemos tolerar de forma alguma.

A dama de espadas e o valete de paus

Não há ouros nem copas nesse baralho viciado do poder. Se existe alguma carta fora do baralho é a população iludida, falida e desprezada pelos governantes, federais, estaduais e municipais, e seus representantes no Congresso. As outras cartas fora do baralho são a Ética e o Orçamento. O Brasil de hoje é o Brasil do caos e da irresponsabilidade – na Educação, na Saúde, na Segurança Pública, na Previdência, na Infraestrutura. Só a liberdade de expressão e a democracia nos salvam.

Estamos entre a dama de espadas Dilma Rousseff e o valete de paus Michel Temer, dois zeros à esquerda ou à direita, dois políticos sem carisma, sem planos consistentes, sem uma história política que os credencie a liderar 200 milhões de brasileiros. Uma chapa de doer essa, Dilma e Temer. Dois presidentes acidentais. A diferença entre eles é que uma já fracassou. O outro... está recebendo o beija-mão no Jaburu e gravando áudios de posse antecipada.

Dilma era e sempre foi um poste. Na falta de companheiros afastados por malfeitos, como José Dirceu e Antonio Palocci, nomes preferidos por Lula, Dilma foi eleita com os votos emprestados do líder das massas. Lula continua um dos maiores favoritos para a eleição de 2018, mesmo que, para uma multidão de brasileiros de todas as classes sociais, ele possa ser na verdade “o chefe da quadrilha”.

O “trunfo” de Dilma, para Lula, era ser mulher e gerente durona, além de “especialista em energia” e ex-presidente do Conselho de Administração da Petrobras (!). A presidente decidiu, ao assumir, que seria chamada de “presidenta” e provou ser uma “gerenta incompetenta”. Cercou-se de amigas que não sabiam gerir nada além de seu próprio patrimônio, como Erenice Guerra, acusada de usar a Casa Civil para fazer negócios escusos no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda). Negócios que podem ter causado aos cofres públicos um prejuízo de mais de R$ 19 bilhões.

A mãe do PAC deveria ter acelerado o Crescimento, mas acelerou o Caos e a Corrupção das empreiteiras. Cavou uma cratera com sua irresponsabilidade fiscal e levou com ela todos os que achavam ter virado classe média. Errou na condução tresloucada da economia, errou ao resistir a admitir seus erros. Só propôs um pacto nos últimos minutos do jogo, pouco antes do apito do juiz.

Caso a dama de espadas, Dilma Rousseff, se faça de vítima no processo de impeachment, que identifique seu algoz: ela mesma. Não conseguiu – nem tentou – conquistar o amor de ninguém. Não escutava. Não fazia contas. Era arrogante. Pedalou de capacete, sem ouvir alertas sobre nada: Pasadena, Belo Monte, Petrobras. Dilma é tão surda que liberou, na última semana, a fosfoetanolamina, a tal “pílula do câncer”, nunca testada em humanos, uma falácia condenada por toda a comunidade científica! Populista de raiz, até o fim.

E seu eventual sucessor, o decorativo Michel Temer? Temer é adulado por gregos e troianos, por notáveis e desconhecidos, mas também criticado por quem deveria ser seu aliado, o presidente do Senado, Renan Calheiros, preocupado em “não apequenar” sua biografia ou sua ficha corrida. Temer conseguirá ser tão odiado quanto Dilma se assumir este mandato de transição? Alguém enxerga em Temer o salvador nacional? Na hipótese de o impeachment vingar, se Temer tentar blindar o réu Eduardo Cunha e tentar conter a Lava Jato, se não cortar gastos públicos e se não fizer um governo austero, se não acertar na economia e no planejamento, cairá em desgraça. Além de ouvir panelaços rapidinho, servirá de trampolim para a eleição de Lula em 2018.

Temer pode se arrepender de não ter permitido a Dilma se afundar em seu próprio pântano até a próxima eleição. Os “salvadores” de agora representam sim oligarquias locais corruptas. Mas foram eles os maiores aliados do PT, os principais alicerces de Lula. Que os petistas nunca se esqueçam disso. Os governos de Lula e Dilma compraram a amizade dos Malufs e Malafaias. E agora pagam caro. Ou barato, a História dirá.

Sim, o Brasil precisa se unir. Precisa respeitar as diferenças e acabar com a histeria. Precisa de verdadeiros líderes que promovam a moralidade e o entendimento, como me disse em Brasília a ministra do Supremo Cármen Lúcia, em entrevista que começa na página 52. Parar de pagar a aposentados, como está fazendo o Estado do Rio de Janeiro, sob o argumento de que a economia vive “uma tragédia”, é crime contra o ser humano.

Este sim é o grande golpe, farsa, traição, a grande trapaça na mesa de jogo. As vítimas não são os políticos. São os desvalidos. O líder que insistir em trair o povo, com roubalheira, negociatas e incompetência, vai cair. Mais cedo ou mais tarde, vai virar carta fora do baralho.

Onde pousar a esperança?

É muito comum que jovens com interesse na política, percebendo a necessidade de participarem mais efetivamente na vida local, regional e nacional, consultem minhas barbas brancas sobre o partido ao qual deveriam filiar-se. Eu me angustio diante dessa pergunta. Como dizer o que devo sem desestimular o idealismo daquela alma juvenil? Quem ingressa na política com ideais no coração, princípios e valores impressos na consciência e ideias na cabeça levará um imediato choque de realidade. A política não poupa esses sentimentos.


Obrigo-me, então, a uma longa explicação sobre o que leva os partidos a escavarem sem cessar o fundo do poço do descrédito. Levo em conta, ao dialogar com esses jovens, que o choque de realidade gerado por algumas palavras fortes é mais positivo do que o impacto que ela, a realidade, nua e crua, possa gerar sobre almas desavisadas. Já vi isso acontecer muitas vezes para desconsiderar seu significado nos indivíduos e na própria política. Esta é um espaço onde o mal conta com facilidades para sobrepujar o bem e onde, com muita frequência, as opções se fazem entre um mal maior e um mal menor. O bem não leva uma vida fácil na política. E, mesmo assim, há que escolher; e mesmo assim ela é uma atividade essencial à vida dos povos.

Vem-me à mente, enquanto escrevo, algumas palavras do meu amado papa João Paulo II na longa exortação que dirigiu aos leigos em 1988. Transcrevo-as:
"(...) todos e cada um têm o direito e o dever de participar na política, embora em diversidade e complementaridade de formas, níveis, funções e responsabilidades. As acusações de arrivismo, idolatria de poder, egoísmo e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento, da classe dominante ou partido político, bem como a opinião muito difusa de que a política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente o ceticismo nem o absenteísmo dos cristãos pela coisa pública. Pelo contrário, é muito significativa a palavra do Concílio Vaticano II: «A Igreja louva e aprecia o trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, ao serviço dos homens»".
Parece-me muito adequado esse facho de luz para esclarecer uma realidade como a brasileira nestes dias tormentosos em que a esperança voa errante sem lugar de pouso. É preciso compreender que a política continuará determinando destinos, mas o Estado será tão mais útil quanto mais empenhado em se tornar crescentemente desnecessário; que sempre haverá escolhas a fazer e que, por vezes, nada será melhor do que o mal menor; que a maior riqueza de uma nação repousa em seus jovens e que lhes proporcionar condições para uma vida produtiva pelo conhecimento e pelo trabalho é muito mais significativo a eles e à nação do que manipulá-los ideologicamente.

O saber, a cultura, o trabalho, a busca do mérito, a liberdade, o amor ao Bem (ainda que vago, mas verdadeiramente amado) não podem estar ausentes da Política e do Direito. E cabe a nós dar-lhes vida e vigência. Não teremos qualquer esperança se não formos, nós mesmos, a esperança.

Percival Puggina 

Impeachment do modelo

Uma das provas do fracasso dos “governos de esquerda” no Brasil é o baixo nível do debate político, neste grave momento da nossa história. Nunca se discutiu tanto a política sem debater políticas; tudo se resume à dicotomia “tira Dilma” ou “é golpe”.

O modelo político-econômico-social ruiu como um Muro de Berlim nacional, enterrando as “esquerdas” nos seus escombros, mas a peleja tem ficado entre Dilma até 2018 ou Temer a partir de 2016.


Não se debate qual seria um novo modelo social-econômico-político para conduzir o Brasil ao longo deste século XXI. O atual modelo não foi capaz de construir uma economia sólida, sustentável, inovadora e produtiva e ainda desorganizou as finanças públicas e provocou recessão na economia atrasada; não foi capaz de emancipar os pobres assistidos por bolsas e cotas; não deu salto na educação e promoveu dramático caos na saúde; sobretudo, incentivou um vergonhoso quadro de corrupção, conivência, oportunismo, aparelhamento do Estado e desmoralização na maneira de fazer política.

O país está ficando para trás, se “descivilizando” pela violência generalizada, ineficiência sistêmica, incapacidade de gestão e de inovação, saúde degradada, educação atrasada e desigual; transporte urbano caótico, cidades monstrópoles, persistência da pobreza, concentração de renda, política corrupta; povo dependente, tragédias ambientais e sanitárias. Todos os indicadores são de um país em decadência, com raras ilhas de excelência.

Mas o debate fica prisioneiro da alternativa entre interromper o mandato de um governo incompetente e irresponsável, eleito por estelionato político, tendo cometido possíveis crimes fiscais, ou escolher um novo presidente do mesmo grupo, eleito na mesma chapa e também sujeito a suspeitas. Não se discute qual a melhor alternativa para o Brasil sair da crise imediata a que foi levado pelos desajustes irresponsáveis e eleitoreiros do atual governo, nem qual Brasil queremos e podemos construir, com uma economia eficiente, inovadora, equilibrada, distributiva da renda e sustentável ecologicamente; com a população educada, participativa, levando à justiça social, à produtividade elevada e economia eficiente; com sistema político-eleitoral ético e democrático.

Não se debate um pacto pelo emprego com equilíbrio das contas públicas e pela eficiência da gestão estatal; não se discute como fazer, quanto custa, em quanto tempo e que setores pagarão pelas reformas que o país precisa. As discussões despolitizadas, entre torcidas a favor ou contra, como em um jogo de futebol, não debatem, por exemplo, como fazer com que a escola do filho do mais pobre brasileiro tenha a mesma elevada qualidade que as boas escolas do filho do brasileiro mais rico do país.

O debate se limita a manter a mesma estrutura social, apenas trocando uma presidente pelo vice que ela escolheu duas vezes. Não se percebe que é preciso fazer o impeachment de todo o modelo que a “esquerda” manteve e degradou.

Cristovam Buarque 

Para ficar na História


Brasília abstrata

Fosse a sede do Governo federal ainda no Rio de Janeiro, estariam as ruas a expressar diretamente suas opiniões e humores para seus representantes eleitos.

Estivessem ministros e parlamentares a andar pela Cinelândia,Lapa, pelo Centro do Rio, como acontecia antes de Brasília, ou estivessem eles hoje a usar o metrô, os ônibus, as barcas, o trem, estivessem a sentar nos cafés, bares, sentiriam o que a população pensa sobre o modo deles de conduzir a nação. Em restaurantes caros, ou festas importantes, vez ou outra alguém fica indignado e reclama. E grava no celular.

As crises, continuariam a existir, e muitas vezes seria igualmente tenso, rude até, mas raramente ficaríamos sujeitos a ano e meio de impasse como hoje, com o país a naufragar economicamente, com conquistas coletivas sendo demolidas, empregos a sumir, minando a auto-estima nacional e afastando o sonho e o desejo de desenvolver uma sociedade mais justa e com oportunidades para todos.

MURO BRASILIA VISTA AEREA IMPEACHMENT b.psd

Isso acontece porque o espaço público ainda não é o lugar do encontro entre os diferentes no Brasil. E porque não colocamos nossa diversidade em contato, não produzimos jurisprudência social sobre nós mesmos e nossas práticas. Não formulamos hipóteses, não testamos alternativas para uma unidade social e ficamos fadados a repetir um jogo cujas regras são utópicas, sem aplicação no tempo do cotidiano onde realizamos a vida.

Entretanto quanto mais espaços são conquistados, pelos que estavam nas bordas da cidadania, mais espaço exclusivo é institucionalmente gerado, mais lugares para poucos são inventados pela própria representação política, embalada pela utopia, e que fora eleita para democratizar acesso.

Ora chamamos esse jogo de “desenvolvimento”. Ora de “governabilidade”.

A quem coube "acelerar o crescimento", pois a infraestrutura é escassa e cria desigualdades, coube também criar uma casta de "campeões nacionais”, proporcionalmente agora mais opulenta do que eram as desigualdades anteriores.

Muitos incluídos e outros tantos viraram über-cidadãos.

É o metrô que cria helicópteros.

Acontece isso porque o espaço público é um conceito que raramente nossos representantes eleitos reconhecem ou fomentam. O espaço público reiteradamente é o grande vão da democracia brasileira.

Brasília não tem espaço público. Existe apenas um espaço territorial diáfano que contém palácios e monumentos onde uns movem-se velozmente e outros muito lentamente. No tempo e no espaço.

É assim porque foi pensada para ser símbolo. Brasília necessita ser real antes que absorva o Brasil como um buraco negro feito de mármore de Carrara.

Essa semana, confirmando seu pecado original, Brasília ganhou um muro, para o espetáculo do impeachment, no seu eixo monumental, separando brasileiros.

O deslocamento da capital, não foi do Rio para o planalto central, paraíso geográfico equidistante; foi a desterritorialização do centro do poder nacional, foi do denso e humanamente caloroso Catete para um não-lugar esteticamente neo-concreto, materialmente abstrato, eruditamente planejado, além da urbanidade, onde não há possibilidade de existência dentro da realidade rés-do-chão do Brasil.

Nossa criatura civilizatória maior, celebrada por arquitetos e urbanistas, zomba de nós, observando-nos de dentro de sua dimensão cercadinho VIP, quanticamente apartada de um suburbano lotação por um jatinho fretado.

A fratura da representação política brasileira é séria e profunda. O gradil de Brasília não separa brasileiros azuis dos vermelhos, mas é a primeira peça construída doapartheid entre cidadania e classe política.

O sonho de JK acabou.

Brasília necessita ser urgentemente invadida pelo chão das cidades, pelas capitais, pelas regiões metropolitanas, pelos centros urbanos históricos, onde os palácios possuem a pátina do sangue, das revoltas, dos ardis mas também têm a espessura da cultura, do sonho coletivo, do rubor das conquistas. É urgente que o voto distrital misto seja considerado e adotado. É urgente que candidaturas políticas independentes sejam aceitas, liberando criatividade de representação para além dos carcomidos partidos velhos e das nati-mortas siglas novas.

É necessário que surja uma nova capital nacional imaterial, para impregnar os monumentos com a vida real que procura existir nos vulneráveis espaços públicos das cidades, com brasileiros pagando com horas de vida os ônibus da ineficiência territorial sem correspondência com os trevos viários da capital.

Ou preenchemos esses mármores do planalto central com representação política que corresponda aos espaços públicos que cada centro histórico de capital brasileira - perfeitamente coeso nas suas imperfeições – ou serão eles lápides marcadas pelo risco de um muro metálico de show político de horrores.

Alvorada e Jaburu viraram casas da Mãe Joana

A corrupção em Brasília, uma cleptomania incurável, atingiu o seu ponto mais alto nas articulações a favor e contra o impeachment. Desapareceu até o recato. Os palácios da Alvorada e do Jaburu, projetados por Oscar Niemeyer como residências oficiais do presidente e do vice-presidente da República, foram transformados em casas da Mãe Joana. Sob seus tetos modernistas, pratica-se o troca-troca sem culpa, o vale-tudo sem ressalvas.

Quem não quiser perder a compreensão do que está acontecendo deve levar em conta o seguinte: Dilma Rousseff e Michel Temer negociam o futuro do país com o rebotalho do mensalão e do petrolão. Fazem isso com a mesma pose de líderes realistas obrigados pelas circunstancias a lidar com políticos viciados.

Dilma adota meios sórdidos para alcançar o nobre fim de evitar um golpe contra os valores democráticos. E Temer manda às favas qualquer perspectiva de revisão das práticas que conspurcam a política sob o pretexto de livrar o Brasil da delinquência fiscal e do atraso petista. Ambos oferecem a nódoas como PP, PR e assemelhados a oportunidade de obter prontuários limpos e novos negócios.

Num comício para militantes petistas, Lula resumiu assim a cena: “É uma guerra de sobe e desce. Parece a Bolsa de Valores. O cara está com a gente uma hora e, em outra, não está mais.” O que o morubixaba do PT declarou, com outras palavras, foi o seguinte: os homens de bens da Câmara acompanham a cotação de Dilma e Temer, para investir seus votos naquele que oferecer as melhores perspectivas de lucro. Nesse mercado, você, caro contribuinte, entre com o prejuízo.


A convivência com o vício manjado tem um lado prático. Com ou sem impeachment, não será necessário organizar sondagens sobre o apetite dos aliados. Basta que Dilma ou Temer abram as gavetas para resgatar os anseios de mensaleiros e petroleiros. Gente como o condenado Valdemar Costa Neto, o mandachuva do PR, que saltou subitamente da prisão domiciliar para a ribalta.

Valdemar, citado aqui por ser o exemplo mais notório da desfaçatez, brilha no submundo do fisiologismo há mais de duas décadas. Ele tem experiência em impeachment. Na derrubada de Collor, quando o PR ainda se chamava PL, apressou-se em obter posições sob Itamar Franco. Nessa época, tinha uma queda pela Receita Federal. Ganhou a inspetoria da alfândega do Aeroporto de Cumbica. Ali, mandava mais que FHC e Rubens Ricupero, os ministros da Fazenda de então.

Em declaração de 1995, dada à Folha, Valdemar explicou o porquê do apreço pelo fisco: “Você imagina se tem um cara de poder com problemas na Receita. Você chega e pergunta se o cara pode te arrumar uns 3.000 votos. Você livra o cara e está eleito''. Sobre a alfândega: “O pessoal chega do exterior e pede para liberar a bagagem (…). Às vezes eu mandava um fax pedindo a liberação''.

A farra das nomeações políticas na Receita acabou com a chegada do técnico Everardo Maciel. Mas Valdemar era apenas líder de um periférico PL. Hoje, controla o PR como um cartório de sua propriedade. Do modo como o tratam, vai acabar nomeando não um inspetor de alfândega, mas o secretário da Receita Federal.

De um líder político se espera que fixe padrões morais para os seus liderados. Diante das extravagantes negociações firmadas no Alvorada, no Jaburu e em anexos como o quarto de hotel que Lula converteu em bunker, não sobra no palco nenhum ator capaz de se firmar como uma liderança ética. A cruzada do impeachment descerá aos livros como um marco da falta de ética cujo epílogo será um acordo para livrar Eduardo Cunha da cassação.

Devagarinho, o fisiologismo e a imoralidade vão deixando de ser percebidos como parte do sistema. Passam a ser vistos como o próprio sistema. Tão integrados ao cenário brasiliense quanto as curvas dos palácios de Niemeyer.

A Lava Jato não termina neste domingo!

O sol nascerá pelo leste nessa segunda-feira como há bilhões de anos. Também o Brasil não sairá do lugar. A votação do impeachment, neste domingo, não é um cataclisma planetário como faz pintar o catastrofismo atávico do político brasileiro.

O país está nesse início de semana como nos últimos meses. A crise econômica galopante não freará com o resultado na Câmara. A recessão estará no mesmo patamar e a infelicidade, a mesma.

O brasileiro só terá um caminho a partir desta semana: lutar por mudanças, caia ou não caia Dilma. 


Se a presidente, por um desses milagres que só acontecem em situações desesperadoras, mantiver o cargo, continuará a fazer mais do mesmo: nada. Primeiro que não tem receita pronta para conter o problema econômico neste estágio acentuadíssimo. E continua a fazer malabarismo, gastando e tendo de cobrir suas inúteis despesas para atender à base aliada. Não será pouco o prometido, nem o gasto para barrar o impeachment.

Pior terá perdido ainda mais apoio por suas alianças com o cocô do cavalo do bandido. Se não contava com ministério razoável, agora mesmo é que ficará com a escória para se sustentar.

A pirotecnia do pacto será esquecida como nas vezes anteriores. O novo governo Dilma.3 será pilotado por Lula, à beira de viajar para Curitiba. O governo não terá mais sossego não por causa da política, mas pela Justiça. E ainda será mais pressionado pelos trabalhadores e desempregados sem contar a pressão do PT por ajustes que não poderá fazer.

O inferno espera Dilma de braços abertos. Sem esquecer que ainda terá que tolerar Temer, no Jaburu, e a dupla metralha de Renan e Cunha no Congresso. Ou seja, tudo como dantes com o Brasil descendo a ladeira.

A vitória do impeachment dará ao vice Michel Temer ingrediente que faltará no caso Dilma: esperança. Contra o mais do mesmo, rançoso há 13 anos, a esperança renova os ares cheios de miasma de uma estatização que gerou o desespero. Não será suficiente para resolver os problemas, mas nada para dar mais fôlego à luta que a mudança. 

E de quebra, ainda restará acompanhar novos e emocionantes episódios da Lava Jato. O seriedade de maior sucesso entre os brasileiros promete mais emoções na luta da Justiça contra os crápulas para deixar no chinelo "Os intocáveis" de Elliot Ness.

A última trincheira chavista

A democracia brasileira foi sequestrada há 13 anos e ficou refém de uma chantagem emocional. Qualquer abuso de poder, qualquer transgressão, qualquer crime passaram a ser indultados em tempo real por uma crença miserável: a de que o país havia chegado ao paraíso da justiça social após cinco séculos de opressão, e que não se podia tocar em Lula e no PT – sob o risco de o encanto se quebrar. Foi assim que floresceram o mensalão e o petrolão, numa boa.

Já no terceiro ano do sequestro, o homem-bomba Roberto Jefferson mostrou ao país o que os iluminados da justiça social estavam fazendo no escurinho. Aí o Brasil tomou uma providência drástica: mandou continuar o roubo. O próprio Lula ficou surpreso ao constatar que, apesar da revelação obscena do valerioduto, seus súditos caminharam alegremente para as urnas e sancionaram o esquema, dando-lhe a reeleição. Lula é inteligente, e entendeu o recado: agora eu posso tudo.


E fez de tudo. A Lava Jato veio mostrar o que parecia impensável: naquele momento em que Lula aparecia, contrito e cabisbaixo, pedindo desculpas à nação pelo mensalão, a turma do petrolão levava ao gabinete dele a negociata de Pasadena. Em plena chaga aberta do esquema de Marcos Valério, Dirceu, Delúbio e companhia, o governo do PT montava tranquilamente a compra de uma refinaria enferrujada que irrigaria de propinas a eleição de 2006. Definitivamente, inibição não é o problema desse pessoal.

Seguiu-se uma década de trampolinagens, que arrebentaram a maior empresa nacional e levaram o país à recessão profunda, mas o sequestro da democracia perdurou – o suficiente para garantir o quarto mandato consecutivo dos sequestradores. Quando Dilma foi reeleita no meio da orgia, toda lambuzada de petrolão, os meteorologistas da política decretaram: acabou a Lava Jato. As urnas calaram Sergio Moro.

Só que não. Como tem sido repetido neste espaço: Sergio Moro só é parável à bala.

E foi assim que o país chegou à beira do impeachment, apesar de sua opinião pública frouxa, de sua oposição débil e da chantagem emocional do filho do Brasil – que não sabia de nada e não tinha nada, só um par de pedalinhos personalizados. Até no Congresso Nacional, que também esteve sequestrado todo esse tempo pelo exuberante caixa do Partido dos Trabalhadores, o vento virou. E onde foi que o vento não virou?

No Supremo Tribunal Federal. A Corte máxima do país é a última cidadela dos malandros, o bastião final do parasitismo erudito, a derradeira trincheira do chavismo companheiro. Foi esse poder aparelhado que impediu até agora a abertura de investigação contra a arquissuspeita Dilma Rousseff, madrinha de Erenice, de Pasadena, de Mercadante, de Delcídio, das pedaladas, de Cerveró, de Edinho, das manobras obstrutivas à Lava Jato. A presidente que mandou o Bessias com um termo de posse ministerial para esconder o ex-presidente da polícia.

Em triangulações mágicas entre o procurador-geral, o ministro da Justiça e o ministro relator do petrolão no STF, essa presidente atolada num pântano de indícios e evidências se manteve olímpica: “Não há elementos para se investigar Dilma”.

No momento em que, apesar de todo esse eficiente circo mambembe, o impeachment amadurece, surge a bala de prata do supremo golpismo: pedir o impeachment de Michel Temer. Do mesmo jeitinho com que o STF blindou a companheira presidenta e alterou o rito do impeachment dela: metendo o pé na porta do Congresso Nacional. Se não é Teori, é Barroso, se não é Barroso, é Lewandowski – o presidente certo na hora certa –, se Toffoli recua, surge Marco Aurélio (elemento surpresa). Dois anos de literatura da Lava Jato estampam, de forma cristalina, que o esquema é Lula, a preposta é Dilma e o arcabouço é o PT. Mas, para manter o sequestro, vale atirar no vice-presidente. É a bala de prata.

Aí o país abobado se pergunta por que Temer é melhor que Dilma. Deve ser por isso que Lula, na porta da cadeia, continua acreditando que repetirá o milagre do mensalão e sairá de novo nos braços do povo. Se o povo não falar grosso agora com os embusteiros do STF, demonstrará que merece Lula. Para sempre.

Estudantes de Coimbra pedem cassação do título de Lula

Demorou um pouco, mas enfim começa a acontecer. Na Universidade de Coimbra, os estudantes estão exigindo que seja cassado o título de “Doutor Honoris Causa”, conferido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como argumento, eles dizem que “no Brasil, quando um pobre rouba, vai para a cadeia, mas quando um rico rouba, vira doutor”.

Eles exibem um cartaz inspirado no filme feito no Brasil sobre Lula e mudam o título para “Lula, burro que rouba vira doutor”.

Na parte inferior do cartaz, os universitários dizem que a situação é intolerável e exigem que a instituição retire o título concedido a Lula da Silva. O movimento é liderado pela Juventude Social-Democrata (JSD), que já publicou uma carta aberta ao reitor João Gabriel Silva, mas ele ainda reluta em rever a honraria concedida em 2011 ao ex-presidente brasileiro.

“Clamamos, portanto, na sequência dos acontecimentos recentes, a anulação do grau de doutor ‘honoris causa’ a Luiz Inácio Lula da Silva por cessação das causas que fundamentaram a sua atribuição: o seu “prestígio internacional”, lê-se no documento.

Para os estudantes, “é apanágio desta nossa casa (Universidade de Coimbra) a transmissão da verdade, das boas práticas administrativas, da competência, transparência, defesa dos interesses públicos e não instrumentalização do magistério público em benefício pessoal”.