domingo, 17 de abril de 2016

Os protagonistas da crise

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Chegou o dia D. O dia da decisão. Há poucas dúvidas sobre a aprovação do pedido de impeachment da presidente da República Dilma Rousseff pela Câmara Federal. As projeções mostram uma votação bem acima dos 342 votos necessários para o recurso passar pelo crivo da representação popular. O fato merece uma avaliação mais acurada, a partir da questão central que se coloca: a presidente pode ou não ser afastada pelo crime de pedalada fiscal? Transferir recursos de uma rubrica para outras finalidades é ou não crime? O Tribunal de Contas da União já deu sua resposta: é, sim. Mas a Advocacia Geral da União alega que esse “crime” não foi cometido. A par da pendenga jurídica, transparece o argumento de que o afastamento da presidente do assento presidencial ganha o empuxo de outro fator: a mancha de lama que cobre a era petista no poder.

Veja-se a situação sob outro prisma: com a economia nos trilhos, mercado de trabalho em alta, inflação controlada, serviços públicos de alta qualidade, administração sem escândalos, controle absoluto dos cronogramas, espaço na administração ocupado por quadros meritórios, governo aprovado pela imensa maioria da população, haveria condições de se afastar a presidente por ilícito de pedalada fiscal? Pouco provável. Dilma está sendo empurrada para fora do Palácio do Planalto pela moldura caótica do país. Para muitos, transferências ou desvios de recursos de uma rubrica para outro não seriam, por si só, argumentos para apear Sua Excelência. Haveria condição menos traumática? Sim. A renúncia. Mas tal posicionamento não combina com sua índole.

E como têm se comportado os protagonistas principais do processo em curso? Façamos ligeira análise. A Suprema Corte age quando é acionada. Mesmo assim, emerge a hipótese de que contribui, e muito, para judicializar a política. Veja-se a decisão sobre o fluxo do voto. É de competência do Supremo passar horas debatendo como devem votar os deputados? Que coisa mais extravagante a ideia de definir o roteiro de votação pela latitude e longitude dos entes federativos em relação a Brasília. O fato é que, ao longo das últimas semanas, a Alta Corte adentrou perigosamente o território do Legislativo, sob a defesa esquisita do seu presidente Ricardo Lewandowski, para quem, nesses tempos de gravidade, apesar de não serem eleitos, os integrantes do STF têm legitimidade para “rever” atos de outros Poderes. Mesmo atos políticos como um processo de impeachment. Ele e Marco Aurélio Mello defendem o obtuso conceito de que decisão política do Parlamento pode ser derrubada pelo Supremo.

O advogado geral da União, José Eduardo Cardozo, emerge como protagonista da agonia da presidente. Mais parece um advogado tentando adiar os estertores de seu cliente. Não se omitiu. Um leão derrotado. Mas cabe ao presidente da Câmara o destaque como protagonista do impeachment. Trata-se de um equilibrista, matreiro, profundo conhecedor dos meandros da Casa parlamentar que dirige. É inacreditável como o alvo preferencial do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, tem se desviado de flechadas a ele dirigidas. Acumula denúncias junto ao STF, mas se mantém firme na condução do processo de afastamento de Dilma. Mesmo que seja obrigado a se afastar do comando da Câmara, tem, ainda, uma sobrevida, bastando anotar a recente operação de mudança na composição do Conselho de Ética, onde sofre processo para cassação de mandato.

Lula, como protagonista-comandante das tropas de defesa de Dilma, tem perdido batalhas. Nem conseguiu ser nomeado ministro e tudo indica que não o será, ante a possibilidade de afastamento da presidente por 180 dias, conforme reza o rito do processo de impeachment no Senado. Nesse ínterim, tanto ela como Lula, sem o foro privilegiado, ficam sob as luzes e a lupa da República de Curitiba. Ante a recente avalanche de delações premiadas – incluindo a delação bombástica de Marcelo Odebrecht – projetam-se nuvens plúmbeas sobre seu futuro imediato. Para eles, os tempos de borrasca continuarão.

O vice Michel Temer continuará a ser o protagonista-mor do ciclo político-administrativo que se abre. Com seu perfil de moderação, experiente político que é, tendo sido três vezes presidente da Câmara dos Deputados, Temer terá muitos desafios nos próximos meses. Entre eles, destacam-se: 1. Resgatar a confiança da sociedade – consumidores, setores produtivos e organizações sociais por meio de programas que possam gerar credibilidade; 2. Formar uma equipe de quadros de qualidade, respeitados e admirados; 3. Administrar as pressões de partidos e lideranças que lhe dão apoio, particularmente no que se refere à ocupação de espaços na administração; 4. Sinalizar com um programa de significativas mudanças, marcando avanços na frente da economia e na consolidação da infra-estrutura social; 5. Resgatar o interesse internacional pelo país, significando a volta dos investimentos; 6. Conter a onda crítica a ser deflagrada por movimentos que, na era lulodilmista, tem agido na órbita do Estado, como Centrais Sindicais; 7. Mostrar disposição de abrir os canais do Parlamento para intensa interação com a representação política; 8. Propiciar condições para a abertura de um ciclo de grandes reformas, entre as quais a reforma política, a reforma tributária, a reforma da previdência, a reforma trabalhista e a reforma do pacto federativo.

Quanto a Dilma, terá grande espaço para se recuperar do impacto causado pelo afastamento (temporário? definitivo?) e juntar forças ao lado de Lula para voltar a assentar na cadeira presidencial. Será desconfortável para ela viver no Palácio da Alvorada, porém longe do Palácio do Planalto. Estará cercada por uma equipe de reanimação e sob os conselhos pontuais de Luiz Inácio, para quem a melhor opção será a de vê-la definitivamente afastada do poder. Se isso ocorrer ganhará tempo para fazer o que sabe: correr o país em caravana, subir aos palanques estaduais e execrar “esse governo golpista”. Lula se sente bem no papel de oposicionista-mor.

E as ruas? Tendem a se acalmar ante a hipótese de um governo de salvação nacional. Tendem a continuar cheias de tensão caso a crise não dê sinais de contenção.

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