sábado, 7 de junho de 2025
Mentiras israelenses e cumplicidade ocidental: engano se tornou uma arma de guerra
Ao longo de sua longa história de limpeza étnica e ocupação, Israel manteve-se consistente em suas táticas: mentir, negar e distorcer a verdade — muitas vezes com o apoio, ou pelo menos a indulgência, das potências ocidentais. Mentir tornou-se uma forma de arte israelense, aprimorada ao longo de décadas, praticada impunemente e amplificada por uma mídia global cúmplice que não apenas tolera, mas legitima ativamente essas falsidades.
O mais recente massacre no centro de distribuição de alimentos em Gaza oferece mais um lembrete gritante e repugnante desse padrão. Na madrugada de domingo, 1º de junho, mais de 30 palestinos foram assassinados enquanto aguardavam ajuda alimentar em Rafah. Como de costume, Israel negou responsabilidade, alegando que seu exército desconhecia qualquer tiroteio perto do centro de distribuição liderado pelos americanos. Mas testemunhas oculares, sobreviventes, organizações humanitárias e hospitais contaram uma história contraditória.
A negação de Israel foi imediatamente ecoada — e defendida por autoridades americanas. O embaixador americano — melhor descrito como emissário de Israel no Departamento de Estado — descartou as notícias sobre o massacre como "notícias falsas". Essa grotesca inversão da verdade é uma manobra comum, que lembra o Massacre da Farinha em 29 de fevereiro de 2024, quando as forças israelenses abriram fogo contra civis que coletavam farinha, matando 112 e ferindo mais de 760.
Mais uma vez, Israel negou responsabilidade, alegando que as mortes resultaram de "debandadas" e atropelamentos de civis por caminhões de ajuda humanitária. No entanto, mesmo depois que as Nações Unidas e veículos de comunicação como a Al Jazeera contestaram a desinformação israelense e apresentaram imagens de vídeo mostrando claramente as forças israelenses atirando contra civis desarmados, não houve responsabilização.
Em Gaza, não são apenas os postos de distribuição de alimentos que se tornaram armadilhas mortais. Ambulâncias são alvos. Socorristas, médicos e até mesmo seus filhos se tornaram alvos militares "legítimos".
Na semana passada, Israel atacou a casa da Dra. Alaa al-Najjar, matando nove de seus dez filhos — Yahya (12), Eve (9), Rival (5), Sadeen (3), Rakan (10), Ruslan (7), Jibran (8), Luqman (2) e Sedar, que ainda não tinha um ano de idade. Seu marido, Dr. Hamdi al-Najjar, não resistiu aos ferimentos dias depois. Seu décimo filho, Adma, de 11 anos, sofreu um ferimento grave na cabeça e é improvável que sobreviva devido ao bloqueio médico de Gaza.
A resposta padrão e insensível de Israel veio em seguida, explicando que sua aeronave havia atingido “vários suspeitos” em Khan Younis.
Em março, o exército israelense assassinou oito médicos, seis funcionários da defesa civil e um funcionário das Nações Unidas — e os enterrou na areia. Posteriormente, os militares culparam o "comportamento suspeito" de uma ambulância pelo ataque. Ao se depararem com evidências em vídeo que refutavam a alegação, o exército voltou ao seu roteiro habitual: "um erro", "uma decisão equivocada", "medida disciplinar tomada". Quinze vidas apagadas com um dar de ombros burocrático.
Quando Israel assassinou sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen em abril de 2024, o governo Biden inicialmente expressou indignação. Vinte e quatro horas depois, essa indignação foi apaziguada por israelenses pioneiros em Washington. O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, mudou de ideia, alegando não haver evidências de ataque deliberado — absolvendo Israel ao mesmo tempo em que o condenava. Um massacre virou nota de rodapé.
Isso não é nenhuma novidade.
Em outubro de 2023, quase 500 civis foram mortos em uma explosão no Hospital Árabe Al-Ahli, em Gaza. Israel imediatamente atribuiu a culpa a um foguete palestino que falhou. Poucas horas após o pouso em Tel Aviv, o presidente Joe Biden repetiu publicamente a narrativa israelense — apesar dos relatos contundentes de testemunhas oculares, das evidências crescentes e do ceticismo de observadores independentes.
E há também o caso de Shireen Abu Akleh , a jornalista palestino-americana morta a tiros em 2022. Inicialmente, Israel alegou que ela foi morta por fogo cruzado palestino e divulgou um vídeo que foi rapidamente desacreditado. No entanto, a mídia ocidental deu mais espaço às alegações israelenses do que aos depoimentos de testemunhas oculares. Meses depois, sob o peso de evidências irrefutáveis, Israel admitiu a responsabilidade — chamando-a, mais uma vez, de " erro ".
O soldado que assassinou um cidadão americano "inferior", assim como outros assassinos de jornalistas , nunca enfrentou a justiça. Na verdade, ele foi promovido a capitão e continuou matando impunemente — até que surgiram relatos de sua morte durante uma batalha em Jenin.
Assim como as crianças assassinadas em Gaza, a própria verdade se tornou mais um dano colateral na guerra de desinformação de Israel. E aqueles encarregados de defendê-la — a mídia e as instituições democráticas — muitas vezes serviram como marqueteiros e propagadores de mentiras e propaganda israelenses.
O povo de Gaza não está apenas sendo vítima de fome, bombardeio e assassinato. Ele está sendo apagado da consciência global por um muro de mentiras. E até que o mundo comece a valorizar as vidas palestinas tanto quanto valoriza as narrativas israelenses (comprovadamente falsas), o teatro israelense de sangue e mentiras continuará.
Israel não está apenas se safando de crimes de guerra — está se safando de mentir sobre eles. A impunidade não é apenas militar; é moral, política e informacional. Israel domina há muito tempo a arte da mentira, desde a criação do sionismo político. O Ocidente e sua mídia controlada normalizaram essas falsidades — assim como normalizaram a fome e o cerco a Gaza.
Israel jaz impune porque o mundo — especialmente os Estados Unidos e grande parte do Ocidente — não apenas permite, como também promove. Governos e a mídia ocidentais construíram uma câmara de eco onde as narrativas israelenses sempre têm precedência — não por credibilidade, mas para evitar o acerto de contas que a verdade exigiria. Ao escolher a falsidade em vez dos fatos, eles se esquivam da responsabilidade moral e ignoram a necessidade de conciliar os valores que professam com o genocídio que possibilitam.
Não se trata mais apenas de mentiras israelenses. Trata-se de um sistema global cúmplice em sustentar as mentiras habituais e o engano sistemático de Israel para encobrir a fome e um genocídio transmitido ao vivo.
O mais recente massacre no centro de distribuição de alimentos em Gaza oferece mais um lembrete gritante e repugnante desse padrão. Na madrugada de domingo, 1º de junho, mais de 30 palestinos foram assassinados enquanto aguardavam ajuda alimentar em Rafah. Como de costume, Israel negou responsabilidade, alegando que seu exército desconhecia qualquer tiroteio perto do centro de distribuição liderado pelos americanos. Mas testemunhas oculares, sobreviventes, organizações humanitárias e hospitais contaram uma história contraditória.
A negação de Israel foi imediatamente ecoada — e defendida por autoridades americanas. O embaixador americano — melhor descrito como emissário de Israel no Departamento de Estado — descartou as notícias sobre o massacre como "notícias falsas". Essa grotesca inversão da verdade é uma manobra comum, que lembra o Massacre da Farinha em 29 de fevereiro de 2024, quando as forças israelenses abriram fogo contra civis que coletavam farinha, matando 112 e ferindo mais de 760.
Mais uma vez, Israel negou responsabilidade, alegando que as mortes resultaram de "debandadas" e atropelamentos de civis por caminhões de ajuda humanitária. No entanto, mesmo depois que as Nações Unidas e veículos de comunicação como a Al Jazeera contestaram a desinformação israelense e apresentaram imagens de vídeo mostrando claramente as forças israelenses atirando contra civis desarmados, não houve responsabilização.
Em Gaza, não são apenas os postos de distribuição de alimentos que se tornaram armadilhas mortais. Ambulâncias são alvos. Socorristas, médicos e até mesmo seus filhos se tornaram alvos militares "legítimos".
Na semana passada, Israel atacou a casa da Dra. Alaa al-Najjar, matando nove de seus dez filhos — Yahya (12), Eve (9), Rival (5), Sadeen (3), Rakan (10), Ruslan (7), Jibran (8), Luqman (2) e Sedar, que ainda não tinha um ano de idade. Seu marido, Dr. Hamdi al-Najjar, não resistiu aos ferimentos dias depois. Seu décimo filho, Adma, de 11 anos, sofreu um ferimento grave na cabeça e é improvável que sobreviva devido ao bloqueio médico de Gaza.
A resposta padrão e insensível de Israel veio em seguida, explicando que sua aeronave havia atingido “vários suspeitos” em Khan Younis.
Em março, o exército israelense assassinou oito médicos, seis funcionários da defesa civil e um funcionário das Nações Unidas — e os enterrou na areia. Posteriormente, os militares culparam o "comportamento suspeito" de uma ambulância pelo ataque. Ao se depararem com evidências em vídeo que refutavam a alegação, o exército voltou ao seu roteiro habitual: "um erro", "uma decisão equivocada", "medida disciplinar tomada". Quinze vidas apagadas com um dar de ombros burocrático.
Quando Israel assassinou sete trabalhadores humanitários da World Central Kitchen em abril de 2024, o governo Biden inicialmente expressou indignação. Vinte e quatro horas depois, essa indignação foi apaziguada por israelenses pioneiros em Washington. O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, mudou de ideia, alegando não haver evidências de ataque deliberado — absolvendo Israel ao mesmo tempo em que o condenava. Um massacre virou nota de rodapé.
Isso não é nenhuma novidade.
Em outubro de 2023, quase 500 civis foram mortos em uma explosão no Hospital Árabe Al-Ahli, em Gaza. Israel imediatamente atribuiu a culpa a um foguete palestino que falhou. Poucas horas após o pouso em Tel Aviv, o presidente Joe Biden repetiu publicamente a narrativa israelense — apesar dos relatos contundentes de testemunhas oculares, das evidências crescentes e do ceticismo de observadores independentes.
E há também o caso de Shireen Abu Akleh , a jornalista palestino-americana morta a tiros em 2022. Inicialmente, Israel alegou que ela foi morta por fogo cruzado palestino e divulgou um vídeo que foi rapidamente desacreditado. No entanto, a mídia ocidental deu mais espaço às alegações israelenses do que aos depoimentos de testemunhas oculares. Meses depois, sob o peso de evidências irrefutáveis, Israel admitiu a responsabilidade — chamando-a, mais uma vez, de " erro ".
O soldado que assassinou um cidadão americano "inferior", assim como outros assassinos de jornalistas , nunca enfrentou a justiça. Na verdade, ele foi promovido a capitão e continuou matando impunemente — até que surgiram relatos de sua morte durante uma batalha em Jenin.
Assim como as crianças assassinadas em Gaza, a própria verdade se tornou mais um dano colateral na guerra de desinformação de Israel. E aqueles encarregados de defendê-la — a mídia e as instituições democráticas — muitas vezes serviram como marqueteiros e propagadores de mentiras e propaganda israelenses.
O povo de Gaza não está apenas sendo vítima de fome, bombardeio e assassinato. Ele está sendo apagado da consciência global por um muro de mentiras. E até que o mundo comece a valorizar as vidas palestinas tanto quanto valoriza as narrativas israelenses (comprovadamente falsas), o teatro israelense de sangue e mentiras continuará.
Israel não está apenas se safando de crimes de guerra — está se safando de mentir sobre eles. A impunidade não é apenas militar; é moral, política e informacional. Israel domina há muito tempo a arte da mentira, desde a criação do sionismo político. O Ocidente e sua mídia controlada normalizaram essas falsidades — assim como normalizaram a fome e o cerco a Gaza.
Israel jaz impune porque o mundo — especialmente os Estados Unidos e grande parte do Ocidente — não apenas permite, como também promove. Governos e a mídia ocidentais construíram uma câmara de eco onde as narrativas israelenses sempre têm precedência — não por credibilidade, mas para evitar o acerto de contas que a verdade exigiria. Ao escolher a falsidade em vez dos fatos, eles se esquivam da responsabilidade moral e ignoram a necessidade de conciliar os valores que professam com o genocídio que possibilitam.
Não se trata mais apenas de mentiras israelenses. Trata-se de um sistema global cúmplice em sustentar as mentiras habituais e o engano sistemático de Israel para encobrir a fome e um genocídio transmitido ao vivo.
A geopolítica tecnológica
O império contra-ataca. Donald Trump começou com um slogan de campanha política: MAGA (Make America Great Again). Mas o MAGA tornou-se mais do que um slogan. É o embrião da construção de uma nova ordem imaginada.
A ideia de ordem imaginada foi popularizada recentemente por Yuval Harari. Para ele, a ideia se refere a sistemas sociais e políticos que se baseiam “na crença compartilhada em histórias e mitos, não em instintos e relações pessoais”. Tais mitos são cruciais para a coesão social em sociedades complexas, mesmo que baseados em crenças subjetivas.
Trump entendeu a nova natureza da geopolítica mundial, que requer a modernização e reconfiguração da força militar e do complexo industrial militar. Numa geopolítica de predominância das disputas imperiais entre os Estados Unidos, a China e a Rússia.
A reconstrução do império americano requer consenso e coesão. Daí a construção de nova ordem imaginada. Mesmo que erraticamente, Trump está nesta direção.
A reconfiguração da geopolítica mundial terá como alicerce a inovação tecnológica. Uma espécie de geopolítica tecnológica. Agora, o século do software na indústria armamentista dos impérios e da política de autodefesa na Europa e no mundo.
A dependência inicial do Vale do Silício ao Estado-Nação e às Forças Armadas – desde a década de 1940 – gerou a união entre a ciência e o Estado com fins militares. Resultou na bomba atômica, nos compostos farmacêuticos, na teoria da relatividade, nos foguetes intercontinentais e satélites e nos precursores da Inteligência Artificial (IA).
A era atômica, era da estratégia de dissuasão que gerou a Pax Americana dos últimos 80 anos, está chegando ao fim. Uma nova era de dissuasão, baseada em Inteligência Artificial, está para começar. Essa nova era requer a reaproximação do Vale do Silício do Estado-Nação. A ordem imaginada do MAGA mira essa reaproximação entre ciência e Estado.
No meio do caminho, o Vale do Silício mudou de rumo e mirou o mercado, a propaganda e o consumo. Distanciou-se das inovações voltadas para a segurança, a medicina, a educação e o bem-estar coletivo. Gerou as Big Techs.
Alexander Karp e Nicholas Zamiska, em “A República Tecnológica”, produziram uma instigante análise factual do processo de inovação nos Estados Unidos e no mundo e um olhar com foco nas relações do Vale do Silício e o Estado-Nação.
Mostram que o Vale do Silício se voltou para dentro, “concentrando sua energia em produtos de consumo restrito, em vez de projetos de segurança coletiva e bem-estar”. Trata-se da evolução da era digital das Big Techs, “dominada pela publicidade e compras on-line, bem como pelas redes sociais e plataformas de compartilhamento de vídeos”.
O século XXI é o Século do software. Pesquisas de pontas mostram o potencial de revolucionar tudo, desde operações militares, incluindo operações policiais urbanas, até a medicina.
Karp e Zamiska, então, enfatizam que os Estados Unidos deveriam retornar à tradição de estreita colaboração entre a indústria de tecnologia e o governo. Produziu-se a bomba atômica e a internet. Agora, para eles, 80 anos depois há uma encruzilhada no campo da ciência da computação, na esteira da IA.
A próxima era de conflitos será vencida ou perdida com softwares.
Para eles, “é essencial que redirecionemos nossa atenção no sentido da construção da próxima geração de armamentos de IA que determinará o equilíbrio de poder neste século, conforme a era atômica termine, e no próximo”. A era da dissuasão pelo software. Eis a realidade da geopolítica tecnológica.
As políticas de defesa estão envolvidas em um novo tipo de corrida armamentista. Esta nova ênfase tem implicações para conflitos em ambiente urbano. Dotar as polícias de softwares de IA. Karp e Zamiska se referem ao que chamam de enxames de drones “para lidar com cenários dinâmicos de combate de larga escala” – que hoje são objetos de pedidos de patentes para lidar com conflitos urbanos.
Em “A República Tecnológica” os autores insistem na necessidade de alinhamento de concepções de interesse coletivo entre o Estado e o setor de tecnologia. “As pré-condições para uma paz duradoura em geral só decorrem de uma ameaça plausível de guerra”. Outra vez: a dissuasão do software, com o “hard power” do software.
Tudo somado, para eles os resultados que mais interessam às pessoas e à sociedade (redução da fome, do crime e da doença) dependem cada vez mais de inovações da República tecnológica dos softwares.
O MEGA visaria reforçar um senso de identidade nacional e coletiva. Ao longo da história este senso, para Karp e Zamiska”, serviu de pedra fundamental para o progresso humano. Ressalvados os limites do nacionalismo exacerbado.
Ordem imaginada na direção da República tecnológica e da geopolítica tecnológica.
São os caminhos e contradições do processo de inovação em curso.
O Vale do Silício será capaz de sair da bolha do individualismo e materialismo para a lógica do interesse coletivo e da identidade coletiva com mitologia compartilhada?
Polêmicas e dilemas contemporâneos.
A ideia de ordem imaginada foi popularizada recentemente por Yuval Harari. Para ele, a ideia se refere a sistemas sociais e políticos que se baseiam “na crença compartilhada em histórias e mitos, não em instintos e relações pessoais”. Tais mitos são cruciais para a coesão social em sociedades complexas, mesmo que baseados em crenças subjetivas.
Trump entendeu a nova natureza da geopolítica mundial, que requer a modernização e reconfiguração da força militar e do complexo industrial militar. Numa geopolítica de predominância das disputas imperiais entre os Estados Unidos, a China e a Rússia.
A reconstrução do império americano requer consenso e coesão. Daí a construção de nova ordem imaginada. Mesmo que erraticamente, Trump está nesta direção.
A reconfiguração da geopolítica mundial terá como alicerce a inovação tecnológica. Uma espécie de geopolítica tecnológica. Agora, o século do software na indústria armamentista dos impérios e da política de autodefesa na Europa e no mundo.
A dependência inicial do Vale do Silício ao Estado-Nação e às Forças Armadas – desde a década de 1940 – gerou a união entre a ciência e o Estado com fins militares. Resultou na bomba atômica, nos compostos farmacêuticos, na teoria da relatividade, nos foguetes intercontinentais e satélites e nos precursores da Inteligência Artificial (IA).
A era atômica, era da estratégia de dissuasão que gerou a Pax Americana dos últimos 80 anos, está chegando ao fim. Uma nova era de dissuasão, baseada em Inteligência Artificial, está para começar. Essa nova era requer a reaproximação do Vale do Silício do Estado-Nação. A ordem imaginada do MAGA mira essa reaproximação entre ciência e Estado.
No meio do caminho, o Vale do Silício mudou de rumo e mirou o mercado, a propaganda e o consumo. Distanciou-se das inovações voltadas para a segurança, a medicina, a educação e o bem-estar coletivo. Gerou as Big Techs.
Alexander Karp e Nicholas Zamiska, em “A República Tecnológica”, produziram uma instigante análise factual do processo de inovação nos Estados Unidos e no mundo e um olhar com foco nas relações do Vale do Silício e o Estado-Nação.
Mostram que o Vale do Silício se voltou para dentro, “concentrando sua energia em produtos de consumo restrito, em vez de projetos de segurança coletiva e bem-estar”. Trata-se da evolução da era digital das Big Techs, “dominada pela publicidade e compras on-line, bem como pelas redes sociais e plataformas de compartilhamento de vídeos”.
O século XXI é o Século do software. Pesquisas de pontas mostram o potencial de revolucionar tudo, desde operações militares, incluindo operações policiais urbanas, até a medicina.
Karp e Zamiska, então, enfatizam que os Estados Unidos deveriam retornar à tradição de estreita colaboração entre a indústria de tecnologia e o governo. Produziu-se a bomba atômica e a internet. Agora, para eles, 80 anos depois há uma encruzilhada no campo da ciência da computação, na esteira da IA.
A próxima era de conflitos será vencida ou perdida com softwares.
Para eles, “é essencial que redirecionemos nossa atenção no sentido da construção da próxima geração de armamentos de IA que determinará o equilíbrio de poder neste século, conforme a era atômica termine, e no próximo”. A era da dissuasão pelo software. Eis a realidade da geopolítica tecnológica.
As políticas de defesa estão envolvidas em um novo tipo de corrida armamentista. Esta nova ênfase tem implicações para conflitos em ambiente urbano. Dotar as polícias de softwares de IA. Karp e Zamiska se referem ao que chamam de enxames de drones “para lidar com cenários dinâmicos de combate de larga escala” – que hoje são objetos de pedidos de patentes para lidar com conflitos urbanos.
Em “A República Tecnológica” os autores insistem na necessidade de alinhamento de concepções de interesse coletivo entre o Estado e o setor de tecnologia. “As pré-condições para uma paz duradoura em geral só decorrem de uma ameaça plausível de guerra”. Outra vez: a dissuasão do software, com o “hard power” do software.
Tudo somado, para eles os resultados que mais interessam às pessoas e à sociedade (redução da fome, do crime e da doença) dependem cada vez mais de inovações da República tecnológica dos softwares.
O MEGA visaria reforçar um senso de identidade nacional e coletiva. Ao longo da história este senso, para Karp e Zamiska”, serviu de pedra fundamental para o progresso humano. Ressalvados os limites do nacionalismo exacerbado.
Ordem imaginada na direção da República tecnológica e da geopolítica tecnológica.
São os caminhos e contradições do processo de inovação em curso.
O Vale do Silício será capaz de sair da bolha do individualismo e materialismo para a lógica do interesse coletivo e da identidade coletiva com mitologia compartilhada?
Polêmicas e dilemas contemporâneos.
Não aprendemos nada com a história?
O mundo de hoje caminha perigosamente por trilhas já percorridas na primeira metade do século XX. Ainda que a história não se repita de forma idêntica, ela rima, e os versos atuais carregam uma métrica sinistra. A ascensão de lideranças autoritárias, o colapso do centro político, o descrédito nas instituições democráticas, a desigualdade estrutural, a crise de refugiados e a falência do multilateralismo internacional configuram um cenário que, para quem conhece a história do entreguerras, soa tragicamente familiar.
O ressentimento social volta a ser capitalizado por discursos de ódio, por soluções fáceis para problemas complexos, por um nacionalismo excludente que aponta inimigos internos e externos a serem eliminados. A democracia liberal, cansada e desacreditada, assiste à sua própria erosão sem força para reagir, enquanto o mundo desliza, sorrateiro, rumo a um novo precipício histórico.
Nas décadas de 1920 e 1930, o mundo viu emergir líderes como Benito Mussolini, Adolf Hitler, Antonio de Oliveira Salazar, Francisco Franco e outros que se aproveitaram do medo coletivo, das crises econômicas profundas e de um ressentimento nacionalista exacerbado. Hoje, assistimos a fenômenos muito similares com Viktor Orbán na Hungria, Recep Tayyip Erdoğan na Turquia, Narendra Modi na Índia, Javier Milei na Argentina, Benjamin Netanyahu em Israel, Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil, entre outros.
Mesmo em contextos distintos, reproduzem uma cartilha conhecida: minam o judiciário, deslegitimam a imprensa, estimulam o ódio a minorias, exaltam soluções autoritárias e simplistas, alimentam uma nostalgia idealizada de um passado que nunca existiu. Esse padrão evidencia que o autoritarismo não é um acidente histórico, mas um risco recorrente quando instituições democráticas são enfraquecidas e o medo coletivo se torna combustível para líderes messiânicos e projetos regressivos de poder.
Essa nova onda autoritária, disfarçada de "vontade popular", não é episódica, é um fenômeno sistêmico nascido das inúmeras crises vivenciadas pelo capitalismo. As democracias liberais estão corroídas por dentro, o descrédito nas instituições, a captura das políticas públicas por interesses corporativos e a sensação difusa de que "a política não serve mais" criam um vácuo ocupado pelos populismos e a antipolítica se tornou capital político e a negação dela um instrumento da extrema-direita.
O centro político, que outrora funcionava como moderador entre extremos, esvaziou-se, a República de Weimar, precursora da ascensão do nazismo, também padeceu da ausência de forças moderadas capazes de sustentar um pacto democrático. A fragmentação atual da esquerda, ainda com vários dos sintomas do fim da União Soviética, além do esgarçamento da social-democracia global, contribui indiretamente para tudo isso, assim como o crescimento da extrema-direita mundial, agora mais articulada, porém sob os mesmos signos do passado, nacionalismo, armamentismo, negação do diverso e fortemente alicerçado nas teologias.
As redes sociais aceleram esse processo, se Goebbels compreendia o poder de uma mentira repetida mil vezes, hoje os algoritmos potencializam isso em escala exponencial. Fake news, deepfakes, discursos de ódio e teorias da conspiração circulam com uma velocidade incomensurável, criando realidades paralelas, a verdade tornou-se relativa. A confiança no conhecimento científico, na imprensa livre, nas universidades e nas instituições caiu drasticamente, o chão da razão foi minado e o fato real não importa mais, apenas as narrativas desses fatos.
Em paralelo, a desigualdade atinge níveis obscenos, o relatório da Oxfam de 2024 apontava que as cinco pessoas mais ricas do mundo dobraram suas fortunas desde a pandemia, enquanto bilhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar e falta de acesso à saúde básica. A crise de 1929, que devastou as economias capitalistas e criou uma legião de desempregados, é um espelho sombrio desse presente, a humilhação econômica, ontem como hoje, é fértil para o ódio, para o nacionalismo tóxico, para as crenças messiânicas e para a ascensão do extremismo nos moldes do século passado
A fragmentação social, o hiperindividualismo promovido pelo neoliberalismo e o culto ao empreendedorismo como a nova solução mágica para a miséria desestruturaram o tecido coletivo e criam uma cunha na base da sociedade que não se unifica e ainda com parcela dos deserdados defendendo quem os mantém na vida miserável que levam. O Estado e a democracia foram demonizados e a lógica do “cada um por si” tornou-se o mantra dominante. Não à toa, ideias de supremacia racial, xenofobia, misoginia e lgbtfobia retornam com força, como se nunca tivessem sido derrotadas. O ressentimento de quem se sente “prejudicado” pela inclusão do outro é manipulado com precisão cirúrgica pelos neofascistas.
As guerras atuais também ecoam os ensaios trágicos do passado: a invasão da Ucrânia pela Rússia, o massacre em Gaza, os conflitos étnicos na Etiópia, Sudão e Congo, as tensões entre Índia e Paquistão, os Estados Unidos com a retórica de anexar o Canadá e a Groenlândia, além de ameaçar tomar o canal do Panamá: tudo aponta para um cenário de instabilidade crônica, onde alianças frágeis e nacionalismos armados podem facilmente escalar para confrontos maiores. O clima de pré-guerra está no ar, e a comunidade internacional, como a antiga Liga das Nações, aparentemente pouco faz ou não demonstra a força necessária para estancar a escalada belicosa e agora armamentista, que arrastou agora até mesmo a Europa.
Além disso, o mundo vive uma nova crise de refugiados, causada não apenas por guerras, mas também pelo colapso climático e pela pobreza estrutural. Milhões de pessoas são forçadas a abandonar seus lares, mas enfrentam fronteiras fechadas, políticas de rejeição e discursos que os tratam como “ameaça civilizacional”. Nos anos 1930, países como os Estados Unidos, o Reino Unido, França, México e o Brasil recusaram judeus em fuga do nazismo. Hoje, corpos boiam no Mediterrâneo, crianças são separadas de pais na fronteira estadunidense e tudo isso se normalizou de forma escandalosa.
As instituições multilaterais mostram-se tão frágeis quanto a ONU está paralisada, refém de vetos no Conselho de Segurança e da geopolítica das grandes potências. Os tratados de paz, meio ambiente e direitos humanos são ignorados sem consequências. O Acordo de Paris claudica, enquanto corporações continuam explorando recursos com voracidade insustentável, enquanto isso o Sul Global paga a conta ambiental de um modelo que nunca construiu e nem aproveitou.
No campo simbólico, a banalização do mal, conceito cunhado pela judia Hannah Arendt para explicar como pessoas comuns se tornam cúmplices de crimes abjetos em nome da obediência, volta a ser cada vez mais atual. Hoje, soldados bombardeiam civis com drones como se jogassem videogames. Funcionários em escritórios elaboram algoritmos que excluem populações inteiras de serviços públicos, o horror é terceirizado, automatizado, e normalizado. A frieza burocrática da máquina estatal é revestida por eufemismos: "colateral", "operação de pacificação", "ajuste fiscal", "intervenção técnica". Por trás dessas palavras, vidas são esmagadas, direitos são diluídos e a empatia é substituída por relatórios e gráficos, é a ética anestesiada pela rotina, o crime tornado rotina, a justiça substituída por uma pretensa eficiência.
Mas nem tudo está perdido, nosso século também nos oferece ferramentas que inexistiam no passado, temos redes de solidariedade internacional, movimentos sociais articulados globalmente, juventudes politizadas, tecnologias livres que podem ser usadas para construir alternativas. A luta antirracista, feminista, ambiental e anticapitalista floresce em todos os continentes. A memória histórica pode e deve ser um antídoto, e ela está sendo resgatada por educadores, artistas, ativistas e acadêmicos.
A crise atual, se trabalhada, pode virar uma oportunidade, como descreveu Walter Benjamin, outro judeu que vivenciou a ascensão do nazifascismo: “a tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ em que vivemos é a regra”. Cabe a nós interromper esse ciclo. A democracia, a justiça social, os direitos humanos e o planeta não serão preservados por inércia.
É preciso um desejo coletivo, com organização e coragem política, e o urgente renascimento do movimento socialista internacional, esse é um elemento fundamental para barrar a onda fascista, exatamente como ocorreu no século passado, mas a luta contra o autoritarismo começa no cotidiano: na escola, na vizinhança, no trabalho, na internet, na igreja, onde cada um de nós esteja.
A história não apenas rima, ela cobra caro quando ignorada. Caminhamos hoje sobre os escombros mal varridos do século XX, repetindo padrões que acreditávamos superados. O autoritarismo já não bate à porta, ele senta-se à mesa, veste terno, discursa em palanques e governa sob aplausos dos incautos. O colapso do centro político, o descrédito das instituições e o avanço de discursos de ódio não são fenômenos espontâneos, são sintomas de uma democracia adoecida e de uma memória histórica maltratada.
Persistir na ilusão de que “dessa vez será diferente” é um risco que a humanidade já não pode se dar ao luxo de correr. O antídoto está na reconstrução da vida democrática como experiência coletiva: fortalecendo instituições, combatendo a desigualdade que alimenta o ressentimento e, sobretudo, ensinando história não como uma sucessão de datas, mas como um alerta permanente.
Se não aprendermos com o passado, ele deixará de ser apenas uma sombra incômoda, e voltará a ser nossa prisão, para muitos literalmente. O futuro ainda é um campo aberto, mas só permanecerá livre se tivermos coragem de confrontar os fantasmas que insistem em retornar com novas máscaras.
O ressentimento social volta a ser capitalizado por discursos de ódio, por soluções fáceis para problemas complexos, por um nacionalismo excludente que aponta inimigos internos e externos a serem eliminados. A democracia liberal, cansada e desacreditada, assiste à sua própria erosão sem força para reagir, enquanto o mundo desliza, sorrateiro, rumo a um novo precipício histórico.
Nas décadas de 1920 e 1930, o mundo viu emergir líderes como Benito Mussolini, Adolf Hitler, Antonio de Oliveira Salazar, Francisco Franco e outros que se aproveitaram do medo coletivo, das crises econômicas profundas e de um ressentimento nacionalista exacerbado. Hoje, assistimos a fenômenos muito similares com Viktor Orbán na Hungria, Recep Tayyip Erdoğan na Turquia, Narendra Modi na Índia, Javier Milei na Argentina, Benjamin Netanyahu em Israel, Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil, entre outros.
Mesmo em contextos distintos, reproduzem uma cartilha conhecida: minam o judiciário, deslegitimam a imprensa, estimulam o ódio a minorias, exaltam soluções autoritárias e simplistas, alimentam uma nostalgia idealizada de um passado que nunca existiu. Esse padrão evidencia que o autoritarismo não é um acidente histórico, mas um risco recorrente quando instituições democráticas são enfraquecidas e o medo coletivo se torna combustível para líderes messiânicos e projetos regressivos de poder.
Essa nova onda autoritária, disfarçada de "vontade popular", não é episódica, é um fenômeno sistêmico nascido das inúmeras crises vivenciadas pelo capitalismo. As democracias liberais estão corroídas por dentro, o descrédito nas instituições, a captura das políticas públicas por interesses corporativos e a sensação difusa de que "a política não serve mais" criam um vácuo ocupado pelos populismos e a antipolítica se tornou capital político e a negação dela um instrumento da extrema-direita.
O centro político, que outrora funcionava como moderador entre extremos, esvaziou-se, a República de Weimar, precursora da ascensão do nazismo, também padeceu da ausência de forças moderadas capazes de sustentar um pacto democrático. A fragmentação atual da esquerda, ainda com vários dos sintomas do fim da União Soviética, além do esgarçamento da social-democracia global, contribui indiretamente para tudo isso, assim como o crescimento da extrema-direita mundial, agora mais articulada, porém sob os mesmos signos do passado, nacionalismo, armamentismo, negação do diverso e fortemente alicerçado nas teologias.
As redes sociais aceleram esse processo, se Goebbels compreendia o poder de uma mentira repetida mil vezes, hoje os algoritmos potencializam isso em escala exponencial. Fake news, deepfakes, discursos de ódio e teorias da conspiração circulam com uma velocidade incomensurável, criando realidades paralelas, a verdade tornou-se relativa. A confiança no conhecimento científico, na imprensa livre, nas universidades e nas instituições caiu drasticamente, o chão da razão foi minado e o fato real não importa mais, apenas as narrativas desses fatos.
Em paralelo, a desigualdade atinge níveis obscenos, o relatório da Oxfam de 2024 apontava que as cinco pessoas mais ricas do mundo dobraram suas fortunas desde a pandemia, enquanto bilhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar e falta de acesso à saúde básica. A crise de 1929, que devastou as economias capitalistas e criou uma legião de desempregados, é um espelho sombrio desse presente, a humilhação econômica, ontem como hoje, é fértil para o ódio, para o nacionalismo tóxico, para as crenças messiânicas e para a ascensão do extremismo nos moldes do século passado
A fragmentação social, o hiperindividualismo promovido pelo neoliberalismo e o culto ao empreendedorismo como a nova solução mágica para a miséria desestruturaram o tecido coletivo e criam uma cunha na base da sociedade que não se unifica e ainda com parcela dos deserdados defendendo quem os mantém na vida miserável que levam. O Estado e a democracia foram demonizados e a lógica do “cada um por si” tornou-se o mantra dominante. Não à toa, ideias de supremacia racial, xenofobia, misoginia e lgbtfobia retornam com força, como se nunca tivessem sido derrotadas. O ressentimento de quem se sente “prejudicado” pela inclusão do outro é manipulado com precisão cirúrgica pelos neofascistas.
As guerras atuais também ecoam os ensaios trágicos do passado: a invasão da Ucrânia pela Rússia, o massacre em Gaza, os conflitos étnicos na Etiópia, Sudão e Congo, as tensões entre Índia e Paquistão, os Estados Unidos com a retórica de anexar o Canadá e a Groenlândia, além de ameaçar tomar o canal do Panamá: tudo aponta para um cenário de instabilidade crônica, onde alianças frágeis e nacionalismos armados podem facilmente escalar para confrontos maiores. O clima de pré-guerra está no ar, e a comunidade internacional, como a antiga Liga das Nações, aparentemente pouco faz ou não demonstra a força necessária para estancar a escalada belicosa e agora armamentista, que arrastou agora até mesmo a Europa.
Além disso, o mundo vive uma nova crise de refugiados, causada não apenas por guerras, mas também pelo colapso climático e pela pobreza estrutural. Milhões de pessoas são forçadas a abandonar seus lares, mas enfrentam fronteiras fechadas, políticas de rejeição e discursos que os tratam como “ameaça civilizacional”. Nos anos 1930, países como os Estados Unidos, o Reino Unido, França, México e o Brasil recusaram judeus em fuga do nazismo. Hoje, corpos boiam no Mediterrâneo, crianças são separadas de pais na fronteira estadunidense e tudo isso se normalizou de forma escandalosa.
As instituições multilaterais mostram-se tão frágeis quanto a ONU está paralisada, refém de vetos no Conselho de Segurança e da geopolítica das grandes potências. Os tratados de paz, meio ambiente e direitos humanos são ignorados sem consequências. O Acordo de Paris claudica, enquanto corporações continuam explorando recursos com voracidade insustentável, enquanto isso o Sul Global paga a conta ambiental de um modelo que nunca construiu e nem aproveitou.
No campo simbólico, a banalização do mal, conceito cunhado pela judia Hannah Arendt para explicar como pessoas comuns se tornam cúmplices de crimes abjetos em nome da obediência, volta a ser cada vez mais atual. Hoje, soldados bombardeiam civis com drones como se jogassem videogames. Funcionários em escritórios elaboram algoritmos que excluem populações inteiras de serviços públicos, o horror é terceirizado, automatizado, e normalizado. A frieza burocrática da máquina estatal é revestida por eufemismos: "colateral", "operação de pacificação", "ajuste fiscal", "intervenção técnica". Por trás dessas palavras, vidas são esmagadas, direitos são diluídos e a empatia é substituída por relatórios e gráficos, é a ética anestesiada pela rotina, o crime tornado rotina, a justiça substituída por uma pretensa eficiência.
Mas nem tudo está perdido, nosso século também nos oferece ferramentas que inexistiam no passado, temos redes de solidariedade internacional, movimentos sociais articulados globalmente, juventudes politizadas, tecnologias livres que podem ser usadas para construir alternativas. A luta antirracista, feminista, ambiental e anticapitalista floresce em todos os continentes. A memória histórica pode e deve ser um antídoto, e ela está sendo resgatada por educadores, artistas, ativistas e acadêmicos.
A crise atual, se trabalhada, pode virar uma oportunidade, como descreveu Walter Benjamin, outro judeu que vivenciou a ascensão do nazifascismo: “a tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ em que vivemos é a regra”. Cabe a nós interromper esse ciclo. A democracia, a justiça social, os direitos humanos e o planeta não serão preservados por inércia.
É preciso um desejo coletivo, com organização e coragem política, e o urgente renascimento do movimento socialista internacional, esse é um elemento fundamental para barrar a onda fascista, exatamente como ocorreu no século passado, mas a luta contra o autoritarismo começa no cotidiano: na escola, na vizinhança, no trabalho, na internet, na igreja, onde cada um de nós esteja.
A história não apenas rima, ela cobra caro quando ignorada. Caminhamos hoje sobre os escombros mal varridos do século XX, repetindo padrões que acreditávamos superados. O autoritarismo já não bate à porta, ele senta-se à mesa, veste terno, discursa em palanques e governa sob aplausos dos incautos. O colapso do centro político, o descrédito das instituições e o avanço de discursos de ódio não são fenômenos espontâneos, são sintomas de uma democracia adoecida e de uma memória histórica maltratada.
Persistir na ilusão de que “dessa vez será diferente” é um risco que a humanidade já não pode se dar ao luxo de correr. O antídoto está na reconstrução da vida democrática como experiência coletiva: fortalecendo instituições, combatendo a desigualdade que alimenta o ressentimento e, sobretudo, ensinando história não como uma sucessão de datas, mas como um alerta permanente.
Se não aprendermos com o passado, ele deixará de ser apenas uma sombra incômoda, e voltará a ser nossa prisão, para muitos literalmente. O futuro ainda é um campo aberto, mas só permanecerá livre se tivermos coragem de confrontar os fantasmas que insistem em retornar com novas máscaras.
Na briga de Trump com Musk, quem sai pior na foto é a democracia americana
Nem Donald Trump, nem Elon Musk. Quem saiu mais chamuscada daquele que, na prática, é o terceiro, e provavelmente mais custoso, processo de divórcio do presidente dos Estados Unidos, foi a já cambaleante democracia americana.
Fonte inesgotável de memes e alegria dos tabloides, o bate-boca entre os dois donos de redes sociais incluiu, entre outros golpes abaixo da barriga, insinuação sobre uso abusivo de drogas por um e participação em escândalo sexual criminoso do outro. Mas as declarações mais substantivas do rompimento parecem ter sido gestadas em embalo de música de fossa. Magoado, o homem mais rico do planeta cometeu um "quanta ingratidão" após argumentar que, sem seu cofre, os republicanos jamais teriam voltado à Casa Branca. Ressentido, o presidente coçou a cabeça por não compreender tal fel após “ter feito tanto por Musk no governo”. Poucas vezes se viu um atestado de toma-lá-dá-cá tão explícito.
É arriscado meter a colher em briga de parceiros, especialmente recém-separados por interesses bilionários. Mas fica difícil, apesar dos movimentos de gente graúda pelo deixa-disso, imaginar uma reconciliação em curto prazo. Mesmo levando-se em conta a postagem de Musk no começo do ano, no auge do bromance com Trump: "Eu amo @realdonaldtrump com a intensidade que um homem hétero ama um outro". Insanos fevereiros.
Quatro meses depois, ao passar a relação a limpo, Musk bate no peito certo de que seu apoio foi central para a vitória de Trump. Para além do show do milhão na decisiva Pensilvânia e dos muitos dólares legalmente investidos no retorno do ex-presidente à Casa Branca, sua presença ativa na campanha teve efeito simbólico de fato importante. Por um lado, personificou a migração das big tech do colo do Partido Democrata para a coalizão antirregulamentação da direita. Por outro, ofereceu aos eleitores alegoria repetida por muitos ao GLOBO na reta final do pleito: a de que o time da oposição levaria para Washington versão política de "Os vingadores", com o superempresário no comando, o superbilionário ao seu lado e até o super-Kennedy na Saúde, referência ao controverso RFK Jr.
Fonte inesgotável de memes e alegria dos tabloides, o bate-boca entre os dois donos de redes sociais incluiu, entre outros golpes abaixo da barriga, insinuação sobre uso abusivo de drogas por um e participação em escândalo sexual criminoso do outro. Mas as declarações mais substantivas do rompimento parecem ter sido gestadas em embalo de música de fossa. Magoado, o homem mais rico do planeta cometeu um "quanta ingratidão" após argumentar que, sem seu cofre, os republicanos jamais teriam voltado à Casa Branca. Ressentido, o presidente coçou a cabeça por não compreender tal fel após “ter feito tanto por Musk no governo”. Poucas vezes se viu um atestado de toma-lá-dá-cá tão explícito.
É arriscado meter a colher em briga de parceiros, especialmente recém-separados por interesses bilionários. Mas fica difícil, apesar dos movimentos de gente graúda pelo deixa-disso, imaginar uma reconciliação em curto prazo. Mesmo levando-se em conta a postagem de Musk no começo do ano, no auge do bromance com Trump: "Eu amo @realdonaldtrump com a intensidade que um homem hétero ama um outro". Insanos fevereiros.
Quatro meses depois, ao passar a relação a limpo, Musk bate no peito certo de que seu apoio foi central para a vitória de Trump. Para além do show do milhão na decisiva Pensilvânia e dos muitos dólares legalmente investidos no retorno do ex-presidente à Casa Branca, sua presença ativa na campanha teve efeito simbólico de fato importante. Por um lado, personificou a migração das big tech do colo do Partido Democrata para a coalizão antirregulamentação da direita. Por outro, ofereceu aos eleitores alegoria repetida por muitos ao GLOBO na reta final do pleito: a de que o time da oposição levaria para Washington versão política de "Os vingadores", com o superempresário no comando, o superbilionário ao seu lado e até o super-Kennedy na Saúde, referência ao controverso RFK Jr.
Trump não aceita o argumento e acusa o ex-amigo de dissimulação. A desativação dos supergêmeos, jura, deu-se não por conta da oposição de Musk a seu plano orçamentário, que aumenta o déficit americano em pelo menos US$ 2,4 trilhões na próxima década, e elimina qualquer economia alcançada pelo departamento de corte de custos capitaneado até outro dia pelo bilionário. Que nada. O motivo teria sido o corte de subsídios federais a carros elétricos, que afeta o bolso do dono da Tesla, e uma nomeação a cargo público de amigo do ex-amigo vetada pelo presidente.
Como Musk também é o manda-chuva da SpaceX, o suspense segue em torno dos US$ 22 bilhões de contratos do governo com a empresa. Também não se sabe se países da África e Ásia recuarão de contratos pré-assinados com a empresa, declaradamente com a intenção de "agradar o presidente dos EUA".
Mestre em cortinas de fumaça, Trump aumentou o volume da briga com Musk no exato momento em que detalhava o corte de verbas para as redes públicas PBS e NPR, fundamentais, por sua capilaridade e excelência jornalística, para a fiscalização de prefeitos e legislaturas locais EUA afora. E quando, com a justificativa de estar combatendo o antissemistismo, anunciou a proibição de novas matrículas de estudantes estrangeiros em Harvard e o veto da entrada no país de cidadãos de 12 países, em sua maioria África e Oriente Médio. Também encontrou tempo para avisar, como se não tratasse de um dos maiores fracassos de sua política externa, que "às vezes, em briga de dois meninos, é preciso sair de cena, e deixá-los resolver sozinhos o entrevero". O presidente falava da Rússia e da Ucrânia.
No flanco político e no econômico Trump e Musk têm muito a perder com o divórcio público. Mas, neste affair, a única vítima que interessa é a democracia americana.
Como Musk também é o manda-chuva da SpaceX, o suspense segue em torno dos US$ 22 bilhões de contratos do governo com a empresa. Também não se sabe se países da África e Ásia recuarão de contratos pré-assinados com a empresa, declaradamente com a intenção de "agradar o presidente dos EUA".
Mestre em cortinas de fumaça, Trump aumentou o volume da briga com Musk no exato momento em que detalhava o corte de verbas para as redes públicas PBS e NPR, fundamentais, por sua capilaridade e excelência jornalística, para a fiscalização de prefeitos e legislaturas locais EUA afora. E quando, com a justificativa de estar combatendo o antissemistismo, anunciou a proibição de novas matrículas de estudantes estrangeiros em Harvard e o veto da entrada no país de cidadãos de 12 países, em sua maioria África e Oriente Médio. Também encontrou tempo para avisar, como se não tratasse de um dos maiores fracassos de sua política externa, que "às vezes, em briga de dois meninos, é preciso sair de cena, e deixá-los resolver sozinhos o entrevero". O presidente falava da Rússia e da Ucrânia.
No flanco político e no econômico Trump e Musk têm muito a perder com o divórcio público. Mas, neste affair, a única vítima que interessa é a democracia americana.
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