sábado, 7 de junho de 2025

Na briga de Trump com Musk, quem sai pior na foto é a democracia americana

Nem Donald Trump, nem Elon Musk. Quem saiu mais chamuscada daquele que, na prática, é o terceiro, e provavelmente mais custoso, processo de divórcio do presidente dos Estados Unidos, foi a já cambaleante democracia americana.

Fonte inesgotável de memes e alegria dos tabloides, o bate-boca entre os dois donos de redes sociais incluiu, entre outros golpes abaixo da barriga, insinuação sobre uso abusivo de drogas por um e participação em escândalo sexual criminoso do outro. Mas as declarações mais substantivas do rompimento parecem ter sido gestadas em embalo de música de fossa. Magoado, o homem mais rico do planeta cometeu um "quanta ingratidão" após argumentar que, sem seu cofre, os republicanos jamais teriam voltado à Casa Branca. Ressentido, o presidente coçou a cabeça por não compreender tal fel após “ter feito tanto por Musk no governo”. Poucas vezes se viu um atestado de toma-lá-dá-cá tão explícito.


É arriscado meter a colher em briga de parceiros, especialmente recém-separados por interesses bilionários. Mas fica difícil, apesar dos movimentos de gente graúda pelo deixa-disso, imaginar uma reconciliação em curto prazo. Mesmo levando-se em conta a postagem de Musk no começo do ano, no auge do bromance com Trump: "Eu amo @realdonaldtrump com a intensidade que um homem hétero ama um outro". Insanos fevereiros.

Quatro meses depois, ao passar a relação a limpo, Musk bate no peito certo de que seu apoio foi central para a vitória de Trump. Para além do show do milhão na decisiva Pensilvânia e dos muitos dólares legalmente investidos no retorno do ex-presidente à Casa Branca, sua presença ativa na campanha teve efeito simbólico de fato importante. Por um lado, personificou a migração das big tech do colo do Partido Democrata para a coalizão antirregulamentação da direita. Por outro, ofereceu aos eleitores alegoria repetida por muitos ao GLOBO na reta final do pleito: a de que o time da oposição levaria para Washington versão política de "Os vingadores", com o superempresário no comando, o superbilionário ao seu lado e até o super-Kennedy na Saúde, referência ao controverso RFK Jr.

Trump não aceita o argumento e acusa o ex-amigo de dissimulação. A desativação dos supergêmeos, jura, deu-se não por conta da oposição de Musk a seu plano orçamentário, que aumenta o déficit americano em pelo menos US$ 2,4 trilhões na próxima década, e elimina qualquer economia alcançada pelo departamento de corte de custos capitaneado até outro dia pelo bilionário. Que nada. O motivo teria sido o corte de subsídios federais a carros elétricos, que afeta o bolso do dono da Tesla, e uma nomeação a cargo público de amigo do ex-amigo vetada pelo presidente.

Como Musk também é o manda-chuva da SpaceX, o suspense segue em torno dos US$ 22 bilhões de contratos do governo com a empresa. Também não se sabe se países da África e Ásia recuarão de contratos pré-assinados com a empresa, declaradamente com a intenção de "agradar o presidente dos EUA".

Mestre em cortinas de fumaça, Trump aumentou o volume da briga com Musk no exato momento em que detalhava o corte de verbas para as redes públicas PBS e NPR, fundamentais, por sua capilaridade e excelência jornalística, para a fiscalização de prefeitos e legislaturas locais EUA afora. E quando, com a justificativa de estar combatendo o antissemistismo, anunciou a proibição de novas matrículas de estudantes estrangeiros em Harvard e o veto da entrada no país de cidadãos de 12 países, em sua maioria África e Oriente Médio. Também encontrou tempo para avisar, como se não tratasse de um dos maiores fracassos de sua política externa, que "às vezes, em briga de dois meninos, é preciso sair de cena, e deixá-los resolver sozinhos o entrevero". O presidente falava da Rússia e da Ucrânia.

No flanco político e no econômico Trump e Musk têm muito a perder com o divórcio público. Mas, neste affair, a única vítima que interessa é a democracia americana.

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