sábado, 28 de março de 2015

Reproclamar a República

Nos Estados Unidos, com quase o dobro da população brasileira, há 4 mil servidores comissionados; no Brasil petista, há 113 mil, além de 39 ministérios



A queda de governantes – ou a instabilidade crônica dos governos - é mais regra que exceção na História do Brasil. Dilma Roussef, pois, não tem do que se queixar: está em plena sintonia com o pior do passado político brasileiro.

Os dois imperadores, Pedro I e Pedro II, não concluíram seus reinados. O primeiro renunciou e o segundo foi renunciado pela proclamação da República, em 1889.

Entre a abdicação do primeiro e a coroação do segundo, período de uma década (1831 a 1841), o país teve cinco regências – nenhuma cumpriu seu mandato até o fim, o que levou à precoce (e inconstitucional) coroação de um imperador de 15 anos incompletos, o golpe de Estado da Maioridade.

O primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, não concluiu seu mandato. Governou dois anos e renunciou, sendo substituído por seu vice, o marechal Floriano Peixoto, que, em vez de convocar eleições, como mandava a recém-promulgada Constituição de 1891, governou até o fim de um mandato que não lhe pertencia.

A República, que entrara na história pela porta dos fundos, a bordo de um golpe militar, mostrava ao que vinha.

O primeiro presidente civil, Prudente de Morais (1894-1898), assumiu num ambiente de tensão militar e escapou de um atentado a bala, que, por falha de pontaria, matou seu ministro da Guerra, marechal Carlos Bittencourt. Chegou a se licenciar da presidência por razões de saúde e quase foi apeado do poder por seu vice, Manoel Vitorino, seu inimigo político.

Numa visão panorâmica, eis o que temos: dois presidentes que renunciaram - Deodoro e Jânio Quadros (1961); dois que morreram antes de assumir - Rodrigues Alves (em seu segundo mandato, em 1918) e Tancredo Neves (1985); dois mortos no exercício do mandato – Afonso Pena (1909) e Costa e Silva (1969); quatro depostos - Getúlio Vargas, Café Filho, João Goulart e Fernando Collor; um que não tomou posse - Júlio Prestes (1930), eleito com fraude, dando ensejo a uma revolução, que levou Getúlio, sem votos, à presidência.

Getúlio, o presidente que por mais tempo governou, não concluiu nenhum de seus dois mandatos: foi deposto em 1945 e suicidou-se em 1954. Na sequência do suicídio, o país, que teria eleições em novembro de 1955, teve, entre essa data e a posse (três meses), nada menos que três presidentes: Café Filho, o vice; Carlos Luz, presidente da Câmara; e Nereu Ramos, presidente do Senado. A posse de Juscelino foi garantida por intervenção militar.

Ao menos um presidente, Delfim Moreira (1918), enlouqueceu no cargo. Conta-se que chegou a uma reunião de ministros em cuecas. O caso foi abafado e quem de fato governou pelos oito meses que lhe restaram de governo, resguardando as aparências, foi seu ministro da Viação, Afrânio de Melo Franco.
Pontuando esse panorama, houve duas guerras civis: a Revolta da Armada (1891), que mobilizou unidades da Marinha contra Deodoro, que renunciou, e manteve-se contra o governo de Floriano Peixoto; e a revolução constitucionalista (1932), que mobilizou São Paulo contra o governo provisório (que se portava como permanente) de Vargas.

Golpes e tentativas não faltaram: o Movimento Tenentista da década dos 20 (com escaramuças em 22, 24 e 26, entre as quais a Coluna Prestes), a Intentona Comunista (1935), o Estado Novo (1937), os de Aragarças e Jacareacanga (contra o governo JK, em 1956), o de 1964 e o de 1968 (AI-5). Arthur Bernardes (1922-1926), que presidiu sob a ameaça dos tenentes (que seriam os generais de 64), governou sob Estado de Sítio.

Fechamento do Congresso houve vários: 1891, 1937, 1968, 1977. Constituições, nada menos que sete: 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 (considerando-se que a emenda da Junta Militar à Carta de 67, de tão ampla, configurava outra Carta) e a de 1988 (que já conta 79 emendas e tem 1.677 propostas de emenda na fila, aguardando avaliação).

Essa, em síntese, é a república que temos, à espera de reproclamação. Não resolveu os problemas (efetivos) que apontava na monarquia e agravou-os ao revogar o parlamentarismo e adotar o presidencialismo de formato norte-americano, que somente lá afinou-se com a democracia. Aqui, oscila entre a democracia corrupto-fisiológica (a que temos) ou o autoritarismo golpista.

A Nova República, inaugurada com a eleição indireta de Tancredo Neves em 1985, completou 30 anos, o mais longo período democrático da história republicana brasileira. Desaguou no PT, em Dilma, nos escândalos da Petrobras e no aparelhamento estatal.

Nos Estados Unidos, com quase o dobro da população brasileira, há 4 mil servidores comissionados; no Brasil petista, há 113 mil, além de 39 ministérios. JK governou com 12 ministros e Niemeyer fez construir 18 prédios na Esplanada dos Ministérios, menos da metade da cota petista.

As pesquisas mostram descrédito não apenas na presidente e em seu partido, mas no conjunto das instituições. Um ex-advogado do PT, Dias Toffoli, hoje ministro do STF, julgou os petistas do Mensalão, seus antigos clientes – e agora julgará os petistas do Petrolão. Os petistas do Mensalão estão soltos, o que não deixa otimista a sociedade em relação aos já citados do Petrolão. Multidões ocupam as ruas, pedindo a saída da presidente, de seu partido e exorcizando políticos e instituições em geral.

A república está no ralo. Os mais céticos pedem intervenção militar, esquecidos de que tudo começou com uma ação dos quartéis, há 126 anos. Pólvora não conserta nada e política é atribuição civil. O Brasil está, antes de mais nada, necessitado de uma Constituição como a proposta por Capistrano de Abreu há um século, que possuiria um único artigo:

“Todo brasileiro tem que ter vergonha na cara. Parágrafo único: Revogam-se as disposições em contrário.” Esse é o ponto de partida, sem o qual o de chegada será o de sempre. O quadro não é animador, mas não é imutável. A intensa participação popular é o dado novo – e imprevisível – da crise. Vejamos o que acontece.

Espécie nativa e invasora

Os robôs abandonam o barco

O documento que vazou do Planalto falando dos robôs usados nas redes sociais me fez lembrar de 2010. Foi a última campanha que fiz no Rio de Janeiro. Na época detectamos a ação de robôs, localizamos sua origem, mas não tínhamos como denunciar. Ninguém se interessou.

Os robôs eram uma novidade e, além do mais, o adversário não precisou deles para vencer. Tinha a máquina e muito dinheiro: não seriam mensagens traduzidas, grosseiramente, do inglês - contrataram uma empresa americana - que fariam a diferença. Essa campanha de 2010 pertence ao passado e só interessa, hoje, aos investigadores da Operação Lava Jato.

Resultado de imagem para robos do planalto charge


Os robôs abandonaram Dilma Rousseff depois das eleições. E o Palácio dá importância a isso. Blogueiros oficiais também fazem corpo mole em defendê-la, por divergências políticas. Isso confirma minha suposição de que nem todos os blogueiros oficiais são mercenários. Há os que acreditam no que defendem e acham razoável usar dinheiro público para combater o poderio da imprensa.

Vejo três problemas nesse argumento. O primeiro é uma prática que se choca com a democracia. O segundo, o governo já dispõe de verbas para fazer ampla e intensa propaganda. E, finalmente, Dilma tem todo o espaço de que precisa. Basta convocar uma coletiva e centenas de jornalistas vão ao seu encontro. Se Dilma quiser ocupar diariamente cinco minutos do noticiário nacional, pode fazê-lo. O chamado problema de comunicação do governo lembra-me O Castelo, de Kakfa. A porta sempre esteve aberta e o personagem não se dá conta de que a porta está aberta.

O problema central é que Dilma não sabe tocar esse instrumento. Todos os presidentes da era democrática sabiam. Lembro-me apenas do marechal Dutra, no pós-guerra, mas era muito criança. Falava mal, porém fez carreira militar, era um marechal, que comprou muita matéria plástica. Mas era um outro Brasil comparado com o avanço democrático e a onipresença do meios de comunicação.

Os robôs que abandonaram o barco não me preocupam. Esta semana parei um pouco para pensar na terra arrasada que o PT deixará para uma esquerda democrática no País. Não só pelo cinismo e pela corrupção, pelas teses furadas, mas também pela maneira equivocada de defender teses corretas. Ao excluir dissidentes cubanos, policiais brasileiros, opositores iranianos da rede de proteção, afirmam o contrário dos direitos humanos: a parcialidade contra a universalidade.

Algo semelhante acontece com a política sobre os direitos dos gays, que apoio desde que voltei do exílio, ainda no tempo do jornal Lampião.

Ao tentar transformar as teses do movimento numa política de Estado, chega-se muito rapidamente à desconfiança da maioria, que aceita defesa de direitos, mas não o proselitismo. Tudo isso terá de ser reconstruído em outra atmosfera. Será preciso uma reeducação da esquerda para não confundir seus projetos com o interesse nacional.

Isso se aprende até nas ruas, vendo o desfile de milhares de bandeiras verdes e amarelas. Na sexta-feira 13 houve um desfile de bandeiras vermelhas. Essa tensão entre o vermelho e o verde-amarelo é expressão pictórica da crise política.

Se analisamos a política externa do período, vemos que o Brasil atuou lá fora como se sua bandeira fosse vermelha. Ignora a repressão em Cuba e na Venezuela, numa fantasia bolivariana rejeitada pela maioria do País.

Discordo de uma afirmação no documento vazado do Planalto: o Brasil vive um caos político. Dois milhões pessoas protestam nas ruas sem um incidente digno de registro. Existe maturidade para superar a crise, sem violência.

Bem ou mal, o Congresso Nacional funciona. O caos não é político. É um estado de espírito num governo e num partido que ainda não compreenderam seu fim. Nada mais cândido que a sugestão do documento: intensificar a propaganda em São Paulo.

Com mais propaganda, mais negação da realidade, o governo contribui para aumentar o som do panelaço. E exige muita maturidade da maioria esmagadora que o rejeita.

Li nos jornais a história de um deputado no PT reclamando de ter sido hostilizado em alguns lugares públicos. Se projetasse o que virá no futuro, teria razões para se preocupar.

A crise econômica ainda vai apresentar seus efeitos mais duros. Um deles é o racionamento de energia. Sem isso, acreditam os técnicos, não há retomada do crescimento em 2016. Como crescer sem dispor de mais energia?

As investigações da Lava Jato concentram-se no PT. Muitos depoimentos convergem para inculpar o tesoureiro João Vaccari Neto. Li que uma das saídas do partido seria culpar o tesoureiro, uma versão petista de culpar o mordomo.

Um governo que recusa a realidade, crise econômica que caminha para um desconforto maior e o foco da investigação da Lava Jato no PT são algumas das três variáveis de peso que conduzem a uma nova fase.

Diante desse quadro, não me surpreende que os robôs estejam pulando do barco do governo. Apenas confirmam minha suspeita de que se tornam cada vez mais inteligentes.

Eles continuam à venda no mercado internacional. O secretário da Comunicação recomendou ao governo dar munição a seus soldados na internet, Lula ameaçar com o exército de Stédile. Um novo exército de robôs seria recebido com uma gargalhada nas redes sociais.

Juntamente com os robôs, Cid Gomes saltou do barco. Ao contrário dos robôs, seu cálculo é político. Superou em 100 a marca de Lula sobre os picaretas no Congresso. Preservou-se com os futuros eleitores.

Mas, e aquela história da educação como o carro-chefe do projeto de Dilma? Confusão entre os estudantes que não recebem ajuda e o ministro contando picaretas no Congresso.

É tudo muito grotesco. Os partidos querem ver Dilma sangrando. Além de ser muito sangue o que nos espera pela frente, é preciso levar em conta que, de certa maneira, o Brasil sangra com Dilma. Arrisca-se a morrer exangue.

Compra-se silêncio. Paga-se bem

O PT, leia-se Lula, vai abocanhar a gerência de uma conta de R$ 200 milhões por ano, dinheiro com que conta silenciar qualquer adversário. O ex-deputado Edinho Silva, coordenador de campanha de Dilma e apontado por réus do Petrolão como receptor de “doações”, vai assumir a milionária Secretaria de Comunicação do Planalto, no lugar de Thomas Traumann. Como Dilma não pretende cortar na carne, e se cortar não será na Secom, o PT viu continuar achacando a imprensa com a publicidade estatal e incrementando o financiamento de mercenários na internet. Mais uma vez o partido vai se utilizar do Estado como propriedade partidária para fazer o diabo no silenciamento da Lava Jato.

Fabricando a própria mentira


As experiências de Westen mostram que se a realidade não se adapta às verdades que seu cérebro rejeita, ele cria uma realidade paralela à qual seu cérebro se adapta

É possível que esteja acontecendo alguma coisa que a nossa vista não alcança.

Mas os fatos se avolumam diante de nossos olhos e ainda assim existe um exército disciplinado tentando nos convencer de que os fatos não são exatamente fatos. São apenas uma versão distorcida dos fatos, fabricada por nosso superego reacionário e elitista que não se conforma com a ascensão social das classes mais pobres.

Esse truque semântico é um truque pobre, mas pode ter lá a sua eficácia dentro do um universo onde o raciocínio raso se transforma em palavra de ordem e em farol e guia de alguém que anda à procura de um farol e de um guia para justificar a falta de substância e de propósito investidos na defesa do indefensável.

Temos hoje o que é talvez um dos piores governos da história da República, há evidências gritantes de um esquema de corrupção que parece construído para sustentar não os desvios de caráter da ganância individual mas os alicerces de um projeto de perpetuação do poder, e mesmo assim a desconversa institucionalizada tenta convencer-nos de que todos são iguais.

Tudo o que é malfeito hoje é versão copiada dos malfeitos de ontem.

Um fato extraordinariamente significativo para ilustrar a diferença entre o “todos são iguais” e o esquema organizado de controle do poder é o caso do Postalis, o fundo de pensão dos empregados dos Correios, onde detectou-se um déficit de 5,2 bilhões de dólares, que terá que ser coberto por aportes adicionais dos funcionários durante pelo menos 15 anos para equilibrar as contas e garantir o pagamento das aposentadorias adicionais de quem resolveu apostar uma velhice tranquila nele.

O que você pode dizer de um fundo de pensão estatal que é controlado pelos partidos que dividem o governo, o PT e o PMDB? Que o dinheiro foi desviado? Não se sabe, não há provas. O que o Tribunal de Contas da União diz é que no portfólio do Fundo havia títulos da dívida pública da Venezuela e da Argentina. E havia também ações da empresa do Eike Batista. Gestão temerária?

Quem é que no pleno domínio de suas faculdades mentais pega as economias de uma multidão de 71 mil trabalhadores e investe em títulos podres como esses? Só há duas explicações possíveis: má fé ou incompetência absurda.

Qualquer das duas hipóteses caracteriza dolo: ou alguém roubou ou alguém foi muito incompetente a ponto de jogar o dinheiro alheio no lixo. Seja qual for a explicação, ela não absolve ninguém.

Contra todas as evidências, os exércitos retardatários de Thomas Traumann, o secretário de Comunicação Social do governo de Dilma, devidamente defenestrado pelo vazamento de seu “documento secreto”, insistem em ignorar a realidade e tentam levar a sua contradança para o terreno da fantasia da luta do bem contra o mal.

A negação da realidade é um sintoma mais um menos agudo de uma patologia que, em seus casos mais graves, pode ser definida como uma espécie de esquizofrenia, uma doença sem cura que procura adaptar à realidade aos sonhos e delírios do paciente.

No livro “O Cérebro Político” do neurologista norte-americano Drew Westen, existe uma tentativa de explicação científica para essa espécie de negação da realidade, que foi medida em várias experiências feitas em laboratório através de ressonância magnética.

As experiências de Westen mostram que se a realidade não se adapta às verdades que seu cérebro rejeita, ele cria uma realidade paralela à qual seu cérebro se adapta. Ou seja: você cria sua própria realidade e passa a viver dentro dela.

Através desse mecanismo você passa a acreditar em suas próprias mentiras. Não é legal?

Sandro Vaia

Pilates de cada dia

O oposto da vida na ditadura não é a vida na perfeição, mas o exercício das liberdades, incluindo a liberdade de fazer o mal ou para fazer o mal, cometer erros e, por vezes, voltar a antigas ditaduras ou inventar outras novas
André Glucksmann

Crise transforma Planalto num inferno de Dante

Muitas pessoas acreditam na lei do retorno, na base do “aqui se faz, aqui se paga”. Há também quem entenda que o inferno seria a própria vida terrena, neste vale de lágrimas celebrizado pela oração cristã “Salve, Rainha”. Bem, são crenças religiosas que ganham força no Brasil quando se analisa a política brasileira atual, em que os governantes estão ilhados num verdadeiro purgatório, como nova versão da “Divina Comédia” de Dante, onde só recebem notícias ruins, que vão piorando com o passar do tempo e ainda estão longe do clímax.

Estas pessoas – nossos governantes – decididamente não têm paz. É como se estivessem submetidos a algum tipo de tortura chinesa, que não mata, mas vai tendo sua intensidade aumentada a cada dia, de modo a levar a vítima ao desespero total.

É possível imaginá-los no luxo dos palácios da Ilha da Fantasia chamada Brasília, onde vivem um mundo de ficção, em que quase tudo está à disposição, a tempo e a hora, mas falta o principal – a felicidade do dever cumprido, que vem acompanhada da consagração pública e da realização pessoal.

Podemos também vislumbrar o mau humor dos governantes a cada manhã, quando chegam os jornais repletos de notícias ruins e desonrosas. Depois, as reuniões estressantes em busca de soluções milagrosas que não existem mais, pois de repente nem mesmo o ardiloso marqueteiro consegue ter alguma idéia criativa. E à noite, enfim, o massacre em todos os telejornais, parece um nunca-acabar. É óbvio que, nesse clima sinistro, jamais conseguirão dormir o chamado sono dos justos, nem mesmo à base de tranquilizantes.

Os governantes são eleitos para trabalhar em nome do povo e em busca da satisfação dos interesses populares, e este era justamente o objetivo que o PT alardeava. Por isso, o sofrimento dessa gente é merecido, todos sabem. Jamais um país subiu ao poder no Brasil contando com tamanho apoio das massas.

Havia um impressionante clamor de esperança, que agora se desfez, quando enfim se percebeu que o mito do PT era tudo mentira, não se tratava de políticos de nova estirpe, mas de neopolíticos da pior espécie, cujo maior interesse se resumia ao enriquecimento pessoal, obtido ilicitamente. Sem dúvida, os sindicalistas mostraram que são ainda piores do que os políticos tradicionais, que na verdade sempre nos decepcionaram, porém jamais formaram esses tipos de quadrilhas.

Os petistas não conheciam Abraham Lincoln, julgaram que poderiam enganar a todos, o tempo todo, mas isso não existe na vida real. Conseguiram decepcionar aos brasileiros e agora estão sofrendo, envergonhados, mas têm de sair às ruas, brandindo as bandeiras vermelhas, por dever de ofício, digamos assim. Agora, estão sendo convocados pelo presidente do PT, Rui Falcão, para se contraporem às manifestações programadas para o dia 12, quando inevitavelmente surgirão cartazes ironizando o “governo de merda”, assim denominado pelo próprio dirigente petista.

É triste saber que este governo ainda vai sangrar por muito tempo, agonizando em praça pública até o desenlace final, que esperemos ver surgir com base nas normas constitucionais. Mas enquanto essa situação se prolongar, o pior é que o povo brasileiro também estará sofrendo, pois quando não há esperança, a retração é inevitável, o desânimo prevalece.

Poderia ter sido diferente, claro. Quem iria imaginar que os representantes do povo se comportariam dessa forma, como se fosse membros de uma gigantesca quadrilha? Era difícil pensar que chegariam a tanto.

Agora, a grande dúvida é sabe até quando os governantes vão continuar fingindo que ainda existe alguma possibilidade de permanecerem no poder. É uma situação verdadeiramente patética.

Diálogo com a sabedoria



- A coisa tá preta!

- Preta, não, isso é racismo, respondeu a bolacha de chope. Está é suja, fedendo, esmolambada. Deixaram a gente com as calças na mão e agora pensam no pior: o cerol
.

Algemas

Eu terminara de almoçar e lia na sala os jornais que haviam chegado. Eles me ligavam ao mundo e informavam sobre os acontecimentos tormentosos daqueles dias de repressão. Minha mulher também corria os olhos pelas notícias e nossos filhos, ainda pequenos, pulavam por ali.

O telefone tocou. Era um colega de cidade vizinha que pedia minha presença na telefônica, no centro da cidade, com a maior rapidez porque seu tempo era curto. Tinha sido preso e estava sendo conduzido não sabia para onde, queria falar-me, precisava de apoio, estava desesperado. Chamara também os demais colegas e contava que todos fossem até lá para darem, pelo menos, apoio moral. Sentia-se na sua voz uma grande angústia.

Não hesitei um momento. Expliquei tudo em duas palavras à minha mulher, peguei um agasalho e rumei para o lugar indicado. Nenhuma outra consideração entrou no meu espírito – nem medo, nem cálculo, nem conveniência de qualquer espécie. Tratava-se de um advogado como eu, colega e amigo, ainda que não fosse dos mais chegados, e meu dever era socorrê-lo no momento amargo, quaisquer que fossem as conseqüências.

Na minha juventude de então eu não sabia que estava vivendo um instante fugidio mas glorioso da existência. Enquanto dirigia pela colina abaixo quase explodia de indignação diante da arbitrariedade que me parecia monstruosa e ia pronto para tudo, inclusive para ser preso e seguir com o colega, se isso fosse necessário. Hoje, na maturidade, fico encabulado à lembrança de alguns arroubos daquela época, mas esse episódio me envaidece e meu coração afirma que sairia novamente, agora, em socorro do colega se ele estivesse me chamando.

Minha surpresa foi grande ao notar a ausência dos demais. Nenhum compareceu, nenhum se dispôs a amparar o seu igual, nem mesmo os que se diziam “correligionários” do preso, de quem eu era, por coincidência, adversário em política. Olhei incrédulo para a casa de um deles, distante pouco mais de cem passos, e tive ganas de gritar com a força máxima dos pulmões:

– Covardes! Covardes!

Creio, sinceramente, que hoje eu gritaria.

Mas o choque maior foi quando percebi as algemas, aquelas peças niqueladas nos punhos do bacharel, como se fosse um marginal perigoso e prestes a intentar a fuga. Moço culto e educado, incapaz de uma grosseria, quanto mais da menor violência, ele mal podia falar em meio aos oficiais condutores. E tudo aquilo por ter sido contrário aos mandões do momento!

Fiquei arrasado.

Ele, num esforço imenso, resumiu tudo numa pergunta:

– E os outros?

Não tive o que dizer e me limitei a encolher os ombros. Depois, meio sem jeito, tratei de abraçá-lo e confortá-lo. Prometi telefonar à família (ele fora preso no escritório e nem pudera se despedir), atendê-la no que pudesse e acompanhar o destino dele próprio, até então obscuro. Seus olhos marejavam e eu senti com intensidade a gratidão que se instalava na alma do colega mais velho pela atitude do mais jovem.

O carcereiro, impaciente, queria partir. Tinha ordens e horários a serem cumpridos. Relutante, atrapalhado com as algemas niqueladas, o advogado embarcou. Em instantes a viatura policial dobrava a esquina em direção à estrada poeirenta.

Fiquei ali um tempão, parado na frente da telefônica, com o olhar fixo na estradinha campeira. Todo o edifício jurídico construído dentro de mim, em anos de estudo e trabalho, estava abalado.

Mas a vida continuava e era preciso lutar. Voltei devagar para casa, a esposa, os filhos, a profissão. Naquele trajeto, sozinho e amargurado, assumi comigo mesmo o compromisso formal — até hoje cumprido a duras penas — de jamais transigir com os inimigos da democracia, mascarados ou não, e defendê-la pelos modos ao meu alcance. Acima de tudo, incutir nos filhos a consciência democrática como forma de ensinar que só a democracia protege a dignidade do homem e que ela poda ter mil defeitos mas ainda não se inventou nada melhor.

Você quer financiar campanhas do PT e aliados?

Na última terça-feira, dia 24, a CNBB cobrou do STF uma deliberação sobre a proposta, há um ano em mãos do ministro Gilmar Mendes, que acaba com o financiamento privado das campanhas eleitorais. Essa permanente dedicação da CNBB às pautas políticas sempre me impressiona. No caso, mais uma vez, a tese que a Conferência abraça é a tese do PT.

O partido reinante, há bom tempo, vem reafirmando seu desejo de que o financiamento das campanhas seja proporcionado pelo Orçamento da União. Orçamento "da União", você sabe, é aquele documento que autoriza o governo a usar nosso dinheiro. Embora a maioria dos brasileiros acredite que os recursos do erário são "do governo", o fato é que o governo não tem recursos próprios. Todo esse dinheiro procede do povo brasileiro, por ele é gerado, a ele pertence e para ele deve retornar em bons serviços e investimentos. Você concorda com incluir entre suas obrigações o financiamento das campanhas eleitorais?

O PT parece já haver convencido muita gente de que sim, de que essa conta tem que ser paga por nós. Entre os fieis adeptos da tese se inclui a CNBB, parceira nas boas e más horas petistas. No entanto, é bom sabermos que essa moeda tem dois lados e dois beneficiários. A decisão de acabar com o financiamento privado cria a obrigação de fazê-lo com recursos tomados do nosso bolso e define que o PT e o PMDB serão os principais beneficiados. Por serem a dupla hegemônica da política nacional, ambos abocanharão a parcela maior desses recursos.

Depois de tudo que se ficou sabendo através da operação Lava Jato e do petrolão, depois de conhecida a lavagem de dinheiro público em empresas privadas para financiamento dos partidos da base do governo, essa dedicação à tese do financiamento público é de uma hipocrisia estarrecedora. Ademais, não há como impedir com segurança absoluta o financiamento privado através de caixa 2.

Por fim, o financiamento público obrigatório comete contra os cidadãos uma violência que, no meu caso, se configura assim: o dinheiro dos impostos que eu pago será usado, contra a minha vontade, para financiar campanhas eleitorais de todos os partidos. Certo? Então, meu suado dinheirinho apropriado pelo Estado estará financiando as campanhas do PT, do PSOL, do PSTU, do PCdoB, do PCB, do PCO e assemelhados. Me digam se isso não é um completo disparate.

Percival Puggina