terça-feira, 20 de março de 2018

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Rize Turkey
Riz\e (Turquia)

A mentirosa liberdade

Comecei a escrever um novo livro, sobre os mitos e mentiras que nossa cultura expõe em prateleiras enfeitadas, para que a gente enfie esse material na cabeça e, pior, na alma – como se fosse algodão-doce colorido. Com ele chegam os medos que tudo isso nos inspira: medo de não estar bem enquadrados, medo de não ser valorizados pela turma, medo de não ser suficientemente ricos, magros, musculosos, de não participar da melhor balada, do clube mais chique, de não ter feito a viagem certa nem possuir a tecnologia de ponta no celular. Medo de não ser livres.

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Na verdade, estamos presos numa rede de falsas liberdades. Nunca se falou tanto em liberdade, e poucas vezes fomos tão pressionados por exigências absurdas, que constituem o que chamo a síndrome do "ter de". Fala-se em liberdade de escolha, mas somos conduzidos pela propaganda como gado para o matadouro, e as opções são tantas que não conseguimos escolher com calma. Medicados como somos (a pressão, a gordura, a fadiga, a insônia, o sono, a depressão e a euforia, a solidão e o medo tratados a remédio), cedo recorremos a expedientes, porque nossa libido, quimicamente cerceada, falha, e a alegria, de tanta tensão, nos escapa.

Preenchem-se fendas e falhas, manchas se removem, suspendem-se prazeres como sendo risco e extravagância, e nos ligamos no espelho: alguém por aí é mais eficiente, moderno, valorizado e belo que eu? Alguém mora num condomínio melhor que o meu? Em fileira ao longo das paredes temos de parecer todos iguais nessa dança de enganos. Sobretudo, sempre jovens. Nunca se pôde viver tanto tempo e com tão boa qualidade, mas no atual endeusamento da juventude, como se só jovens merecessem amor, vitórias e sucesso, carregamos mais um ônus pesadíssimo e cruel: temos de enganar o tempo, temos de aparentar 15 anos se temos 30, 40 anos se temos 60, e 50 se temos 80 anos de idade. A deusa juventude traz vantagens, mas eu não a quereria para sempre: talvez nela sejamos mais bonitos, quem sabe mais cheios de planos e possibilidades, mas sabemos discernir as coisas que divisamos, podemos optar com a mínima segurança, conseguimos olhar, analisar e curtir – ou nos falta o que vem depois: maturidade?

Parece que do começo ao fim passamos a vida sendo cobrados: O que você vai ser? O que vai estudar? Como? Fracassou em mais um vestibular? Já transou? Nunca transou? Treze anos e ainda não ficou? E ainda não bebeu? Nem experimentou uma maconhazinha sequer? E um Viagra para melhorar ainda mais? Ainda aguenta os chatos dos pais? Saiba que eles o controlam sob o pretexto de que o amam. Sai dessa! Já precisa trabalhar? Que chatice! E depois: Quarenta anos ganhando tão pouco e trabalhando tanto? E não tem aquele carro? Nunca esteve naquele resort?

Talvez a gente possa escapar dessas cobranças sendo mais natural, cumprindo deveres reais, curtindo a vida sem se atordoar. Nadar contra toda essa louca correnteza. Ter opiniões próprias, amadurecer, ajuda. Combater a ânsia por coisas que nem queremos, ignorar ofertas no fundo desinteressantes, como roupas ridículas e viagens sem graça, isso ajuda. Descobrir o que queremos e podemos é um bom aprendizado, mas leva algum tempo: não é preciso escalar o Himalaia social nem ser uma linda mulher nem um homem poderoso. É possível estar contente e ter projetos bem depois dos 40 anos, sem um iate, físico perfeito e grande fortuna. Sem cumprir tantas obrigações fúteis e inúteis, como nos ordenam os mitos e mentiras de uma sociedade insegura, desorientada, em crise. Liberdade não vem de correr atrás de "deveres" impostos de fora, mas de construir a nossa existência, para a qual, com todo esse esforço e desgaste, sobra tão pouco tempo. Não temos de correr angustiados atrás de modelos que nada têm a ver conosco, máscaras, ilusões e melancolia para aguentar a vida, sem liberdade para descobrir o que a gente gostaria mesmo de ter feito.
Lya Luft

Epidemia de mediocridade

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Desde o Junho de 2013, a desertificação da política partidária apenas aumenta. Nesse ambiente, aparecem bichos políticos estranhos. Partidos da Justiça no conflito social
Vinicius Torres Freire

Não culpe o político, ele é a sua cara

Temos culpa pelo avanço dos maus políticos. Virou esporte nacional bater no Congresso, no Palácio do Planalto, nos partidos e nos políticos de um modo geral. Quem aqui nunca recebeu uma, duas, dez, cem mensagens atacando Brasília, a cidade que chamam de berço da corrupção? Piadas e memes, alguns muito engraçados, entopem nossas caixas de mensagens e WhatsApp. A última que recebi veio de uma amiga com o seguinte teor: "Dizem que colhemos o que plantamos, eu não me lembro de ter plantado tanto político filho da p..."
O pior é que ela, eu e você plantamos, sim, todos estes políticos. Quando falamos de uma democracia representativa, concordamos que todos os eleitos devem ser empossados e aceitamos o resultado das urnas como justo, legítimo e representativo da nossa vontade coletiva. Por isso, vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e o presidente da República são integralmente nossos representantes.

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Claro que você pode dizer que o eleitor médio é mal informado e não pensa como você. Pode ser, mas ele é tão brasileiro quanto você. E como você ele tem deveres e direitos. Dentre estes direitos, o de eleger seus, nossos representantes nas casas legislativas e nos poderes executivos nacionais. Não há nada que se possa fazer quanto a isso. É assim que funciona a democracia. Como evitar que tantos maus políticos sejam eleitos pelo voto popular? A resposta mais simples e objetiva seria tratar de educar politicamente o eleitor. Mas como, se nem educação formal adequada o país consegue oferecer aos seus cidadãos? O tempo poderá se encarregar disso. Não sei, creio que sim. Mas sempre que penso na evolução política do país me ocorre aquela famosa frase do deputado Ulysses Guimarães: "Se você acha ruim este Congresso, espere pelo próximo."

O fato é que não se pode atribuir apenas à ignorância a multiplicação de políticos oportunistas, canalhas e ladrões. Ou será que todos os 223.708 fluminenses que elegeram Eduardo Cunha em 2014 ignoravam quem estavam elegendo? Você pode dizer que talvez sim, porque Cunha só ganhou maior visibilidade depois de se eleger presidente da Câmara, um ano depois. Está certo. Mas, então, o que dizer dos eleitores de Paulo Maluf?

Maluf virou verbete tamanho o seu reconhecimento. Malufar, segundo o Dicionário Informal, significa esperteza e malandragem descarada ou encobrir, disfarçar, negar, fraudar. E com tudo isso, 250.296 paulistas o elegeram para uma cadeira na Câmara dos Deputados. Não se pode dizer que todas estas pessoas ignoravam em 2014 quem era o Paulo Maluf que estavam elegendo. Desde 1985, quando perdeu para Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, Maluf é o que é.

E o que dizer de Lula? Foi na sua gestão que ocorreram os dois maiores escândalos de corrupção da História deste país, o Mensalão e o Petrolão desbaratado pela LavaJato. Alguém pode argumentar que ele foi o presidente da inclusão, etc. Tudo bem, mas ele também foi condenado a 12 anos de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva e ainda responde a mais quatro processos que devem adicionar alguns anos a mais na sua conta com a Justiça. Mesmo assim, Lula tem o apoio de mais de 30% dos brasileiros.

Isso aqui não é a Malásia, mas parece. Lá, US$ 681 milhões foram descobertos na conta do primeiro-ministro Najib Razak na sequência de um escândalo de US$ 4,5 bi na agência de desenvolvimento local. Ele disse que o dinheiro da sua conta foi dado por um admirador anônimo, e segue no comando do país. Segundo especialistas malaios ouvidos pela revista "The Economist", o partido do primeiro-ministro deve ganhar a eleição de agosto, e tudo indica que Razak continuará em seu posto.

O povo não é uma abstração

Ele se faz presente em todos os espaços do território: corre para pegar o ônibus das 5, aboleta-se nos trens da periferia, aplaude e xinga nos estádios, gruda defronte às vitrines para ver o futebol, devora churrascos gregos nas calçadas ou volta, com o sol poente, dos campos e das roças para a solidão de suas casas. O povo é a realidade de milhões de brasileiros à margem do processo de consumo, dando um duro danado, levantando prédios, construindo máquinas, moldando a anatomia do País.

Em nome do povo, desvios se fazem na cena institucional. Exemplos: a reforma da Previdência deixou de ser aprovada por congressistas que enxergaram retirada de direitos do trabalhador. Ora, é o contrário. Mais adiante, o aposentado poderá ficar sem seus proventos. O MP e o Judiciário tomam decisões de olho nas ruas. Mesmo que o casuísmo quebre a letra constitucional. Procuradores e juízes parecem imperadores romanos decidindo sob o polegar da massa aprovando seus atos. O equilíbrio entre os Poderes desmorona.

The Other Side of Madrid - HomeLess, HomeLessNess, Sans Abris, Obdachlos, Senza Dimora, Senza Tetto, Poverty, Pobreza, Pauvreté, Povertà, Hopeless, JobLess, бідність, Social Issues, Awareness
Calle de Alcalá, Madri
Mas a verdadeira crise do nosso povo é a falta de casas, de comida, de emprego, de hospitais, de segurança, tema central. Por isso, a crise política que bate bumbo não comove as massas. Elas agem por impulso e o primeiro que lhes afeta é o instinto de sobrevivência, o do estômago. O imbróglio dos escândalos é um caldo que as massas vêem de longe e é mais entendido pelas elites. Eis a questão.

A engenharia política nacional é responsabilidade das vanguardas econômicas e políticas. A cooptação e a conquista do voto exprimem um pensamento de cima. Ao povo carente falta cidadania. Sua autonomia de decisão é escassa e tênues são suas vontades. Assim submete-se à demagogia dos discursos que sugam suas emoções. Mesmo sob a desconfiança em salvadores da pátria.

Quando se abre a portinha do lamaçal, desvenda-se a identidade cultural da política. Há uma pequena rua, em Londres, cheia de lojinhas, que vendem os mesmos tecidos, dos mesmos padrões e pelo mesmo preço. Nem um centavo a mais ou a menos. Um brasileiro tentou pechinchar. Surpreendeu-se: o dono de uma das lojinhas recusou-se a vender o tecido. Ele vira o brasileiro sair de outra loja. Apontou: a sua loja é aquela. Aqui cultivamos a honestidade. Estamos anos luz distantes desse sonho.

Muitas figuras comandam o processo político há tempos. Não há horizontes limpos. Velhos cenários e poucos atores desconhecidos. A peça até pode ser diferente, mas o fio condutor da trama é o mesmo na luta pelo poder. O populismo aparece como arma de mistificação das massas e denúncias sobre uns e outros até podem gerar alto índice de abstenção, votos nulos e brancos. Mas a tão proclamada renovação política terá de esperar. Não é para este ano.

Gaudêncio Torquato