domingo, 11 de junho de 2017

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Em que circo vive o Brasil


Senhores espectadores da plateia, mirem o picadeiro. O espetáculo já começou e passou dias de apresentação no Tribunal Superior Eleitoral. Juízes bateram cabeça no melhor estilo comédia pastelão. Argumento “falacioso” de um lado. “Índios não contactados da Amazônia”, do outro. Piruetas verbais superaram, em muito, as expectativas. Sob os holofotes de toda a mídia, a seleção da toga não mediu esforço para brilhar, ao vivo e “online”, em transmissões na maior parte do tempo simultâneas para a Nação assistir a qualquer momento e não perder um lance. Faz muito tempo que os senhores magistrados, de qualquer quadrante, decidiram pontuar suas modorrentas falas e julgamentos com um verniz político que vai muito além da letra da lei. Serve à audiência. Ajuda no clima de “fla-flu” que ganha torcida aguerrida a cada golpe e contragolpe. Não é de hoje, realmente, que a politização do Judiciário – digamos assim – se converteu numa regra e transformou as sessões de debate em shows à parte. A tal ponto que mesmo gracejos são permitidos. Em determinado momento da audiência que avaliou o destino da chapa Dilma-Temer, para estupor geral, os “inferninhos” entraram no meio. Cabaré daqui, casas noturnas denunciadas de lá, eis que o presidente da Corte, Gilmar Mendes, indagou ao relator: “E Vossa Excelência não teve de fazer investigações (nesses locais)?”. Ao que o relator Herman Benjamin retrucou: “Não fiz inspeção, não usei de meus poderes de prova para tanto. Mas se vossa excelência quiser propor…”. A animação foi logo contida. Fato: já se viu tantas cenas inimagináveis nessa opereta da Lava Jato que não seria por demais bizarro imaginar homens da lei frequentando o baixo meretrício atrás dos “criminosos” de colarinho com o intuito de angariar novos elementos para as suas abalizadas conclusões. Mesmo que entre os suspeitos da vez estivessem as mais proeminentes autoridades da República. O que importa é a pirotecnia. Manter atenta a plateia. Na verdade, se diga, o carnaval de absurdos que de longa data vem exaurindo as forças e paciência dos brasileiros parece não encontrar limites. Na PGR, procuradores afoitos tratam de acelerar diligências para engalanar suas biografias. Rodrigo Janot, que deixa o comando da instituição em setembro próximo, dá sinais de atropelo de etapas elementares ao apresentar denúncia contra, ninguém menos, que o presidente da República. O troféu de um governo derrubado por suas investigações realmente não seria para qualquer um. Quantos dos seus pares poderão no futuro ostentar tamanho trunfo? Ao não periciar fitas e se convencer antecipadamente da culpa do acusado, Janot extrapola. No seu entender, Temer fez uma “confissão espontânea”. Não há nas gravações, amplamente difundidas, anuência clara do mandatário aos crimes do interlocutor que soturnamente armou a cilada de uma conversa fétida. Mas isso pouco importa. É mero detalhe. Se for uma medida necessária à causa decretar a prisão de outro íntimo assessor do chefe da Nação, como Rodrigo Rocha Loures, mesmo que não exista nenhum dos três elementos basilares à disposição – flagrante delito, condenação definitiva ou provas de obstrução de justiça –, que se cumpra. Os fins justificariam os meios. Por essa cartilha, Janot teve a capacidade de contrariar inclusive seus pares. Ao negociar um acordo que dava salvo-conduto e benefícios inéditos ao delator – hoje livre, leve e solto a passear pelas ruas de Nova York, enquanto o País implode devido às suas confissões -, o procurador-geral ridicularizou o instrumento da delação e colocou em xeque os demais entendimentos firmados até então. Eles podem ser revistos à luz da jurisprudência criada. E para pior. Haveria manobra circense mais ultrajante? Malgrado o mérito em questão no TSE, relativo a circunstâncias anotadas durante a campanha de 2014 (com notória influência dos acontecimentos recentes), Janot comandará um evento à parte. Demonstra estar tão certo da responsabilidade do seu alvo que corre contra o tempo para liquidar o interrogatório e alcançar à fase da denúncia, rogando angariar o amparo da classe política para consagrar como réu o presidente Temer, um “malvado favorito”. Por isso que, desde as sessões do TSE em diante, o Brasil segue esperando Janot, tal qual a obra do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (“Esperando Godot”), na qual homens passam os dias aguardando respostas para o curso de suas vidas, inebriados por discussões nonsense, porque Godot não aparece. É ou não é espetáculo de um grande circo?

Justiça e violência

É evidente que todos os juízes ali presentes sabiam que a eleição da chapa Dilma-Temer havia sido financiada com recursos de propina aportados na campanha via caixa um e caixa dois. Sabiam também que isso ocorreu com o conhecimento dos candidatos eleitos. Sim, caro leitor, os juízes do TSE sabiam que os réus que estavam julgando eram culpados. E, no entanto, decidiram absolvê-los. Decidiram, entre outras coisas, manter um político obviamente corrupto na Presidência da República.

Será que os juízes ali presentes perderam a sensibilidade a ponto de não entender que o emaranhado vazio de palavras altissonantes e rebuscadas que proferiram para encobrir o significado de seu ato não encobre nada? Pelo contrário, sublinha o absurdo de sua desonestidade extrema.

Que se dane a retórica rococó, pseudo intelectual e de extremo mau gosto desta gente. Sejamos diretos e retos. Eis o real significado do que ocorreu no TSE: temos uma Constituição, instaurada de forma democrática. Mas o que está escrito nesta Constituição nem sempre será cumprido, porque boa parte dos juízes das instâncias superiores, que são pagos por nós, brasileiros, para garantir o cumprimento da lei, chegaram à posição em que se encontram por indicação de criminosos. São leais a estes criminosos antes de serem leais aos contribuintes que pagam os seus salários.


Isto tem que ser dito assim, de forma direta e reta. E acrescentemos: se defendem criminosos, é possível que também o sejam. Quanto vale uma decisão jurídica favorável a um grande grupo econômico disposto a corromper uma alta corte? Quanto vale a absolvição de um bandido podre de rico?

A disposição de absolver ficou evidente logo de cara, quando os juízes acataram o principal pedido da defesa: excluir do processo as provas (obtidas de forma lícita e ingressas no mesmo de forma válida, nos termos de decisão proferida pelo próprio Gilmar Mendes) que condenavam os réus. Note, caro leitor, o absurdo que isto encerra. Ao excluir do processo as provas do crime, estes juízes não apagaram o crime de nossa História. E nem apagaram de sua consciência a ciência que tinham de que a democracia brasileira havia sido fraudada. O que fizeram foi, pura e simplesmente, uma manobra para salvar seus comparsas e tentar preservar a própria reputação. Queriam sair do bordel com ares de moça virgem. Aceitas as provas, pensaram eles, será impossível absolver os réus sem condenarmos a nós mesmos. E já que os réus precisam ser absolvidos, o melhor a fazer é arrancar as provas do processo a fórceps. É preferível estuprar o direito processual do que proferir uma sentença sem pé nem cabeça.

Este foi o raciocínio dos juizes que absolveram indevidamente a chapa PT-PMDB, como demonstrou de maneira cabal o nobre relator, cuja a atuação esclarecedora deu ao julgamento valor heurístico. O TSE revelou, para todos, um dos aspectos mais sórdidos da atual situação do país: não podemos contar com a Justiça. A questão é: o que acontece quando os cidadãos comuns, sistematicamente explorados por quadrilhas travestidas em partidos políticos, percebem que não podem mais contar com a Justiça?

Bom, não é tão difícil assim imaginar. Para tal, basta dar uma olhada para um país vizinho, a Venezuela. Que não por coincidência tem um presidente eleito com o apoio de Lula e de Dilma, com os préstimos do marqueteiro João Santana e com o dinheiro sujo da Odebrecht. O mesmo dinheiro sujo que os juízes do TSE fingiram não existir.

Quando a maioria dos cidadãos venezuelanos entendeu que a Suprema Corte de seu país era leal aos corruptos que controlam o país, e que não podiam contar com a Justiça para afastá-los, a violência eclodiu. Espero que o STF entenda isso. Já rasgaram a Constituição ao preservar os direitos políticos de um presidente que sofreu impeachment, já mantiveram um réu presidente do Senado, e agora ameaçam mudar decisão vinculante de manter presos os condenados em segunda instância. Não sei se o STF é diferente do TSE... Espero que seja.

Gilmar Mendes, em particular, gosta de aparecer na mídia posando de defensor da estabilidade política e econômica do país, e tenta nos fazer acreditar que a sua inconsistência jurídica, que o bullying que tenta praticar contra seus colegas, resulta de uma tentativa heroica de dar estabilidade ao país. Acontece que nenhum brasileiro, nenhum a exclusão dos políticos desonestos que Gilmar luta para excluir da aplicação da lei, quer a estabilidade defendida por ele. Os brasileiros querem uma Justiça minimamente ciosa do texto constitucional. Uma Justiça que lhes permita acreditar que, para afastar a corrupção sistêmica de nossa política, não será necessário recorrer à violência.

José Padilha

Paisagem brasileira

Pedra O Frade e a Freira - Espírito Santo, Brazil:
Pedra O Frade e a Freira (ES)

E a guerra continua

O resultado não surpreendeu. Já era previsto, conhecido, cravado nos jornais pelo menos um dia antes de o TSE derrotar, por 4 a 3, o pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, reeleita em 2014. Também não causou estranheza a guerra que a votação alimentou, por vezes beirando a baixaria. Um espetáculo maniqueísta que há tempos constrange, inibe e empobrece o debate político.

Tem sido assim desde que o país foi dividido entre “nós”, os bons, e “eles”, os maus, prática comum de líderes populistas que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aplicou com sucesso durante o seu reinado.

Para que um ganhe, o outro tem de perder. Empate, nem pensar. Não há solução intermediária.


Trata-se de uma lógica simples, de fácil compreensão, similar à torcida pelo time do coração, paralelo que Lula adorava fazer. Mas sabidamente perigosa por antagonizar ideias, pessoas, e de forma irreconciliável.

E, assim como cada brasileiro vira técnico de futebol quando o seu clube favorito entra na disputa, torna-se juiz quando a bola quica nos tribunais.

Por defender a cassação de Temer, que pós-delação de Joesley Batista passou a encarnar todo o mal que assombra o país, o ministro Herman Benjamin, relator do processo no TSE, virou herói. E os que não seguiram o seu voto, bandidos, cúmplices da corrupção.

Voto decisivo para salvar Temer e também o responsável por ressuscitar a ação de banimento na beira do arquivo, o presidente da Corte, ministro Gilmar Mendes, era, há pouco mais de um ano, o incensado da vez. Agora é o demônio da mesma torcida.

O relator apresentou objetividade e consistência em seus argumentos – e aqui não há qualquer juízo de valor –, mas isso não tira os méritos da discordância, não dá direito de desconsiderar o contraditório, taxando-o a priori de imoral.

Embutido no jeito de pensar e agir das torcidas políticas e espalhando-se perigosamente para o público em geral, o antagonismo permanente induzido por Lula ganhou vida própria e não é mais controlável. Deixou de dar frutos só para o lado que o cultiva. Semeia confusão e nutre a discórdia até quando os discordantes estão unidos.

O processo do TSE escancara isso: defensores de Dilma e Temer andaram de mãos dadas para tentar impedir a cassação. Os poucos dilmistas restantes tamparam o nariz para seguir ao lado do “golpista” Temer. Os também minoritários apoiadores fiéis de Temer, que bateram panelas e gritaram “Fora Dilma”, comemoraram. Muitos deles sem se dar conta de que o resultado do TSE é o passaporte para que Dilma dispute cargo eletivo em 2018, direito excepcionalmente concedido no ato do impeachment que ela poderia ter perdido na sexta-feira.

Se o resultado do julgamento foi o perdão parcial de Dilma e o alívio temporário para Temer, o mesmo não se pode dizer sobre as aguerridas galeras. Elas vão continuar se engalfinhando, jogando fora energias que poderiam estar sendo acumuladas para construir alternativas para uma crise que parece sem fim.

Investigar, julgar e punir corruptos é apenas uma parte do processo de recuperação.

Arvoro-me a dizer que o aprofundamento do buraco -- aberto há pouco mais de uma década e no qual o país insiste em continuar enfiado – também é consequência da pouca lida com o contraditório. Da impaciência com a discordância, do estabelecimento de verdades de ocasião que viram mentiras dependendo do lado de quem as contam.

Mas os danos são ainda piores quando intolerância se combina ao juízo prévio de culpa de fulano ou sicrano, cujo determinante é a preferência, o gosto ou o oportunismo político. Postura admissível e usual no embate do Parlamento, no bate-boca de botequim, no disse-me-disse das redes sociais. Impensável nos tribunais, criminosa com o público, terrível para o país.

O bunker de Temer tornou-se uma ameaça

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O Palácio do Planalto de Michel Temer ficou parecido com o da fase terminal de Dilma Rousseff. Em março de 2016, cercada por assessores que pretendiam blindá-la, a senhora decidiu trocar o ministro da Justiça. Desastre, pois o escolhido, Wellington Cesar de Lima e Silva, não conseguiu assumir. Temer resolveu deslocar o ministro Osmar Serraglio para outra cadeira e, assim, o queridinho Rocha Loures continuaria na Câmara dos Deputados, protegido pelo foro privilegiado. Novo desastre, Serraglio não topou o novo ministério, reassumiu sua cadeira e Rocha Loures, tosado, está na penitenciária da Papuda. Dias antes, o Planalto surtara diante de uma baderna mal explicada que se aproveitou de uma manifestação ordeira, convocada com enorme antecedência. Até hoje não foi possível identificar o cacique tabajara que teve a ideia de botar a tropa na rua.

O caótico bunker de Temer superou-se na trapalhada do jatinho que enfeitou suas férias em Comandatuba. Primeiro o Planalto mentiu negando que o doutor e sua família tenham voado no jatinho de Joesley Batista. No dia seguinte, desmentiu-se, reconheceu o mimo, mas contou que o doutor não sabia de quem era o avião. Outra patranha. Temer não entra em avião sem saber quem é o dono.

Os três desastres diferem entre si, mas têm dois pontos em comum: a arrogância de quem acha que faz o que quer e a leviandade de quem cria uma realidade paralela para se livrar do peso do erro cometido. Nenhuma das três crises teria ocorrido se alguém tivesse conversado direito com Serraglio, se a Esplanada dos Ministérios tivesse sido adequadamente protegida e se os áulicos tivessem reconhecido na primeira hora que Temer usou a Air JBS.

* * *

DE ADAUTO.CARDOSO@POL PARA HERMAN@JUS

Eminentes ministros Herman Benjamin, Rosa Weber e Luiz Fux.

Vocês perderam por 4x3. Eu, Adauto Lúcio Cardoso, fui voto solitário em 1971 contra a censura prévia à imprensa, deixei a toga na bancada e fui-me embora do Supremo Tribunal Federal. Há quem lembre desse episódio, mas ninguém lembra dos ministros que formaram a maioria. Está aqui comigo o Alcides Carneiro, voto vencido no Superior Tribunal Militar no julgamento do historiador Caio Prado Jr., condenado a quatro anos de cadeia por uma entrevista banal para um jornalzinho de estudantes. A maioria que agradou o governo está na poeira da História.

Nós resolvemos escrever esta mensagem depois de um almoço que D. Pedro II deu a seu amigo Oliver Wendell Holmes. O magnífico Holmes indignou-se quando lhe contaram o que aconteceu no Tribunal Superior Eleitoral. Ele esteve na Corte Suprema dos Estados Unidos durante 30 anos, até 1932. A melhor defesa da liberdade de expressão baseia-se no seu voto no caso Abrams, de 1919. Pois foi o voto de um derrotado por 7x2 (com ele ficou só o Louis Brandeis). Ninguém lembra da maioria, mas algumas palavras de Holmes são repetidas pelo mundo afora: “O melhor teste da verdade é o poder de uma ideia de ser aceita na competição do mercado.”

Quem ouviu o voto do ministro Herman Benjamin sabe que nunca mais se falará de corrupção política no Brasil sem mencionar seus argumentos. Ninguém constrangerá os quatro vencedores porque ninguém haverá de lembrá-los.

No mundo dos tribunais e das ideias, ao contrário do que acontece nos campos de futebol, o vencedor pode perder e o perdedor pode vencer. Nós vencemos.

Agradecidos, subscrevemos-nos,

Adauto Lúcio Cardoso, Alcides Carneiro e Oliver Wendell Holmes.

Leia mais a coluna de Elio Gaspari

Inteligência artificial

O mundo evoluiu nas últimas décadas numa velocidade cibernética, invadido de soluções incríveis, intuitivas, diretas. Num toque o mundo aparece na tela, e isso, se é natural para quem chega agora, não o é para quem viveu sem televisão e com luz de lâmpadas trêmulas.

Tenho uma foto de meu pai aos 9 anos, em 1917, empoleirado no encosto de um automóvel Packard, o primeiro a chegar dos Estados Unidos à cidadezinha onde morava. Bigodes de um tio virados para cima, mulheres de saias longas, paletós com cem botões e chapeuzinhos com rendas velando o rosto.

Parece que se passaram alguns milênios, e não cem anos.

O homem vem se livrando das tarefas fatigosas. Uma linha de robôs opera 24 horas durante 365 dias do ano, com meia dúzia de técnicos se alternando à frente de painéis infalíveis. Os robôs, programados de uma inteligência artificial, não recebem salários, não vão para casa, não se alimentam e, quando não prestam, acabam numa fundição. Eliminaram assim, na China, uma fábrica com 2.000 empregos.

Isso apareceu na palestra organizada pela Associação Comercial de Minas Gerais, que tratou o tema inteligência artificial. Sabemos que a inteligência não humana se instalou no controle remoto da tevê, no portão de casa, no elevador, nas formas de produzir pães e bebidas, de dirigir um carro, uma moto, um brinquedo qualquer. Tudo está sob a condução de uma inteligência criada no computador.

Na próxima década não haverá motorista para dirigir. Ônibus e caminhões elétricos sairão e voltarão para a garagem depois de atender as missões programadas. Balões sem tripulação levarão carga para qualquer território movidos por células solares.

No telão do auditório passaram imagens lúcidas e assustadoras, como assustador é o ranking das maiores empresas do planeta em 2001, com corporações do setor petrolífero e automotivo nas primeiras colocações; já em 2016, as mais valiosas e poderosas do planeta têm a inteligência artificial: Apple, Google, Microsoft, Facebook, Intel. Em comum, poucos funcionários, uma estrondosa receita e lucros nunca imaginados.

Hoje, duas toneladas de smartphones, que pesam cem gramas e custam US$ 1.000 cada, redundam no valor de um navio de 330 mil toneladas de minério, vendido por US$ 60 a tonelada. O valor de US$ 20 milhões de smartphones cabe com folga na barriga de um avião de passageiros, enquanto a montanha de minério precisa do maior navio cargueiro em circulação pelos mares do planeta.

A queda de valor da matéria se ampliará em relação à inteligência. Até porque os capitais drenados pela inteligência são fantasticamente superiores. Nos US$ 20 milhões de iPhones da Apple, deduzidas todas as despesas, deixam mais de US$ 15 milhões ao produtor. Do outro lado, o navio de minério renderá um proveito de cerca de US$ 4 milhões. Na ordem de geração de lucros, 1 milhão de toneladas brasileiras empatam com duas toneladas de inteligência digital.

Durante a palestra, em meu iPhone, calculei instantaneamente a sombria perspectiva num horizonte que não chega mais a ser belo como antigamente.

Embora não só de startups viverá o homem do futuro, restará para elas o controle do planeta.

De um lado se enxerga um Ícaro da tecnologia voando nas alturas e, do outro, um Sísifo da matéria em seu esforço malcompensado. Se para o primeiro será necessário conter a cota das ambições, para o segundo restará sua ingrata tarefa.

Nunca como agora a distância vem se abrindo entre países, estimulando um fluxo migratório que nem os muros no deserto conseguirão frear.

O Brasil, neste momento, pode se livrar de muita escória que freia sua evolução, uma parte está abandonando o país que vampirizou. O caso de Joesley Batista faz lembrar dom Pedro I, que, pressionado por Napoleão, carregou seus navios zarpando às pressas para o Brasil, deixando para trás um Portugal em frangalhos.

Êxodo, isso mesmo que o presidente da Codemig, Marco Antônio Castello Branco, em outra palestra em Tiradentes, lembrou apropriadamente. O Brasil, que não produz a inteligência artificial, vem perdendo a inteligência humana, pois 2,3 milhões de formados em nossas universidades evadiram, e apenas 400 mil aqui chegaram de fora, dispostos a enfrentar um país com seus 60 mil homicídios, contas e serviços públicos arrasados, burocracia demoníaca etc. Com recorde de corrupção e irresponsabilidade para extirpar, o Brasil investiu aceleradamente os lucros das últimas matérias-primas em Copas, Olimpíadas, transposições, pré-sal, que pouco, ou nada, deixarão de sustentável. Mas construiu fábricas, ferrovias, metrôs, hidrelétricas e portos em países que nunca honrarão os empréstimos do BNDES. Assim não dá.

O processo de desvalorização da “matéria” já era profetizado nos Vedas orientais, como no Apocalipse de são João, e vislumbrado na Grande Síntese de Pietro Ubaldi. Está se realizando, acelerado pela explosão da inteligência artificial.

Essa mesma inteligência mudará os costumes e o próprio homem. Ela o ajudará (apenas para uma parte) a dominar a “Energia Pura” (do filme homônimo)? Sobrarão Ló e sua família, enquanto sua mulher se transformará em sal por ter-se atrasado saindo de Sodoma.

Certamente, a história está se precipitando, e o mal, apenas aparente, poderá ser o bem de nosso futuro.

Vittorio Medioli

Gente fora do mapa

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Tribo Chhetri ( Nepa).

A corte avestruz

O país ficou nos últimos dias diante da falência do seu maior tribunal eleitoral. Não porque o resultado contrariou a “vox populi”, mas porque rasgou as leis, desprezou os fatos, jogou fora provas abundantes dos crimes que ocorreram na eleição da chapa Dilma-Temer em 2014. É impossível, como disse o ministro Luiz Fux, não ver as provas amazônicas do que houve.

Não é apenas pelo resultado que se lamenta o que houve no TSE, mas pela maneira com que se chegou a ele. Pela forma desaforada de ignorar as evidências e menosprezar a inteligência alheia. A conclusão poderia ser que era impossível condenar esta chapa por qualquer motivo crível e sólido. Mas os que foram apresentados são desprezíveis.

Talvez o momento mais infeliz tenha sido o da comparação com o caso de Cristo. Pôncio Pilatos, homem sábio, mas fraco, condenou um inocente porque a “turba” pediu, disse Napoleão Nunes Maia, repetindo a citação que fora feita por Gilmar Mendes na véspera. A conclusão do raciocínio era que o TSE deveria resistir à pressão da opinião pública e salvar os acusados.


Todos os que votaram pela absolvição da chapa carregaram nos adjetivos para condenar os crimes que ocorreram, mas consideraram que ou não havia prova ou não estava na “causa de pedir”, ou foram informações passadas por delatores, ou eram caixa 2, e só analisariam caixa 1, ou qualquer outra filigrana sem qualquer sentido.

Nos votos que venceram, houve argumentos constrangedores. O ministro Napoleão Nunes Maia disse que os crimes eram tenebrosos, mas deveriam ser julgados por Sérgio Moro. Se todos os crimes cometidos durante uma campanha eleitoral fossem julgados apenas numa vara criminal, para que mesmo haveria uma Justiça Eleitoral?

O ministro Admar Gonzaga conseguiu ignorar todas as evidências e confissões de crimes na contratação das gráficas que receberam R$ 56 milhões e sustentar que eram pequenos subcontratados que, “como diz um meu assessor, trabalham no almoço para ganhar o jantar”. A ministra Rosa Weber felizmente repôs os fatos e o tamanho dos contratos.

Gonzaga criou uma situação estranha porque no afã de dizer que não havia prova de propina em 2014 enfatizou os depoimentos que diziam que propina ocorrera em anos anteriores, inclusive em 2010, quando ele era advogado da então candidata Dilma. O episódio do pedido de impedimento de Gonzaga pelo procurador- geral eleitoral, Nicolao Dino, poderia ter sido evitado, se ele tivesse desde o início se declarado impedido. Sem qualquer juízo de valor sobre ele. Há testemunhos de delatores de que houve também dinheiro ilícito em 2010 e que foi guardado para 2014. Impedimento se declara não porque haja algum dolo, mas para dar conforto à sociedade.

Mesmo se por absurdo o relator Herman Benjamin tivesse ignorado os fatos trazidos à luz pelos delatores da Odebrecht, como defendeu a maioria do TSE, poderia deixar de ouvir os marqueteiros, se o próprio tribunal aprovou a convocação do casal João Santana e Monica Moura? Foi o TSE que mandou reabrir a instrução para ouvi-los. E depois quis desprezar também essas provas de que houve dinheiro das empreiteiras contratadas pela Petrobras na campanha.

O ministro Herman Benjamin tinha excesso de provas. É o contrário do que acontece nos casos em que os réus terminam absolvidos por falta de provas. Tanto assim que deixou de lado 18 denúncias de uso da máquina, não incluiu o caso escabroso do pagamento de propina ao PMDB na construção da Usina de Belo Monte. Mesmo se ele não usasse as provas da Odebrecht, ignorasse os marqueteiros, o ministro tinha várias outras provas e testemunhos de que as empresas contratadas pela Petrobras transferiram de forma ilegal dinheiro de origem ilícita para a campanha de 2014. A contradição de jogar fora as provas foi mostrada pelo ministro Fux. “Como vou julgar sem levar em consideração aquilo que foi determinado pelo próprio tribunal?”

Não há como não ver as provas, exceto usando a técnica do avestruz. Este momento é fundamental para o Brasil. Com o Mensalão e, agora, com a Lava- Jato, o país está enfrentando com coragem a velha cultura da impunidade. Ontem, com o voto de minerva do ministro Gilmar Mendes, o país retrocedeu. Era o momento de decidir. Não haverá outro.

A corrupção no país consome 29 dias de trabalho do cidadão

Neste ano de 2017 o brasileiro trabalhará 153 dias para pagar tributos - ou cinco meses e dois dias. E, para agravar ainda mais a situação, a corrupção consumiu 29 dias de trabalho de cada um dos cidadãos brasileiros.

O cálculo da corrupção apresentada no estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), foi realizado com base no resultado do Projeto Lupa nas Compras Públicas, que monitora todas as compras realizadas pelos órgãos governamentais federais, estaduais e municipais e cruza o valor pago pelos governos com o preço da mesma mercadoria ou serviço comprado pelas empresas. 

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“Assim, determinou-se que cada brasileiro trabalhou 29 dias este ano só para pagar os rombos causados pela corrupção no País”, informa o presidente do Conselho Superior e Coordenador de Estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral.

No que diz respeito ao número de dias trabalhados para pagar impostos em 2017, o tempo é o mesmo do ano passado, que foi ano bissexto. A estimativa é que 41,80% de todo o rendimento ganho está sendo destinado aos cofres públicos.

A pesquisa mostra ainda que o peso dos impostos nos rendimentos, como salários e honorários, por exemplo, aumentou muito nos últimos anos, sendo que na década de 70, eram trabalhados, em média, dois meses e 16 dias; na década de 80, dois meses e 17 dias; e na década de 90, três meses e 12 dias. “Ou seja, hoje se trabalha o dobro do que se trabalhava na década de 70 para pagar a tributação”, diz o especialista do IBPT.

Ao comparar a quantidade de dias necessários para pagar impostos, taxas e contribuições de 27 países, o estudo do IBPT elenca o Brasil na 8ª posição, atrás da Noruega, onde os cidadãos têm de trabalhar 157 dias para pagar tributos. Para o presidente do IBPT, João Eloi Olenike, a diferença entre Brasil e Noruega é que neste último a população tem retorno dos tributos em forma de saúde, transporte, educação, qualidade de vida e pode usufruir, de fato, dos serviços públicos, o que é muito diferente da nossa realidade: “aqui pagamos muito e não temos quase nenhum retorno”.

'A terra em que nasceste'

Vamos esquecer um pouco a bandidagem de colarinho branco, a insegurança nas ruas, os delatores premiados: trocando uns ou outros nomes, o jornal do dia é igual ao da véspera, os telejornais apresentam há um tempão as mesmas cenas, variando apenas os personagens. E todos negam com veemência aquilo que todos sabem que é verdade, e aguardam com serenidade o decorrer dos processos — enquanto esperneiam para que todos eles virem de cabeça para baixo. Esperneiam, mas nem disso sabiam.

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Vamos à raiz de tudo: o tumulto da estrutura legal do país. Há poucos dias, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional 96, que autoriza as vaquejadas em todo o país. “Práticas esportivas” e “manifestações culturais” com bichos deixam de ser tidas como cruéis, e a vaquejada passa a ser “bem de natureza imaterial”. Há quem ache que puxar um boi pelo rabo, obrigando-o a correr entre dois cavalos, até que alguém o derrube numa área demarcada, é cruel. Mas não entremos no mérito da questão. O que aqui se discute é a introdução da vaquejada na Constituição.

Tratar-se-á, perguntaria o presidente Temer, de tema constitucional? E por que não o futebol, praticado por mais gente, em mais lugares? Se tudo cabe na Constituição, por que não substituí-la por uma lista telefônica, ou uma Wikitituição, em que cada um vai botando aquilo que acha sobre tudo que quiser? Sai mais barato e o resultado é o mesmo: não funciona.

Nosso exemplo

Originalmente, a Constituição republicana brasileira foi baseada na americana. A Constituição americana nasceu em 1789 com sete artigos, definindo os Três Poderes (Executivo, Legislativo, Judiciário), os direitos e responsabilidades dos Estados. De lá para cá houve 27 emendas, sendo as dez primeiras conhecidas pelo nome de Bill of Rights, em tradução livre Lista de Direitos. No Brasil, a Constituição de 1988 tem 250 artigos, que sofreram de lá para cá cento e poucas emendas. A Constituição americana tem 228 anos; a brasileira, de 1988, é a sexta da República para cá. Mais uma vez sem entrar no mérito, a deles parece mais durável que as nossas.

Vai, dinheiro!

O ótimo portal jurídico Espaço Vital traz uma informação interessantíssima sobre a ladroeira (que todos sabiam que existia mas que agora vem sendo mais bem conhecida). O economista Cláudio Frischtak, da consultoria Inter.B, estudioso da infraestrutura brasileira, levantou o custo da corrupção em obras públicas no país, nos últimos 45 anos. Em valores corrigidos para a moeda atual, mas sem juros, a ladroeira atingiu algo como R$ 2,1 trilhões de 1970 até 2015. Um número de 16 algarismos, observa o portal.

Uma comparação: o Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo, que marca a quantidade de impostos municipais, estaduais e federais pagos a cada instante em todo o Brasil, marcava até 9 de junho, às 19h06, muito menos da metade da quantia roubada nos últimos 45 anos.
Carlos Brickmann (leia mais)

Imagem do Dia

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Civilidade não tem idade

Era o que faltava. Tribunais não sabem mais o que são

Interessante, não é mesmo? Em relação à cassação da chapa Dilma-Temer pode-se formular duas indagações com respostas possivelmente contraditórias, a saber:
- a chapa deveria ter sido cassada?
- convinha ao momento político e econômico brasileiro a cassação da chapa?

Eu responderia à primeira pergunta, com a imensa maioria do povo brasileiro, de modo afirmativo. O assalto aos cofres públicos promovido pelo PT e pelo PMDB contaminou a dupla presidencial e, de cambulhada, os mandatos de parcela expressiva do Congresso Nacional. Estivesse sendo julgado o mandato de um prefeito, de um parlamentar e mesmo de um governador, com muito menos evidências do que as disponíveis neste caso, o tribunal teria resolvido o assunto numa sentada sem blá-blá-blá.

Já à segunda pergunta eu daria resposta negativa. Estabilidade política é condição indispensável ao desenvolvimento das atividades econômicas, à míngua das quais entra-se em “depressão” social, com queda do nível de emprego e precarização das condições de vida. A cassação da chapa e o afastamento do presidente criariam um novo sobressalto institucional. Prolongado sobressalto, diga-se de passagem, porque caberia recurso ao STF, com direito a todas as juntadas, embargos e pedidos de vista. Confirmada a decisão, haveria a posse de um governo provisório, através do presidente da Câmara (Rodrigo Maia), seguido da articulação política e legislativa para definir as regras da eleição indireta de um novo presidente pelo Congresso Nacional. Este novo mandatário, então, cumpriria um período de poucos meses, suficientes para fins de direito, mas insuficientes para nossas urgências sócio-econômicas.


Parece evidente que este confronto entre a óbvia presença das condições para a cassação da chapa e a conveniência do ato compareceu às sessões de deliberação do TSE e agitou seus bastidores. Gilmar Mendes, empanturrado de autoestima, na completa saciedade de si mesmo, deixou isso muito claro ao longo de suas manifestações, sempre desprezando as provas para assumir um discurso nitidamente político. E note-se, atropelando a coerência ao afirmar que ... “Não devemos brincar de aprendizes de feiticeiro. Não tentem usar o tribunal para resolver crise política. O tribunal não é instrumento. Resolvam seus problemas”. Não foi isso que ele fez?

O tribunal foi instrumentalizado, sim. Quatro ministros serviram votos às conveniências da atividade política. Agiram na esteira das circunstâncias e jamais repetirão as mesmas frases em decisões subsequentes.

Creio que fica, assim, caracterizado um gravíssimo problema institucional. Ele se havia manifestado, recentemente, quando o STF mudou de opinião sobre o afastamento das presidências da Câmara e Senado quando na condição de réus perante a corte. Se Renan Calheiros saísse, seu vice, o petista Jorge Viana, se encarregaria de acabar com a governabilidade do país. Então, coube a Celso de Melo dar jeito de coisa séria àquela patacoada.

Nossos tribunais superiores não sabem mais o que são. Não sabem se atuam no campo do Direito, no topo do poder político como poder moderador da República, ou as duas coisas. Na segunda função, têm servido ao que Gilmar diz não se prestar, precisamente enquanto se presta: a aprendizes de feiticeiro para resolver crise política.

Percival Puggina

Poderosos não valem nada

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Preciso desabafar publicamente. Não posso mais com tanta lição de economia, tanta megalomania, tão curta visão do que fomos, podemos e devemos ser ainda. E tanta subserviência às mãos de poderosos, e poderosos sem valores
Miguel Torga

O povo saqueado

Dia desses meditava sobre a África. Trata-se de um continente riquíssimo: abriga as maiores reservas mundiais de bauxita, cromo, manganês, platina e zircônio. Seu solo contém 57% das reservas conhecidas de diamante do planeta, 48% das de cromo e 19% das de ouro e urânio.

Paradoxalmente, no entanto, este solo tão rico abriga um povo miserável! De acordo com o Banco Mundial, 67% dos africanos - 670 milhões de pessoas - vivem (eu disse vivem?) com no máximo US$ 3,10 por dia. Como isto é possível? Haveria alguma explicação lógica? Decidi, então, pesquisar algo a respeito.

There are organizations willing to build the wells....they just need the $$ support.....Compassion International, Samaritan's Purse, and World Vision are a few.:
Descobri, para início de conversa, que a África ganha, anualmente, US$ 19 bilhões em ajuda externa. Porém, os mesmos países que nos encantam com tanta generosidade recebem US$ 68 bilhões através de fraudes fiscais praticadas por suas empresas lá instaladas - isto equivale a 6,1% do PIB de todo o continente. Acentuo: esta rubrica refere-se apenas a fraudes fiscais e evasão de divisas.Aquele continente perde, a cada ano, US$ 29 bilhões somente em função da extração ilegal de riquezas minerais, vegetais e animais praticada por empresas estrangeiras. Aliás, por falar em empresas estrangeiras, a remessa de lucros destas aos seus países de origem tem alcançado a espantosa cifra de US$ 32,4 bilhões. Curiosamente, os lucros delas aumentam, porém os preços das riquezas não-renováveis que de lá extraem só diminuem - o do petróleo, por exemplo, caiu 51% desde 2011.

Adicione a esta conta US$ 26,6 bilhões em função dos prejuízos econômicos decorrentes das mudanças climáticas - e não são os africanos, claramente, responsáveis por mais esta praga. Em seguida, acrescente outros US$ 6 bilhões - é quanto o continente perde em função da emigração do melhor de sua força de trabalho, física e intelectualmente considerada.

Acentuo que apenas estamos falando de rubricas absolutamente simples e fáceis de visualizar, relativas às mais puras e refinadas ganância e opressão por parte de alguns poucos conglomerados. E apenas elas já seriam mais do que suficientes para a eliminação da miséria de todo aquele povo.

Pois é. Eis aí a realidade da África. Proponho, agora, um exercício: pesquise estes mesmos indicadores, porém substituindo a África pela América Latina ou pelo Brasil. Qual verdade terrível será encontrada?

Pedro Valls Feu Rosa

Sob os olhos

Recentemente, o secretário municipal de Educação de uma importante cidade falou que se sentia como encarregado da segurança escolar, dedicando parte de seu tempo para assegurar o funcionamento de suas escolas, ameaçado pela violência.

No momento em que dizia isso, ele estava para decidir o fechamento de uma de suas melhores creches, por causa da ameaça de balas perdidas, tráfico de drogas e assaltos.

Sua cidade não é a única. Oitenta e três por cento dos alunos do ensino médio consideram que a segurança é o maior problema de sua escola.

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Um país que não consegue assegurar o funcionamento de suas escolas é um país em decadência: não conseguirá formar a inteligência que o mundo necessita para enfrentar os desafios do século XXI.

A decadência se mostra também dentro da escola, mesmo quando ela consegue funcionar apesar da violência no seu exterior.

Na atual civilização baseada no conhecimento, não será possível um país evoluir se cerca de 13 milhões de pessoas (8% da população adulta) são analfabetas, incapazes de ler até mesmo o lema “Ordem e Progresso” escrito em sua bandeira; se mais de 26 milhões (18%) de adultos são analfabetos funcionais; se o acesso à educação de qualidade for um privilégio para as poucas famílias que podem pagar por uma boa escola.

O desprezo aos cérebros da nossa população é um claro indicador de que marchamos para uma decadência civilizatória.

A decadência está também sob os olhos do observador que percebe a falta de sentimento coletivo de nação, transformando o país em uma soma de grupos corporativos que disputam entre eles, da maneira mais egoísta possível, para apropriar-se dos recursos e produtos nacionais.

É ainda mais visível a degradação pela corrupção, tanto no roubo do dinheiro público por políticos para ser utilizado em benefício pessoal quanto no desvio de dinheiro pela corrupção nas prioridades que beneficiam apenas pequenas parcelas da população.

A irracionalidade política é outra manifestação e causa de decadência: políticos, artistas, estudantes, filósofos e profissionais agem e reagem baseados em posições políticas passionais, sem compromissos com a lógica, como aconteceu em países nos quais a decadência decorre de disputas sectárias, cujo melhor exemplo hoje é a Síria.

Fecham os olhos para a lógica da mesma maneira que fecham os olhos para não ver o declínio que suas ações provocam. E não percebem que a derrocada surge com a falta de coesão social no presente e de comprometimento histórico com o futuro.

Não precisa muita perspicácia nem análises sociológicas para perceber que estamos em um processo de decadência histórica, que pode nos levar a uma desagregação social e à condenação ao atraso em relação ao resto do mundo, talvez por décadas no futuro.