quarta-feira, 23 de novembro de 2022
Golpismo não pode ficar na conta da piada
A cada nova casa avançada pelos que intentam questionar o resultado das eleições, o lugar-comum ouvido entre políticos, juízes, advogados e analistas políticos é:
— Esquece, isso não vai dar em nada.
Mas já deu em muita coisa, e parece haver pouca consciência por parte de todos esses segmentos do grau de radicalização operado pelo bolsonarismo não mais nas franjas da extrema direita, mas em amplos espectros da sociedade.
Há quase um mês, centenas de pessoas estão nas ruas desempenhando um ritual entre bizarro e francamente criminoso, que vai de apelos pueris a extra-terrestres a atentados terroristas contra concessionárias de rodovias.
Com exceção do Judiciário, todos os demais responsáveis por preservar o Estado Democrático de Direito de acordo com a Constituição tocam a bola de lado, ora se omitindo, ora fingindo trabalhar. É o caso da Procuradoria-Geral da República, da aparelhada Polícia Rodoviária Federal e do Congresso, cujos líderes até aqui não deram uma única palavra sobre a escalada golpista em curso.
Além das manifestações antidemocráticas mantidas à custa de incentivos explícitos e velados de Jair Bolsonaro e aliados e de financiamentos escusos, há ações efetivas para tumultuar a transição e tentar instaurar um clima de anormalidade que justifique alguma medida extrema — aliás, a cantilena desfiada pelos pseudodemocratas.
A representação do PL, com argumentos capengas e francamente inventados para dar uma narrativa aos golpistas, é uma dessas iniciativas. Não pode ser tratada na base da piada, do meme ou do “esquece, não vai dar em nada”.
É de extrema gravidade que o partido do presidente da República tente melar as eleições em que obteve seu melhor desempenho, elegeu a maior bancada da Câmara e a maioria de cadeiras em disputa no Senado.
É preciso que Valdemar Costa Neto, os responsáveis pela “auditoria” sem parâmetros técnicos e os ideólogos dessa farsa sejam incluídos no inquérito das fake news, o único instrumento de que a democracia brasileira dispõe no momento para fazer frente a um avanço orquestrado, violento e que conta com entusiastas instalados em instituições de Estado, das Forças Armadas ao Executivo, passando pelos órgãos de controle.
Justamente porque se tornou a última trincheira diante das pretensões golpistas, Alexandre de Moraes está superexposto. Sua coragem de exercer o que diz a Constituição na proteção do Estado Democrático serve de escusa para os demais que deveriam reforçar a defesa dos portões da democracia contra a tentativa de invasão dos bárbaros.
A omissão pode ser personificada na figura de Augusto Aras, mas não só. Os presidentes da Câmara e do Senado, os presidentes dos demais partidos e todos os que foram eleitos pelas urnas, que se tentam sem provas colocar em xeque, têm o dever de se levantar contra a farsa encenada por Costa Neto.
As pessoas próximas a esse habitué dos episódios mais deletérios da política nacional tentam amenizar sua atitude dizendo que ele foi “muito pressionado” por Bolsonaro. Pouco importa. Tanto um quanto o outro têm de responder pela tentativa de melar as eleições.
Nos Estados Unidos, Donald Trump passou a ser investigado por conspiração e insurreição por um comitê do Congresso tanto por tramar o questionamento da lisura das eleições quanto por, ao não combater as manifestações violentas paulatinamente orquestradas, contribuir para os eventos que resultaram nas mortes na invasão do Capitólio. Atualmente, ele recorre à Suprema Corte para tentar evitar um depoimento para o qual foi convocado em outubro.
É preciso que o Judiciário, os congressistas, a imprensa e os juristas brasileiros se debrucem sobre as minúcias desse processo, porque o passo a passo golpista de Trump vem sendo diligentemente seguido por Bolsonaro e seus satélites.
— Esquece, isso não vai dar em nada.
Mas já deu em muita coisa, e parece haver pouca consciência por parte de todos esses segmentos do grau de radicalização operado pelo bolsonarismo não mais nas franjas da extrema direita, mas em amplos espectros da sociedade.
Há quase um mês, centenas de pessoas estão nas ruas desempenhando um ritual entre bizarro e francamente criminoso, que vai de apelos pueris a extra-terrestres a atentados terroristas contra concessionárias de rodovias.
Com exceção do Judiciário, todos os demais responsáveis por preservar o Estado Democrático de Direito de acordo com a Constituição tocam a bola de lado, ora se omitindo, ora fingindo trabalhar. É o caso da Procuradoria-Geral da República, da aparelhada Polícia Rodoviária Federal e do Congresso, cujos líderes até aqui não deram uma única palavra sobre a escalada golpista em curso.
Além das manifestações antidemocráticas mantidas à custa de incentivos explícitos e velados de Jair Bolsonaro e aliados e de financiamentos escusos, há ações efetivas para tumultuar a transição e tentar instaurar um clima de anormalidade que justifique alguma medida extrema — aliás, a cantilena desfiada pelos pseudodemocratas.
A representação do PL, com argumentos capengas e francamente inventados para dar uma narrativa aos golpistas, é uma dessas iniciativas. Não pode ser tratada na base da piada, do meme ou do “esquece, não vai dar em nada”.
É de extrema gravidade que o partido do presidente da República tente melar as eleições em que obteve seu melhor desempenho, elegeu a maior bancada da Câmara e a maioria de cadeiras em disputa no Senado.
É preciso que Valdemar Costa Neto, os responsáveis pela “auditoria” sem parâmetros técnicos e os ideólogos dessa farsa sejam incluídos no inquérito das fake news, o único instrumento de que a democracia brasileira dispõe no momento para fazer frente a um avanço orquestrado, violento e que conta com entusiastas instalados em instituições de Estado, das Forças Armadas ao Executivo, passando pelos órgãos de controle.
Justamente porque se tornou a última trincheira diante das pretensões golpistas, Alexandre de Moraes está superexposto. Sua coragem de exercer o que diz a Constituição na proteção do Estado Democrático serve de escusa para os demais que deveriam reforçar a defesa dos portões da democracia contra a tentativa de invasão dos bárbaros.
A omissão pode ser personificada na figura de Augusto Aras, mas não só. Os presidentes da Câmara e do Senado, os presidentes dos demais partidos e todos os que foram eleitos pelas urnas, que se tentam sem provas colocar em xeque, têm o dever de se levantar contra a farsa encenada por Costa Neto.
As pessoas próximas a esse habitué dos episódios mais deletérios da política nacional tentam amenizar sua atitude dizendo que ele foi “muito pressionado” por Bolsonaro. Pouco importa. Tanto um quanto o outro têm de responder pela tentativa de melar as eleições.
Nos Estados Unidos, Donald Trump passou a ser investigado por conspiração e insurreição por um comitê do Congresso tanto por tramar o questionamento da lisura das eleições quanto por, ao não combater as manifestações violentas paulatinamente orquestradas, contribuir para os eventos que resultaram nas mortes na invasão do Capitólio. Atualmente, ele recorre à Suprema Corte para tentar evitar um depoimento para o qual foi convocado em outubro.
É preciso que o Judiciário, os congressistas, a imprensa e os juristas brasileiros se debrucem sobre as minúcias desse processo, porque o passo a passo golpista de Trump vem sendo diligentemente seguido por Bolsonaro e seus satélites.
A pergunta que os comandantes militares se negam a responder
E se ao invés de bolsonaristas, os acampados em portas de quartéis fossem militantes do PT, do MST e de movimentos sociais a pedirem um golpe sob a alegação de que houve fraude na reeleição de Jair Bolsonaro? Os militares os acolheriam dizendo que o direito ao protesto é assegurado pela Constituição?
Áreas em torno de quartéis são consideradas de segurança nacional. Em meio a centenas de pessoas sempre pode haver um terrorista prestes a atirar uma bomba ou atentar contra a vida de um soldado ou de um oficial de alta patente. Como prevenir-se de tal risco a não ser proibindo aglomerações nas proximidades?
A resposta à pergunta que os comandantes militares fingem ignorar: eles não permitiriam que militantes de esquerda acampassem em portas de quartéis para pedir um golpe ou simplesmente aplaudi-los. Permitem que os bolsonaristas o façam porque são coniventes com eles e com o candidato deles.
Na terça-feira (15), a juíza federal Jaiza Fraxe determinou que o governo do Amazonas e a União dispersassem o ato que ocorre em frente ao Comando Militar da Amazônia. Caso não o fizessem, haveria multa de R$ 1 milhão, e pelas horas seguintes de atraso, R$ 100 mil por cada hora. A ordem não foi obedecida.
A juíza atendeu a um pedido do Ministério Público Federal que classificou o ato de “antidemocrático” que causa barulho ensurdecedor “prejudicando a saúde de pessoas com deficiências, idosos e crianças que moram na região, e interrompe o direito de ir e vir”. Em outros Estados, pedidos semelhantes não foram feitos.
Os manifestantes, que estão em frente ao Comando Militar da Amazônia desde o dia 2 de novembro, declararam não aceitar o resultado das urnas e defendem um golpe por meio de intervenção militar — uma afronta à Constituição em vigor desde 1988 e à democracia. Crime, portanto, previsto em lei.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que há 25 pontos de bloqueios e de interdições em quatro Estados: Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná e Rondônia. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mandou no dia 10 que a Polícia Federal e a PRF desobstruam as vias públicas.
Segundo o coordenador geral de comunicação institucional da PRF, Cristiano Vasconcelos da Silva, os bloqueios e interdições atuais apresentam características mais violentas. Ele disse à CNN:
“Antes víamos manifestações, agora são atos criminosos, atos terroristas nas nossas rodovias federais, com queima de pneus, disparo de arma de fogo nos caminhões, tentativa de dinamite, explosão e queima de pontes para impedir o tráfego”.
“Tem caminhoneiros sendo agredidos, com suas cargas sendo jogadas na rodovia, estão jogando óleo nas rodovias federais. Não tem uma pauta específica, eles fazem os bloqueios e quem é contra aquilo sofre agressões”.
Áreas em torno de quartéis são consideradas de segurança nacional. Em meio a centenas de pessoas sempre pode haver um terrorista prestes a atirar uma bomba ou atentar contra a vida de um soldado ou de um oficial de alta patente. Como prevenir-se de tal risco a não ser proibindo aglomerações nas proximidades?
A resposta à pergunta que os comandantes militares fingem ignorar: eles não permitiriam que militantes de esquerda acampassem em portas de quartéis para pedir um golpe ou simplesmente aplaudi-los. Permitem que os bolsonaristas o façam porque são coniventes com eles e com o candidato deles.
Na terça-feira (15), a juíza federal Jaiza Fraxe determinou que o governo do Amazonas e a União dispersassem o ato que ocorre em frente ao Comando Militar da Amazônia. Caso não o fizessem, haveria multa de R$ 1 milhão, e pelas horas seguintes de atraso, R$ 100 mil por cada hora. A ordem não foi obedecida.
A juíza atendeu a um pedido do Ministério Público Federal que classificou o ato de “antidemocrático” que causa barulho ensurdecedor “prejudicando a saúde de pessoas com deficiências, idosos e crianças que moram na região, e interrompe o direito de ir e vir”. Em outros Estados, pedidos semelhantes não foram feitos.
Os manifestantes, que estão em frente ao Comando Militar da Amazônia desde o dia 2 de novembro, declararam não aceitar o resultado das urnas e defendem um golpe por meio de intervenção militar — uma afronta à Constituição em vigor desde 1988 e à democracia. Crime, portanto, previsto em lei.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que há 25 pontos de bloqueios e de interdições em quatro Estados: Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná e Rondônia. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, mandou no dia 10 que a Polícia Federal e a PRF desobstruam as vias públicas.
Segundo o coordenador geral de comunicação institucional da PRF, Cristiano Vasconcelos da Silva, os bloqueios e interdições atuais apresentam características mais violentas. Ele disse à CNN:
“Antes víamos manifestações, agora são atos criminosos, atos terroristas nas nossas rodovias federais, com queima de pneus, disparo de arma de fogo nos caminhões, tentativa de dinamite, explosão e queima de pontes para impedir o tráfego”.
“Tem caminhoneiros sendo agredidos, com suas cargas sendo jogadas na rodovia, estão jogando óleo nas rodovias federais. Não tem uma pauta específica, eles fazem os bloqueios e quem é contra aquilo sofre agressões”.
Quando a história se repete como um factoide irresponsável
As melhores reportagens políticas sobre momentos decisivos da história muitas vezes estão nos livros e não, necessariamente, nos jornais e revistas da época. É o caso, por exemplo, de Renúncia de Jânio — um depoimento, do jornalista Carlos Castello Branco, que foi referência do jornalismo político para minha geração por suas colunas durante o regime militar, no antigo Jornal do Brasil, apesar da censura prévia imposta pelo Ato Institucional nº 5. O livro mostra como uma intriga envolvendo o presidente da República e o governador carioca Carlos Lacerda, nos bastidores do Palácio do Planalto, deu início à crise política que levou Jânio Quadros à renúncia. Seus desdobramentos resultaram em 20 anos de ditadura.
Outra obra desse naipe é Cinco dias em Londres, de John Lukacs, que narra os bastidores do Gabinete de Guerra britânico, de 24 ao dia 28 de maio de 1940, quando Winston Churchill travou uma dura luta política com o Lorde Halifax para convencer seus integrantes a não fazerem um acordo de paz com Hitler. A resistência de Winston Churchill a um acordo da Inglaterra com a Alemanha evitou um desastre. O livro conta em detalhes a entrega do cargo a Churchill por Neville Chamberlain e revela a desconfiança do governo inglês, do presidente norte-americano Franklin Roosevelt e do próprio povo inglês, além da imprensa e dos aliados em relação a Churchill, homem confiável, íntegro e respeitado, porém alcoólatra e um pouco velho para o desafio da guerra.
Entretanto, a melhor reportagem política já escrita talvez seja o 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. Publicado em 1852, o texto descreve um golpe de Estado recém-ocorrido na França. Carlos Luís Napoleão Bonaparte, eleito presidente do país em 1848, resolveu impor uma ditadura três anos depois. Essa repetição de Napoleões no poder levou Marx a cunhar uma frase famosa, muito repetida pelos políticos, às vezes sem saber quem é seu verdadeiro autor: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
O título do livro é inspirado no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, com o qual se tornou cônsul da França, antes de se autoproclamar imperador. No calendário da Revolução Francesa de 1789, essa data correspondia ao dia 18 do mês de brumário. Marx mostra que o golpe dado por Napoleão III era apenas uma cópia daquele que fora dado antes por seu tio. A data escolhida para o golpe foi 2 de dezembro de 1851, aniversário de 47 anos da coroação de seu tio como imperador da França. Nessa obra, Marx conclui que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
Ontem, o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, entrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com um pedido de verificação extraordinária do resultado do segundo turno das eleições. Pediu a invalidação dos votos de mais de 250 mil urnas, com base no relatório elaborado por uma consultoria privada, que alega que as urnas anteriores ao modelo 2020, cerca de 60% do total utilizado nas eleições, têm um número de série único, quando, na opinião da consultoria, deveriam apresentar um número individualizado, porque somente assim, afirma o relatório, seria possível fazer uma auditagem. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, de pronto pediu ao PL que aditasse ao requerimento o pedido de invalidação também dos votos do primeiro turno, que utilizaram as mesmas urnas, no prazo de 24 horas.
É óbvio que o pedido do PL faz parte de uma estratégia do presidente Jair Bolsonaro para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que incentiva os protestos contra o resultado da eleição e a favor de intervenção militar para se manter no poder. O pedido não tem a menor chance de ser aceito pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal, apenas cria um factoide político que serve para a agitação golpista de extrema-direita à porta dos quartéis. O relatório é uma farsa montada para tumultuar a transição. Além disso, serve de cortina de fumaça para o estelionato eleitoral praticado pelo atual governo, cujo rombo nas contas públicas está colocando em risco o funcionamento dos serviços básicos da administração federal, da vacinação à emissão de passaportes.
O relatório é uma farsa, como foi o Plano Cohen, um relatório de inteligência segundo o qual os comunistas pretenderiam tomar o poder, incendiar prédios públicos, promover fuzilamentos, greve geral, saques e desordem. O documento circulou pelos quarteis em 1937 e serviu de pretexto para Getúlio Vargas dar um golpe de estado e permanecer no poder. O Plano Cohen foi arquitetado pelo então capitão Olímpio Mourão Filho, organizador das milícias da Ação Integralista Brasileira e lotado no setor de inteligência do Estado-Maior do Exército. No dia 1º de outubro, a Câmara Federal aprovaria, por 138 votos a 52, a implantação do estado de guerra. No dia 10 de novembro, Getúlio anunciaria ao país e ao mundo a instituição do Estado Novo. Só em 1945 os brasileiros saberiam que o Plano Cohen não havia passado de uma grosseira falsificação. Mourão Filho, promovido
Outra obra desse naipe é Cinco dias em Londres, de John Lukacs, que narra os bastidores do Gabinete de Guerra britânico, de 24 ao dia 28 de maio de 1940, quando Winston Churchill travou uma dura luta política com o Lorde Halifax para convencer seus integrantes a não fazerem um acordo de paz com Hitler. A resistência de Winston Churchill a um acordo da Inglaterra com a Alemanha evitou um desastre. O livro conta em detalhes a entrega do cargo a Churchill por Neville Chamberlain e revela a desconfiança do governo inglês, do presidente norte-americano Franklin Roosevelt e do próprio povo inglês, além da imprensa e dos aliados em relação a Churchill, homem confiável, íntegro e respeitado, porém alcoólatra e um pouco velho para o desafio da guerra.
Entretanto, a melhor reportagem política já escrita talvez seja o 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. Publicado em 1852, o texto descreve um golpe de Estado recém-ocorrido na França. Carlos Luís Napoleão Bonaparte, eleito presidente do país em 1848, resolveu impor uma ditadura três anos depois. Essa repetição de Napoleões no poder levou Marx a cunhar uma frase famosa, muito repetida pelos políticos, às vezes sem saber quem é seu verdadeiro autor: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
O título do livro é inspirado no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, com o qual se tornou cônsul da França, antes de se autoproclamar imperador. No calendário da Revolução Francesa de 1789, essa data correspondia ao dia 18 do mês de brumário. Marx mostra que o golpe dado por Napoleão III era apenas uma cópia daquele que fora dado antes por seu tio. A data escolhida para o golpe foi 2 de dezembro de 1851, aniversário de 47 anos da coroação de seu tio como imperador da França. Nessa obra, Marx conclui que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
Ontem, o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, entrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com um pedido de verificação extraordinária do resultado do segundo turno das eleições. Pediu a invalidação dos votos de mais de 250 mil urnas, com base no relatório elaborado por uma consultoria privada, que alega que as urnas anteriores ao modelo 2020, cerca de 60% do total utilizado nas eleições, têm um número de série único, quando, na opinião da consultoria, deveriam apresentar um número individualizado, porque somente assim, afirma o relatório, seria possível fazer uma auditagem. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, de pronto pediu ao PL que aditasse ao requerimento o pedido de invalidação também dos votos do primeiro turno, que utilizaram as mesmas urnas, no prazo de 24 horas.
É óbvio que o pedido do PL faz parte de uma estratégia do presidente Jair Bolsonaro para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que incentiva os protestos contra o resultado da eleição e a favor de intervenção militar para se manter no poder. O pedido não tem a menor chance de ser aceito pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal, apenas cria um factoide político que serve para a agitação golpista de extrema-direita à porta dos quartéis. O relatório é uma farsa montada para tumultuar a transição. Além disso, serve de cortina de fumaça para o estelionato eleitoral praticado pelo atual governo, cujo rombo nas contas públicas está colocando em risco o funcionamento dos serviços básicos da administração federal, da vacinação à emissão de passaportes.
O relatório é uma farsa, como foi o Plano Cohen, um relatório de inteligência segundo o qual os comunistas pretenderiam tomar o poder, incendiar prédios públicos, promover fuzilamentos, greve geral, saques e desordem. O documento circulou pelos quarteis em 1937 e serviu de pretexto para Getúlio Vargas dar um golpe de estado e permanecer no poder. O Plano Cohen foi arquitetado pelo então capitão Olímpio Mourão Filho, organizador das milícias da Ação Integralista Brasileira e lotado no setor de inteligência do Estado-Maior do Exército. No dia 1º de outubro, a Câmara Federal aprovaria, por 138 votos a 52, a implantação do estado de guerra. No dia 10 de novembro, Getúlio anunciaria ao país e ao mundo a instituição do Estado Novo. Só em 1945 os brasileiros saberiam que o Plano Cohen não havia passado de uma grosseira falsificação. Mourão Filho, promovido
a general, anos mais tarde, deflagraria o golpe militar de 1964.
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