domingo, 30 de abril de 2017

Lula enxerga 13ª Vara de Curitiba como um circo

Nos últimos dias, Lula passou a fazer graça com o depoimento que foi intimado a prestar como réu da Lava Jato. Por vezes, parece confundir a 13ª Vara Federal de Curitiba com um picadeiro. Neste sábado, o pajé do PT foi à cidade gaúcha de Rio Grande. Escalou um palanque. E divertiu a multidão companheira com falas assim:

— Eu tô até preocupado, porque o Moro deve estar vendo o meu discurso aqui. É verdade! E o Dellagnol também. E eles não estão tentando me julgar por corrupção, é pelo jeito de governar esse país. Mas eu vou continuar. Como dizia Fidel Castro: a história me absolverá.


Ouviram-se muitos risos. Mas o jeito petista de governar encontra-se tristemente escancarado nos processos do petrolão. Na primeira instância do Judiciário, onde a biografia de Lula é carbonizada, produziram-se por enquanto 131 condenações. Juntas, somam 1.377 anos, 9 meses e 21 dias de cadeia.

Lula disse estar “pedindo a Deus” para Sergio Moro manter seu depoimento agendado para 10 de maio. “É a primeira chance que eu tenho de falar o que eu penso de tudo isso que estão fazendo comigo.” O orador usou timbre de presidenciável. Finge ignorar que virou candidato a fazer companhia a companheiros como José Dirceu e João Vaccari no rol dos condenados.

Nesta época de semântica desvairada, o que Lula chama de honestidade constitui a soma de tudo o que dizem dele os delatores e os achados dos investigadores da Polícia Federal e da Procuradoria. Ocorre a seguinte incoerência: Lula se diz uma coisa e sua reputação já é bem outra.

Num contexto assim, tão envenenado, Fidel e Deus ajudarão pouco. A história não absolveu o líder cubano. Condenou-o a testemunhar o colapso do regime de Havana. No mais, todos os seus crimes prescreveram antes da morte, no entendimento tácito de que as dores ideológicas e físicas de sua velhice já foram castigo suficiente.

Quanto ao Todo-Poderoso, se é verdade que Ele brasileiro, talvez se sentisse diminuído tendo que ajudar apenas o Lula a ganhar milhões em palestras e colecionar amigos dispostos a bancar-lhe os confortos. Se 10% de tudo o que está na cara for confirmado, o mais provável é que Lula não deixe nenhuma obra para redimi-lo. Pelo menos nenhuma que não tenha sido superfaturada.

No discurso deste sábado, Lula chegou a ensaiar uma caída em si: “Eu, sinceramente, não sei o que vai acontecer comigo.” Mas logo voltou a destilar sua autoconfiança com desembaraço autocrático: “Eles podem se preparar, porque nós vamos voltar.” E a plateia, em uníssono: “Volta Lula, volta Lula, volta Lula…” O orador entusiasmou-se:

— Eles têm que saber que a Petrobas vai voltar a ser outra vez do povo brasileiro. […] Eles têm que saber que o BNDES vai voltar a ser banco de deenvolvimento. Eles têm que saber que o banco do Brasil não vai mais fechar agência, vai abrir agências. […] Eles têm que saber que a Caixa Econômica vai voltar a ser banco público. Eles têm que saber que nós vamos regular os meios de comunicação.

As palavras não deixam dúvida. Sobra talento a Lula para números circenses como malabarismo verbal, trapezismo ideológico e ilusionismo factual. No entanto, se vingasse a tese de que não há nada para investigar a respeito no líder máximo do PT, cada brasileiro viraria um palhaço instantâneo. E nem todo mundo se dispõe a usar narizes vermelhos, colarinhos folgados e sapatos grandes.

É difícil imaginar, por exemplo, um Sergio Moro de peruca avermelhada. O juiz da Lava Jato não é do tipo que veste “giubba”. Tem mais cara de estraga-festas. Alguém precisa avisar a Lula que tratar a 13ª Vara de Curitiba como um circo é o mesmo que cutucar o leão com o pé para ver se ele morde.

A reforma engavetada

A representação política é fundamento básico indispensável às democracias porque é o instrumento de legitimação dos governos nos regimes construídos sobre o primado da liberdade. Cabe à política traduzir em ação governamental os anseios da sociedade, cuidando também da delicada tarefa de promover a mediação entre os naturais conflitos de interesse entre o individual e o coletivo, os anseios corporativos e o bem público, resultantes da complexidade da natureza humana. A política brasileira, obviamente, não cumpre sua finalidade precípua, uma vez que, hoje mais do que nunca, nela prevalece a mentalidade patrimonialista que impede a distinção entre o que é público e o que é privado. Assim, se o sistema político não funciona – com o que os deputados federais aparentemente não concordam –, cabe reformá-lo. No caso do Brasil, com urgência. Foi essa a conclusão unânime dos especialistas reunidos no Debate Estadão: A reforma política que queremos, promovido em parceria com a Fecomercio-SP, o movimento Vem Pra Rua e o Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice).

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A reforma fiscal e o destravamento da economia são precondições para a redução do desemprego. O governo concentra seus esforços nessas prioridades. A tumultuada conjuntura política, no entanto, cria graves dificuldades adicionais à necessária negociação que o governo precisa democraticamente manter com o Congresso em torno das reformas. Essas dificuldades se estendem inclusive a sua base de apoio, exatamente porque boa parte dos parlamentares, distribuídos por uma ampla constelação de grandes e pequenas legendas que estão no Parlamento principalmente para fazer negócios, não se peja de cobrar caro por seus votos.

Trata-se, portanto, de começar uma ampla reforma política a partir de medidas que, entre outros, tenham o objetivo de reformar o sistema de organização partidária e fazê-lo com urgência, de modo que essa reforma vigore já nas eleições gerais programadas para daqui a um ano e meio. Esse foi um dos consensos resultantes do Debate Estadão.

A principal medida preconizada pelos debatedores para reformar o sistema político-partidário é a chamada cláusula de barreira, ou de desempenho, destinada a restringir o acesso a recursos públicos diretos, como os do Fundo Partidário, ou indiretos, como aqueles que patrocinam na mídia eletrônica o horário eleitoral dito gratuito. A existência desses recursos generosos é a principal razão pela qual a maior parte dos novos partidos é criada. Alguns dirigentes dessas legendas nanicas faturam tanto com a parte que lhes cabe na dotação anual do Fundo Partidário quanto, em períodos eleitorais, com a negociação do tempo de que dispõem no rádio e na TV.

De acordo com a Justiça Eleitoral, neste ano os 2 partidos nanicos que, entre os 35, receberão a menor cota de participação no Fundo Partidário – cuja verba total é de mais de R$ 720 milhões – terão direito, cada um, a R$ 260.184,96. Para o próximo ano, a pretexto de compensar a proibição de doações eleitorais de empresas, cogita-se de aumentar o Fundo Partidário para algo entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões, bem como da criação de um fundo eleitoral paralelo. Está claro, portanto, que a definição das fontes de recursos para as eleições de 2018 preocupa seriamente os políticos, que aparentemente não cogitam de reduzir os astronômicos custos das campanhas.

Em novembro do ano passado, o Senado aprovou, em segundo turno, por 69 votos a favor e 9 contra, a PEC da Reforma Política que estabelece a cláusula de barreira nos seguintes termos: continuarão desfrutando de todos os benefícios que têm hoje, como acesso ao Fundo Partidário, propaganda de rádio e televisão, estrutura funcional própria no Parlamento e outros, os partidos que obtiverem 2% de votos para deputados federais em todo o País, sendo um mínimo de 2% em cada 1 de pelo menos 14 Estados. Os partidos que não superarem essas barreiras terão reconhecidos os deputados que conseguirem eleger, mas não terão acesso a nenhum benefício.

Como toda PEC, essa precisa ser aprovada também em dois turnos na Câmara. Mas, até para demonstrar o quanto é necessária, foi engavetada pelos nobres deputados.

Editorial - O Estadão

Paisagem brasileira

Marie Nivoulies de Pierrefort (1879-1968) Praia de Paquetá, c1940, ost, 97x87
Praia de Paquetá (1940), Marie Nivouliès de Pierreford

O direito de parar e o direito de trabalhar

Sou a favor do direito de greve. Contra a imposição de greve. A favor do direito de trabalhar e do direito de ir e vir. A favor de paralisação, resguardados os serviços essenciais. Contra os piquetes violentos. Contra a ditadura sindical. A favor do direito de manifestação contra reformas do governo. Contra a imposição de um pensamento único. Contra o uso da força e pneus queimados para impedir a população de trabalhar e trafegar. Contra bombas de gás, balas de borracha e tropas de choque para impedir protestos pacíficos.

Você aderiu à greve? Não aderiu? O verbo aderir pressupõe uma decisão individual, plena e intransferível. Podemos abraçar uma causa. Apoiar. E podemos decidir não aderir. É inaceitável que manifestantes, sindicalistas uniformizados, barrem trabalhadores, famílias, amedrontem com ferro e fogo pessoas que não querem parar. Brasileiros que desejam trabalhar, comparecer a seus compromissos ou levar doentes aos hospitais, grávidas às maternidades. Vi ambulâncias bloqueadas no acesso à Ponte Rio-Niterói. É inadmissível. Isso é um tiro no pé dos grevistas. Joga a população contra suas causas. 


Já fui impedida de viajar de avião uma dezena de vezes do exterior para o Brasil ou de trem dentro da Europa, como turista ou correspondente. Não gostei, mas achava legítima a greve. Greve é um instrumento de pressão e está incorporada às democracias europeias como um direito dos trabalhadores insatisfeitos. O objetivo é atrapalhar. E é essa mesmo a definição de greve. Normalmente é um protesto por salários mais altos e melhores condições de trabalho.

A “greve geral” foi muito mais que uma manifestação contra as reformas – que já haviam sido defendidas pela presidente Dilma Rousseff. A greve tinha como bandeira maior “Fora, Temer”. Convocada por corporações irritadas com o fim do imposto sindical compulsório. Se quiserem fazer uma consulta popular, façam. Quem é a favor de pagar imposto a vida inteira a sindicatos que não nos representam e são poupados do desemprego?

Em janeiro do ano passado, a então presidente Dilma disse que precisávamos encarar a reforma da Previdência. “Nós estamos envelhecendo mais e morrendo menos. Nossa expectativa de vida nos últimos anos aumentou em torno de quatro a seis anos. Não é possível que a idade média de aposentadoria no Brasil seja de 55 anos.” Será que Dilma achava que não existe déficit na Previdência?

No fim de 2015, Dilma considerava prioridade regulamentar a terceirização e fazer uma reforma trabalhista “para estimular o emprego e a competitividade”. O então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, insistia em modernizar as relações trabalhistas. O ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, explicava as reformas que Dilma queria propor ao Congresso: “Uma é a reforma da Previdência, outra é de desburocratização do nosso sistema tributário, as questões da livre negociação entre empresários e trabalhadores”. O acordo entre os sindicatos dos trabalhadores e dos patrões prevaleceria sobre algumas leis trabalhistas, desde que respeitada a Constituição e convenções da Organização Internacional do Trabalho. Dilma não teve tempo de se incompatibilizar de vez com a CUT. O que mudou?

Muita gente tem se descabelado contra as reformas por odiar e rejeitar Temer, o ex-vice de Dilma suspeito de ter sido eleito com dinheiro de caixa dois e, hoje, com oito ministros acusados na Lava Jato. A maioria não consegue nem ler na íntegra os textos. Você discorda de alguns itens? Ou acha imexível uma legislação trabalhista que já tem 70 anos?

Uma das poucas pessoas próximas a mim com carteira assinada, regida pela CLT, é a empregada doméstica que vem três vezes por semana a minha casa. Linde saiu de sua casa, como sempre, às 4h30 da manhã, porque prefere dar seu expediente até o início da tarde. Comemorou ter cruzado o túnel da Grota Funda, que liga Guaratiba ao Recreio, antes de ele ser bloqueado. Celebrou ter escapado da greve.

O Brasil real tem 14,2 milhões de desempregados, 45 milhões de trabalhadores informais e profissionais liberais – entre eles eu, meus filhos, minha nora, amigos e filhos de amigos – e 33,4 milhões com carteira assinada. Tenho amigos microempresários, loucos para que a reforma trabalhista seja aprovada, para que possam tornar mais flexíveis e humanas as relações com seus funcionários.

A sociedade pode contribuir para melhorar os textos das reformas. Não me parece que as brigas de rua entre grevistas e não grevistas sejam o melhor caminho. Que pare quem quiser. Que trabalhe quem quiser. Que os protestos sejam democráticos e pacíficos. Com adesão voluntária.

Além da raiva social

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(...) a esquerda brasileira tem compromissos é com os grandes sindicatos e centrais sustentados pelo dinheiro público. A reforma que está sendo votada atinge diretamente seus interesses. Tudo bem que eles se defendam, o problema é que dizem que o fazem em nome do povo 

Com greve ou com reformas, um país medíocre

Greve realmente representativa é aquela que os argentinos chamavam, antigamente, de “huelga matera”. A central sindical (a histórica CGT, Central Geral de Trabalhadores) decretava a greve e o pessoal ficava em casa tomando “mate”, esporte nacional na Argentina (e no Uruguai). Acompanhei um punhado dessas paralisações, ainda durante a ditadura militar (1976/83), quando o movimento sindical era reprimido até quando não estava fazendo greve. Não eram necessários piquetes. A adesão era natural.

O mundo mudou, mudaram as greves até na Argentina e agora a maneira de fazer uma greve dar certo é paralisar os transportes. Ou bloquear, com piquetes, o acesso às vias principais.
O problema é que, nessa situação, fica difícil medir o quanto há de adesão voluntária à greve e quanto é apenas impossibilidade de comparecer ao trabalho.


Pelo que vi na TV, a greve geral desta sexta-feira teve um pouco das duas coisas. O que não deixa de ser surpreendente: se 92% dos brasileiros acham que o país está em rumo errado, conforme recente pesquisa do instituto Ipsos, o natural seria que houvesse uma adesão espontânea maciça.

Desconfio que a principal razão para que o pessoal não se entusiasme muito com a greve é a convicção íntima de que a agenda do governo não é influenciada pelo que digam as pesquisas ou as ruas.
Michel Temer não foi eleito e, portanto, não deve seu mandato a uma agenda aprovada nas urnas. Está lançando ou tentando lançar reformas ditadas pelos agentes de mercado.

Parte do pressuposto de que recuperar a economia – e, quando possível, o emprego – depende de sanear as contas públicas e facilitar a vida do capital. Só assim, reza o mantra, será recuperada a confiança dos investidores.

Eu não tenho essa fé cega em dogmas, mas também não me entusiasmo com a crítica às reformas quando elas soam como mera defesa do “status quo”, seja nas relações trabalhistas, seja na Previdência.
Desde que o capitalismo foi inventado, as relações trabalhistas são desequilibradas em favor do capital e em detrimento do trabalho.

Uma reforma trabalhista digna do nome teria, portanto, que tentar equilibrar melhor as coisas. Não é o que estabelece a reforma de Temer nem é o que se consegue com o status-quo (a CLT).

Na Previdência, exemplo prático e pessoal: contribui (compulsoriamente) a vida profissional inteira, mas, ao chegar à idade de me aposentar, só tinha direito a uma renda próxima dos 5% do que ganhava na ativa.

Tive que continuar trabalhando e assim continuarei até morrer –com as velhas regras, assim como dizem os críticos da reforma que os futuros aposentados terão que fazer com as novas. Fico, pois, na isolada situação de ser crítico do “status quo” e também das reformas que pretendem desmontá-lo.

Os números respaldam minha posição. Em 2015, após 13 anos portanto de governos supostamente pró-pobres, o Brasil estava assim: entre os 10 países mais desiguais do planeta e com 73 milhões de pobres, pessoas com renda mensal de até meio salário mínimo.

É mais de um terço da população. Não são números do governo Temer, mas do governo Dilma, conforme informado ao Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, no caso da desigualdade, e conforme o sítio do Ministério de Desenvolvimento Social à época (2015, repito).

Ou, posto de outra forma, com greve, espontânea ou forçada, ou com as reformas de Temer, o Brasil vai continuar sendo essa lamentável mediocridade, esse depósito de pobres e essa obscena desigualdade.

Fachin e 'Um inimigo do povo'

O conselho dado um dia desses aos jornalistas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, relator da Lava Jato, de ler Um inimigo do povo, obra do dramaturgo Henrik Ibsen, poderia ser interpretado como uma sutil e erudita polêmica com os meios de comunicação, além de uma reflexão sobre o que se passa hoje no Brasil no campo das ideologias. A obra de Ibsen, um dos dramaturgos mais influentes do chamado “teatro de ideias”, significou, na sua época, uma denúncia contra a corrupção do poder e a manipulação de informações quando esta se coloca a serviço dos poderosos. Uma denúncia que ganha novamente atualidade no Brasil e no mundo.

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O protagonista da peça, o médico Stockmann, é um cidadão honrado que descobre que em sua pequena cidade as águas medicinais do balneário, seu local mais belo e principal atração turística, geradora de riqueza, estão contaminadas. Surge, então, o seu drama de consciência: silenciar ou denunciar o fato. Ele decide falar, e, em um primeiro momento, o jornal da cidade se compromete a publicar a sua carta de denúncia. E suas angústias começam aí. O prefeito do vilarejo, os donos do poder e toda a sociedade começam a mover suas peças para evitar a revelação de um escândalo que poderia acarretar sérios prejuízos econômicos para eles e para a cidade. Conseguem, assim, fazer com que o jornal, em vez de publicar a carta de Stockmann, publique uma do prefeito. Pouco a pouco, aquele quixote, que diz que “um homem livre não tem o direito de agir de uma forma que o leve a ter vergonha de si mesmo”, começa a se sentir isolado e abandonado por todos os que têm interesses no balneário, a começar pela sua própria família.

A obra de Ibsen é sobre a luta entre a razão e o poder, a razão encarnada em um homem só e idealista e o poder político, o dos meios de comunicação e o da massa. Fachin lembrou aos jornalistas a frase de Ibsen com que a peça se encerra: “O homem mais forte é o que está mais sozinho”. Poderia ter recordado também uma outra: “Quando uma verdade envelhece, ela se transforma em mentira”.

O que tudo isso tem a ver com o que vive o Brasil, com a polêmica em torno da Lava Jato, com as críticas à Justiça, com a corrupção, com a força que deve ou não ser conferida ao que pensa a maioria numérica simplesmente por sê-lo? O que significa essa força que o dramaturgo atribui à solidão daquele que abraça as causas que contrariam o poder? Será verdade que a democracia começa a se corromper quando se reduz tudo a porcentagens, a sondagens frias feitas para fazer crer que o que vale são os números e não as ideias das minorias que não se dobram e que lutam para revelar a injustiça?

Com sua provocação, de aconselhar os jornalistas a lerem Ibsen, Fachin colocou em pauta algo importante. Foi como se nos dissesse que, na corrida em busca da notícia, não deveríamos jamais esquecer de encontrar um tempo para ler e refletir, para mergulhar na literatura séria, a literatura das ideias, aquela que nos confronta com o nosso próprio ofício. Diante do ruído gerado por tanta notícia, diante de tantos interesses poderosos desafiados e da desinformação da massa, as obras de clássicos como Ibsen já antecipavam a pós-verdade e hoje nos colocam diante do paradoxo de que, como escreve o dramaturgo, “quando uma verdade envelhece, ela se transforma em mentira”.

Quais verdades estão envelhecendo e quais estão nascendo em meio à convulsão por que passa o Brasil neste momento? Fachin parecer querer lembrar que isso tudo também é de nossa responsabilidade, dos meios de comunicação que navegam conforme a moda ou o clamor da maioria, ou ainda, o que é pior, seguindo, como o personagem de Um inimigo do povo, aqueles que preferem continuar defendendo verdades que, por ter envelhecido, não passam agora de folhas mortas.

A magia de Villa-Lobos e Gullar

A implosão da mentira

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Fragmento 1

Mentiram-me. Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente. Mentem
de corpo e alma, completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo, impune/mente.
Não mentem tristes. Alegremente
mentem. Mentem tão nacional/mente
que acham que mentindo história afora
vão enganar a morte eterna/mente.

Mentem. Mentem e calam. Mas suas frases
falam. E desfilam de tal modo nuas
que mesmo um cego pode ver
a verdade em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil
e para alguns é cara e escura.
Mas não se chega à verdade
pela mentira, nem à democracia
pela ditadura.

Fragmento 2

Evidente/mente a crer
nos que me mentem
uma flor nasceu em Hiroshima
e em Auschwitz havia um circo
permanente.

Mentem. Mentem caricatural-
mente.
Mentem como a careca
mente ao pente,
mentem como a dentadura
mente ao dente,
mentem como a carroça
à besta em frente,
mentem como a doença
ao doente,
mentem clara/mente
como o espelho transparente.
Mentem deslavadamente,
como nenhuma lavadeira mente
ao ver a nódoa sobre o linho. Mentem
com a cara limpa e nas mãos
o sangue quente. Mentem
ardente/mente como um doente
em seus instantes de febre. Mentem
fabulosa/mente como o caçador que quer passar
gato por lebre. E nessa trilha de mentiras
a caça é que caça o caçador
com a armadilha.
E assim cada qual
mente industrial?mente,
mente partidária?mente,
mente incivil?mente,
mente tropical?mente,
mente incontinente?mente,
mente hereditária?mente,
mente, mente, mente.
E de tanto mentir tão brava/mente
constroem um país
de mentira
—diária/mente.

Fragmento 3

Mentem no passado. E no presente
passam a mentira a limpo. E no futuro
mentem novamente.
Mentem fazendo o sol girar
em torno à terra medieval/mente.
Por isto, desta vez, não é Galileu
quem mente.
mas o tribunal que o julga
herege/mente.
Mentem como se Colombo partindo
do Ocidente para o Oriente
pudesse descobrir de mentira
um continente.

Mentem desde Cabral, em calmaria,
viajando pelo avesso, iludindo a corrente
em curso, transformando a história do país
num acidente de percurso.

Fragmento 4


Tanta mentira assim industriada
me faz partir para o deserto
penitente/mente, ou me exilar
com Mozart musical/mente em harpas
e oboés, como um solista vegetal
que absorve a vida indiferente.

Penso nos animais que nunca mentem.
mesmo se têm um caçador à sua frente.
Penso nos pássaros
cuja verdade do canto nos toca
matinalmente.
Penso nas flores
cuja verdade das cores escorre no mel
silvestremente.


Penso no sol que morre diariamente
jorrando luz, embora
tenha a noite pela frente.

Fragmento 5

Página branca onde escrevo. Único espaço
de verdade que me resta. Onde transcrevo
o arroubo, a esperança, e onde tarde
ou cedo deposito meu espanto e medo.
Para tanta mentira só mesmo um poema
explosivo-conotativo
onde o advérbio e o adjetivo não mentem
ao substantivo
e a rima rebenta a frase
numa explosão da verdade.

E a mentira repulsiva
se não explode pra fora
pra dentro explode
implosiva.
Affonso Romano de Sant'Anna

Versão nacional

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Entre 2008, com Lula, e 2015, sob Dilma, o governo brasileiro deu às empresas privadas que escolheu como “campeãs nacionais” uma ajuda financeira (com dinheiro público) quase do mesmo tamanho do Plano Marshall, o projeto dos Estados Unidos para a reconstrução de 17 países aliados da Europa depois da Segunda Guerra Mundial.

Nos últimos nove anos, no Brasil, o BNDES concedeu R$ 100 bilhões de subsídios às companhias eleitas pelo governo.

O plano Marshall custou aos EUA US$ 120 bilhões, em valores atuais, segundo estudo apresentado à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado pelo pesquisador do Insper (SP) Marcos Lisboa, para quem o país ainda precisa estudar “as razões do fracasso da política recente do BNDES”.

Muito barulho para nada

O PT e seus partidos teleguiados ainda não se deram conta de que são os grandes responsáveis pelo esvaziamento do que sonharam ser uma greve geral.

O sindicalismo da arruaça e da intimidação foi mais um fiasco das "esquerdas" brasileiras para motivar as massas ao repúdio às reformas de MIchel Temer, que não fizeram quando no Poder com força popular e partidária. E não responderão nunca sobre o recuo, porque seria confessar crimes cidadania.

Num plano geral, segundo a visão televisiva, o país parou. Ou seria foi parado? Nas ruas, pela tevê e redes sociais, a paralisação autoritária do sindicalismo pelego deu resultado. Mas na véspera de um feriadão, com uma grande oportunidade de matar o trabalho e ganhar o dia, foi um achado. A malandragem não está computada na "paralisação", obtida na intimidação e na interdição. 

Grevista terceirizado
A última sexta-feira de abril só não pode ser datada como dia de greve geral. O país não parou como defendem porque é grande demais e os sindicatos já não mais movimentam as massas. Se foram sempre satélites movidos a gritos de mudança, e contribuição autoritária, não têm mais mudança a oferecer. São apenas trogloditas agitando galhos entre urros de símios.

Depois de anos no poder comendo o pão do trabalhador, o petismo esqueceu o que é greve geral. Usou e abusou do piquete e dos baderneiros, fantasiados de trabalhador, para bancar uma greve com manifestantes terceirizados. Tal como a marginalidade, ordenou o fechamento de lojas e partiu para a pancadaria.

O que menos se expôs foi a insatisfação popular com as propostas governamentais. Ficou flagrante o extertor de um sindicalismo de pelegos com R$ 2,9 bilhões nos cofres, em 2016, para comprar seus mercenários como black blocs.

Também o governo não ficou bem na foto. Minimizou a movimentação, e agora se sente forte o bastante para impor suas vontades e chantagens. E entre os berros de uns e os gritos de outros, o cacete baixou mesmo foi no trabalhador com um dia de prejuízo, que pagará com o próprio bolso como vem pagando para que governos e sindicatos abusem do seu santo nome em vão (quer dizer, em troca de pixuleco).

Luiz Gadelha