terça-feira, 5 de maio de 2015

A ilusão política das grandes manifestações populares

Nisto de manifestações populares, o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste ou sabe delas ingenuamente as interpreta pelos factos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos factos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os factos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra factos não há argumentos. Ora só contra factos é que há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os factos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos factos, que pode haver lógica.

Nisto de manifestações — ia eu dizendo — o difícil é interpretá-las. Porque, por exemplo, uma manifestação conservadora é sempre feita por mais gente do que toma parte nela. Com as manifestações liberais sucede o contrário. A razão é simples. O temperamento conservador é naturalmente avesso a manifestar-se, a associar-se com grande facilidade; por isso, a uma manifestação conservadora vai só um reduzido número da gente que poderia, ou mesmo quereria, ir. 
O feitio psíquico dos liberais é, ao contrário, expansivo e associador; as manifestações dos "avançados" englobam, por isso, os próprios indiferentes de saúde, a quem toda a vitalidade acena.
Isto, porém, é o menos. O melhor é que, para quem pensa, o único sentido duma manifestação importante é demonstrar que a corrente da opinião contrária é muito forte. Ninguém arranja manifestações em favor de princípios indiscutíveis. Tão pouco se aglomeram vivas em torno a um homem a quem é feita uma oposição sem relevo ou importância. Não há manifestações a favor de alguém; todas elas são contra os que estão contra esse alguém. É por isso este, não o "homenageado", quem fica posto em relevo. Quanto maior a manifestação, mais fraco está o visado; maior se sente a força que se lhe opõe. Toda a manifestação é um corro-a-salvar-te de quem não pensa contribuir para a salvação senão com palmas e vivas.

É este o ensinamento que toda a criatura lúcida tira das manifestações populares.

Quando a uma criatura, que está em evidência ou regência, se faz uma manifestação que resulta pequeníssima, conte tal criatura com o apoio dum país inteiro. Se a manifestação fosse grande, tremesse então. É que os seus partidários teriam sentido, por uma intuição irritada, a grandeza da oposição a ele, e isso os chamaria em peso para a rua, para, com suas muitas palmas e vivas, aumentar a ele e a si próprio a ilusão duma confiança que enfraquece.
Fernando Pessoa (1888 - 1935) 

Com toda certeza, hoje é o dia do maior panelaço do mundo

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Mesmo sem contar com a participação da presidente Dilma Rousseff, que pela primeira vez deixa de aparecer no programa do PT na televisão, está prevista para hoje a realização do maior panelaço do mundo, algo digno de ser inscrito no Livro Guinness de Recordes. O fenômeno político brasileiro é impressionante, porque o governo acaba de completar apenas quatro meses, mas seu prazo de validade se mostra mais do que vencido, o consumidor está revoltado e exige a devolução do produto.

A arrogante e presunçosa Dilma Vana Rousseff se transformou numa pálida lembrança daquela mulher que se julgava uma gerentona, capaz de conduzir este país aos rumos do desenvolvimento econômico e da justiça social. Hoje, a suposta doutorada em Economia não significa mais nada, foi obrigada a terceirizar o Ministério da Fazenda para um executivo do grupo Bradesco que nem constava da linha de frente da corporação, pois não integrava o Conselho Administrativo nem a Diretoria, e o nome dele não aparecia nem mesmo entre os executivos principais, estava no quarto escalão.

De fato, Joaquim Levy não é nenhuma sumidade e trabalhava apenas como gestor de um dos fundos de investimento menos procurados do Bradesco. Foi escolhido para o ministério apenas por ser o único que já tivera experiência governamental, como Secretário do Tesouro no início do primeiro governo Lula.

Depois de entregar a Economia ao inimigo do PT, Dilma Rousseff se viu obrigada a abrir mão também da articulação política de seu governo, que ficou a cargo do vice Michel Temer, que ela desprezou solenemente durante seu primeiro mandato de quatro anos. De repente, o veterano político paulista, que nunca foi bom de voto mas é mestre nos bastidores, passou a ser a solução para refazer a base aliada do governo.

Já se preparando para assumir o poder “in totum”, Temer vai embromando enquanto pode, porque sabe ter recebido uma missão impossível, porque ninguém acredita mais em Dilma Rousseff, seu tempo já passou e ela nem percebeu.

Realmente, o governo não tem mais salvação, respira por aparelhos, entrou em estado terminal e não há marqueteiro que dê jeito.

A presidente da República não pode mais sair dos palácios, está refém de si mesma nos quatro quilômetros que separam o Planalto e o Alvorada.

Para a família Rousseff, o final de semana prolongado foi um desespero. A presidente viajou para Porto Alegre, disposta a brincar com o neto e espairecer. Na sexta-feira, estava na casa do ex-marido quando foi surpreendida com um protesto popular do lado de fora. Preferiu ir para o seu apartamento, mas no dia seguinte a cena se repetiu, com outra manifestação. Dilma então pegou o Aerolula e voltou para Brasília, para reassumir o papel da pobre menina rica que vive em palácios, mas não pode sair às ruas.

O pior é que esta decadência é marcada por um repúdio que está se alastrando. No domingo, pela primeira vez nas últimas décadas, a abertura oficial da maior feira pecuária do país, a Expozebu, em Uberaba (MG), não teve a presença de presidente da República nem de governador do Estado. Dilma e Fernando Pimentel desistiram de comparecer. Mesmo assim, houve protesto contra o governo, com buzinas e apitos, cartazes e faixas pelo impeachment, mensagens contrárias ao PT e pedindo o combate à corrupção.

Hoje à noite o PT exibe na televisão o programa institucional do partido. Pela primeira vez, a presidente não participará nem será exibida qualquer imagem dela. O objetivo é evitar o panelaço que ficou acertado de ser feito toda vez que ela aparecer em rede nacional de TV.

Sonhar ainda não é proibido. Os dirigentes petistas podem sonhar o que quiserem. Mas o fato é que logo despertarão, tal o barulho do panelaço, que sempre se mistura com o buzinaço dos automóveis. Para os petistas, será um pesadelo que ficará para sempre marcado, porque nunca antes, na História deste país, se viu nada igual.

Anestesia sem cirurgia


Ando pelas ruas em busca de entendimento. Vejo que as pessoas não massacradas pela miséria estão pensando em alguma saída para o tornado de escândalos que se abateu sobre nossas cabeças. A crise destrói o país e muda nossas mentes e corações. Cada um leva consigo uma forma de melancolia. É a grande neurose nacional do “que fazer?” E diante de todos se ergue o mistério da solução remota.

Um dos grupos mais comuns é a turma do “precisamos”. Eles estão em botequins, em universidades, em jornalistas e comentaristas de TV, em táxis e passageiros. Eles dizem sem parar: “Precisamos de...”

“Precisamos mudar a realidade do país!” – mas ninguém sabe como. Ficou tão visível nosso entulho histórico de que “precisamos” fazer alguma coisa. Fazer o quê? Diante da muralha de impossibilidades, como destrinchar o sarapatel de crimes que se emaranham em um nó cego? Como dar conta das chicanas do Judiciário, dos cabelos implantados, das cabeças acaju e/ou asa-da-graúna, quem vai dar conta do cafajestismo dos donos do poder, quem punirá os conluios públicos e privados, quem vai dar dentes à população, quem vai destrinchar os aditivos de contratos, os ajustes fiscais negados por interesse pessoal, quem vai impedir os assaltos aos fundos de pensão? Quem fará? Ninguém sabe, mas nos abrigamos nessa esperança vã.

Andando, vejo que mais adiante estão os “lamentosos”, primos da turma dos “precisamos”. Os lamentosos choram pela grandeza imaginada e perdida, choram pelos sonhos que tinham para um país melhor. Sentem-se traídos pela história política, pela vida. E têm nisso um pequeno lucro: consideram-se bons, dignos sofredores, vítimas de uma grande conspiração invencível. Choram por si mesmos.

Na outra esquina encostam-se os “pessimistas de carteirinha”. São consolados por uma sabedoria desencantada, pois acham que as vacas já foram para o brejo, que já pulamos da beira do abismo e que “essa porra não tem mais jeito, não”. E afundam em deliciosa depressão.

Nos restaurantes e em apartamentos com vista para o mundo, gargalham os “profetas felizes”, a turma do “eu não disse?”. “Sempre falei isso, e ninguém ligava; agora esta bosta explodiu mesmo!” A zona geral lhes permite posar de profetinhas. E com desdém, com sorridente desgosto, pedem mais um uísque, felizes, orgulhosos por sua clarividência premonitória.

Nos bancos de praça e nos meios-fios encolhem-se os “fatalistas” com amarga paralisia conformada: “Tinha de ser assim, é assim que é, maktoub”, é a vida, o destino, que fazer? Tudo estava escrito. E eles suspiram, aliviados pela paz da submissão.

Em cantos escuros e becos, em beira de calçadas estão os descabelados, de olhos em pânico, ameaçados pela chuva ácida das notícias. São os que sofrem do “delírio de ruína”, em que tudo que era sólido se desmancha no ar. Caem pedras, caem cometas, caem horrores, caem o PCC, a fome, o Estado Islâmico, as cabeças degoladas, os homens-bomba, as mudanças climáticas – tudo se soma numa massa informe de problemas insolúveis. E ficam desesperados em meio aos escombros: “Estamos perdidos; o mundo acabou logo agora que eu estava melhor de vida. Só falta a terceira guerra mundial!”

E por cima deles, nos colóquios, nos seminários, nas universidades flutuam os discursos de análise política límpidos, a sociologia infalível, a orgulhosa ostentação da verdade. “Nós sabemos a verdade: podemos simplificar tudo em fórmulas quase matemáticas. Está tudo claro em nossas teses de doutorado. O problema é que o Brasil não se curva às nossas teses...”

Temos uma nova raça também: os “neo-antipetistas”, os caras que já sacaram que Dilma virou Judas em Sábado de Aleluia, querem sair fora e faturar uma neo-oposição para ganhar prestígio entre os que, antes, eles chamavam de “neoliberais”. Os pais desse movimento que se espraia são os dois presidentes do Congresso, tranquilos, apesar de acusados pela Justiça. É a maravilhosa tropa de ratos pulando do navio.

E o “pavilhão dos narcisistas”? Acham que a crise é contra eles. “Sabe o que mais? Não quero saber dessa merda toda, vou me fechar em mim mesmo, curtir a vida, graças a Deus tenho uma graninha para ir a Miami. Poluíram meus sonhos de plenitude; o país estaria salvo se fosse igual a mim...”

Temos, principalmente na academia, o bando dos “hegelianos do barulho”, que proclamam que tudo de ruim que acontece não passa de uma “contradição negativa” que nos levará a uma síntese de harmonia. Todos os crimes são o prenúncio de uma era de vitória do “geist”, do fim da história, da qual eles se acham os agentes. Não sabem que tudo que é real é irracional. São felizes – para eles, a desgraça é a véspera da luz.

Temos também os “saudosos de porrada”, que clamam pela volta da ditadura. Anseiam pelo simplismo verde-oliva, a solução na base do “bota para quebrar, tem mais é que fuzilar essa putada corrupta!”

Comum em motoristas de táxis e milionários indiciados pela Justiça.

Temos os corruptos indignados: “Que país é este?”, sem esquecer os “os enojados e os entediados”. Reclamam: “Ai, que horror, não consigo nem ver essa lama escrota, esse chiqueiro”. Ou: “Ai, que saco; não aguento mais denúncias de corrupção… coisa chata... nem leio mais jornais…”

Outra maravilha psíquica são os pelotões dos meio-intelectuais meio de esquerda, meio-artistas que veem toda a catástrofe em volta, mas continuam crendo nos slogans e delírios dos neo bolivarianos. É a multidão do autoengano, que não muda de opinião, a turma do “mesmo assim”: “Sei que está tudo uma bosta, mas, mesmo assim, continuo crendo na ideologia do lulo-socialismo”. É a fé: “Creio porque é absurdo”.

E temos o perigo da “pizza da sociedade”. Por causa do congestionamento dos escândalos, tantos que parecem uma enchente sem foz, a sociedade pode vir a se acostumar com nosso eterno erro histórico e, congregando os biótipos relatados acima, pode formar a intragável pizza da sociedade. Ou seja, como disse uma vez M. H. Simonsen, se essas neuroses permanecerem, seremos para sempre um país “com anestesia, mas sem cirurgia”.
Arnaldo Jabor

Impopularidade, indignação, rejeição e revolta

Por estratégia de sobrevivência, Getúlio Vargas, quando de sua segunda passagem pelo governo, a partir de janeiro de 1951, havia nomeado um ministério conservador, até reacionário. Para compor-se com as forças que não aceitaram sua volta ao poder, nomeou Horácio Lafer para a Fazenda e Ricardo Jafet para o Banco do Brasil. O primeiro dominava a economia paulista e nacional em nome dos ricos. O outro comandava os bancos privados em seu próprio nome e dos banqueiros. Por coincidência, um confronto entre a sinagoga e a mesquita, mas até que não se estranhavam tanto. Na Agricultura estava João Cleofas, usineiro de Pernambuco, inimigo da reforma agrária. Nas Relações Exteriores, João Neves da Fontoura, mais americanista do que qualquer inquilino da Casa Branca.

Segundo o magnífico livro recém-lançado sobre a vida de Tancredo Neves, do jornalista José Augusto Ribeiro, o então deputado por Minas era com frequência convocado para análises da conjuntura. Não teve receio de escandalizar o presidente dizendo que sua eleição o tinha caracterizado como líder de massas, mas seu ministério privilegiava os tubarões. Surpreso, Vargas reclamou que jamais alguém havia falado assim com ele, mas no fundo, concordou e mais tarde nomeou Tancredo ministro da Justiça.

Por conta das pressões de dentro e de fora, o velho caudilho praticava dois regimes de trabalho. Às tardes recebia os ministros, em escalas semanais que rotineiramente levava todos ao seu gabinete, para despachos. Só que pelas manhãs, em segredo, reunia no palácio do Catete, com gabinete ao lado do seu, uma equipe encarregada de formular grandes projetos nacionalistas e sociais que caracterizariam sua passagem pelo poder.

Romulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Cleantho de Paiva Leite e outros criaram a Petrobras, o Plano Nacional do Carvão, a extensão das leis trabalhistas ao homem do campo, a Reforma Agrária, a Eletrobras e tantas mais propostas imprescindíveis à nossa afirmação . Algumas não saíram do papel, dada a reação nacional e internacional contra nossa independência. Com os setores empenhados em destituí-lo do poder, Getúlio acabou optando por passar da vida para entrar na História como forma de protesto inusitado, sublime e eficaz. Graças a ele fincaram-se as estacas do progresso, muitas já erigidas em seu primeiro governo.

Por que se recordam aqueles idos dramáticos, parte da crônica ainda inconclusa do Brasil? Porque a lição a tirar é de que junto com a acomodação às forças dominadoras das elites, sempre será possível avançar no sentido contrário, em se tratando de governos representativos dos anseios da soberania nacional e da população.

Falta à presidente Dilma, como faltou ao Lula, essa equipe instalada na sombra, capaz de contrabalançar o jogo dos poderosos e conquistar os espaços necessários à plenitude do nosso desenvolvimento econômico e social. Se determinadas medidas favoráveis às elites são inevitáveis à sobrevivência até física dos governos populares, é preciso trabalhar no reverso da medalha, elaborando a verdadeira face do futuro. Coisa esquecida especialmente por Madame. Sem alternativa que não seja o assistencialismo necessário mas inócuo, estamos condenados à recessão e à paralisia como nação, trazendo como resultado a impopularidade, a indignação, a rejeição e a revolta. Porque faltam aos governos do PT iniciativas para contrapor-se ao aumento de impostos, à elevação de taxas e tarifas, ao sacrifício do trabalhador e dos assalariados, à redução de investimentos sociais, ao desemprego e demais maldades urdidas pelos mesmos de sempre.

Se eu fosse petista

Lutaria por uma verdadeira renovação doutrinária, e não por esse arremedo anacrônico constituído pelas “teses” das diferentes tendências partidárias e pela Resolução do partido

Se eu fosse petista, não adotaria uma postura esquizofrênica. De um lado, em seus momentos de responsabilidade, o PT levou a cabo uma prática social-democrata, que se assemelha aos governos social-democratas alemães ou ao trabalhismo inglês. De outro lado, o partido manteve inalterada a sua doutrina socialista, que retoma essencialmente o que era considerado como a concepção socialista/comunista do século XX. Na brecha desta esquizofrenia, foi introduzido o aparelhamento partidário do Estado, como se essa fosse uma espécie de terceira via de sua manutenção “socialista” do poder, da qual o seu fruto mais visível é a corrupção instalada no aparelho estatal. 

Se eu fosse petista, assumiria uma postura social-democrata, abandonando a fraseologia marxista e de conflito de classes. No governo, o PT, com nuances internas nos governos Lula e Dilma, adotou, na prática, uma política de tipo social-democrata, privilegiando programas sociais, dentre os quais o mais visível foi o Bolsa Família. Na mesma esteira, embora com apoio cubano, fez o programa Mais Médicos, visando a fornecer atendimento a populações desatendidas de municípios carentes. O programa Minha Casa, Minha Vida seguiu a mesma orientação, com o objetivo de prover habitação para as mais baixas faixas de renda. Do mesmo modo, fez o programa Minha Casa Melhor, com a finalidade de possibilitar a mobília e eletrodomésticos dessas mesmas moradias. 


Se eu fosse petista, faria o que fez a social-democracia alemã e o trabalhismo inglês. Diga-se de passagem que a direita seguiu o mesmo caminho no caso da democracia cristã na Alemanha e na Itália ou dos governos gaullistas na França. Não é só a esquerda que faz política social! O marxismo e o comunismo não lhe foram, neste sentido, de nenhuma valia, se considerarmos suas medidas sociais, próprias de governos inseridos numa economia capitalista. Ou seja, trata-se de iniciativas que são não só plenamente compatíveis com a economia de mercado, mas somente nesta podem se viabilizar, dada a riqueza proveniente da livre iniciativa e da liberdade de empreender, em relações regradas segundo as normas do Estado Democrático de Direito.

Se eu fosse petista, lutaria por uma verdadeira renovação doutrinária, e não por esse arremedo anacrônico constituído pelas “teses” das diferentes tendências partidárias e pela Resolução do partido. Acontece que o programa partidário está baseado na luta de classes, na tutela estatal, na intervenção da economia, no menosprezo ao lucro, no desrespeito ao direito de propriedade, no desprezo da democracia representativa e sempre colocando como objetivo final a criação de uma “sociedade” socialista no Brasil. Note-se que o PT jamais deixou de prestar solidariedade aos governos comunistas de Chávez, Maduro e dos irmãos Castro. Por mais que esses governos pisoteiem os direitos humanos que o PT diz representar, nenhuma crítica governamental nem partidária é a eles endereçada. Lembre-se que a ditadura cubana vivia das mesadas da União Soviética! Tudo, evidentemente, na visão deles é culpa do “imperialismo”, apesar de o comunismo soviético, em décadas do século XX, ter ocupado mais da metade do planeta. Sucumbiram esses países às suas próprias contradições. Fracassaram simplesmente.

Se eu fosse petista, não endeusaria Lula. Em seus governos, o PT jamais abandonou essas posições doutrinárias. O ex-presidente, por exemplo, teve uma política sistemática de apoio e financiamento de uma organização revolucionária como o MST. Deu sustentação a invasões de propriedades rurais, em um manifesto desrespeito ao direito de propriedade, algo muito próprio da esquerda revolucionária. Sustentou, embora sem sucesso, várias tentativas de controle da imprensa e dos meios de comunicação, por intermédio das Conferências Nacionais. Apoiou iniciativas de Conselhos Populares e Conferências, com o claro intuito de minar as bases da democracia representativa. Apoiou o aparelhamento partidário do Estado, tendo a corrupção do mensalão enquanto símbolo e legado seu. Aliás, foi também em seu governo que foram sentadas as bases do petrolão.

Se eu fosse petista, depuraria o governo Dilma de suas contradições. A presidente Dilma distanciou-se de algumas posições de Lula e do PT, sinalizando para uma renovação. Em seu primeiro mandato, procurou afastar-se da corrupção, tentando uma faxina ética em seu Ministério, não tendo, porém, conseguido sustentar essa posição. No que diz respeito ao MST, relegou essa organização revolucionária a uma posição secundária. Foi, ademais, defensora intransigente da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação, não tendo levado adiante o projeto de “controle social dos meios de comunicação”, deixado por seu antecessor. Por outro lado, no que concerne aos conselhos populares tentou, com um decreto, fazer valer essa proposta revolucionária que solaparia as bases mesmas da democracia representativa. Sua recaída esquerdista foi manifesta. Seguindo, ainda, a mesma orientação de esquerda, seguiu as linhas de um capitalismo de compadrio com intervenção estatal crescente, cujo desfecho estamos hoje vivenciando com PIB negativo, inflação que estourou o teto da meta e juros estratosféricos. Agora, neste seu segundo mandato, volta-se para os ditos “movimentos sociais” que desprezara.

Se eu fosse petista, aceitaria as críticas e faria uma autocrítica. No que diz respeito à corrupção, o partido nega contra todas as evidências a sua participação. Afastou o tesoureiro Vaccari só após ele ter sido preso e ainda assim fazendo a sua defesa. No mensalão, considerou os seus artífices “guerreiros do povo brasileiro”, em uma clara afronta às nossas instituições republicanas. Pior ainda, o PT ataca essas mesmas instituições republicanas, como o Ministério Público, o Judiciário e a Polícia Federal, e a imprensa e os meios de comunicação, que são os pilares de uma sociedade livre.

Denis Lerrer Rosenfield

Esse medíocres!

Nesses homens, imunes da paixão da verdade, supremo ideal a que pensadores e filósofos sacrificaram a sua vida, não cabem impulsos de perfeição. Suas inteligências são como as águas mortas: povoam-se de germes nocivos e acabam apodrecendo. Aquele que não cultiva a sua mente, vai direto no sentido da desagregação da sua personalidade. Não desbastar a própria ignorância, é como perecer em vida. As terras férteis tornam-se más, quando não são cultivadas; os espíritos rotineiros povoam-se de opiniões que os escravizam.
José Ingenieros (1877-1925)

O tratamento errado do erro

Quando for capaz de aceitar que a cada um só cabe o que lhe é devido, talvez a política admita inscrever a justiça no catálogo das virtudes

"O Homem Errado”, de Alfred Hitchcock (1956)
Caros militantes de agora, esqueçam a luta de outrora: eis a conclusão, podem começar a refletir. O partido não tem qualquer responsabilidade nessa situação que envolve a política. A direção tudo decidiu baseada em leis e costumes vigentes. Ponto. Todas as discussões sobre essa questão devem ter em mente o imenso crédito político que desperdiçamos quando decidimos sufocar nossas divergências internas e passamos a prestigiar as grandes operações de paraquedismo político. Mas foi isso que nos permitiu ancorar o partido no aparelho de Estado e a seu soldo empolgar o povo soberano. Saibam: a prática desvirtua a teoria. Ponto.

Só a direção é capaz de compreender a imensa complexidade que apresenta o governo e toda necessidade de azeitar a máquina, abandonar objetivos doutrinários, contratar especialistas em propaganda, mudar orientação. Todos devem estar firmemente convencidos de que não havia outro caminho a ser tomado por quem não pretendesse a derrota. Lealdade é evitar buscar explicação própria e de forma independente.

A admiração pelo ato gratuito que está na origem da nossa formação é uma etapa vencida. O sofrimento e a angústia devem ser partilhados por todos em nome da unidade de ação. É importante que nos dediquemos a enfraquecer argumentos contrários, combater premissas, chegar antecipadamente a resultados favoráveis para aprisionar a discussão no círculo do interesse do país e, assim, abrigar a direção, que tudo decidiu, por trás do partido, que tudo sofreu. Ponto final.

Não é a primeira vez na história da esquerda que a origem e o crescimento da crise de seus partidos estão no tratamento errado do erro. Quem não reconhece o erro não vive a dificuldade moral da sua atitude e se condena a repeti-la. Porque erro não se melhora. Erro deve ser abolido. Especialmente em países como o nosso, onde a democracia ainda não exige dos agentes públicos um piso institucional básico impossível de ser ultrapassado.

Talvez por isso, a honestidade entre nós seja própria da índole pessoal de cada um, uma vez que a igualdade perante a lei não impõe nenhuma exigência ao caráter. Quando for capaz de aceitar que a cada um só cabe o que lhe é devido, talvez a política admita inscrever a justiça no catálogo das virtudes.

Enquanto isso, a corrupção continua essa tecnologia aplicada a uma moral mundana e arrogante: coroa, eu ganho; cara, você perde. Necessita de um meio artificial, um encontro não espontâneo, uma dependência espiritual da mentira. A ficção em que prospera, expulsa o impossível da mente do indivíduo e o faz achar que tudo é possível.

Se oferece como atividade extrativista, em ambiente de valores que não se quantificam. É de gestão arcaica e antieconômica: prefere muita vigilância e pouca transparência. Seu sentimento aflora livre da interdição afetiva, um se divide em dois, dispensa a alma de agir pela vergonha ou pela culpa, impõe descompasso com a estima pública.

Já é hora de a política mudar de perspectiva e aceitar a cultura da culpa, para evitar erros, e a da vergonha, para torná-los intoleráveis.