terça-feira, 15 de março de 2022

Pensamento do Dia

 


A sombra da guerra da Ucrânia no Brasil

Dizem que a guerra estimula mudanças e inovações. No entanto é difícil antecipá-las, num momento em que não se entende bem tudo o que se passa e, muito menos, o rumo que as coisas tomarão num futuro próximo.

A alternativa é começar pelo mais fácil, aquele conjunto de problemas que já nos preocupavam antes da guerra. O preço do combustível é um deles. Já estava nas alturas e subiria mais assim que fosse disparado o primeiro tiro na Ucrânia.

Perdeu-se um tempo enorme para definir medidas que atenuassem o impacto do aumento. E agora, que a guerra eclodiu, elas se tornam mais urgentes e ligeiramente menos eficazes.

Antes da guerra, o combustível fóssil não era questionado apenas pelo preço, mas também por sua insustentabilidade ambiental. A crise abre uma porta para o futuro de carros elétricos, boas ferrovias e hidrovias. Será que embarcamos nessa ou seguimos na janela vendo o mundo mudar?

Outra questão anterior à guerra era a dependência dos fertilizantes russos. Vale a pena escorar-se na boa vontade de um Putin isolado ou desenvolver um projeto de autossuficiência nesse campo?


Enfim, são questões que nem precisavam da guerra para figurar na agenda dos problemas estratégicos do país. Do óbvio, transitamos para uma área mais nebulosa e ambígua, mas que nem por isso deixa de ter uma importância vital para o planejamento.

A própria ideia de guerra talvez tenha de ser reavaliada e, com ela, os conceitos mais clássicos de defesa nacional.

O general Hamilton Mourão, ao condenar a invasão à Ucrânia, disse que o Brasil precisava ficar alerta para que algo parecido não acontecesse na Amazônia.

Compartilho a solidariedade à Ucrânia e acho que temos mesmo de reafirmar nossa condenação a um mundo que se rege pela lei do mais forte.

No entanto a invasão russa mostrou um lado da guerra convencional, ocupação armada de um território estrangeiro. Os próprios americanos parecem exaustos dessa solução, depois de tantas perdas humanas, tanto dinheiro jogado fora.

A guerra de agora mostrou um lado novo porque acontece num mundo tão influenciado pelas redes sociais. Zelensky faz todos os dias seu pronunciamento, e cada bombardeio de uma maternidade é uma explosão que se volta contra os próprios agressores.

Mas isso não é tão novo assim. No entanto a multiplicidade de atores não estatais numa guerra é uma novidade. Thomas Friedman perguntou num artigo seu no New York Times: “Será que o Anonymous aceitará um cessar-fogo negociado pelos Estados?”.

Empresas saem da Rússia, anunciam sanções, não tanto curvadas pelo poder do Estado, mas voltadas para a simpatia da própria clientela.

Depois dessa guerra, o tema do aquecimento voltará à tona com a importância que merece. Apesar da política devastadora na Amazônia, é delírio pensar numa invasão armada, tanques na lama, calor e mosquitos. Isso é arma de quem, como Putin, quer reescrever o passado, não de quem pretende garantir o futuro.

Um grande problema que se coloca para quem ameaça a sobrevivência no planeta é o perigo de um bloqueio econômico, cultural, esportivo e até mesmo uma sucessão de ataques cibernéticos.

Quando isso acontece, às vezes nem o bom senso escapa. Estão cancelando até Dostoiévski, que é um patrimônio da humanidade.

Compreendo que o general, num primeiro momento, tenha temido pela Amazônia, em termos de uma clássica invasão. Mas um amplo exercício estratégico mostra também que seu medo tem de ser virado de cabeça para baixo.

O grande perigo que nos ronda, com essa visão destrutiva da Amazônia, não são tanques atolados num mundo pretérito, mas sim o isolamento que hoje se impõe a quem desdenha a vida humana como Putin e que pode se deslocar para os que, sistematicamente, destroem as condições naturais de nossa sobrevivência no planeta.

São crimes de antibrasileirismo

Todas as propostas que partem de Bolsonaro ou mobilizam o seu empenho têm alguma ordinarice, de seu interesse pessoal, como motivação básica. Nem por isso a conduta por ele imposta à Presidência é o que mais compromete o futuro do Brasil como país —no conceito do mundo e no seu próprio sentimento de país envergonhado.

A aceitação da tragédia nacional pela quase total coletividade dos influentes, civis e militares, é ela mesma uma tragédia maior, por sua propagação incorrigível no futuro.


Tornar legal o garimpo em terras indígenas e a liberação prática do desmatamento são favorecimentos diretos às milícias criminais, que invadem as áreas preservadas, e ao empresariado que toma áreas imensas para plantio de soja ou criação de gado.

A imobilização do Ibama, da Funai e de tantas outras entidades de controle e estudo foi a preparação, iniciada já pela súcia dos dirigentes nomeados, para o que agora o governo e os mercenários da Câmara procuram oficializar.

Entraram na fase culminante do Plano Pró-Milícias, favorecida pelos desvios de atenção e apressada pelo risco de derrota eleitoral.

Bolsonaro e os deputados mercenários sob o domínio de Arthur Lira compõem uma espécie de milícia especializada em política como negócio imoral. Fizeram aprovar a urgência para o projeto da mineração homicida, a meio da semana, em deboche ao protesto de cantores e atores liderado, diante e dentro do Congresso, por Caetano (Caetano Velloso é músico, poeta e escritor, Caetano, só Caetano, é uma bandeira).

Mas, sobretudo, com isso os mercenários advertiram a população: “Não se metam nos nossos negócios, fazemos o que nos dê vantagens”. É isso mesmo.

A propósito, nunca se saberá o quanto custa a liberação, que Arthur Lira empurra na Câmara, para 69 cassinos, 6.000 bingos e 300 bicheiros empresariais.

No governo Figueiredo, o lobista que vinha tentar tal liberação era um general americano, reformado para presidir cassino de Las Vegas. Seu representante permanente aqui era o então deputado Amaral Neto, que organizava expedições remuneradas para cassinos nos EUA e no Uruguai.

O lobista de agora é também frequentador sistemático de Brasília, onde esteve pouco antes de aparecer o atual projeto. Só uma notinha, bem discreta, registrou essa estada profícua.

Assim como a defesa de Bolsonaro para entregar as terras indígenas a milícias e ao contrabando, a defesa dos cassinos e da jogatina é mentirosa. O potássio para suprir a falta do produto russo não está na Amazônia, onde é pouco e de difícil extração. Está em Sergipe, Minas e São Paulo.

O jogo clandestino não acabará, porque seus controladores não têm com que construir cassinos reais. E os impostos não resolverão nada: mesmo nas contas oníricas do relator Felipe Carreras, do PSB de Pernambuco, mal passam de insignificantes R$ 4,5 bi.

No pequeno varejo não é diferente. “Cancún em Angra”, onde Bolsonaro tem casa; fim das multas eletrônicas nas estradas, onde Bolsonaro é recordista na Rio-Angra; fim do imposto de importação de jet-ski enfiado em dispensa, também malandra, para “veículos aéreos sem propulsão a motor”; e por aí vai, a exemplo do gasto de R$ 1,5 milhão por dia no cartão de crédito da Presidência, durante férias em dependência militar.

O empresariado influente, que financia coisas como o MBL fundado pelo marginal Arthur do Val, preocupa-se é com o sério Stedile do MST em possível governo petista; e com hipotética relação de Lula e Maduro, ao qual Joe Biden recorre em um espetáculo de cinismo só igualado por ele mesmo, com sua corrida ao Irã.

São muitas as formas de milícias. Com meios e áreas diversos. Mas convergentes no alvo, na conivência e no ganho.

De Zelensky a Bolsonaro

Presidente Jair Bolsonaro,

As coisas estão difíceis por aqui, mas fui eleito pelo povo para governar para todos os ucranianos por quatro anos e cumprirei meu compromisso na íntegra. Aprendi desde cedo que, nas democracias, os governantes são escolhidos pela maioria, mas, passada a eleição, devem olhar realmente por todos — os “do cercadinho” e aqueles que “atiram tomates no cercadinho”. O senhor me entende, certo? Acredito nisso e pratico isso. É o que tem me fortalecido como líder.

Soube que o senhor tem desaconselhado a população a se vacinar contra a Covid-19 e que o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes pelo vírus — mais de 650 mil. Aqui na Ucrânia, aconselhei pessoalmente a vacinação de todos e todas, pois penso que o exemplo vem do topo. Mas respeito seu ponto de vista. Peço que transmita meus sentimentos às famílias brasileiras enlutadas — nós, ucranianos, sentimos muito as perdas humanas e nos solidarizamos. É o mínimo que se pode fazer diante da tragédia.

Por mais duro que seja, meu lema tem sido a transparência. Límpida, translúcida como uma boa vodca. Cometo erros, como todo ser humano, mas presto contas permanentemente a meu povo do que se passa nas entranhas do poder, assegurando sempre pleno acesso à informação para a sociedade e absoluta liberdade de imprensa.


Nunca havia exercido cargo político. Estou presidente da República, e é minha primeira experiência na vida pública. Assumi compromisso inarredável de lutar contra a corrupção e seu enraizamento no poder. Sou contra a reeleição — tanto no Executivo quanto no Legislativo, pois acho importante o arejamento permanente. Até porque eu jamais aguentaria cinco, seis ou sete mandatos consecutivos no mesmo nível parlamentar. Perdão, o senhor foi deputado sete vezes seguidas: nada contra sua trajetória pessoal, sou apenas contra situações assim.

Soube pela imprensa que o senhor esteve visitando o presidente da Rússia na antevéspera do ataque à Ucrânia. Fiquei sinceramente curioso, imaginando o motivo que poderia tê-lo levado àquele país em momento tão agudo. Fui comediante sim, mas não é piada. Pergunto como estadista. O mundo quer saber.

Soube que apoiadores seus publicaram postagens em redes sociais afirmando que o senhor convenceu o presidente russo a não atacar nosso país e que seria até indicado a receber o Nobel da Paz por isso. Pensei seriamente em pedir os contatos dessas pessoas para recomendá-las ao showbiz da comédia ucraniana.

A Assembleia Geral da ONU aprovou resolução condenando a guerra russa por votação avassaladora. Notei que, apesar de a diplomacia brasileira ter votado contra a agressão, pessoalmente sua posição não tem sido categórica. Continuo em meu país, contrariando o prognóstico de muitos. Sempre na luta. Fica aqui meu convite cordial para uma visita regada a vodca ou tubaína (soube que aprecia). Se quiser vir nesta semana, ficarei feliz. O que Putin e o mundo pensarão a respeito? E daí?”

Volodymyr Zelensky