terça-feira, 15 de março de 2022

De Zelensky a Bolsonaro

Presidente Jair Bolsonaro,

As coisas estão difíceis por aqui, mas fui eleito pelo povo para governar para todos os ucranianos por quatro anos e cumprirei meu compromisso na íntegra. Aprendi desde cedo que, nas democracias, os governantes são escolhidos pela maioria, mas, passada a eleição, devem olhar realmente por todos — os “do cercadinho” e aqueles que “atiram tomates no cercadinho”. O senhor me entende, certo? Acredito nisso e pratico isso. É o que tem me fortalecido como líder.

Soube que o senhor tem desaconselhado a população a se vacinar contra a Covid-19 e que o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes pelo vírus — mais de 650 mil. Aqui na Ucrânia, aconselhei pessoalmente a vacinação de todos e todas, pois penso que o exemplo vem do topo. Mas respeito seu ponto de vista. Peço que transmita meus sentimentos às famílias brasileiras enlutadas — nós, ucranianos, sentimos muito as perdas humanas e nos solidarizamos. É o mínimo que se pode fazer diante da tragédia.

Por mais duro que seja, meu lema tem sido a transparência. Límpida, translúcida como uma boa vodca. Cometo erros, como todo ser humano, mas presto contas permanentemente a meu povo do que se passa nas entranhas do poder, assegurando sempre pleno acesso à informação para a sociedade e absoluta liberdade de imprensa.


Nunca havia exercido cargo político. Estou presidente da República, e é minha primeira experiência na vida pública. Assumi compromisso inarredável de lutar contra a corrupção e seu enraizamento no poder. Sou contra a reeleição — tanto no Executivo quanto no Legislativo, pois acho importante o arejamento permanente. Até porque eu jamais aguentaria cinco, seis ou sete mandatos consecutivos no mesmo nível parlamentar. Perdão, o senhor foi deputado sete vezes seguidas: nada contra sua trajetória pessoal, sou apenas contra situações assim.

Soube pela imprensa que o senhor esteve visitando o presidente da Rússia na antevéspera do ataque à Ucrânia. Fiquei sinceramente curioso, imaginando o motivo que poderia tê-lo levado àquele país em momento tão agudo. Fui comediante sim, mas não é piada. Pergunto como estadista. O mundo quer saber.

Soube que apoiadores seus publicaram postagens em redes sociais afirmando que o senhor convenceu o presidente russo a não atacar nosso país e que seria até indicado a receber o Nobel da Paz por isso. Pensei seriamente em pedir os contatos dessas pessoas para recomendá-las ao showbiz da comédia ucraniana.

A Assembleia Geral da ONU aprovou resolução condenando a guerra russa por votação avassaladora. Notei que, apesar de a diplomacia brasileira ter votado contra a agressão, pessoalmente sua posição não tem sido categórica. Continuo em meu país, contrariando o prognóstico de muitos. Sempre na luta. Fica aqui meu convite cordial para uma visita regada a vodca ou tubaína (soube que aprecia). Se quiser vir nesta semana, ficarei feliz. O que Putin e o mundo pensarão a respeito? E daí?”

Volodymyr Zelensky

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