segunda-feira, 4 de janeiro de 2016


Maratona no escuro

O ano que começa não é dos mais promissores. É um desses em que você diz “feliz ano-novo”, mas reconhece que é apenas uma maneira de dizer: as chances são escassas.

O ano velho terminou com uma vitória do governo no Supremo. Alguns consideram a salvação de Dilma. Se estivesse na UTI e fosse salvo por gente usando frases em latim, desconfiaria. Na penumbra do quarto pode soar como uma extrema-unção. Mais complexo, o impeachment dará tempo a ela para respirar. Resta saber o que fará com essa dose extra de oxigênio.

Ano Velho Rasteira no Ano Novo

A troca de ministros na economia nos confunde. Caiu Joaquim Levy, subiu Nelson Barbosa. O discurso é de continuidade e o mercado parece não confiar nele. Já as forças que defendem Dilma parecem confiar no que diz o novo ministro e lamentam seu discurso. Com a manobra Dilma descontentou, simultaneamente, quem a apoia e quem a rejeita.

Indiferente às opiniões, a realidade marcha no ritmo implacável da lama de Mariana.

Crescem a inflação e o desemprego, estados e municípios começam a dar sinais de quebradeira. Aqui, no Rio de Janeiro, a crise eclodiu na saúde, atingindo os mais pobres num momento de vulnerabilidade, buscando socorro médico nas emergências.

Este é o ano da Olimpíada. O colapso do sistema de saúde o inaugura. A festa foi programada num momento de euforia com o Brasil e com o petróleo. De lá para cá veio a a crise econômica. No caso específico do Rio, vieram o petrolão, com a ruína da Petrobras, e as quedas no preço internacional do petróleo.

Em 2010 tive a oportunidade de mostrar a fragilidade da saúde pública no Rio, visitando hospitais, com ou sem autorização do governo. Incompetência e corrupção se entrelaçavam e os governantes escaparam com as UPAs, algumas replicadas ao longo do país como uma grande saída . Todos sabiam que não eram em si a solução.

No momento em que optaram pela Olimpíada no Rio, os governantes queriam projetar o poder de um Brasil emergente. Havia dinheiro e empreiteiras para tudo. Grande parte desse dinheiro já foi gasta. Impossível reverter o processo. O realmente necessário, no entanto, não foi procurado: a resposta a como tocar a Olimpíada num momento de crise profunda; e como evitar que o estado se desintegrasse, num campo essencial como o da saúde.

Jamais neguei o potencial de uma Olimpíada para o turismo e a economia brasileira. Menos ainda seu papel de projetar um soft power, uma cultura e um estilo de vida do país. Mas um evento dessa magnitude pode revelar exatamente o contrário do que pretendem os políticos. Ele dramatiza a nossa fragilidade. A Baía de Guanabara está sendo projetada pelos atletas que treinam nela como um espaço imundo e perigoso.

Num ano em que os esportes olímpicos se preparam para grandes recordes, nas ruas do Rio vivem-se modalidades mais sinistras: parto na calçada, chacina de adolescentes. O governo do Rio encostou-se no petróleo e na aliança com Dilma. O petróleo caiu, Dilma apenas respira. Foi tudo vivido como se os royalties fossem crescentes e eternos.

Entramos no ano da Olimpíada com uma retaguarda problemática, manchas comprometedoras em nosso traje de gala. E somos os anfitriões.

Esse é um dos nós de 2016. Assim como os outros, já estava rolando no ano velho, mas agora o Rio passa a ser uma agenda internacional. Não apenas o Rio, mas o Brasil.

Não é fácil atrair a atenção do mundo, com esperanças de projetar poder, num estado atingido pela combinação da crise com o escândalo na Petrobras. Como realizar a Olimpíada despojado da visão delirante do passado, respeitando as condições reais, sem humilhar uma população vulnerável, que depende do serviço público de saúde?

A Olimpíada ficou um pouco deslocada, como se ela se desenrolasse num mundo à parte, blindado contra a crise.

De um ponto de vista político, é preciso reconsiderar tudo. A imagem de um país esbanjando progresso ficou no passado. A pergunta que todos farão é esta: como se faz Olimpíada num país em recessão, com milhões de desempregados e emergências, universidades, hospitais de ponta, como um moderno hospital do cérebro, fechados por falta de grana?

Foi um projeto nacional de grupo dominante. Dilma terá de buscar também essa resposta, aproveitando os momentos em que respira.

A qualquer instante pode voltar a asfixia paralisante. E a Olimpíada está aí. O Brasil será o foco de interesse internacional num dos momentos mais difíceis de sua História.

Sempre se começa um ano com festas e promessas. Só depois examinamos os desafios que nos esperam. A Olimpíada é, ao mesmo tempo, uma grande festa e um desafio.

Nadamos pelados na maré alta e quando ela baixa convidamos todos a nos olhar. É uma das operações de risco em 2016.

É o ano que concentrará o maior banco de dados sobre a corrupção no Brasil. Inúmeros depoimentos virão, novas investigações serão feitas, a história secreta do poder vai sendo escrita pela Operação Lava Jato e outras da Polícia Federal.

Nunca as engrenagens e os mecanismos do sistema político ficaram tão claras. O volume de dados, a claridade, tudo isso tem um poder de combustão incalculável, ao longo do ano.

Ano de imprevisíveis eleições municipais. Até que ponto a crise nacional não influirá nelas? Até que ponto a ruína das prefeituras não vai produzir maciças alternâncias? Como o resultado de todo esse enigma influenciará de novo a crise nacional?

Ano de eleição, costuma ser ano de gastança. Um governo que apenas respira, precisa produzir um novo voo de galinha na economia, uma nova ilusão de crescimento. Mas a galinha está alquebrada e precisa de um ano sabático.

O Brasil pode terminar 2016 mais pobre, como preveem os economistas. O consolo é prever que cada vez o país saberá mais, cada vez acumula mais elementos para ousar a mudança.

Nem talismã, nem patuá salvam

Festas e férias de verão. Aproveitar as comemorações natalinas, o fim de um ano e o começo do outro para impor medidas polêmicas não é novidade. Todas as esferas de governo usam e abusam dessa prática. É a época preferida para aumentar impostos e tarifas de serviços públicos. Para aprontar esquisitices e tentar esconder as terceiras intenções de atos encapados como bonzinhos, mas que só pioram o que já está degringolado. O término de 2015 e o início de 2016 não fugiram à regra. Ao contrário.

Brasília foi tomada por uma movimentação frenética, produzindo os habituais absurdos e muitos outros. Alguns, inéditos, como a aprovação pelo Senado do orçamento de 2016 com a previsão de R$ 10,3 bilhões oriundos da CPMF, um imposto que não existe e de aceitação improvável no mesmo Parlamento.

A votação aconteceu no dia 17, um dia antes de o STF anular parte do rito do impeachment, anistiando a presidente Dilma Rousseff, pelo menos temporariamente.


A decisão da Corte turbinou a presidente. No mesmo dia ela assinou a medida provisória 703, que altera a Lei Anticorrupção de 2013, afrouxando regras para permitir que pessoas jurídicas colaborativas fiquem livres de punição. Com uma simples canetada, no fim da tarde daquela sexta-feira, 18, Dilma, alegríssima com o seu alvará Supremo, liberou as empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras. Institucionalizou a corrupção, deu licença para roubar.

Não parou por aí. No dia 30, último dia de expediente bancário, Dilma quitou os R$ 74,2 bilhões das pedaladas que ela inicialmente negava, depois dizia que era prática comum a todos os presidentes e por fim, que fizera para garantir os programas sociais de seu governo. Mentiras e mais mentiras, desmentidas no mesmo dia na entrevista coletiva da equipe econômica, em que foram apresentados os dados oficiais: dois terços das pedaladas foram para cobrir créditos do BNDES e do Banco do Brasil às grandes empresas premiadas, campeãs e amigas.

Ao quitar a dívida, a turma palaciana imaginou ter arrefecido um dos principais argumentos do impeachment. Engana-se. Como bem disse o leitor Carlos de Oliveira Ávila, no jornal O Estado de S. Paulo, “seria o equivalente a um assassino vender a arma do crime durante seu julgamento para enfraquecer as ações contra ele”.

No dia seguinte, Dilma sancionou, com 55 vetos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Alguns deles, como o que mexe com emendas individuais dos parlamentares, devem botar fogo na frágil base da presidente. Outros, como a suspensão da proibição para que o BNDES financie brasileiros nos exterior, a exemplo do que acontece em Cuba e na Venezuela, coloca Dilma na linha de tiro devido às suspeições em torno desse tipo de contrato.

O país ainda comemorava a chegada do novo ano, quando Dilma majorou os impostos das chamadas bebidas quentes – vinho, uísque e cachaça. Para muitos, em especial os produtores vinícolas do Sul, o anúncio, feito no dia 1º, é ressaca duradoura.

O final do ano teve ainda os falsos atos de bondade. A presidente atendeu aos governadores, todos eles de chapéu nas mãos. Mudou o indexador para o pagamento das dívidas, algo aprovado há tempos e que ela insistia em procrastinar.

Ao gesto, Dilma espera retribuição de bilhões: a CPMF, imposto que os governadores até querem, mas não assumem que querem. Além de não terem ascendência sobre as bancadas no Congresso, sabem que os governados não topam pagar um único centavo a mais.

Vítimas em cascata da crise provocada pelos erros do governo Dilma na condução da economia, governadores e prefeitos – em especial esses últimos – não têm motivo para serem parceiros do desastre. A maioria deles – exceto os amigos do Rio - limita-se a tratar bem a presidente. E só.

Enquanto Dilma responde por impostos embutidos, difíceis de serem decupados para o simples mortal, aos governadores e prefeitos cabem os aumentos diretos que impactam o bolso do cidadão. Energia, IPTU, transporte público – as passagens de ônibus e metrô no Rio e em São Paulo aumentam no início deste mês. Osso duro de roer, especialmente em ano eleitoral.

O ano de 2016 será duro. Não pelo que se fez às pressas – em alguns casos, escondido - no fim de dezembro, mas pelo que não tem sido feito há alguns anos.

O ano de 2016 será duro. Não pela crença popular de azar nos anos bissextos, mas por irresponsabilidade acumulada. Não há patuá ou talismã que dê jeito. Para salvá-lo, Dilma deveria saber que o país precisa muito mais do que o olho grego pendurado na sua pulseira.

Monopólio da razão

Não é de hoje que o Partido dos Trabalhadores pegou para si o monopólio da razão, o apoio irrestrito de setores da mídia, da academia e de grande parte da classe artística, mas chegou o momento de considerar falta grave, não prevista nas regras do jogo, a fundação de um novo país alheio à realidade e disposto a ser ordenhado por seus algozes sem reclamar
Mario Vitor Rodrigues 

O Estado Papai Noel

Pagar impostos faz parte da vida do cidadão, o que não pode é se tornar a principal atividade.

Quem trabalha, em 2016, se levantará e se deitará 366 vezes, mas deixará de aproveitar pelo menos 150 dias de seu labor. O fruto de cinco meses inteiros ficará com a abominável máquina do Estado.

Considerando-se o troco para tanto sacrifício, encontrar-se-á apenas uma ofensa ao pudor. Um desrespeito.

No recebimento do seu 13º, em dezembro de 2016 – sempre que a empresa empregadora tenha sobrevivido até lá –, o trabalhador não se lembrará de ter sido espoliado de sua renda de janeiro a maio. Raros serão aqueles que entenderão que sua labuta serviu para pagar supersalários e aposentadorias mirabolantes de uma elite encastelada, enquanto aos barnabés, depois de 35 anos de contribuições, caberá uma miserável mesada para comprar uma cesta de alimentos.

Determina a Constituição que o cidadão contribua para ter acesso à saúde pública e gratuita, a partir disso o governo terá o “dever” de assumir a tarefa. Pura ficção, a distribuição é injusta, e, se não pagar um plano privado de saúde, terá uma fila na calçada. Mais! Vencida a etapa preservando sinais vitais, enfrentará um atendimento considerado entre os mais lastimáveis do planeta. Aí a conclusão: os impostos pagos foram contrabandeados.

Com governantes, parlamentares e seus familiares isentos de enfrentar a saúde pública, crua e lastimável, não há estímulo para encarar o problema com seriedade. E nem se trata de CPMF, um imposto contrabandeado pelos bancos. Pior, imposto regressivo que atinge em cheio e com maior ferocidade as camadas mais pobres da população e deixa de troco a falta de competitividade que se acumula sobre o produto nacional. Quem ganha é o produto chinês.

Se quem trabalha conseguisse ter tempo de compreender como é saqueada a vampiresca carga de 35%, a guilhotina seria instalada na praça dos Três Poderes.

O Estado (patrimonialista) é um conluio de Poderes, legisla em causa própria, julga em favor próprio, determina para si salários que nenhum país rico e civilizado ousaria pagar.

Concede-se ainda uma frota de 48 jatos executivos para carregar ministros e figuras que fazem da sua passagem pelo cargo o trampolim para uma portentosa evolução patrimonial.

A casta patrimonialista se esbalda e se reproduz numa prole que perpetuará o sistema cleptocrático.
Basta prestar atenção nos mensalões e nos petrolões que se terá a cabal necessidade de ter que cobrar tanto em nome de uma democracia de araque. Poderá se entender melhor como a presidência do Poder Legislativo seja dada por uma maioria a figuras indignas do cargo, despudoradamente interessadas no próprio bolso, não no bem da nação.

Assombrei-me ao ouvir, chegando a Belo Horizonte, há 40 anos, numa roda abastada: “Aqui quem trabalha não tem tempo de ganhar dinheiro”. Eu, que vinha de uma escola que ensina não existir riqueza fora da ética e do esforço, tive um choque. Achei gozação.

Ainda que fosse verdade, por mero pudor, não se deveria dar uma apologia da malandragem que constatei ser o axioma do patrimonialismo local. O pensamento iníquo e dominador dos sucessores da mesma elite que, apenas em 1888, se livrou a contragosto da escravidão oficial e mantém o Brasil esfrangalhado.

Dessa forma, entende-se como as melhores inteligências nacionais migram por resistir à ideia de que poderá haver sucesso comandadas pelos iníquos.

O patrimonialismo também interfere constantemente sobre a atividade privada, para subjugá-la a seu interesse por meio de tributação e fiscalização.

A resposta para a falta de um sistema tributário moderno e unificado se deve ao fator dominação exercido pela atividade de cobrador do Estado. Isso dá poder avassalador ao governante de um Estado e da Federação. Tirem de um governador a autonomia de tributar, e ele estará para o seu Estado como a rainha Elizabeth está para a Inglaterra.

O Brasil gigante sofre enlatado na estreiteza de uma republiqueta. Dá voos de galinha, quando o vento o pega na popa. Se vier de lado, capota.

Tiranocracia exercida por malandros. Poucos se salvam, até entre aqueles que mais berravam fora do poder e se revelaram os mais cínicos na hora de meter a mão na cumbuca.

Crise política não tem reflexos numa economia lastreada em princípios corretos e sólidos, nem a possibilidade de uma queda do PIB de 4% num só ano. Isso é coisa de republiqueta. O país que conseguiu se livrar razoavelmente de demagogos e gatunos dispõe de uma economia fundada em méritos. O êxito de uma economia é inversamente proporcional à extensão da corrupção.

Paga-se um alto preço pela falta de marcos regulatórios, de previsibilidade jurídica, de respeito aos empreendimentos. Aqui imperam o patrimonialismo e a gatunagem. Em época em que o mundo clama pelas energias limpas, investe-se apenas no petróleo.

Sem qualquer risco de falência, o Estado leonino exige 35% de tributo de tudo para si. Apenas se tiver um resto, o empreendedor, depois de pagar o 13o, terá direito a se conceder um lucro pífio, ainda depurado de 40% a título de imposto sobre renda. Os maiores lucros são sempre dos banqueiros, seguidos pelos empreiteiros de obras públicas. Imagine se Alemanha, Japão, EUA e China tivessem que se sustentar nessas duas colunas que andam a reboque do sistema.
Razão para a fragilidade está nisso. Uma pirâmide ordenada de cabeça para baixo.

A empresa competitiva não é realimentada pelos próprios lucros, assim como o cidadão espoliado, que sempre necessita de financiamento com taxas extorsivas. Manter a carga tributária escandalosa e a economia dependente de agiotagem oficializada atrofia a capacidade de desenvolvimento.

O Brasil tem dezenas de milhões de excluídos que precisam de progresso, não de esmolas. Atende-se, entretanto, os banqueiros e os empreiteiros para manter o jogo restrito a quem financia as vitórias eleitorais. Com eles, o poder se entende, se ajusta para espoliar os inocentes.

Aos banqueiros são concedidos os juros mais altos do planeta e a cobrança de 400% ao ano sobre empréstimos pessoais. Na caradura. Aos empreiteiros é dado o superfaturamento imoral de obras públicas. O Estado brasileiro, mesmo alertado pelo TCU, não consegue enxergar o superfaturamento medonho e continua tocando.

No Brasil se inflam e se inventam jazidas de petróleo, criam-se historinhas para acabar com a seca no Nordeste, rouba-se, assim, até a esperança do povo que, como uma criança, acreditou em partidos políticos e Papai Noel.

Feliz ano novo

Não há sinais de otimismo no horizonte do ano que se inicia. Os números da economia continuam implacáveis e a opção do governo pela fórmula que levou o país à ruína, a tal nova matriz econômica, personificada na figura do novo ministro da Fazenda, Nélson Barbosa, aumentou o pessimismo do mercado.

Joaquim Levy, que representava a lógica da aritmética elementar, segundo a qual dois mais dois são quatro, confrontou-se com a lógica petista, que despreza tais detalhes.

Mais: embora domine a lógica dos números, Levy ignora a da política, que o devorou. Sua saída representou o fim da expectativa do mercado de recuperação da economia por meio do atual governo.
Não bastasse, a Lava Jato, com sua interminável cartola de coelhos infratores, continua a todo vapor. As novas delações e investigações aproximam-se cada vez mais de Lula e Dilma. Sabe-se, por exemplo, que a Andrade Gutierrez doou R$ 100 milhões dos pixulecos da Petrobras à campanha de Dilma de 2014.

Lula, por sua vez, está, entre muitos outros, com um novo problemão – um triproblemão, como diriam os gaúchos: o tríplex em Guarujá, em nome de sua mulher, dona Marisa, sob suspeita de lhe ter sido brindado, além de reformado, pela empreiteira OAS.

Não é pouco. Além dos problemas em que pessoalmente se envolveu, Lula vê-se diante de situação no mínimo constrangedora: diversos de seus mais íntimos amigos presos, entre os quais o caixa-preta José Carlos Bumlai, os filhos investigados e agora a esposa tendo que prestar esclarecimentos imobiliários.

O governo manobra na esfera parlamentar e, com a ajuda bolivariana do STF, conseguiu zerar o processo, mas não eliminá-lo. Nessa área, as ruas ditarão o comportamento futuro dos parlamentares. Se houver pressão popular, não há liberação de verba que sustente o voto governista da maioria.

Napoleão dizia que a um soldado pode-se pedir tudo, menos que se sente sobre a baioneta. A um político, também: pode-se pedir tudo, menos que se suicide eleitoralmente – sua baioneta é a urna. E, em outubro, haverá eleições municipais.

Ainda que aí triunfe no campo parlamentar, o governo não tem controle sobre a esfera policial. Sabe-se que o ministro da Justiça, Eduardo Cardoso, cuja cabeça, a pedido de Lula, já esteve a prêmio (o que é uma injustiça a quem tanto preza a disciplina partidária), faz a sua parte, cortando verbas da Polícia Federal. Mas o que já está apurado na Lava Jato é suficiente para manter a tensão política e levar muitos graúdos ao juiz Sérgio Moro, Curitiba.

Não se sabe como tudo isso se desdobrará. A situação é aquela que forjou a velha máxima: quem disser que sabe o que vai acontecer está no mínimo mal informado. Ou seja, tudo pode acontecer – menos nada (numa paródia da máxima original, que diz “tudo, inclusive nada”).

Não há espaço para o nada, inclusive porque muita coisa já aconteceu. A Lava Jato impediu que o PT impusesse seu projeto hegemônico de poder. Impediu, por exemplo, que conferisse aos “movimentos sociais” status de agente estatal, com voto em decisões governamentais e acima do Congresso.

A Lava Jato também liquidou a popularidade do PT e do mito Lula. As pesquisas indicam que, pelo menos no curto e no médio prazos (no longo, todos estaremos mortos), ambos estão feridos de morte. Lula hoje já não circula em público – e, quando o faz, recolhe vaias – e fala apenas a plateias amestradas.

Não é pouco. Quem imaginava, há dois anos, o líder máximo do PT, que seus seguidores imaginavam recebendo o prêmio Nobel ou à frente da ONU, depondo seguidamente em delegacias da PF, com a família o coadjuvando? Pois é: tudo em 2015, numa sucessão vertiginosa de acontecimentos irrevogáveis. Não se desfrita um ovo – e Lula e PT estão submetidos a esta lei implacável da natureza.

O que será de 2016? Será uma queda de braço entre esses fatores estabelecidos em 2015 e o empenho do governo de neutralizá-los – a tentativa de desfritar o ovo.

A índole maquiavélica pode colher resultados na esfera parlamentar, mas, mesmo aí, dependerá de fatores que não controla: os efeitos da catástrofe econômica e do strip-tease moral sobre o ânimo de uma população massacrada por péssimos serviços públicos, carga de impostos avassaladora e índice crescente de desemprego.

A aeronave do ano novo já está em curso com a velha, velhíssima, carga de problemas. O mapa de bordo nem o piloto conhece. Para não abdicar do otimismo, e na falta do que dizer, repita-se o velho mantra: feliz ano novo!

O que é realmente culpa do El Niño?

Enchentes históricas no norte da Inglaterra, inundações na América do Sul. Quantidade recorde de tornados nos Estados Unidos, e pessoas morrendo de fome na Etiópia devido à seca. Nos Alpes suíços, montanhas cobertas de verde, e o dezembro mais quente em 150 anos (quando começaram as medições). No Polo Norte, um inverno 30 graus mais quente que a média, com temperaturas, durante o dia, quase tão altas quanto no sul da Califórnia durante a noite.

A cada notícia que chega, a impressão é de que o tempo está enlouquecendo. E os dedos logo apontam para o fenômeno "El Niño" como responsável. Em muitos casos, no entanto, ele está sendo apenas um bode expiatório.


O "El Niño" é uma anomalia climática do Pacífico Sul: em intervalos regulares, as variações normais do tempo sofrem alterações. O fenômeno ocorre entre a costa oeste da América Latina e o Sudeste Asiático, mas seus efeitos podem ser sentidos em todo o mundo. Várias vezes, ele levou a desastres naturais.

Normalmente, águas quentes superficiais fluem, a partir da América Latina, em direção ao oriente. Enquanto águas geladas viajam no sentido contrário, nas profundezas do oceano. Nos anos em que o "El Niño" foi registrado, essas correntes ficaram mais fracas e, algumas vezes, chegaram a mudar de direção.

O fenômeno fez também com que a temperatura da água superficial da costa da Austrália e da Indonésia ficasse vários graus mais baixa, enquanto na América Latina ela aumentou. A última vez que o "El Niño" ocorreu foi entre 2009 e 2010. Ele costuma durar cerca de um ano.

O pesquisador Jerome Lecou, especialista em clima do serviço meteorológico francês Meteo France, estima que este ano pode estar testemunhando o "El Niño" mais forte do último século.

A maioria dos especialistas concorda: as enchentes na Argentina e no Paraguai, por exemplo, são ligadas ao "El Niño". "Sabemos que, durante o fenômeno, o período de chuvas é muito mais pesado do que o normal na América do Sul", diz Andreas Friedrich, do serviço meteorológico alemão DWD.

Da mesma forma, incêndios florestais, smog e seca em países como Indonésia e Austrália podem seguramente ser conectados ao "El Niño". O fenômeno também tem seu papel na maior seca em décadas na Etiópia: quando a chuva cai demais num lugar, explica Friedrich, ela está deixando de cair em outro.

O "El Niño" contribuiu também para outro recorde: 2015 foi, segundo vários institutos, o ano mais quente desde o início das medições climáticas. Mas é até aí, segundo o especialista alemão, que a participação do fenômeno se limita.

Anomalias de um padrão de larga escala

Com frequência, as condições climáticas extremas no sul dos EUA são mencionadas como um efeito do "El Niño". Mas isso não se justifica, afirma Friedrich:

"Os tornados nos EUA, as enchentes na Inglaterra e as temperaturas amenas em partes da Europa não tem uma conexão substancial com o 'El Niño'. Essas são aberrações de um padrão climático de larga escala no Hemisfério Norte. E isso levou a alguns episódios de eventos climáticos extremos."

A razão para esses eventos seria uma mudança na rota das chamadas correntes de jato – corredores de vento que viajam ao redor do planeta numa altitude, a grosso modo, comparável às de cruzeiro de um voo transatlâncio, a partir de 10 mil metros.

Essas correntes de jato enfrentam uma série de desvios, explica Friedrich. Como consequência, o ar quente das Canárias, por exemplo, está viajando em direção ao norte, para o Ártico, onde ela raramente aparece. Isso fez com que áreas de baixa pressão atingissem repetidamente a Inglaterra – e despejassem grande quantidade de água por lá.

"Isso é parte do caótico sistema da atmosfera. Nós não sabemos por que padrões climáticos de larga escala continuam se repetindo. Nós não temos explicação, mas isso não quer dizer que podemos culpar o 'El Niño'", afirma Friedrich.

O especialista francês Jean Jouzel, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), evita culpar as mudanças climáticas pelo que está ocorrendo no planeta neste fim de 2015 e início de 2016. Segundo ele, isso pode ser parte de um ciclo natural. Andreas Friedrich é da mesma opinião:

"É bastante simples colocar tudo no mesmo pote. Mas o que estamos vivenciando aqui na Alemanha e no norte da Europa, por exemplo, não tem nada a ver com o 'El Niño'. E também não é uma catástrofe climática, mas uma anormalidade em grande escala. Elas são sempre caóticas e não podem ser previstas. Caso contrário, nós já saberíamos no meio do ano como será o tempo no Natal."

Tempo, tempo, tempo, tempo

O tempo é um dos mais difíceis problemas da Humanidade. Dele Santo Agostinho dizia que, se não perguntassem, ele sabia o que era; se tivesse de explicar, não sabia mais. Na outra ponta, Einstein afirmou e fez as contas de que o tempo não existe. Para um número de humanos que se conta em vários bilhões, o tempo é uma criatura: Deus fez o mundo e com ele o tempo: houve uma tarde, e houve uma manhã, e foi o primeiro dia. O tempo fresquinho brilhando no sol. Mas também dizemos: não temos mais tempo; o tempo acabou. E, pior, estonteante: estou aqui matando tempo.

Esse problema nos pega forte. Para conjurá-lo, inventamos o relógio. Demos uma fina precisão ao fluxo temporal. Basta manter a pilha em dia. Ou nem isso. O pulso de um átomo bate um segundo eternamente perfeito. Cortamos o tempo ao mínimo. Dominamos o tempo. Dizem. Há controvérsia...

A métrica do tempo é uma antiga obsessão nossa — ou o tempo nos liquida. Cronos, o titã, comia seus filhos, conta-nos a antiquíssima mitologia grega. Com a ajuda da mãe, Zeus sobreviveu, matou o pai e inaugurou a dinastia dos deuses. Cronos é o nome que damos a uma das nossas mais caras intuições do tempo, a cronológica. Zeus matou o tempo. Talvez daí venha aquela expressão, matar o tempo. Matar quem nos matará. O pêndulo é contra nós. A passagem do tempo se associa à morte.

Muito antigamente não foi assim. As mais velhas intuições do tempo de que os gregos dispuseram não apontavam para os relógios, clepsidras, ampulhetas, medidas da sombra. Falavam da vida, não da morte. Tiveram nomes diferentes desse, “tempo”, que usamos obsessivamente, medrosamente. Chamaram-se Aiôn, o acaso, o que irrompe do inesperado, e é extraordinário. Também Kairós, a oportunidade, o tempo certo, meio acaso-meio decisão. Ou Cronos, a duração: longa, de doença; curta, de coluna de jornal; de ambas dizemos que são crônicas. Ethos, também. Na raiz da palavra “ética” pulsa um sentido arcaico do tempo: a demora no lugar próprio, a habitação que tem valor. Os gregos sabiam ainda que o tempo não é contínuo como uma régua e seus centímetros. Passado que causa presente, que causa futuro. Nada disso. Passado-presente-futuro enovelavam-se, “tudo ao mesmo tempo agora”. Depois vieram as especializações: para o passado, os poetas; para o presente, os legisladores; os adivinhos para o futuro. Desfibrou-se o tempo. Desfibraram-se pelo menos os poetas. Quando é um relógio que estabelece a tábua de direitos e deveres da poesia...

Acabamos com tudo isso. Com o acaso, porque assusta, é disruptivo, não permite contar. E não dá conta das durações eternas. Com a oportunidade porque é oportunista: ora ocorre, ora não, e ficamos pendurados numa espera e numa expectativa que não dominamos. Com a duração porque, se são as coisas que determinam seu tempo de ser, ficamos inertes diante de um passar que nos escapa. Com o ethos, o tempo da nossa duração humana no espaço-mundo, porque é um valor essencial, não numérico, não se presta ao cálculo. Foi nossa vontade de poder que dissolveu as antigas e generosas intuições do que, em falta de nomes mais variados, chamamos “tempo”. Vontade de poder, necessidade de redução a uma unidade controlável, que nos desse conforto diante do galope do tempo para o seu fim. Fim dos tempos, Julgamento final. Fim da História. Fim do mundo. Nosso fim. Tudo é ameaçador, se deixarmos o tempo germinar a sua passagem. Medir minuciosamente a passagem do tempo talvez nos permita quebrar, jogar fora, o último relógio antes da última hora.

Inventamos métricas. Nos mosteiros medievais a noite se dividia em momentos de oração, e esses momentos eram regidos por uma vela. Queimada um terço, oração; no segundo terço, oração; no fim da vela, oração. Laudes, Matinas, Prima: era a vela quem mandava na expressão da fé. E os relógios de sol. Os de água. Os de areia. E os mecânicos, eletrônicos, virtuais. Hoje, finalmente, não é o mundo que acerta as horas pelo Big Ben de Londres, é ele que se acerta pelo pulsar de um átomo. Conseguimos que a própria natureza dê a medida para conjurarmos o medo do tempo.

Tudo isso vem a propósito do Ano Novo. Nosso planeta fez uma translação completa em torno da sua estrela. Levou 365 dias. Outro ciclo, igual, começou no primeiro segundo de ontem. Isso é um fenômeno astronômico. Mas é, para nós, sobretudo um kairós. O momento oportuno. A possibilidade de fazer diferente desta vez. Uma nova chance. É para isso que fazemos propósitos de ano novo. Em geral são coisas boas. E se desta vez, pressionados por tantas medidas de um tempo que vai ficando curto, fizéssemos o propósito de cumprir os propósitos que fazemos? Não parece nada muito glorioso. Tratar melhor os pais velhinhos. Jogar papel nas lixeiras públicas. Voltar à aula de oboé. Nada demais. Mas pode salvar o mundo.

Marcio Tavares D’Amaral

A necessidade de algum alento

Na hipótese de a comissão especial ou o plenário da Câmara rejeitarem o pedido de impeachment da presidente Dilma, é provável que Madame inaugure senão um novo governo, ao menos uma outra fase de sua administração. A necessidade, primeiro, será de reordenar os partidos capazes de integrar essa nova etapa. Mesmo reduzidos, precisam estar dispostos a aderir a um programa de ação comum destinado a enfrentar os obstáculos à retomada do crescimento econômico. Pelo jeito, é nisso que trabalha o ministro Nelson Barbosa.

A primeira iniciativa seria combater o desemprego através do incentivo às obras do PAC. Do desvio das águas do rio São Francisco, hoje quase paralisado, ao incentivo à implantação de rodovias e ferrovias, faltam recursos, mas sobra potencial. As empreiteiras andam ociosas, ainda que agora vacinadas contra a corrupção e ávidas de estímulos oficiais. Não se negariam ao recrutamento de mão de obra, porque os planos já existem. Como dinheiro para financiamento, sempre será possível encontrá-lo nos estabelecimentos oficiais de crédito e nas empresas privadas.

A partir de obras públicas chega-se à ampliação do mercado de trabalho e da circulação da riqueza. Quem sabe até à redução de encargos fiscais. Pelo menos à sua interrupção.

Falta vontade política ao governo, como confiança aos meios privados, mas se for verdadeira a disposição do ministro da Fazenda, quem sabe? Do que precisamos é de estímulos. Para começar, é claro, torna-se necessário afastar a sombra da crise política inserida no impeachment. Coisa que depende da iniciativa da presidente Dilma, da união dos partidos da base em torno de um programa de ação parlamentar e de um pouco de otimismo. Essas considerações, escritas no primeiro dia de um ano novo, até que poderiam trazer algum alento, depois de um ano velho pleno de horrores. Será?