segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O que é realmente culpa do El Niño?

Enchentes históricas no norte da Inglaterra, inundações na América do Sul. Quantidade recorde de tornados nos Estados Unidos, e pessoas morrendo de fome na Etiópia devido à seca. Nos Alpes suíços, montanhas cobertas de verde, e o dezembro mais quente em 150 anos (quando começaram as medições). No Polo Norte, um inverno 30 graus mais quente que a média, com temperaturas, durante o dia, quase tão altas quanto no sul da Califórnia durante a noite.

A cada notícia que chega, a impressão é de que o tempo está enlouquecendo. E os dedos logo apontam para o fenômeno "El Niño" como responsável. Em muitos casos, no entanto, ele está sendo apenas um bode expiatório.


O "El Niño" é uma anomalia climática do Pacífico Sul: em intervalos regulares, as variações normais do tempo sofrem alterações. O fenômeno ocorre entre a costa oeste da América Latina e o Sudeste Asiático, mas seus efeitos podem ser sentidos em todo o mundo. Várias vezes, ele levou a desastres naturais.

Normalmente, águas quentes superficiais fluem, a partir da América Latina, em direção ao oriente. Enquanto águas geladas viajam no sentido contrário, nas profundezas do oceano. Nos anos em que o "El Niño" foi registrado, essas correntes ficaram mais fracas e, algumas vezes, chegaram a mudar de direção.

O fenômeno fez também com que a temperatura da água superficial da costa da Austrália e da Indonésia ficasse vários graus mais baixa, enquanto na América Latina ela aumentou. A última vez que o "El Niño" ocorreu foi entre 2009 e 2010. Ele costuma durar cerca de um ano.

O pesquisador Jerome Lecou, especialista em clima do serviço meteorológico francês Meteo France, estima que este ano pode estar testemunhando o "El Niño" mais forte do último século.

A maioria dos especialistas concorda: as enchentes na Argentina e no Paraguai, por exemplo, são ligadas ao "El Niño". "Sabemos que, durante o fenômeno, o período de chuvas é muito mais pesado do que o normal na América do Sul", diz Andreas Friedrich, do serviço meteorológico alemão DWD.

Da mesma forma, incêndios florestais, smog e seca em países como Indonésia e Austrália podem seguramente ser conectados ao "El Niño". O fenômeno também tem seu papel na maior seca em décadas na Etiópia: quando a chuva cai demais num lugar, explica Friedrich, ela está deixando de cair em outro.

O "El Niño" contribuiu também para outro recorde: 2015 foi, segundo vários institutos, o ano mais quente desde o início das medições climáticas. Mas é até aí, segundo o especialista alemão, que a participação do fenômeno se limita.

Anomalias de um padrão de larga escala

Com frequência, as condições climáticas extremas no sul dos EUA são mencionadas como um efeito do "El Niño". Mas isso não se justifica, afirma Friedrich:

"Os tornados nos EUA, as enchentes na Inglaterra e as temperaturas amenas em partes da Europa não tem uma conexão substancial com o 'El Niño'. Essas são aberrações de um padrão climático de larga escala no Hemisfério Norte. E isso levou a alguns episódios de eventos climáticos extremos."

A razão para esses eventos seria uma mudança na rota das chamadas correntes de jato – corredores de vento que viajam ao redor do planeta numa altitude, a grosso modo, comparável às de cruzeiro de um voo transatlâncio, a partir de 10 mil metros.

Essas correntes de jato enfrentam uma série de desvios, explica Friedrich. Como consequência, o ar quente das Canárias, por exemplo, está viajando em direção ao norte, para o Ártico, onde ela raramente aparece. Isso fez com que áreas de baixa pressão atingissem repetidamente a Inglaterra – e despejassem grande quantidade de água por lá.

"Isso é parte do caótico sistema da atmosfera. Nós não sabemos por que padrões climáticos de larga escala continuam se repetindo. Nós não temos explicação, mas isso não quer dizer que podemos culpar o 'El Niño'", afirma Friedrich.

O especialista francês Jean Jouzel, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), evita culpar as mudanças climáticas pelo que está ocorrendo no planeta neste fim de 2015 e início de 2016. Segundo ele, isso pode ser parte de um ciclo natural. Andreas Friedrich é da mesma opinião:

"É bastante simples colocar tudo no mesmo pote. Mas o que estamos vivenciando aqui na Alemanha e no norte da Europa, por exemplo, não tem nada a ver com o 'El Niño'. E também não é uma catástrofe climática, mas uma anormalidade em grande escala. Elas são sempre caóticas e não podem ser previstas. Caso contrário, nós já saberíamos no meio do ano como será o tempo no Natal."

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