sábado, 5 de setembro de 2015
Catarse: a hora da verdade
Se há uma palavra que resume o que o Brasil precisa nesta hora é catarse, um termo de origem grega que significa purificação do espírito conturbado por via da liberação da verdade assumida. Catarse não é uma palavra do vocabulário popular, mas o sentido não é alheio aos nossos sentimentos, porque a palavra grega é também a raiz do nome feminino Catarina, que significa pura. Neste caso, catarse é uma experiência coletiva pela qual ocorre a expulsão de um mal social. Para Aristóteles era o momento culminante de um drama quando o público sentia a liberação com a resolução das tensões. Faz nove meses que o Brasil vive afligido por uma crise política e econômica que se aprofunda dia a dia porque não é enfrentada como uma crise moral. Por isso aparecem vozes por todos os lados que respondem a uma diversidade de males, desde a recessão econômica, a contração dos investimentos, o endividamento público progressivo, até a megacorrupção que tem invadido a esfera pública como nunca visto antes. Sem uma experiência unificadora nacional de catarse, com sinceridade, não haverá solução para a crise política e econômica.
Como conseguir que o Brasil viva a catarse? Já estão em andamento iniciativas que podem produzir os efeitos de uma purificação dos costumes, começando pelas práticas políticas, raiz da crise moral. Uma é o projeto deflagrado pelo Ministério Publico Federal que investiga, junto com o juiz Sergio Moro, a Operação Lava Jato, propondo 10 medidas legislativas em que se aumentem as penalidades por crimes de corrupção e se agilizem os procedimentos judiciais para que os processos não se eternizem e acabem na impunidade. Outra, de caráter mais da ética na vida pública, foi a proclamação pelo Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de que o combate à corrupção tem que ser uma cruzada com apoio do cidadão militante para que se mude esta forma corrupta de se fazer política no Brasil. Esta em jogo a legitimidade da democracia como forma de governo no Brasil. O projeto do MPF, encaminhado em julho para o Congresso Nacional, como iniciativa popular de lei, necessita de 1,5 milhão de assinaturas. Se apoiado, será um teste se o Congresso, profundamente dividido e conflitivo, é capaz de contribuir para a hora da verdade. A convocação da CNBB procura mobilizar a sociedade para pressionar o Governo Federal e o Congresso para que não procurem evitar as consequências judiciais da Lava Jato. Estas, estão avançando, com muitos senadores e deputados acusados de receberem propinas ilegais financiadas pelos agora famosos “pixulecos”, oriundas de dinheiro desviado da Petrobras e outros dinheiros públicos durante os últimos Governos comandados pelo Partido de Trabalhadores (PT).
Sendo assim, para os que dizem que a corrupção é o lubrificante da política no Brasil (rouba mas faz) ou que muitos pobres se beneficiaram com programas sociais que reduziram desigualdades, faço minhas as palavras de Marcos Lisboa, economista, proferidas num debate com Mansueto Almeida e Samuel Pessoa, outros grandes conhecedores das finanças públicas. Depois de concordar com a gravidade da crise, Lisboa falou sobre a verdadeira necessidade para se ganhar a credibilidade para as soluções. Disse ele:
“Nós temos que rediscutir o Estado brasileiro. A gente fala muito de Previdência, de saúde, educação. Mas tem concessão de benefícios para todo lado no Brasil. Todo mundo tem um pedaço do que a gente costuma chamar de 'meia entrada'. Todo mundo. Está espalhado. A gente saiu concedendo benefícios de forma disseminada pela sociedade. Bom, acabou. Acabou o dinheiro. Se queremos crescer com qualidade, temos que resgatar uma agenda diferente. Uma agenda de tratar os iguais como iguais, que não tem privilégios. Uma agenda que seja de fato para proteger os mais frágeis. Não proteger os mais ricos."
E eu concluo: que agenda é essa? Depende de um acordo nacional produto de um grande diálogo que supere os impasses políticos, ideológicos e pessoais que agora bloqueiam ações necessárias para corrigir erros e condutas públicas insustentáveis. Se o Brasil não conseguir dar a volta por cima, estará a caminho de repetir o fracasso nacional, como está ocorrendo com os vizinhos Argentina e Venezuela.
A caminho do confronto
O país caminha para o confronto.
Ao fim de oito meses procurando alternativas em vão até Dilma Rousseff já sabe que não ha como o Brasil voltar ao mundo dos vivos sem reduzir drasticamente o tamanho do estado ou, ao menos, dar provas da decisão de ir nessa direção. Mas como o negócio do PT não é o Brasil, é o PT, ela acaba de fazer exatamente o contrário.
Como se pôde ver nas últimas “manifestações”, o partido está reduzido ao contingente dos funcionários que colonizam a máquina pública e às proto-milícias que, em recente demonstração de força dentro do palácio presidencial, avisaram que estão prontos a usá-la para nos arrancar o que for necessário para permanecer onde estão. É emblemática, portanto, a atitude dessa senhora de se aferrar tanto mais ao cargo quanto mais claro fica que a crise é exatamente essa insistência insana. Ao assumir a decisão de, com o país desmoronando, fritar Joaquim Levy para insistir no beco sem saída de uma equação confessadamente insustentavel, o PT está sinalizando que desistiu da via política; vai partir para a outra.
O Congresso Nacional também está ciente, de cabo a rabo, de que não ha alternativa para a cirurgia de emergência do estado que não implique a morte da galinha dos ovos de ouro. Mas recusa-se a pegar a bola que a Presidência lhe passou. É uma atitude temerária. Devolvê-la sob a forma de uma imposição da Casa que desse ao governo o álibi para algum tipo de ação menos inescapavelmente suicida pode ser a última chance do Brasil evitar o pior.
Enquanto for preciso eleger-se é a narrativa, e não as verdades que não aparecem na televisão, que pauta o comportamento dos políticos. As velhas raposas do Congresso – de situação e oposição – não perderam o faro. Na mesma velocidade em que a percepção da profundidade do buraco foi mudando o humor da platéia, passaram do alinhamento explícito com a minoria privilegiada que ajudaram a constituir para apenas uma resistência surda à afirmação da única alternativa para deter a crise. Já entenderam o que, mais cedo ou mais tarde, terá de ser feito, mas precisam se sentir respaldados para fazê-lo agora.
Enquanto o país continuar contando como certo e pacífico que “rigidez orçamentaria” é um dado inalteravel da natureza e, portanto, o seu é o único bolso estuprável da praça, isso não será possível. Já que, como sempre nesses casos, é com empregos e desgraças familiares que essa conta vai ser paga, a imprensa poderia oferecer a contribuição decisiva para dar ao processo a direção e a velocidade que a urgência da situação requer se apeasse da insana “neutralidade” com que passa adiante falsificações e mentiras patentes toda vez que alguém acha conveniente apresentar mais uma a uma redação e fizesse um esforço concentrado para informar à nação com a clássica ferramenta da reportagem quem ganha quanto para produzir o quê dentro e fora do universo estatal; que direitos e deveres têm os pais de família contribuintes e “contribuídos” e como isso afeta a vida de seus filhos; onde está localizada a gordura que resta no país; quais os custos e benefícios para a coletividade de cada alternativa sugerida ou sonegada em função de interesses escusos.
Isso poderia desbloquear o caminho para deter o incêndio criminoso que ameaça a segurança nacional.
Já para livrar o Brasil da sua miséria crônica, seria necessário encarar “a verdade inteira”, como agora diz querer o PMDB. É do Manifesto Republicano de 1870 esta síntese do expediente com que a monarquia ameaçada pela revolução democrática de 1831, saiu-se pelo sistema corporativista em que estamos enredados até hoje:
“O despotismo colonial procurou desde logo surpreender em uma emboscada política a revolução que surgia no horizonte da opinião (…) Disfarçar a forma, mantendo a realidade do sistema que se procurava abolir, tal foi o intuito da monarquia (…) A liberdade aparente e o despotismo real (…) são as características da nossa organização constitucional”.
Não foi diferente a transição do regime militar, sustentado pelas mesmas pessoas que hoje guardam as costas do PT, para a “Nova República”. Ha o direito de voto e, para além dele, nada. Mas eleger para a inimputabilidade sem ter o poder de deseleger é distribuir cheques em branco e induzir os fiéis depositários ao estelionato.
A Constituição de 1988 não é “moderna” nem, muito menos, “cidadã”, é o diploma oficial da negação da democracia no Brasil. Tem, por enquanto, 250 artigos, incontáveis milhares de parágrafos, 84 emendas “ordinárias” e 6 emendas “de revisão”, quase todas versando sobre as exceções à “igualdade perante a lei” que define esse regime, que criam uma sociedade de castas com múltiplas gradações na camada minoritária dos brasileiros “especiais” no topo da qual imperam, intocáveis, os detentores do poder de outorgar privilégios aos demais, e uma massa de sub-cidadãos, quase súditos, por baixo, cuja única função é sustentá-la. O poder dos demiurgos do topo do “Sistema” é, como o dos imperadores, quase divino. Basta ser tocado por um deles e o bem-aventurado é alçado deste vale de lágrimas e para sempre indultado das consequências do “pecado original”. Fica, pelo resto da vida, dispensado de fazer o mesmo esforço e correr os mesmos riscos exigidos de todos nós na luta cotidiana pelo prato de comida de amanhã.
Não existe meio de evitar que tudo apodreça, mantido esse ponto de partida.
Ao sacramentar o “direito” de uma casta com empregos eternos de determinar o próprio salário, progredir na carreira sem mostrar desempenho, ter aumento de salário independente de performance, não pagar os mesmos impostos cobrados aos demais, contribuir menos e receber mais na aposentadoria, não se submeter aos mesmos tribunais que nos julgam, a “Constituição dos Miseráveis” traveste o “confisco” em “conquista” ao mesmo tempo em que garante aos que fabricam crises abusando dessa prerrogativa medieval permanecer isentos dos efeitos delas.
É este o moto continuo da desgraça nacional.
Ao fim de oito meses procurando alternativas em vão até Dilma Rousseff já sabe que não ha como o Brasil voltar ao mundo dos vivos sem reduzir drasticamente o tamanho do estado ou, ao menos, dar provas da decisão de ir nessa direção. Mas como o negócio do PT não é o Brasil, é o PT, ela acaba de fazer exatamente o contrário.
Como se pôde ver nas últimas “manifestações”, o partido está reduzido ao contingente dos funcionários que colonizam a máquina pública e às proto-milícias que, em recente demonstração de força dentro do palácio presidencial, avisaram que estão prontos a usá-la para nos arrancar o que for necessário para permanecer onde estão. É emblemática, portanto, a atitude dessa senhora de se aferrar tanto mais ao cargo quanto mais claro fica que a crise é exatamente essa insistência insana. Ao assumir a decisão de, com o país desmoronando, fritar Joaquim Levy para insistir no beco sem saída de uma equação confessadamente insustentavel, o PT está sinalizando que desistiu da via política; vai partir para a outra.
O Congresso Nacional também está ciente, de cabo a rabo, de que não ha alternativa para a cirurgia de emergência do estado que não implique a morte da galinha dos ovos de ouro. Mas recusa-se a pegar a bola que a Presidência lhe passou. É uma atitude temerária. Devolvê-la sob a forma de uma imposição da Casa que desse ao governo o álibi para algum tipo de ação menos inescapavelmente suicida pode ser a última chance do Brasil evitar o pior.
Enquanto for preciso eleger-se é a narrativa, e não as verdades que não aparecem na televisão, que pauta o comportamento dos políticos. As velhas raposas do Congresso – de situação e oposição – não perderam o faro. Na mesma velocidade em que a percepção da profundidade do buraco foi mudando o humor da platéia, passaram do alinhamento explícito com a minoria privilegiada que ajudaram a constituir para apenas uma resistência surda à afirmação da única alternativa para deter a crise. Já entenderam o que, mais cedo ou mais tarde, terá de ser feito, mas precisam se sentir respaldados para fazê-lo agora.
Enquanto o país continuar contando como certo e pacífico que “rigidez orçamentaria” é um dado inalteravel da natureza e, portanto, o seu é o único bolso estuprável da praça, isso não será possível. Já que, como sempre nesses casos, é com empregos e desgraças familiares que essa conta vai ser paga, a imprensa poderia oferecer a contribuição decisiva para dar ao processo a direção e a velocidade que a urgência da situação requer se apeasse da insana “neutralidade” com que passa adiante falsificações e mentiras patentes toda vez que alguém acha conveniente apresentar mais uma a uma redação e fizesse um esforço concentrado para informar à nação com a clássica ferramenta da reportagem quem ganha quanto para produzir o quê dentro e fora do universo estatal; que direitos e deveres têm os pais de família contribuintes e “contribuídos” e como isso afeta a vida de seus filhos; onde está localizada a gordura que resta no país; quais os custos e benefícios para a coletividade de cada alternativa sugerida ou sonegada em função de interesses escusos.
Isso poderia desbloquear o caminho para deter o incêndio criminoso que ameaça a segurança nacional.
Já para livrar o Brasil da sua miséria crônica, seria necessário encarar “a verdade inteira”, como agora diz querer o PMDB. É do Manifesto Republicano de 1870 esta síntese do expediente com que a monarquia ameaçada pela revolução democrática de 1831, saiu-se pelo sistema corporativista em que estamos enredados até hoje:
“O despotismo colonial procurou desde logo surpreender em uma emboscada política a revolução que surgia no horizonte da opinião (…) Disfarçar a forma, mantendo a realidade do sistema que se procurava abolir, tal foi o intuito da monarquia (…) A liberdade aparente e o despotismo real (…) são as características da nossa organização constitucional”.
Não foi diferente a transição do regime militar, sustentado pelas mesmas pessoas que hoje guardam as costas do PT, para a “Nova República”. Ha o direito de voto e, para além dele, nada. Mas eleger para a inimputabilidade sem ter o poder de deseleger é distribuir cheques em branco e induzir os fiéis depositários ao estelionato.
A Constituição de 1988 não é “moderna” nem, muito menos, “cidadã”, é o diploma oficial da negação da democracia no Brasil. Tem, por enquanto, 250 artigos, incontáveis milhares de parágrafos, 84 emendas “ordinárias” e 6 emendas “de revisão”, quase todas versando sobre as exceções à “igualdade perante a lei” que define esse regime, que criam uma sociedade de castas com múltiplas gradações na camada minoritária dos brasileiros “especiais” no topo da qual imperam, intocáveis, os detentores do poder de outorgar privilégios aos demais, e uma massa de sub-cidadãos, quase súditos, por baixo, cuja única função é sustentá-la. O poder dos demiurgos do topo do “Sistema” é, como o dos imperadores, quase divino. Basta ser tocado por um deles e o bem-aventurado é alçado deste vale de lágrimas e para sempre indultado das consequências do “pecado original”. Fica, pelo resto da vida, dispensado de fazer o mesmo esforço e correr os mesmos riscos exigidos de todos nós na luta cotidiana pelo prato de comida de amanhã.
Não existe meio de evitar que tudo apodreça, mantido esse ponto de partida.
Ao sacramentar o “direito” de uma casta com empregos eternos de determinar o próprio salário, progredir na carreira sem mostrar desempenho, ter aumento de salário independente de performance, não pagar os mesmos impostos cobrados aos demais, contribuir menos e receber mais na aposentadoria, não se submeter aos mesmos tribunais que nos julgam, a “Constituição dos Miseráveis” traveste o “confisco” em “conquista” ao mesmo tempo em que garante aos que fabricam crises abusando dessa prerrogativa medieval permanecer isentos dos efeitos delas.
É este o moto continuo da desgraça nacional.
Banquete dos necrófilos
Santo Agostinho, acusado de redundar em seus argumentos, sustentava que “repetir ajuda a esclarecer”. O mesmo diria Napoleão Bonaparte, séculos depois, acrescentando que a repetição era a única figura de retórica em que acreditava.
A crise brasileira, porém, questiona a ambos: repete-se a cada semana, sem oferecer maiores esclarecimentos, senão o de que seu protagonista e mentor, o governo Dilma, tem como única meta e projeto, como apontou o senador José Serra, não ser derrubado. É pouco, é nada – e é preocupante.
A semana, quanto a isso, foi eloquente. Começou com a presidente Dilma propondo a ressureição da CPMF para, a seguir, voltar atrás e, na quinta-feira, recuar do recuo, ao declarar que não descarta recorrer a “qualquer fonte de receita”.
Reconhece que a CPMF “é um imposto complicado”, mas, na pindaíba em que meteu o país, topa qualquer coisa – “qualquer fonte de receita”. Mas o que significa isso, senão uma janela aberta para o vale-tudo, em que a lei passa a ser um detalhe?
Na terminologia cifrada da tecnocracia estatal, “fonte de receita” é dinheiro a ser extraído do contribuinte – de nós. Imposto, termo que implica coerção. Não importa se é justo. Basta que o governo esteja em apuros, em face de si mesmo.
Um assaltante, se familiarizado com tal glossário, definiria seu ofício como “captação de receita”, cuja “fonte” é o cidadão. Diria, ao sair de casa: “Vou captar receita” – e se justificaria: “É preciso cobrir o rombo do orçamento”.
Usa outra linguagem, mas expressa o mesmo fundamento: “Alguém, que não eu, há de pagar minhas contas”. E ponto.
O governo gastou mais do que tinha - e podia. Desprezou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora recorre a “qualquer fonte de receita” – isto é, a nós – para resolver um problema que ele criou.
Nós, que já temos que arcar com as consequências da encolha da economia – entre outras, desemprego, inflação, alta dos juros, redução ou supressão do reajuste dos salários -, temos agora mais este abacaxi: cobrir o rombo do Tesouro.
Um orçamento deficitário, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vincula gasto à menção da respectiva receita, é crime. A presidente chamou de “transparência”.
De fato: um crime transparente. Em circunstâncias normais – isto é, vigendo concretamente o Estado democrático de Direito -, caberia ao Congresso devolvê-lo liminarmente e abrir processo por crime de responsabilidade. A presidente parece que sabe disso. Tanto que, para evitá-lo, chamou para uma conversa reservada os presidentes da Câmara e do Senado, Renan Calheiros e Eduardo Cunha – ambos investigados pela Lava Jato.
Não se sabe o teor da conversa, mas ambos passaram a defender que a lei orçamentária não seja devolvida, que o Congresso compartilhe da governança, embora não tenha sido eleito para formular o orçamento, prerrogativa e dever do Executivo. O Congresso examina-o, eventualmente o emenda e o vota. E é preciso que esteja completo, nos termos da lei.
Mas o governo, pela primeira vez na história, resolveu “compartilhá-lo”, querendo dar ao delito ares democráticos. Estranho? Não: transparente. A presidente precisa de cúmplices, já que não dispõe de ideias, projetos, justificativas – nem saída.
Simultaneamente à desgovernança, a operação Lava-Jato não se cansa de apontar e repetir - e, nesses termos, aí sim, esclarecer, como queria Santo Agostinho – quais os responsáveis por parte desse rombo: o PT, os governos Lula e Dilma.
A presidente, numa manobra de transferência de culpa, acusou a Lava-Jato de responsável pela redução de 1% do PIB. É como acusar o termômetro pela febre do paciente. Não foi a Lava Jato que roubou, que gastou o que não tinha, que tomou decisões desastrosas na Petrobras, Eletrobras e fundos de pensão.
Manobras verbais, sobretudo para quem não é íntima do idioma, não resolvem. Por isso mesmo, o governo recorre a outras modalidades de manobra. Leva o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a arquivar suas (dela) contas de campanha, sub judice no TSE, abastecidas, como reiterou esta semana o delator Ricardo Pessoa, com dinheiro roubado da Petrobras.
E não só ele, e não só esta semana. Quem acompanha a Lava Jato não tem dúvida: a reeleição de Lula e as duas de Dilma foram criminosas. Temos um governo mais que inepto: ilegal.
As denúncias se arrastam e se repetem, esclarecendo, mas não resolvendo. São muitos os cúmplices, dentro e fora do governo. As instituições – Ministério Público, Polícia Federal, Judiciário – atuam, mas são sabotadas por dentro. E a oposição colabora, na medida em que insiste que “não há provas suficientes” para o impeachment. Fortalecem, pela omissão, as manobras.
O efeito, nas ruas, é de desânimo e descrença pela falta de perspectiva de uma saída político-institucional – cujo protagonismo cabe à oposição -, criando riscos de radicalização do processo.
Coube ao vice Michel Temer, rompendo sua proverbial moderação, constatar em público: “Hoje, realmente, o índice [de aprovação do governo] é muito baixo. Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo. (...) Se continuar assim, eu vou dizer a você, 7%, 8% de popularidade, de fato, fica difícil.”
No jargão Temer, isso significa: o governo morreu. Resta enterrá-lo ou continuar a conviver, em ambiente de necrofilia, com um defunto já em decomposição.
A crise brasileira, porém, questiona a ambos: repete-se a cada semana, sem oferecer maiores esclarecimentos, senão o de que seu protagonista e mentor, o governo Dilma, tem como única meta e projeto, como apontou o senador José Serra, não ser derrubado. É pouco, é nada – e é preocupante.
A semana, quanto a isso, foi eloquente. Começou com a presidente Dilma propondo a ressureição da CPMF para, a seguir, voltar atrás e, na quinta-feira, recuar do recuo, ao declarar que não descarta recorrer a “qualquer fonte de receita”.
Reconhece que a CPMF “é um imposto complicado”, mas, na pindaíba em que meteu o país, topa qualquer coisa – “qualquer fonte de receita”. Mas o que significa isso, senão uma janela aberta para o vale-tudo, em que a lei passa a ser um detalhe?
Na terminologia cifrada da tecnocracia estatal, “fonte de receita” é dinheiro a ser extraído do contribuinte – de nós. Imposto, termo que implica coerção. Não importa se é justo. Basta que o governo esteja em apuros, em face de si mesmo.
Um assaltante, se familiarizado com tal glossário, definiria seu ofício como “captação de receita”, cuja “fonte” é o cidadão. Diria, ao sair de casa: “Vou captar receita” – e se justificaria: “É preciso cobrir o rombo do orçamento”.
Usa outra linguagem, mas expressa o mesmo fundamento: “Alguém, que não eu, há de pagar minhas contas”. E ponto.
O governo gastou mais do que tinha - e podia. Desprezou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora recorre a “qualquer fonte de receita” – isto é, a nós – para resolver um problema que ele criou.
Nós, que já temos que arcar com as consequências da encolha da economia – entre outras, desemprego, inflação, alta dos juros, redução ou supressão do reajuste dos salários -, temos agora mais este abacaxi: cobrir o rombo do Tesouro.
Um orçamento deficitário, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vincula gasto à menção da respectiva receita, é crime. A presidente chamou de “transparência”.
De fato: um crime transparente. Em circunstâncias normais – isto é, vigendo concretamente o Estado democrático de Direito -, caberia ao Congresso devolvê-lo liminarmente e abrir processo por crime de responsabilidade. A presidente parece que sabe disso. Tanto que, para evitá-lo, chamou para uma conversa reservada os presidentes da Câmara e do Senado, Renan Calheiros e Eduardo Cunha – ambos investigados pela Lava Jato.
Não se sabe o teor da conversa, mas ambos passaram a defender que a lei orçamentária não seja devolvida, que o Congresso compartilhe da governança, embora não tenha sido eleito para formular o orçamento, prerrogativa e dever do Executivo. O Congresso examina-o, eventualmente o emenda e o vota. E é preciso que esteja completo, nos termos da lei.
Mas o governo, pela primeira vez na história, resolveu “compartilhá-lo”, querendo dar ao delito ares democráticos. Estranho? Não: transparente. A presidente precisa de cúmplices, já que não dispõe de ideias, projetos, justificativas – nem saída.
Simultaneamente à desgovernança, a operação Lava-Jato não se cansa de apontar e repetir - e, nesses termos, aí sim, esclarecer, como queria Santo Agostinho – quais os responsáveis por parte desse rombo: o PT, os governos Lula e Dilma.
Manobras verbais, sobretudo para quem não é íntima do idioma, não resolvem. Por isso mesmo, o governo recorre a outras modalidades de manobra. Leva o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a arquivar suas (dela) contas de campanha, sub judice no TSE, abastecidas, como reiterou esta semana o delator Ricardo Pessoa, com dinheiro roubado da Petrobras.
E não só ele, e não só esta semana. Quem acompanha a Lava Jato não tem dúvida: a reeleição de Lula e as duas de Dilma foram criminosas. Temos um governo mais que inepto: ilegal.
As denúncias se arrastam e se repetem, esclarecendo, mas não resolvendo. São muitos os cúmplices, dentro e fora do governo. As instituições – Ministério Público, Polícia Federal, Judiciário – atuam, mas são sabotadas por dentro. E a oposição colabora, na medida em que insiste que “não há provas suficientes” para o impeachment. Fortalecem, pela omissão, as manobras.
O efeito, nas ruas, é de desânimo e descrença pela falta de perspectiva de uma saída político-institucional – cujo protagonismo cabe à oposição -, criando riscos de radicalização do processo.
Coube ao vice Michel Temer, rompendo sua proverbial moderação, constatar em público: “Hoje, realmente, o índice [de aprovação do governo] é muito baixo. Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo. (...) Se continuar assim, eu vou dizer a você, 7%, 8% de popularidade, de fato, fica difícil.”
No jargão Temer, isso significa: o governo morreu. Resta enterrá-lo ou continuar a conviver, em ambiente de necrofilia, com um defunto já em decomposição.
Beberam? Cheiraram? Fumaram? Doidões certamente estão
A irresponsabilidade fiscal, que sempre foi malvista pelo petismo, quebrou o Brasil. Levou-nos ao descrédito internacional. Pôs sob risco o grau de investimento do país. Constrangeu o governo a apresentar ao Congresso um inédito orçamento deficitário para o ano de 2016. Com isso, está obrigando o governo a buscar novas fontes de receita (leia-se "tomar-nos mais dinheiro pela via tributária").
Pois é nesse contexto que eu acabo de ler, no Estadão de hoje, 4 de setembro, que a "Petrobrás corta viagens e festas para poupar R$ 12 bilhões". No conteúdo da matéria vê-se que os cortes não atingirão apenas viagens e festas, mas incluem, entre outros, aulas de idiomas, brindes, programas de visitas, uso de veículos para necessidades não operacionais, participação em congressos, seminários e fóruns. E nem uma palavra sobre as periódicas e inúteis enxurradas publicitárias que inundam os grandes meios de comunicação. É também nesse contexto que, no mesmo jornal, lendo editorial com o título "O irrealismo do judiciário", fiquei sabendo que o STJ e outros sete Tribunais Regionais do Trabalho encaminharam ao Conselho Nacional de Justiça anteprojetos que criam 1,5 mil cargos de natureza técnica e outro tanto em funções comissionadas! Nada diferente dos aumentos e regalias autoconcedidos. E nada diferente do ânimo criador de caso que tem levado a Câmara dos Deputados a aprovar projetos que elevam sobremaneira o gasto público. O governo, por conta própria, fez tudo que estava ao seu alcance para afundar o país. Não precisa de sugestões nem de auxílio da oposição.
Eis o que me leva ao título deste artigo. Beberam? Cheiraram? Não podem, as instituições da República, estar em seu estado normal. Poupem-nos de seu convívio. Vão se tratar e voltem quando estiverem restabelecidos.
Percival Puggina
Sem mapas
As nações precisam de dois mapas de voo: para enfrentar as dificuldades de curto prazo e para orientar os rumos históricos em direção ao futuro. Nós estamos sem qualquer destes dois mapas, e com os pilotos sem credibilidade, pelos equívocos na condução da economia e pelas falsas promessas na campanha, além de incompetência na formulação dos ajustes necessários para corrigir os próprios erros.
No período de poucas horas, a presidente Dilma determinou e voltou atrás no adiamento de parte do décimo terceiro salário dos aposentados, lançou e recuou na recriação da CPMF, anunciou redução de dez ministérios e não disse quais; e, sobretudo, enviou ao Congresso, pela primeira vez na História, uma proposta orçamentária com déficit primário (despesas - receitas) de R$ 31,5 bilhões, R$ 367 bilhões se contarmos os compromissos com juros para 2016. A impressão é de improvisações e indecisões constantes. Falta um comando político e um coordenador técnico.
As notícias destes últimos meses e semanas mostram o governo quebrado e desorientado. O ministro da Fazenda passa a ideia de que não sabe o que deve ser feito, e a presidente da República, de que não sabe o que quer que seja feito. E a população e os parlamentares não parecem dispostos a pagar o preço pelo enfrentamento dos problemas imediatos e muito menos pela construção de um país eficiente, justo, sustentável, saudável.
A sensação é de que, sob os olhares passivos da população e suas lideranças, o governo conduziu o Brasil para a recessão e a quebra das finanças públicas; sem definir os rumos para o futuro desejado. Parecemos ter optado pelo caminhar sem direção, sem mapa, sem escolher os caminhos, apenas levando os problemas com pequenos arranjos e ajustes improvisados.
Há décadas agimos sem projeto de longo prazo, pensando apenas nos benefícios para cada um ou cada grupo, no imediato. Preferimos consumir logo, mesmo sacrificando a poupança para o futuro; optamos por aposentadorias ainda jovens, mesmo ao risco de não haver dinheiro para pagá-las quando chegarmos à velhice; aceitamos ser o celeiro de alimentos do mundo, sem cuidar de sermos uma economia produtora de bens de alta tecnologia.
Por isto, apesar de todos os nossos imensos recursos, chegamos ao 193º aniversário de nossa Independência como um país de baixa renda per capita, campeões de concentração de renda e desigualdades social e regional, um país pobre especialmente na educação, na ciência e na tecnologia; despreparados politicamente para construirmos o Brasil que queremos, ou mesmo para definirmos o rumo do que queremos no longo prazo da história futura de nossa nação.
Se fosse empresa, o Brasil teria de pedir concordata: substituir diretores, vender patrimônio, renegociar dívidas, reduzir salários, demitir trabalhadores, parar todos investimentos. Como não é empresa, a Constituição impede de tomar quase todas estas medidas; deixando o país quebrado e sem mapa.
No período de poucas horas, a presidente Dilma determinou e voltou atrás no adiamento de parte do décimo terceiro salário dos aposentados, lançou e recuou na recriação da CPMF, anunciou redução de dez ministérios e não disse quais; e, sobretudo, enviou ao Congresso, pela primeira vez na História, uma proposta orçamentária com déficit primário (despesas - receitas) de R$ 31,5 bilhões, R$ 367 bilhões se contarmos os compromissos com juros para 2016. A impressão é de improvisações e indecisões constantes. Falta um comando político e um coordenador técnico.
As notícias destes últimos meses e semanas mostram o governo quebrado e desorientado. O ministro da Fazenda passa a ideia de que não sabe o que deve ser feito, e a presidente da República, de que não sabe o que quer que seja feito. E a população e os parlamentares não parecem dispostos a pagar o preço pelo enfrentamento dos problemas imediatos e muito menos pela construção de um país eficiente, justo, sustentável, saudável.
A sensação é de que, sob os olhares passivos da população e suas lideranças, o governo conduziu o Brasil para a recessão e a quebra das finanças públicas; sem definir os rumos para o futuro desejado. Parecemos ter optado pelo caminhar sem direção, sem mapa, sem escolher os caminhos, apenas levando os problemas com pequenos arranjos e ajustes improvisados.
Por isto, apesar de todos os nossos imensos recursos, chegamos ao 193º aniversário de nossa Independência como um país de baixa renda per capita, campeões de concentração de renda e desigualdades social e regional, um país pobre especialmente na educação, na ciência e na tecnologia; despreparados politicamente para construirmos o Brasil que queremos, ou mesmo para definirmos o rumo do que queremos no longo prazo da história futura de nossa nação.
Se fosse empresa, o Brasil teria de pedir concordata: substituir diretores, vender patrimônio, renegociar dívidas, reduzir salários, demitir trabalhadores, parar todos investimentos. Como não é empresa, a Constituição impede de tomar quase todas estas medidas; deixando o país quebrado e sem mapa.
A era das carroças
Em muitas cidades a prefeitura comemora quando consegue recapear algumas ruas, entre tantas esburacadas ou já esfarelentas. “Já” esfarelentas, não: ainda e desde muito tempo esfarelando, com a vida útil do asfalto vencida, as pedras entupindo bueiros e causando enchentes, toda a rua “em processo de rápida deterioração”, como diria um técnico, sabendo que sua advertência não será como nunca foi levada a sério pelos governantes.
Afinal, dirão eles, o problema é herdado de governos anteriores, que não fizeram a devida manutenção, o asfalto envelhecendo mal sem cuidados nem consertos, além de mal feito pela corrupção ou pela incompetência sem fiscalização.
Enquanto isso, começamos a acordar que o Estado – das prefeituras à presidência da República – não é pai do povo, é seu filho e deve ser vigiado. Quem trabalha sustenta o Estado, recebendo serviços públicos de filho ingrato.
Recape, por exemplo, recupera mas não melhora rua, que apenas volta a ser a velha rua para trânsito sempre crescente, com transporte público sempre precário. Até que muitas ruas voltem a ser, como nos mapas antigos, apenas “vias carroçáveis”, onde só carroças conseguirão transitar.
Não, não as carroças do Collor, movidas a cavalos-vapor; mas carroças com cavalo e carroceiro, que a cidade foi enxotando para a periferia mas, enfim, voltarão vitoriosas. Passarão pelos buracos e destroços levando jardineiros, vendedores de víveres, disquentregas e até roça-táxis.
Caminharemos – ou trotaremos – para a Era da Carroça.
O prefeito será um carroceiro com mestrado em Oxfordê.
A toda poderosa ABC, Associação Brasileira dos Carroceiros, bancará candidato à presidência da República por uma coligação-carroção de muitos partidos.
Aquele Rolls-Royce da Presidência será trocado por uma carruagem de museu com cavalaria das Forças Armadas.
A AIC, Associação Internacional da Carroagem, arrebatará a diretoria da Fifa, da Onu e, de quebra, do FMI.
A indústria automobilística lançará carroçarros, carroças movidas a motor, nos bairros ricos ou rebeldes com asfalto, e movidas a cavalo nos bairros pobres ou resignados. Estacionamentos terão baias para cavalos, e o quadro de maior sucesso na tevê será A Carroça da Sorte, com um carroção distribuindo prêmios pelo país.
E as pessoas passarão a nascer aC ou dC, antes ou depois da Era das Carroças.
A Seleção ganhará a Copa, e o time desfilará no Carroção dos Bombeiros.
Isto, claro, se antes não acharem um jeito de recuperar não só algumas, mas todas nossas ruas.
Enquanto isso, começamos a acordar que o Estado – das prefeituras à presidência da República – não é pai do povo, é seu filho e deve ser vigiado. Quem trabalha sustenta o Estado, recebendo serviços públicos de filho ingrato.
Recape, por exemplo, recupera mas não melhora rua, que apenas volta a ser a velha rua para trânsito sempre crescente, com transporte público sempre precário. Até que muitas ruas voltem a ser, como nos mapas antigos, apenas “vias carroçáveis”, onde só carroças conseguirão transitar.
Não, não as carroças do Collor, movidas a cavalos-vapor; mas carroças com cavalo e carroceiro, que a cidade foi enxotando para a periferia mas, enfim, voltarão vitoriosas. Passarão pelos buracos e destroços levando jardineiros, vendedores de víveres, disquentregas e até roça-táxis.
Caminharemos – ou trotaremos – para a Era da Carroça.
O prefeito será um carroceiro com mestrado em Oxfordê.
A toda poderosa ABC, Associação Brasileira dos Carroceiros, bancará candidato à presidência da República por uma coligação-carroção de muitos partidos.
Aquele Rolls-Royce da Presidência será trocado por uma carruagem de museu com cavalaria das Forças Armadas.
A AIC, Associação Internacional da Carroagem, arrebatará a diretoria da Fifa, da Onu e, de quebra, do FMI.
A indústria automobilística lançará carroçarros, carroças movidas a motor, nos bairros ricos ou rebeldes com asfalto, e movidas a cavalo nos bairros pobres ou resignados. Estacionamentos terão baias para cavalos, e o quadro de maior sucesso na tevê será A Carroça da Sorte, com um carroção distribuindo prêmios pelo país.
E as pessoas passarão a nascer aC ou dC, antes ou depois da Era das Carroças.
A Seleção ganhará a Copa, e o time desfilará no Carroção dos Bombeiros.
Isto, claro, se antes não acharem um jeito de recuperar não só algumas, mas todas nossas ruas.
Dilma carrega a falência do 'Modelo Lula' de crescimento
Roberto Mangabeira Unger, ministro-chefe de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, disse à Folha que o modelo Lula estava falido: porque, referiu fundado em “ampliação de consumo, renda popular e exportação de commodities”.
Não quero cair a esparrela do Eterno Retorno, de Nietzsche, nem naquela teoria do Napolitano Gimbattista Vico, pai da ideia de que ciclos históricos se repetem.
Quando o dólar explodiu, em julho de 2002, falava-se que era culpa do Lula por conta do efeito eleição. Naquela época se tinha medo de investir aqui porque ninguém sabia quem Lula era: hoje se tem medo de investir aqui porque todos sabem quem Lula e Dilma são.
Não quero cair a esparrela do Eterno Retorno, de Nietzsche, nem naquela teoria do Napolitano Gimbattista Vico, pai da ideia de que ciclos históricos se repetem.
Quando o dólar explodiu, em julho de 2002, falava-se que era culpa do Lula por conta do efeito eleição. Naquela época se tinha medo de investir aqui porque ninguém sabia quem Lula era: hoje se tem medo de investir aqui porque todos sabem quem Lula e Dilma são.
Quero lembrar de uma passagem daquela metade de 2002, quando o dólar bombava mais que hoje: o economista Rudiger Dornbusch, professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), morto em junho daquele ano, aos 60 anos, em sua casa, em Washington.
Destacou-se por ter previsto a crise mexicana, em novembro de 1994, quando da desvalorização do peso mexicano. Em seu obituário, três grandes jornais brasileiros destacaram uma frase sua, de 1998, um ano antes da desvalorização cambial brasileira. Dornbusch referiu que o FMI (Fundo Monetário Internacional) não deveria colocar dinheiro no Brasil para evitar uma crise. “Quando o Brasil ligar, apenas deixe o telefone tocar. Diga que nossos operadores estão ocupados”.
O mesmo ocorre hoje.
Brasil era lixo porque ninguém imaginava o que seríamos sob Lula: continuamos lixo porque todos sabem o que somos sob Dilma. Não espanta que o profeta apocalíptico, o demencial epígono disso tudo, seja José de Abreu: cujo papel de maior destaque (destacável) foi o de um administrador de lixão. A vida imita a ficção, bagaray.
Vejam vocês: na segunda semana de agosto passado, numa coletiva de imprensa, o chefe do Pentágono, Ashton Carter, chamou a Rússia de uma “ameaça muito, muito significativa”.
A frase marca a nova Guerra Fria.
Guerra e consumo
Essa nova Guerra Fria impulsiona a economia dos EUA, diz a história.
A tecnologia reduz o tempo de produção. E quando não há mercado para escoar esse excedente? A saída é promover invasões para lastrear o encalhe. No governo Clinton, a secretária norte-americana Madeleine Albright comemorou a invasão do Kossovo, a partir de abril de 1999, como a criação de um “novo mercado de escoamento da produção dos EUA”. Bush repetiu a dose invadindo o Iraque.
Uma boa explicação dessa economia de guerra está no livro “Le bonheur economique”, de François-Xavier Chevallier (Albin Michel, 1998, Paris). Ele se baseia nas teorias dos “Ciclos”, do economista russo Kondratieff. Para o economista, avanço tecnológico e redução de tempo de produção resultam em guerras para lastrear a produção encalhada pela redução de seu tempo de produção.
A Revolução Industrial gerou, a partir de 1783, segundo o economista, o crack na Bolsa de Londres e a Revolução de 1830. A introdução da química do ferro, a partir de 1837, a Revolução de 1848, a Guerra de Secessão nos EUA, o crack de Viena. A química pesada, no início do século 20, a primeira Guerra Mundial, o crack de 1929 em Nova Iorque e a Revolução Tenentista, de 1930 no Brasil. A Crise do Petróleo, em 1973, teria potencializado a última fase da Guerra do Vietnã.
Nessa escalada, a tecnologia informática e a bioquímica teriam gerado o fim da URSS, as guerras localizadas, como o Kosovo, e o crack das economias do Terceiro Mundo, e a invasão do Afeganistão e do Iraque. Vejamos a prova disso: ao final da Segunda Guerra, a produção industrial dos EUA cresceu 60%, o produto bruto nacional 90% e o número de desempregados caiu para apenas 500 mil em todo o país. Kondratieff diz que tais ciclos de renovação pela tecnologia acontecem a cada 70 anos.
A partir de 31 de março de 1964, surge a idéia de que Brasil que cresce é Brasil que se atrela às multinacionais. Estão aí Golbery do Couto e Silva, Roberto Campos. Em contrapartida, estão combatendo essas idéias, também a partir dos anos 60, um Caio Prado Junior, um Fernando Henrique Cardoso, um Fernando Novaes, um Francisco de Oliveira, um Celso Lafer.
FHC marcou sua octaetéride dizendo na Fiesp, no primeiro ano de mandato, que se esquecessem de tudo que escreveu. E retomou o que condenara num Roberto Campos.
E agora?
Lá fora, o pináculo do “rush” da economia global está na nova Guerra Fria.
Por aqui, como notou o ministro Roberto Mangabeira Unger, o modelo de Lula (ampliação de consumo, renda popular e exportação de commodities), virou um zero a esquerda.
Óbvio: Dilma tenta satanizar a Lava Jato como culpada por toda essa crise.
Bem: como notou o juiz Moro: quem aumentou em bilhões a roubalheira em Abreu de Lima não foi a Lava Jato: foi o governo (do PT).
Chegamos ao fundo do poço, sem achar petróleo e nada temos a oferecer: só o caos.
Temos o caos em nós, sob a estrela do PT: que bailava, mas, agora, dançou…
A nova matriz moral
Nos tempos da luta armada, a palavra de ordem era ‘O que é o roubo de um banco comparado à fundação de um banco?
Bertolt BrechtRoubar, sempre se roubou, e muito, no Brasil. Na era Lula, a novidade foi a introdução de uma nova categoria moral, o “roubo pela causa”, que se justifica pela nobreza dos seus objetivos e faz de seus autores guerreiros do povo brasileiro. Antigamente, se roubava só por sem-vergonhice individual, mas com a tolerância, e até o estímulo, ao roubo pela causa popular (eternizar o partido no poder para levar os pobres ao paraíso) já não se sabe onde começa um e termina outro, resultando na certeza de que nunca na história deste país se roubou tanto.
Outra novidade, que ajudou a gestar a crise política e ética que nos assola, foi a institucionalização da corrupção, ocupando cargos importantes em todo o governo e usando-os para enriquecer o partido — e eventualmente alguns “guerreiros”, que ninguém é de ferro. Sim, quando se rouba para um partido, todos os outros são roubados, porque se concorre às eleições com mais recursos e com vantagens ilegais, para fraudar o processo eleitoral. Na nova matriz, lavar propina como doação no TSE é legal: o caixa três.
Talvez todos os partidos, se puderem, roubem, mas só quem está no governo tem o poder de nomear e dar as vantagens que resultam em propinas e extorsões para o partido. É muito pior para o país do que o roubo individual.
Uma parte dessa “nova moral” da era Lula certamente vem de suas origens sindicais, em que o certo, o direito e o justo é conseguir o melhor para seus companheiros, e o resto que se dane. A outra parte parece uma herança dos tempos da luta armada, quando a palavra de ordem era “O que é o roubo de um banco comparado à fundação de um banco?”, de Bertolt Brecht.
Hoje, Marcelo Odebrecht diz que fica mais zangado com a filha que entrega quem roubou do que com a filha ladra, mas eu ficaria muito mais decepcionado com uma filha que roubasse para um partido do que para si mesma, confessasse o erro e assumisse as consequências. Essa velha moral família Soprano, da omertà odebrechtiana, é a confirmação de que vivemos numa cleptocracia, onde quadrilhas disputam territórios e saqueiam o Estado para se manter no poder.
Assinar:
Postagens (Atom)