A crise brasileira, porém, questiona a ambos: repete-se a cada semana, sem oferecer maiores esclarecimentos, senão o de que seu protagonista e mentor, o governo Dilma, tem como única meta e projeto, como apontou o senador José Serra, não ser derrubado. É pouco, é nada – e é preocupante.
A semana, quanto a isso, foi eloquente. Começou com a presidente Dilma propondo a ressureição da CPMF para, a seguir, voltar atrás e, na quinta-feira, recuar do recuo, ao declarar que não descarta recorrer a “qualquer fonte de receita”.
Reconhece que a CPMF “é um imposto complicado”, mas, na pindaíba em que meteu o país, topa qualquer coisa – “qualquer fonte de receita”. Mas o que significa isso, senão uma janela aberta para o vale-tudo, em que a lei passa a ser um detalhe?
Na terminologia cifrada da tecnocracia estatal, “fonte de receita” é dinheiro a ser extraído do contribuinte – de nós. Imposto, termo que implica coerção. Não importa se é justo. Basta que o governo esteja em apuros, em face de si mesmo.
Um assaltante, se familiarizado com tal glossário, definiria seu ofício como “captação de receita”, cuja “fonte” é o cidadão. Diria, ao sair de casa: “Vou captar receita” – e se justificaria: “É preciso cobrir o rombo do orçamento”.
Usa outra linguagem, mas expressa o mesmo fundamento: “Alguém, que não eu, há de pagar minhas contas”. E ponto.
O governo gastou mais do que tinha - e podia. Desprezou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Agora recorre a “qualquer fonte de receita” – isto é, a nós – para resolver um problema que ele criou.
Nós, que já temos que arcar com as consequências da encolha da economia – entre outras, desemprego, inflação, alta dos juros, redução ou supressão do reajuste dos salários -, temos agora mais este abacaxi: cobrir o rombo do Tesouro.
Um orçamento deficitário, nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vincula gasto à menção da respectiva receita, é crime. A presidente chamou de “transparência”.
De fato: um crime transparente. Em circunstâncias normais – isto é, vigendo concretamente o Estado democrático de Direito -, caberia ao Congresso devolvê-lo liminarmente e abrir processo por crime de responsabilidade. A presidente parece que sabe disso. Tanto que, para evitá-lo, chamou para uma conversa reservada os presidentes da Câmara e do Senado, Renan Calheiros e Eduardo Cunha – ambos investigados pela Lava Jato.
Não se sabe o teor da conversa, mas ambos passaram a defender que a lei orçamentária não seja devolvida, que o Congresso compartilhe da governança, embora não tenha sido eleito para formular o orçamento, prerrogativa e dever do Executivo. O Congresso examina-o, eventualmente o emenda e o vota. E é preciso que esteja completo, nos termos da lei.
Mas o governo, pela primeira vez na história, resolveu “compartilhá-lo”, querendo dar ao delito ares democráticos. Estranho? Não: transparente. A presidente precisa de cúmplices, já que não dispõe de ideias, projetos, justificativas – nem saída.
Simultaneamente à desgovernança, a operação Lava-Jato não se cansa de apontar e repetir - e, nesses termos, aí sim, esclarecer, como queria Santo Agostinho – quais os responsáveis por parte desse rombo: o PT, os governos Lula e Dilma.
Manobras verbais, sobretudo para quem não é íntima do idioma, não resolvem. Por isso mesmo, o governo recorre a outras modalidades de manobra. Leva o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a arquivar suas (dela) contas de campanha, sub judice no TSE, abastecidas, como reiterou esta semana o delator Ricardo Pessoa, com dinheiro roubado da Petrobras.
E não só ele, e não só esta semana. Quem acompanha a Lava Jato não tem dúvida: a reeleição de Lula e as duas de Dilma foram criminosas. Temos um governo mais que inepto: ilegal.
As denúncias se arrastam e se repetem, esclarecendo, mas não resolvendo. São muitos os cúmplices, dentro e fora do governo. As instituições – Ministério Público, Polícia Federal, Judiciário – atuam, mas são sabotadas por dentro. E a oposição colabora, na medida em que insiste que “não há provas suficientes” para o impeachment. Fortalecem, pela omissão, as manobras.
O efeito, nas ruas, é de desânimo e descrença pela falta de perspectiva de uma saída político-institucional – cujo protagonismo cabe à oposição -, criando riscos de radicalização do processo.
Coube ao vice Michel Temer, rompendo sua proverbial moderação, constatar em público: “Hoje, realmente, o índice [de aprovação do governo] é muito baixo. Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo. (...) Se continuar assim, eu vou dizer a você, 7%, 8% de popularidade, de fato, fica difícil.”
No jargão Temer, isso significa: o governo morreu. Resta enterrá-lo ou continuar a conviver, em ambiente de necrofilia, com um defunto já em decomposição.
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