terça-feira, 28 de fevereiro de 2023
Que violência é essa?
Estamos vivendo uma espécie de ressaca, de rebordosa dos anos de barbárie política e comportamental que vivemos depois de Bolsonaro. E o pior que não havia nenhum projeto político mais sólido por detrás disso tudo. Era só a destruição e isso eles conseguiram. Conseguiram destruir os projetos sociais, o meio ambiente, a cultura, a saúde a e tentaram destruir a política.
Instituíram a violência como linguagem e os resultados estão aí. Crimes à solta, feminicídio, violência, incêndios, fuzilamentos, agressões, assédio sexual, enfim tudo aquilo que uma sociedade mais evoluída não permite e não convive. Sempre que penso nessas coisas me vêm a imagem dos filhos do homem, sem nenhuma preferência, mas como símbolo dessa pós- juventude deturpada e pervertida que estava tomando conta do país. Era fácil. Bastava estabelecer isso como linguagem comportamental que o resto viria.
Estamos quase assim. Ainda somos poucos os que nos revoltamos contra essas situações absurdas que ainda presenciamos. Para eles, as mulheres não valem nada, os gays têm que morrer, os pretos são escravos e quem se meter nessa ordem vai pro brejo também. A quem isso beneficia? Ao mercado sempre. O mercado se faz valer sempre de situações que não criam problemas ao enriquecimento ilícito. Quanto menos questões sociais tivermos, quanto mais negociações (?) salariais diretas entre patrões e empregados, quanto menos decisões coletivas existirem, melhor será para o mercado. E é esse mercado que continua arrogante querendo governar o país que elegeu o Lula. Era isso que essa gente queria.
É por aí que passam todas as notícias terríveis que estamos vendo. O garimpo ilegal com esse ouro que não tem dono, o desmatamento com a madeira sendo exportada do jeito que der, a exploração do trabalho escravo na produção de vinho num estado como o Rio Grande do Sul (não por nada, um dos mais bolsonaristas da União) as mortes, o uso indiscriminado de armas como se não houvesse nem lei nem amanhã.
Mas isso tem que parar. Isso aqui não é a casa da mãe Joana. Eu tenho certeza que lá as regras são mais respeitadas. Vamos colocar ordem nesse terreiro que aqui, agora, quem manda é o povo. A normatização da violência é um risco presente. Não podemos virar a página do jornal depois que lemos que um pai de um filho autista foi assassinado porque seu filho estava incomodando um cidadão de bem. Não podemos dormir tranquilos depois de ler sobre o massacre de Sinop onde pessoas foram mortas depois de um jogo de sinuca. Não podemos ficar tranquilos até que todos os envolvidos no terrorismo do dia 8 de janeiro sejam punidos.
Aquilo nada mais foi do que a tentativa de institucionalizar a violência, a baderna, a destruição como lema tipo deus, pátria e família para eles. Chega. O lema agora é democracia sempre.
Instituíram a violência como linguagem e os resultados estão aí. Crimes à solta, feminicídio, violência, incêndios, fuzilamentos, agressões, assédio sexual, enfim tudo aquilo que uma sociedade mais evoluída não permite e não convive. Sempre que penso nessas coisas me vêm a imagem dos filhos do homem, sem nenhuma preferência, mas como símbolo dessa pós- juventude deturpada e pervertida que estava tomando conta do país. Era fácil. Bastava estabelecer isso como linguagem comportamental que o resto viria.
Estamos quase assim. Ainda somos poucos os que nos revoltamos contra essas situações absurdas que ainda presenciamos. Para eles, as mulheres não valem nada, os gays têm que morrer, os pretos são escravos e quem se meter nessa ordem vai pro brejo também. A quem isso beneficia? Ao mercado sempre. O mercado se faz valer sempre de situações que não criam problemas ao enriquecimento ilícito. Quanto menos questões sociais tivermos, quanto mais negociações (?) salariais diretas entre patrões e empregados, quanto menos decisões coletivas existirem, melhor será para o mercado. E é esse mercado que continua arrogante querendo governar o país que elegeu o Lula. Era isso que essa gente queria.
É por aí que passam todas as notícias terríveis que estamos vendo. O garimpo ilegal com esse ouro que não tem dono, o desmatamento com a madeira sendo exportada do jeito que der, a exploração do trabalho escravo na produção de vinho num estado como o Rio Grande do Sul (não por nada, um dos mais bolsonaristas da União) as mortes, o uso indiscriminado de armas como se não houvesse nem lei nem amanhã.
Mas isso tem que parar. Isso aqui não é a casa da mãe Joana. Eu tenho certeza que lá as regras são mais respeitadas. Vamos colocar ordem nesse terreiro que aqui, agora, quem manda é o povo. A normatização da violência é um risco presente. Não podemos virar a página do jornal depois que lemos que um pai de um filho autista foi assassinado porque seu filho estava incomodando um cidadão de bem. Não podemos dormir tranquilos depois de ler sobre o massacre de Sinop onde pessoas foram mortas depois de um jogo de sinuca. Não podemos ficar tranquilos até que todos os envolvidos no terrorismo do dia 8 de janeiro sejam punidos.
Aquilo nada mais foi do que a tentativa de institucionalizar a violência, a baderna, a destruição como lema tipo deus, pátria e família para eles. Chega. O lema agora é democracia sempre.
Miséria eterna
Santo Amaro do Maranhão: 16.129 habitantes. Apenas 4,2% têm trabalho remunerado, 60% deles recebendo até meio salário mínimo. O município, na rabeira entre os mais pobres do país, paga R$ 4 mil por mês para cada um de seus 11 vereadores. O absurdo se repete em mais da metade das cidades brasileiras, 32,5% delas – 1.704 das 5.570 – incapazes de arcar com suas despesas funcionais, sobrevivendo de repasses federais e estaduais. A 237 quilômetros da capital São Luís, a Santo Amaro maranhense é só uma ponta da indecente teia de gastos públicos que abastece privilegiados e eterniza a miséria.
Congresso Nacional. Os 513 deputados federais, 27 senadores da legislatura anterior e os que deixaram a Casa receberam R$ 39,3 mil cada um a título de auxílio-mudança para Brasília ou para voltar aos seus estados. Nada menos do que R$ 40 milhões acintosamente desperdiçados em um mimo que inclui até reeleitos já residentes na capital e parlamentares do Distrito Federal. Essa outra ponta é apenas um dos milhares de exemplos da farra que se faz com o dinheiro dos impostos.
O cruzamento de dados do IBGE com o Índice de Gestão Fiscal (IFGF) da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), ambos tendo como base o ano de 2020, e os do site Transparência Brasil, escancaram o que o país sabe e insiste em esconder sobre o destino dos impostos pagos pelo cidadão: gasta-se muito – e muito mal.
Ainda que não seja mensurável em volumes de dinheiro, os arranjos de desperdício, leniência, má-fé e corrupção que unem essas pontas inviabilizam o país. Tanto faz se na rica e soberba Brasília ou nos quase 2.700 municípios que simplesmente não conseguem pôr um único real em investimentos em prol dos que neles vivem.
No Maranhão, estado-sede das quatro cidades brasileiras mais pobres, Matões do Norte, com 17 mil habitantes, tem 9 vereadores ao custo de R$ 5 mil cada, mesmo número de representantes da Câmara da pequena Primeira Cruz, com 15,5 mil moradores e salários mensais de R$ 6,1 mil para os seus parlamentares. Cajari fecha o grupo com 10 vereadores a R$ 3,5 mil para representar 19 mil habitantes. E não há uma viva alma com culhões para discutir o valor pago aos edis, a quantidade e a necessidade deles.
As chances de o Congresso mexer em suas próprias regalias também são nulas. Ao contrário. A tendência é de gastos crescentes. A verba parlamentar deu um salto significativo na esteira da reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira. A cota para suporte a deslocamentos saltou de R$ 45 mil para R$ 51 mil mensais, o reembolso-combustível foi de R$ 6 mil para R$ 9,4 mil e a verba de representação de R$ 111,6 mil para R$ 118,3 mil. E, usando o chapéu dos pagadores de impostos, o bonzinho Lira já prometeu novos aumentos até 2024.
O Judiciário não fica atrás. Suas verbas de custeio cresceram 40% em dois anos e os salários dos ministros do Supremo, que regem os demais vencimentos de servidores públicos do país, serão reajustados a partir de 1º de abril, passando de R$ 39,3 mil para R$ 41,6 mil, com novos aumentos já aprovados para 1º de fevereiro de 2024 e de 2025.
No Executivo, tanto na União quanto nos estados, é uma festa. Na esteira do STF, o presidente da República e seus ministros também tiveram seus salários elevados em 16,3%. Nas empresas estatais, os vencimentos chegam a R$ 80 mil no BNDES, passam de R$ 100 mil na Petrobrás.
Mais grave do que salários estratosféricos em um país no qual 30% vivem na miséria são a incompetência e a leniência. Nesta semana, o Tribunal de Contas da União deve se reunir com governadores de Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco para apresentar um relatório no qual aponta erros fatais na prevenção aos desastres naturais. Nele, constata-se que o dinheiro público destinado às emergências como as que aniquilaram São Sebastião durante o carnaval não é utilizado ou, quando é, some nos escaninhos da burocracia: demora 100 dias para chegar na assistência aos vitimados. Em suma, dinheiro jogado no lixo.
Somam-se ainda gastos inexplicáveis, como os R$ 75 milhões no cartão corporativo do ex-presidente Jair Bolsonaro. E os abomináveis, a exemplo dos R$ 432 mil em diárias e alimentação da equipe de apoio do ex nos Estados Unidos, pagos com o suado dinheirinho dos brasileiros. Pode até parecer coisa pequena, mas em menos de três meses Bolsonaro consumiu 86% do volume de R$ 502 mil despendidos pela União para seis ex-presidentes em todo o ano de 2021.
O rol de impropriedades com o dinheiro público em todas as esferas de poder é quase infinito. Mas, em vez de ser um norte para impulsionar mudanças, a gastança desenfreada é avalizada por cada novo plantel que assume o comando. Isso inclui o sr. Luiz Inácio Lula da Silva e os acordos de “governança” com o Centrão e cia que, como se sabe, só visam a manter privilégios.
O Brasil é um imenso Santo Amaro do Maranhão.
Congresso Nacional. Os 513 deputados federais, 27 senadores da legislatura anterior e os que deixaram a Casa receberam R$ 39,3 mil cada um a título de auxílio-mudança para Brasília ou para voltar aos seus estados. Nada menos do que R$ 40 milhões acintosamente desperdiçados em um mimo que inclui até reeleitos já residentes na capital e parlamentares do Distrito Federal. Essa outra ponta é apenas um dos milhares de exemplos da farra que se faz com o dinheiro dos impostos.
O cruzamento de dados do IBGE com o Índice de Gestão Fiscal (IFGF) da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), ambos tendo como base o ano de 2020, e os do site Transparência Brasil, escancaram o que o país sabe e insiste em esconder sobre o destino dos impostos pagos pelo cidadão: gasta-se muito – e muito mal.
Ainda que não seja mensurável em volumes de dinheiro, os arranjos de desperdício, leniência, má-fé e corrupção que unem essas pontas inviabilizam o país. Tanto faz se na rica e soberba Brasília ou nos quase 2.700 municípios que simplesmente não conseguem pôr um único real em investimentos em prol dos que neles vivem.
No Maranhão, estado-sede das quatro cidades brasileiras mais pobres, Matões do Norte, com 17 mil habitantes, tem 9 vereadores ao custo de R$ 5 mil cada, mesmo número de representantes da Câmara da pequena Primeira Cruz, com 15,5 mil moradores e salários mensais de R$ 6,1 mil para os seus parlamentares. Cajari fecha o grupo com 10 vereadores a R$ 3,5 mil para representar 19 mil habitantes. E não há uma viva alma com culhões para discutir o valor pago aos edis, a quantidade e a necessidade deles.
As chances de o Congresso mexer em suas próprias regalias também são nulas. Ao contrário. A tendência é de gastos crescentes. A verba parlamentar deu um salto significativo na esteira da reeleição do presidente da Câmara, Arthur Lira. A cota para suporte a deslocamentos saltou de R$ 45 mil para R$ 51 mil mensais, o reembolso-combustível foi de R$ 6 mil para R$ 9,4 mil e a verba de representação de R$ 111,6 mil para R$ 118,3 mil. E, usando o chapéu dos pagadores de impostos, o bonzinho Lira já prometeu novos aumentos até 2024.
O Judiciário não fica atrás. Suas verbas de custeio cresceram 40% em dois anos e os salários dos ministros do Supremo, que regem os demais vencimentos de servidores públicos do país, serão reajustados a partir de 1º de abril, passando de R$ 39,3 mil para R$ 41,6 mil, com novos aumentos já aprovados para 1º de fevereiro de 2024 e de 2025.
No Executivo, tanto na União quanto nos estados, é uma festa. Na esteira do STF, o presidente da República e seus ministros também tiveram seus salários elevados em 16,3%. Nas empresas estatais, os vencimentos chegam a R$ 80 mil no BNDES, passam de R$ 100 mil na Petrobrás.
Mais grave do que salários estratosféricos em um país no qual 30% vivem na miséria são a incompetência e a leniência. Nesta semana, o Tribunal de Contas da União deve se reunir com governadores de Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco para apresentar um relatório no qual aponta erros fatais na prevenção aos desastres naturais. Nele, constata-se que o dinheiro público destinado às emergências como as que aniquilaram São Sebastião durante o carnaval não é utilizado ou, quando é, some nos escaninhos da burocracia: demora 100 dias para chegar na assistência aos vitimados. Em suma, dinheiro jogado no lixo.
Somam-se ainda gastos inexplicáveis, como os R$ 75 milhões no cartão corporativo do ex-presidente Jair Bolsonaro. E os abomináveis, a exemplo dos R$ 432 mil em diárias e alimentação da equipe de apoio do ex nos Estados Unidos, pagos com o suado dinheirinho dos brasileiros. Pode até parecer coisa pequena, mas em menos de três meses Bolsonaro consumiu 86% do volume de R$ 502 mil despendidos pela União para seis ex-presidentes em todo o ano de 2021.
O rol de impropriedades com o dinheiro público em todas as esferas de poder é quase infinito. Mas, em vez de ser um norte para impulsionar mudanças, a gastança desenfreada é avalizada por cada novo plantel que assume o comando. Isso inclui o sr. Luiz Inácio Lula da Silva e os acordos de “governança” com o Centrão e cia que, como se sabe, só visam a manter privilégios.
O Brasil é um imenso Santo Amaro do Maranhão.
Os militares e a Constituição
Fatos são incontornáveis, apesar de diferentes narrativas procurarem contorná-los, deformá-los ou, mesmo, os falsificarem. Resistem, por isso mesmo, a abordagens ideológicas que obedecem a propósitos meramente políticos, cujos objetivos consistem em impor uma mera versão carente de verdade.
Se não houve golpe no Brasil, é porque os militares não quiseram embarcar numa aventura inconstitucional. Golpes são atos de violência que requerem o uso da força, sem a qual suas chances de sucesso, se existentes, são mínimas. Chávez, na Venezuela, só consumou sua dominação despótica após ter cooptado as Forças Armadas, corrompendo-as. Por via de consequência, se o Brasil não sucumbiu à tentação autoritária de Bolsonaro e seus êmulos, isso se deve a que os militares optaram por seguir a Constituição. Divergências internas entre militares golpistas e democráticos foram resolvidas com a vitória destes últimos e do Brasil.
Narrativas atuais procurando responsabilizar os militares por delírios bolsonaristas não resistem aos fatos. Se fossem verdadeiras, o golpe teria se consumado. Houve, sim, grupos militares que procuraram se afastar da Constituição, mas foram barrados por generais do alto comando que se formaram no respeito à democracia. Foram nos currículos das escolas militares educados e formados. Não lhes foi inculcado o desrespeito às normas constitucionais. A tentativa atual de certos grupos ideologizados de aproveitarem as circunstâncias do 8 de janeiro para alterarem a formação militar deveria precisamente suscitar a seguinte pergunta: o que neles há de certo que os militares neles formados aprenderam a respeitar a democracia? Se tivessem sido formados na preparação do golpe, a situação do País seria totalmente diferente.
Golpe, enquanto ato de violência, não precisa recorrer a nenhum artigo constitucional – na ocorrência, o 142. Prescindem, por definição, de um tal recurso. Se alguns a ele recorreram foi com o intuito de subverter o arcabouço constitucional. No entanto, como essa discussão entrou em pauta, a partir de projetos para alterá-lo, cabem algumas observações.
Primeiro, golpes não necessitam de nenhum parecer para serem executados. Seria nada mais do que um artifício retórico. Imaginem uma intervenção militar amparada em um parecer, como se esse tivesse força de lei ou, mais do que isso, estivesse situado acima da Constituição e do Supremo Tribunal Federal. Seria, pura e simplesmente, um disparate. Um advogado determinado seria ungido à posição de árbitro constitucional, ao qual ministros deveriam obediência.
Segundo, o artigo 142 não contempla nenhum poder moderador a ser atribuído às Forças Armadas. Trata-se de uma mera ficção. Tampouco nele consta que as Forças Armadas possam se autoposicionar como fiéis depositárias das “garantias constitucionais”. Ou seja, elas não podem se autoconvocar, por estarem, precisamente, subordinadas ao poder civil. Sua convocação depende de atos dos presidentes de alguns dos Poderes, a saber, Executivo, Judiciário e Legislativo. Cabe, portanto, ao poder civil, neste caso do presidente da República, a convocação dos militares para ações determinadas como a GLO, a missão de Garantia da Lei e da Ordem.
Terceiro, a GLO só pode ser acionada com propósito preciso, com funções determinadas, num local restrito e com duração definida, além da escolha do comandante desta operação específica. Foram acionadas dezenas de vezes por vários governantes após a Constituição de 1988, e nenhuma delas ensejou um golpe qualquer. O maior beneficiário foi sempre o País. Não há convocação possível da GLO para dar um golpe, algo totalmente implausível. Isso só ocorre no devaneio do desconhecimento e, talvez, da tentativa de tumultuar a estabilidade institucional.
Quanto à participação dos militares em funções civis – recurso usado abusivamente pelo presidente Bolsonaro –, a solução é simples e carece de qualquer Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Tratase de um assunto infraconstitucional, podendo ser resolvido em sua particular esfera legal. Por exemplo, um militar convocado para ocupar um cargo civil deveria passar imediatamente à reserva, cabendo-lhe a decisão de querer ou não se manter na instituição militar. O que não pode é usufruir de uma, servindo à outra.
É mais do que urgente pacificar o País e fortalecer a instituição militar em seu compromisso democrático, demonstrado no estertor do governo Bolsonaro. Recorrer, agora, a uma PEC para alterar esse artigo só produzirá novos conflitos e polarizações. Toda vez que ele foi empregado, seus efeitos foram benéficos, não se tendo prestado a nenhuma tentativa golpista. Na situação atual, mais vale apaziguar os ânimos e não embarcar em controvérsias cujo desfecho é imprevisível. Quando se entra numa discussão deste tipo, necessariamente controversa e polarizada, não se pode prever o seu resultado. O Brasil tem temas mais relevantes a tratar e deveria olhar para o futuro, não se atendo a radicalizações passadas.
Se não houve golpe no Brasil, é porque os militares não quiseram embarcar numa aventura inconstitucional. Golpes são atos de violência que requerem o uso da força, sem a qual suas chances de sucesso, se existentes, são mínimas. Chávez, na Venezuela, só consumou sua dominação despótica após ter cooptado as Forças Armadas, corrompendo-as. Por via de consequência, se o Brasil não sucumbiu à tentação autoritária de Bolsonaro e seus êmulos, isso se deve a que os militares optaram por seguir a Constituição. Divergências internas entre militares golpistas e democráticos foram resolvidas com a vitória destes últimos e do Brasil.
Narrativas atuais procurando responsabilizar os militares por delírios bolsonaristas não resistem aos fatos. Se fossem verdadeiras, o golpe teria se consumado. Houve, sim, grupos militares que procuraram se afastar da Constituição, mas foram barrados por generais do alto comando que se formaram no respeito à democracia. Foram nos currículos das escolas militares educados e formados. Não lhes foi inculcado o desrespeito às normas constitucionais. A tentativa atual de certos grupos ideologizados de aproveitarem as circunstâncias do 8 de janeiro para alterarem a formação militar deveria precisamente suscitar a seguinte pergunta: o que neles há de certo que os militares neles formados aprenderam a respeitar a democracia? Se tivessem sido formados na preparação do golpe, a situação do País seria totalmente diferente.
Golpe, enquanto ato de violência, não precisa recorrer a nenhum artigo constitucional – na ocorrência, o 142. Prescindem, por definição, de um tal recurso. Se alguns a ele recorreram foi com o intuito de subverter o arcabouço constitucional. No entanto, como essa discussão entrou em pauta, a partir de projetos para alterá-lo, cabem algumas observações.
Primeiro, golpes não necessitam de nenhum parecer para serem executados. Seria nada mais do que um artifício retórico. Imaginem uma intervenção militar amparada em um parecer, como se esse tivesse força de lei ou, mais do que isso, estivesse situado acima da Constituição e do Supremo Tribunal Federal. Seria, pura e simplesmente, um disparate. Um advogado determinado seria ungido à posição de árbitro constitucional, ao qual ministros deveriam obediência.
Segundo, o artigo 142 não contempla nenhum poder moderador a ser atribuído às Forças Armadas. Trata-se de uma mera ficção. Tampouco nele consta que as Forças Armadas possam se autoposicionar como fiéis depositárias das “garantias constitucionais”. Ou seja, elas não podem se autoconvocar, por estarem, precisamente, subordinadas ao poder civil. Sua convocação depende de atos dos presidentes de alguns dos Poderes, a saber, Executivo, Judiciário e Legislativo. Cabe, portanto, ao poder civil, neste caso do presidente da República, a convocação dos militares para ações determinadas como a GLO, a missão de Garantia da Lei e da Ordem.
Terceiro, a GLO só pode ser acionada com propósito preciso, com funções determinadas, num local restrito e com duração definida, além da escolha do comandante desta operação específica. Foram acionadas dezenas de vezes por vários governantes após a Constituição de 1988, e nenhuma delas ensejou um golpe qualquer. O maior beneficiário foi sempre o País. Não há convocação possível da GLO para dar um golpe, algo totalmente implausível. Isso só ocorre no devaneio do desconhecimento e, talvez, da tentativa de tumultuar a estabilidade institucional.
Quanto à participação dos militares em funções civis – recurso usado abusivamente pelo presidente Bolsonaro –, a solução é simples e carece de qualquer Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Tratase de um assunto infraconstitucional, podendo ser resolvido em sua particular esfera legal. Por exemplo, um militar convocado para ocupar um cargo civil deveria passar imediatamente à reserva, cabendo-lhe a decisão de querer ou não se manter na instituição militar. O que não pode é usufruir de uma, servindo à outra.
É mais do que urgente pacificar o País e fortalecer a instituição militar em seu compromisso democrático, demonstrado no estertor do governo Bolsonaro. Recorrer, agora, a uma PEC para alterar esse artigo só produzirá novos conflitos e polarizações. Toda vez que ele foi empregado, seus efeitos foram benéficos, não se tendo prestado a nenhuma tentativa golpista. Na situação atual, mais vale apaziguar os ânimos e não embarcar em controvérsias cujo desfecho é imprevisível. Quando se entra numa discussão deste tipo, necessariamente controversa e polarizada, não se pode prever o seu resultado. O Brasil tem temas mais relevantes a tratar e deveria olhar para o futuro, não se atendo a radicalizações passadas.
Quando o passado chega ao presente
Passado mais de um mês dos atos de terror vandálico de 8 de janeiro em Brasília, é necessário voltar àqueles acontecimentos para que a memória histórica não se apague. Somos um país desmemoriado e, por isso, volto às profundezas dos atos que buscavam criar o caos para propiciar uma “intervenção militar”, como os baderneiros apelidaram o golpe de Estado.
Assim, nunca é demais relembrar o golpe militar de 1964, que instituiu uma ditadura que durou 21 anos no Brasil, apontando diferenças e semelhanças.
Comecemos pelas diferenças. Em 1964, o golpe foi produto da “guerra fria”, instigado pelo governo dos Estados Unidos, como se comprova com a documentação que apresento em meu livro 1964 – O Golpe. Agora, o governo Biden foi o primeiro a pronunciar-se contra as intenções do vandalismo de 8 de janeiro.
Como um todo, o Brasil em 1964 era mais atrasado em pensamento e visão de mundo. As desigualdades sociais eram tidas como “invenção comunista”, ainda que milhões de nordestinos famintos rumassem a São Paulo e ao Sudeste em busca de emprego.
Hoje, a insistência de Jair Bolsonaro sobre o “perigo” de que o atual governo “implante o comunismo” soa como anedota de bêbado.
O espírito e as ações derivadas da “guerra fria” dominavam o mundo naquele 1964 e se sobrepunham, em cada país, aos problemas e às soluções locais. Hoje, as mudanças climáticas são a grande ameaça e nenhum governo se atreve a negá-las.
Por que, então, o vandalismo em Brasília nos preocupa e faz relembrar 1964?
Será porque os baderneiros tiveram cobertura militar ao acamparem em frente ao QG do Exército em Brasília? Ou porque entraram livremente no Palácio do Planalto, sem que o Batalhão da Guarda Presidencial sequer tentasse impedir o assalto? Ou porque concentrar milhares de pessoas numa passeata recorda o desfile da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que em 1964 pedia o golpe?
A diferença é que nas marchas de 1964 todos desfilavam em paz, exercendo o direito de protesto. Até gritavam, no direito de berrar, mas sem o vandalismo que, em 2023, marcou a insânia terrorista do dia 8 de janeiro.
Existe, no entanto, uma diferença fundamental com 1964. Agora, todos os meios de comunicação – dos jornais às revistas, do rádio à televisão – rejeitam o golpe e criticam o terror dos baderneiros. As cenas de vandalismo apresentadas por diferentes redes de TV são algo a não esquecer como ameaça não apenas às instituições democráticas, mas ao próprio estilo de vida de cada um de nós. Até o dia 8 de janeiro, jamais havíamos visto no Brasil o ódio transformar-se em atitude política individual.
As cenas de destruição nas sedes dos Três Poderes em Brasília mostraram uma turba enfurecida, recrutada País afora por meio das invencionices e mentiras das redes sociais para destruir o que encontrasse à frente.
Em 1964, parte dos meios de comunicação acompanhou a posição dos partidos políticos que, no Congresso, se opunham ao governo e admitiam até a sua destituição. Alguns foram além dos limites da liberdade de expressão, como o jornal carioca Correio da Manhã, que chegou a dar a senha do golpe num furioso editorial de primeira página.
Agora, chama a atenção o fanatismo implantado em parte da população e que os bolsonaristas cultivam alimentando o ódio e nos dividindo em dois grupos em guerra. É normal que a política desperte paixões, mas é anormal que leve ao ódio destrutivo e ameaçador de 8 de janeiro.
Além disso, as cenas brutais, mostradas na TV, de milhares de indígenas Yanomamis envenenados pelo mercúrio dos garimpeiros ilegais buscando ouro nos rios amazônicos transforma-se na nova versão de um genocídio. Não importa sequer se genocídio implica plano prévio de extermínio de um grupo (como na Alemanha de Hitler contra os judeus), mas sim os efeitos e resultados. Tal qual os judeus na Alemanha, os Yanomamis não cometeram crime algum, mas são desprezados – num desprezo que se transforma em perseguição, unicamente por serem indígenas.
Os rios amazônicos continuarão envenenados pelo mercúrio dos garimpeiros por mais de um século. Não bastará que a sociedade brasileira, como um todo, derrote nas urnas os adeptos do horror, porque isso não limpará os rios da Amazônia do mercúrio que polui as águas nem devolverá cabelo às crianças indígenas escalpeladas pela contaminação.
As cenas que a TV mostra agora superam em horror a própria maldade.
O terror vandálico de 8 de janeiro em Brasília, por outro lado, desatou uma perigosa aceitação tácita de tudo o que venha do governo de Lula da Silva. O vandalismo bolsonarista foi tão horripilante que poderá, até mesmo, nos fazer perder a visão crítica do que faça o atual governo lulista, se repetir as fraudes do tempo passado em que nos governou.
Que cada um, portanto, esteja vigilante para que o horror não volte ao presente, mesmo disfarçado de benigno.
Assim, nunca é demais relembrar o golpe militar de 1964, que instituiu uma ditadura que durou 21 anos no Brasil, apontando diferenças e semelhanças.
Comecemos pelas diferenças. Em 1964, o golpe foi produto da “guerra fria”, instigado pelo governo dos Estados Unidos, como se comprova com a documentação que apresento em meu livro 1964 – O Golpe. Agora, o governo Biden foi o primeiro a pronunciar-se contra as intenções do vandalismo de 8 de janeiro.
Como um todo, o Brasil em 1964 era mais atrasado em pensamento e visão de mundo. As desigualdades sociais eram tidas como “invenção comunista”, ainda que milhões de nordestinos famintos rumassem a São Paulo e ao Sudeste em busca de emprego.
Hoje, a insistência de Jair Bolsonaro sobre o “perigo” de que o atual governo “implante o comunismo” soa como anedota de bêbado.
O espírito e as ações derivadas da “guerra fria” dominavam o mundo naquele 1964 e se sobrepunham, em cada país, aos problemas e às soluções locais. Hoje, as mudanças climáticas são a grande ameaça e nenhum governo se atreve a negá-las.
Por que, então, o vandalismo em Brasília nos preocupa e faz relembrar 1964?
Será porque os baderneiros tiveram cobertura militar ao acamparem em frente ao QG do Exército em Brasília? Ou porque entraram livremente no Palácio do Planalto, sem que o Batalhão da Guarda Presidencial sequer tentasse impedir o assalto? Ou porque concentrar milhares de pessoas numa passeata recorda o desfile da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que em 1964 pedia o golpe?
A diferença é que nas marchas de 1964 todos desfilavam em paz, exercendo o direito de protesto. Até gritavam, no direito de berrar, mas sem o vandalismo que, em 2023, marcou a insânia terrorista do dia 8 de janeiro.
Existe, no entanto, uma diferença fundamental com 1964. Agora, todos os meios de comunicação – dos jornais às revistas, do rádio à televisão – rejeitam o golpe e criticam o terror dos baderneiros. As cenas de vandalismo apresentadas por diferentes redes de TV são algo a não esquecer como ameaça não apenas às instituições democráticas, mas ao próprio estilo de vida de cada um de nós. Até o dia 8 de janeiro, jamais havíamos visto no Brasil o ódio transformar-se em atitude política individual.
As cenas de destruição nas sedes dos Três Poderes em Brasília mostraram uma turba enfurecida, recrutada País afora por meio das invencionices e mentiras das redes sociais para destruir o que encontrasse à frente.
Em 1964, parte dos meios de comunicação acompanhou a posição dos partidos políticos que, no Congresso, se opunham ao governo e admitiam até a sua destituição. Alguns foram além dos limites da liberdade de expressão, como o jornal carioca Correio da Manhã, que chegou a dar a senha do golpe num furioso editorial de primeira página.
Agora, chama a atenção o fanatismo implantado em parte da população e que os bolsonaristas cultivam alimentando o ódio e nos dividindo em dois grupos em guerra. É normal que a política desperte paixões, mas é anormal que leve ao ódio destrutivo e ameaçador de 8 de janeiro.
Além disso, as cenas brutais, mostradas na TV, de milhares de indígenas Yanomamis envenenados pelo mercúrio dos garimpeiros ilegais buscando ouro nos rios amazônicos transforma-se na nova versão de um genocídio. Não importa sequer se genocídio implica plano prévio de extermínio de um grupo (como na Alemanha de Hitler contra os judeus), mas sim os efeitos e resultados. Tal qual os judeus na Alemanha, os Yanomamis não cometeram crime algum, mas são desprezados – num desprezo que se transforma em perseguição, unicamente por serem indígenas.
Os rios amazônicos continuarão envenenados pelo mercúrio dos garimpeiros por mais de um século. Não bastará que a sociedade brasileira, como um todo, derrote nas urnas os adeptos do horror, porque isso não limpará os rios da Amazônia do mercúrio que polui as águas nem devolverá cabelo às crianças indígenas escalpeladas pela contaminação.
As cenas que a TV mostra agora superam em horror a própria maldade.
O terror vandálico de 8 de janeiro em Brasília, por outro lado, desatou uma perigosa aceitação tácita de tudo o que venha do governo de Lula da Silva. O vandalismo bolsonarista foi tão horripilante que poderá, até mesmo, nos fazer perder a visão crítica do que faça o atual governo lulista, se repetir as fraudes do tempo passado em que nos governou.
Que cada um, portanto, esteja vigilante para que o horror não volte ao presente, mesmo disfarçado de benigno.
O que esconde a Internet
É terrível como se pensa que o que não está na Internet não existe. É capaz de ser o erro mais pernicioso do nosso tempo. Se vamos pensar através de simplificações grosseiras, é mais frutífero partir do princípio que não está nada na Internet.
Mesmo pagando as assinaturas – caríssimas – das bases de dados que são usadas pelas bibliotecas universitárias, é óbvio que não cobrem nem uma pequena percentagem dos documentos existentes. E mesmo a totalidade desses documentos também não cobre senão uma pequena percentagem da realidade estudável.
Só no meu escritório, com os dicionários que tenho, sou capaz de encontrar 20 vezes mais informações sobre palavras e ideias do que encontro online, pelo simples facto de quase nenhuns dos livros estar digitalmente disponível.
É sempre preciso ir às bibliotecas, mas não é só pelos livros: é para perceber a escala, para ganhar humildade, mas também companhia. É para descobrir não só o tamanho do que não se sabe, mas a excitação de poder saber, de estar no sítio certo.
Antes, os ignorantes não tinham conforto. O conselho que seguiam era bom: se não sabes, mais vale ficar calado. Assim, pode haver quem pense que sabes. Mas, se abrires a boca, passam a ter a certeza de que não sabes.
Agora, o conforto dos ignorantes é a ideia que têm a sabedoria no bolso. Não só não é preciso saber, como já não vale a pena. Se quiser saber qualquer coisa, é só fazer uma busquinha, e a busquinha vomita tudo o que há para saber.
O resultado é desastroso: a Internet apaga o que não contém. Vai-se à procura de pessoas importantes e conhecidas que nasceram há apenas cem anos, e não há nada sobre elas. Então conclui-se estupidamente: é porque não existem, ou porque não tiveram importância.
Em contrapartida, vejam-se as pessoas que enchem a Internet. Essas, sim, são muito importantes e merecem ser lembradas para todo o sempre.
Mesmo pagando as assinaturas – caríssimas – das bases de dados que são usadas pelas bibliotecas universitárias, é óbvio que não cobrem nem uma pequena percentagem dos documentos existentes. E mesmo a totalidade desses documentos também não cobre senão uma pequena percentagem da realidade estudável.
Só no meu escritório, com os dicionários que tenho, sou capaz de encontrar 20 vezes mais informações sobre palavras e ideias do que encontro online, pelo simples facto de quase nenhuns dos livros estar digitalmente disponível.
É sempre preciso ir às bibliotecas, mas não é só pelos livros: é para perceber a escala, para ganhar humildade, mas também companhia. É para descobrir não só o tamanho do que não se sabe, mas a excitação de poder saber, de estar no sítio certo.
Antes, os ignorantes não tinham conforto. O conselho que seguiam era bom: se não sabes, mais vale ficar calado. Assim, pode haver quem pense que sabes. Mas, se abrires a boca, passam a ter a certeza de que não sabes.
Agora, o conforto dos ignorantes é a ideia que têm a sabedoria no bolso. Não só não é preciso saber, como já não vale a pena. Se quiser saber qualquer coisa, é só fazer uma busquinha, e a busquinha vomita tudo o que há para saber.
O resultado é desastroso: a Internet apaga o que não contém. Vai-se à procura de pessoas importantes e conhecidas que nasceram há apenas cem anos, e não há nada sobre elas. Então conclui-se estupidamente: é porque não existem, ou porque não tiveram importância.
Em contrapartida, vejam-se as pessoas que enchem a Internet. Essas, sim, são muito importantes e merecem ser lembradas para todo o sempre.
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