segunda-feira, 22 de maio de 2017

A imagem pode conter: texto

Pátria amarga, Brasil!

Raramente os séculos começam e acabam de fato na data marcada. O século XX começou com a guerra de 1914 e terminou com o fim da União Soviética em 1991. Dá-se o mesmo com os governos.

O primeiro de Lula foi a continuação do governo Fernando Henrique por mais de um ano. O segundo de Dilma terminou antes da abertura do processo de impeachment. Na última quarta-feira, o de Temer entrou em colapso.

Presidentes caem quando perdem a autoridade política de mandar e de ser obedecido. Temer começou a perder a dele depois da revelação do que disse e ouviu do empresário Joesley Batista, dono do Grupo JBS, durante encontro clandestino no porão do Palácio do Jaburu, em Brasília.

Os dois eram amigos de muito tempo e haviam se reunido mais de 20 vezes, segundo Joesley.

A JBS foi a maior doadora da campanha de Temer para vice-presidente em 2014. Parte da doação – R$ 1 milhão – acabou entregue nas mãos de um assessor do candidato.

Ao receber Joesley no Jaburu, a primeira preocupação de Temer foi indagar se ficara registro da entrada dele ali. Joesley respondeu que não. O gravador escondido no bolso do empresário eternizou o resto da conversa.

Se Temer tivesse se limitado a ouvir Joesley em silêncio estaria enrascado do mesmo jeito. O grupo JBS fora alvo de cinco operações da Polícia Federal. Joesley corria o risco de ser preso a qualquer momento.

Temer ouviu Joesley confessar vários crimes – entre eles, o de que “segurava” dois juízes e subornara um procurador da República. E o que fez? Deu-lhe ordem de prisão? Despediu-se dele amavelmente.

Charge do dia 22/05/2017

A sorte de Temer depende da decisão a ser tomada nesta quarta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de recurso que pede a suspensão do inquérito aberto contra ele.

Temer é o único presidente da República investigado até agora pelo STF, suspeito de crimes de corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa. Se o inquérito for suspenso, ele ganhará uma sobrevida. Do contrário... Hasta la vista, baby!

A política é como uma nuvem, etc e tal... O formato da nuvem no final da tarde de ontem em Brasília indicava que os principais partidos da base aliada do governo estão prontos para abandoná-lo se Temer seguir sendo investigado.

Não haverá distribuição de cargos e de dinheiro que os segure. No impeachment de Collor, sobrou dinheiro e faltou voto para barrá-lo. No de Dilma, também.

A oposição quer a renúncia de Temer e diretas, já, para que Lula possa disputá-las. A nuvem indica que o sucessor de Temer será escolhido pelo Congresso como manda a Constituição.

E que o escolhido não será Cármen Lúcia, presidente do STF, inimiga declarada da corrupção. E nem Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, para evitar que ele sonhe em se reeleger. E nem o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) por problemas de saúde.

E Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados? A nuvem sugere que ele é o nome mais cotado para a vaga de Temer. Ocupará a vaga como presidente temporário. Depois poderá nela permanecer como presidente definitivo... Enquanto dure.

Até o PT e o PC do B votaram em Maia para presidente da Câmara. Ele foi citado na Lava Jato, é verdade. E esse é seu ponto fraco.

Está bem... Só falta combinar com Temer, que poderia preferir se arrastar como um morto-vivo no cargo pelos próximos meses. Mas como ele só quer o bem do país, não desejará ficar como o mal.

Basta o que está explícito

Há uma historinha que costumava repetir nos tempos de coluna diária, nas quais ralei por quatro décadas. Começa com uma notícia no jornal: “Um homem branco, de 38 anos, foi flagrado, num terreno baldio próximo à uma escola, abusando sexualmente de uma aluna de 12 anos. Com escoriações e em estado de choque, a menina, cujo vestido verde exibia marcas de sangue, foi levada para exames no IML e entregue à família. O criminoso aguardará decisão judicial preso na Delegacia do bairro”… Uma semana depois, o tarado move ação por calúnia contra o repórter, alegando que “o vestido era vermelho”.

Não pensem que esse tipo de reação é rara. Perguntem aos advogados. O processo começa, tramita, vai, volta, entre audiências, recursos, intimações e tudo mais, produzindo, enquanto dura, “uma divergência legal relativa ao que foi exposto”. Até que a Justiça se coce, no ritmo que conhecemos, o processo se arrasta indefinidamente, embolando fios e postergando resultados. O tempo, claro, joga a favor de quem tem culpa.

Essa ficção se aplica à realidade momentânea de Michel Temer. No discurso em que descartou renunciar, ele jogou todas as fichas no álibi do “vestido verde”. De fato, a qualidade da gravação da conversa que teve com Joesley Batista, no Palácio do Jaburu, tem vários pontos inaudíveis e não permite confirmar alguns trechos letais do diálogo inicialmente divulgado em “O Globo” pelo colunista Lauro Jardim.


Mas a aposta presidencial é suicida. Primeiro, porque não se sabe o quanto equipamentos sofisticados da Polícia Federal terão conseguido “limpar” o áudio, alcançando as frases comprometedoras. Ou seja: o material entregue à imprensa pode ser tecnicamente bem inferior ao que está poder do STF. Segundo, porque, havendo ou não essa coleção sonora de delitos nos intervalos ainda nebulosos, restam os outros, perfeitamente nítidos.

E estes, por si só, são suficientes para incinerar qualquer político, inclusive chefes de Estado. Por exemplo: por que Temer recebeu à noite, em casa, sozinho, um empresário alvo de oito processos por corrupção? Por que liberou-o de registrar o nome na portaria do Palácio? Por que não lhe deu voz de prisão quando ouviu-o confessar que estava pagando suborno a um procurador da Lava Jato e a dois juízes? Por que lhe recomendou procurar, para resolver problemas junto a órgãos públicos, um deputado de sua confiança que, na sequência, seria filmado recebendo malas de dinheiro?

A rigor, são irrelevantes os hiatos da gravação nos quais o presidente se entrincheirou. Ainda que não se confirme seu aval explícito à compra do silêncio de Eduardo Cunha pelo dono da JBS, o que está aí, claro e límpido, é barulho bastante para fulminá-lo.

A crise moral e a incredibilidade que atingem o país

A imagem pode conter: texto
Em 2016, uma pesquisa de uma organização internacional apontou que o povo brasileiro era um dos que menos confiavam em seus políticos entre as grandes economias do mundo.

De lá para cá, a presidente Dilma sofreu impeachment; o então presidente da Câmara foi cassado e depois preso e agora, em menos de um ano, há reais chances do país ter outro presidente impedido, sob o fundamento de proceder de forma incompatível com o decoro do cargo, nos termos do art. 9o, 7, da Lei 1079/50.

Isso sem considerar os ministros, senadores e deputados citados nas investigações da Lava Jato e a prisão do ex-governador do Rio de Janeiro.

Obviamente, a credibilidade dos políticos não aumentou ao longo desse período e nem vai aumentar. Pode-se afirmar, sem dúvida nenhuma, que o Brasil vive uma crise política e moral sem precedentes.

Nunca antes na história deste país a política se fez tão presente em manchetes envolvendo escândalos de corrupção e julgamentos nos principais tribunais.

A delação citada pelo próprio jornal O Globo trouxe o caos, mais uma vez, para o Planalto, e tornou insustentável a permanência do presidente Temer, que deveria ter a grandeza que faltou a Presidente Dilma: a de renunciar .

Ainda há o risco do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassar a chapa Dilma/Temer. Esse Julgamento, que versa sobre alegado abuso de poder político e econômico na campanha de 2014, já apresentava inegável relevância, salientada nas palavras do presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, segundo o qual trata-se da mais grave decisão da história daquele Tribunal.

No cenário atual, poderá consistir na solução de nova crise institucional, capaz de mergulhar o Brasil em mais profunda recessão.

Seja como for, dificilmente Temer terminará o mandato.

Em uma República presidencialista como a nossa, na qual o presidente é o representante máximo do povo, é difícil prever qual o impacto que um novo impeachment em um período tão curto poderá ter no cenário nacional.

Cabe à sociedade pressionar, através do sagrado exercício do voto, em 2018, promover verdadeira reforma institucional do País.

Inegavelmente, a reforma política também é imprescindível. Pode ser encarada como tarefa impossível a de gerir um plano de governo lidando com a miscelânea de partidos que formam o Congresso Nacional.

Para exemplificar, somente o Senado possui 80 de seus membros representando 17 partidos, além de um senador que está sem partido no momento. Nos Estados Unidos, dos 100 políticos que compõem o Senado, 98 são dos partidos Republicano e Democrata e dois são independentes.

E além do caos que o cipoal partidário provoca, também é preciso resolver a crise moral que atinge, há muitas décadas, o país. Talvez este seja o maior desafio que o Brasil ainda precisa enfrentar, pois essa crise específica não se resolve apenas com a reformulação de leis.

Gente fora do mapa

Fotos pra te fazer sentir | IdeaFixa:

A cegueira da governança

 
Príncipes, Reis, Imperadores, Monarcas do Mundo: vedes a ruína dos vossos Reinos, vedes as aflições e misérias dos vossos vassalos, vedes as violências, vedes as opressões, vedes os tributos, vedes as pobrezas, vedes as fomes, vedes as guerras, vedes as mortes, vedes os cativeiros, vedes a assolação de tudo? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Príncipes, Eclesiásticos, grandes, maiores, supremos, e vós, ó Prelados, que estais em seu lugar: vedes as calamidades universais e particulares da Igreja, vedes os destroços da Fé, vedes o descaimento da Religião, vedes o desprezo das Leis Divinas, vedes o abuso do costumes, vedes os pecados públicos, vedes os escândalos, vedes as simonias, vedes os sacrilégios, vedes a falta da doutrina sã, vedes a condenação e perda de tantas almas, dentro e fora da Cristandade? Ou o vedes ou não o vedes. Se o vedes, como não o remediais, e se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Ministros da República, da Justiça, da Guerra, do Estado, do Mar, da Terra: vedes as obrigações que se descarregam sobre vosso cuidado, vedes o peso que carrega sobre vossas consciências, vedes as desatenções do governo, vedes as injustiças, vedes os roubos, vedes os descaminhos, vedes os enredos, vedes as dilações, vedes os subornos, vedes as potências dos grandes e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores e gemidos de todos? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos.
Padre António Vieira

Ainda não se achou

 
As pessoas acharam que “enfim, temos presidente”
Michel Temer

De Brasília, com amor

Ficheiro:Pompeia-Q P.jpg
Cara Pompeia,

Peço perdão pelo atraso desta carta. Foi exagerado. Mais de 2,000 anos é muito tempo. Tempo demais. Até pelos nossos padrões complacentes. Em nosso benefício, no seu caso, fomos a injustos por somente 500 anos, mais ou menos. Antes a gente não existia.

Sei que para você não deve fazer muita diferença se são 500 ou 2000 anos. Mas fugir do habito de evitar responsabilidade usando qualquer argumento é difícil para a gente. E, todos sabemos, toleramos sempre o cinismo. Coisa dos trópicos. Imagino que você compreenda.

Não há notícias que você tenha cometido crimes. Talvez seu único lapso de julgamento tenha sido casar com César. E seu único defeito seja ter sido jovem e bonita. Dizem que era pessoa muito difícil de conviver. Mas escolher o marido errado não é crime. Ser mulher de César deve ter tido lá suas recompensas.

Apesar de ser inocente, a gente sempre se cita o exemplo de sua punição injusta como exemplo positivo. Algo como exemplo a ser seguido pelas pessoas na preservação de suas próprias reputações, especialmente em se tratando de figuras públicas.

Dizemos acreditar, certamente com alguma dose de hipocrisia nos dias de hoje, que as aparências também importam, especialmente no caso de figuras públicas. Mas na hora de seguir o que dizemos, claudicamos. E toleramos os tropeços.

Nos dias de hoje, está mesmo difícil, talvez impossível, encontrar gente inocente. E a preocupação com as aparências já foi pela janela faz tempo. As virgens vestais desapareceram faz tempo. Então a gente vai levando com aquilo que tem mesmo.

Imagino que você acompanhe o que está se passando cá embaixo. Você ai de cima vê a gente melhor. Deve estar, como todos nós, desiludida. E chocada com toda essa maldade insolente.

Os trópicos vivem tempos em que a gente já sabe a essência das nossas personalidades públicas. Ninguém mais duvida das culpas. E ninguém não há quem não veja os culpados. Para ser exato, ainda tem gente que querem esconder seus bandidos do coração, mas negar os fatos é praticamente impossível. Durante muito tempo, a gente bem que tentou.

Inventamos os corruptos sem corruptores e agora tentamos explicar a existência dos corruptores sem corruptos. Meio esquizofrênico, é verdade. A impressão é que existem corruptos em por toda parte. Mas a maior parte delas parece ser no Brasil.

Está difícil creditar que as coisas vão melhorar. Vamos torcendo. Mas mesmo que não melhore, a gente deveria reparar pelo menos uma injustiça. Deveríamos pelo menos parar de mencionar sua história. E eliminar pelo menos esta hipocrisia.

Talvez a mulher de César consiga achar em seu coração algum espaço para o perdão. Peco a você que arranque destas palavras, as nossas desculpas por todas as vezes que invocamos a sua história. Você não merece.

De Brasília, com amor.

Cansaço e desalento

De Collor aos Anões do Orçamento, dos Anões do Orçamento ao mensalão, e do mensalão ao petrolão, foram 25 anos (bodas de prata!) em que escândalos de corrupção deceparam presidentes, cassaram parlamentares, arruinaram reputações — mas também fizeram luzir no horizonte um raio de esperança. O Brasil, que com Collor foi ao fundo do poço, mais para baixo não poderia ir. E no entanto vieram os Anões do Orçamento. Chega, indicava a seguir a esperança, essa teimosa; agora a política brasileira há de se emendar. E no entanto veio o mensalão. Depois do mensalão, ao qual nada, de mais amplo e profundo, poderia suceder, veio o petrolão, mais amplo e profundo. E no transcurso do petrolão, desdobramento após desdobramento, vem agora, sucedendo ao assombro das delações da Odebrecht, que nada podia superar, a delação de Joesley Batista, dono da tentacular JBS, e põe por um fio a sobrevivência do governo Temer.

Na campanha presidencial de 2002,o marqueteiro Duda Mendonça, a serviço do PT, inventou um comercial que, sob o mote "XÔ, corrupção!", mostrava um bando de ratos roendo a bandeira nacional. "Ou a gente acaba com eles ou eles acabam com o Brasil", dizia o texto. Pois naquele momento mesmo, enquanto esconjurava a corrupção, o marqueteiro a praticava, aceitando que seus serviços fossem pagos em paraísos fiscais do Caribe. O Brasil se notabiliza, no concerto das nações, por sucessivos recordes no campo da corrupção: por sua onipresença, em todos os níveis do governo, por seus montantes bilionários, por sua extensão no tempo. Mais notável ainda, a corrupção brasileira consegue perpetrar o milagre da simultaneidade, um elaborado esquema que desponta atropelando e se sobrepondo ao anterior. Enquanto se esconjurava o mensalão, em julgamento do Supremo Tribunal Federal, engendrava-se o petrolão. A trama da corrupção, a exemplo dos espetáculos de circo, quando o trapezista despenca no tablado, não pode parar.

A delação de Joesley Batista mostra que o ex-deputado Eduardo Cunha, mesmo preso, continuava a cobrar, exigir e se beneficiar de grossas propinas. O senador Aécio Neves, por seu lado, mesmo acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois, insistia em buscar junto a Joesley mais dinheiro oriundo de corrupção, lavagem e caixa dois, para pagar advogados que o defendessem desses crimes. Num terceiro caso, o mais vital, porque situado no centro do poder, o presidente Temer, não bastasse já chefiar um governo que mal e mal suporta o peso das muitas suspeitas contra seus membros, não se vexou de receber um empresário encrencado, para uma conversa suspeita, na calada da noite.

A conversa de Temer com Joesley Batista, que entrou escondido no Palácio do Jaburu, o empresário com um gravador no bolso, produziu duas falas que, fosse uma peça de teatro, deixariam a plateia de respiração suspensa. A primeira, dita em tom baixo, foi: "Tem que manter isso, viu?". Cinco humildes palavrinhas, terminadas num "viu?" que era a reiteração singela de uma ordem, um alerta para prestar bem atenção porque isso é importante. Joesley acabava de lhe dar conta das propinas com que continuava a alimentar a ganância de Eduardo Cunha. De acordo com o promotor Rodrigo Janot, o presidente enfatizava a necessidade de não interromper os pagamentos a Cunha para mantê-lo calado. A segunda fala foi quando Joesley afirmou que precisava resolver pendências junto a órgãos do governo como o Cade, a CVM e a Receita Federal, e Temer retrucou: "Fale com o Rodrigo". Joesley explorou o terreno: "Posso falar sobre tudo com o Rodrigo?", e Temer respondeu: "Tudo".

Rodrigo Rocha Loures, o homem com quem se podia falar de "tudo" é hoje um deputado pelo Paraná. Na época, era assessor de Temer na Presidência. Procurado nos dias seguintes por Joesley, ele se dispôs a ajudá-lo em múltiplas frentes, a começar pelo Cade, o órgão regulador da concorrência entre as empresas. Joesley reivindicava que a termelétrica de sua propriedade, em Mato Grosso, pudesse comprar gás diretamente da Bolivia, e não da Petrobras, cujos preços são mais altos. Loures pôs mãos à obra, e Joesley lhe prometeu que, do beneficio obtido com a operação, 5% seriam dele.

Temer é, no elenco dos peemedebistas no comando do pais, o responsável pela pose. Isso vem de longe. Os Jucás, Renan, Cunhas e Geddeis ficam com o escracho, ele segura a turma na pose. O nó da gravata Temer não cansa de ajustar, o paletó nunca largará aberto com desleixo; as mãos, ora espalmadas, ora juntas ao peito, ora em acrobáticos rodopios, descrevem estudadas evoluções; o lábio inferior se mete entre os dentes, e a testa se contrai em sinal de que o cérebro se ocupa de graves reflexões. Os outros representam a esbórnia ou a cafajestada, ele é o homem sem dúvida sério, apresentável nos melhores salões. A seu auxiliar Loures, com quem se pode falar de tudo, coube receber 500 000 reais, em dinheiro vivo, de Joesley — primeira parcela pelo serviço a ser prestado.

O sério Temer, desde quando foram reveladas as gravações de Joesley Batista, passou, com pose e tudo, a protagonista do mais novo clássico da corrupção brasileira. Acompanhará doravante sua biografia ilustrada o ato da entrega do dinheiro a Rodrigo Loures, documentado em fotos e vídeos. Sobra a pergunta: caindo Temer, o que virá depois? No panorama devastado da política brasileira não se vislumbra saída, e o vício reiterado da corrupção, escândalo após escândalo, só promete desencanto. Até a esperança, tida como a última que morre, está cansada. No exato momento em que o leitor lê estas linhas, algum politico estará recebendo propina, e algum empresário estará combinando uma trapaça.

Imagem do Dia

Eh boi

Estava no meio de um artigo sobre a conversa com Deltan Dallagnol no Teatro do Leblon, a respeito dos livros que publicamos. Mandei o artigo para o espaço. Durante muitos anos trabalhei, no Congresso, para proibir bombas de fragmentação. Elas ficam no terreno, às vezes parecem um brinquedo e, de repente, bum: explodem. Nesse terreno minado, no entanto, a JBS nunca me enganou. Faz alguns anos que a menciono em artigos. Ela recebia muito dinheiro do BNDES. E doava também muito dinheiro para as campanhas políticas. O PT levava a maior parte, mas não era o único.

A Polícia Federal já estava no rastro, investigando suas fontes de renda, BNDES, FGTS, todos esses lugares onde o dinheiro público flui para o bolso dos empresários. Assim como no caso da Odebrecht, as relações com o mundo político eram muito amplas. Elas são suficientes para nos jogar, pelo menos agora, numa rota de incertezas.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Temer foi para o espaço, Aécio foi para o espaço, embora este já estivesse incandescente, como aqueles mísseis da Coreia do Norte no momento do voo. O PT e Lula já sobrevoam o mar do Japão. Tudo isso acontece num momento em que há sinais de uma tímida recuperação econômica. Como navegar nesses mares em que é preciso desmantelar o grande esquema de corrupção e não se pode perder o foco nos 14 milhões de desempregados?

Escrevo de noite, num quarto de hotel, não me sinto capaz de formular todos os passos da saída. Mantenho apenas o que disse no Teatro do Leblon: a história não recomeça do zero, haverá mortos, fraturas expostas, ferimentos leves, algo deve restar para receber a renovação que, acredito, virá em 2018. E até lá? Não creio que se deva inventar nada fora da Constituição. Mas será tudo muito difícil. Mesmo porque, em caso de necessidade, a Constituição pode ser legalmente emendada.

No Teatro do Leblon, ainda no meio da semana, não quis fazer considerações finais. Não há ponto final, dizia. As coisas ainda estão se desenrolando num ritmo alucinante. O sistema político no Brasil entrou em colapso. Isso já era uma realidade para muitos, agora deve se tornar um consenso nacional. A sociedade terá um papel decisivo, pois deve preparar uma renovação e simultaneamente monitorar os ritos fúnebres do velho sistema. A grande questão: que caminho será o menos traumático para uma economia combalida?

No meio dos anos 1980 já existia uma forte discussão a respeito de partidos políticos. Não seriam uma forma de organização condenada? Discutia-se isso também em outros países. Partido ou movimento, o que é melhor para reunir as pessoas?

A discussão na França, creio, deve ter influenciado, anos depois, a eleição de Macron, agora em 2017. Ele estava à frente de um movimento, mas precisará dos partidos para governar. As fórmulas da renovação política trazem inúmeras possibilidades. Talvez seja difícil falar delas com tantos obstáculos a curto prazo no universo político.

No momento em que escrevo há surpresas, eletricidade, sensação. Só há clima talvez para se discutirem as medidas mais imediatas. O processo de redemocratização no Brasil chegou a um impasse. Precisa de um novo fôlego, algo que, guardadas as proporções, traga de novo as esperanças despertadas pelo fim do longo período ditatorial.

Foi um longo processo de degradação. As últimas bombas que ainda estão espalhadas pelo terreno ainda podem explodir. Mas a explosão de cada uma delas deve ser celebrada.

A corrupção, apesar das recusas da esquerda em reconhecer sua importância, tornou-se o grande obstáculo para o crescimento do país. Não vamos nos livrar totalmente dela. Há um longo caminho para fortalecer a estrutura das leis, desenvolver uma luta no campo cultural — onde as transformações são mais lentas — e sinceramente mostrar às pessoas que é razoável que estejam surpresas com tantas revelações escabrosas. Mas um pouco mais de atenção já teria detectado o escândalo na fonte, nas relações da JBS com o BNDES, na sua ampla influência nas eleições. Até que ponto tanta surpresa seria possível num universo não só com um pouco mais de transparência, mas também com menos ingenuidade?

O tom de prosperidade, crescimento, projeção internacional ajudou a JBS a dourar a pílula, mesma fórmula de Cabral para encobrir seus crimes.

Nos dias anteriores ao escândalo da JBS, a presidente do BNDES ainda achava estranhas as notícias de corrupção no banco e anunciava que iria apurar as irregularidades na gestão anterior.

E falamos delas há anos. Se essa gente insiste tanto em nos infantilizar é porque, ao longo desse tempo, a tática se mostrou eficaz.

A vigilância pode nos libertar dela, embora sempre vá existir um grupo numeroso que vê nas denúncias contra seus líderes uma conspiração diabólica. Esses, entregamos a Deus, sua viagem é basicamente religiosa.

Fernando Gabeira

Temer, por favor, sai daí!

Sai daííí! Estamos muito arranhados. A verdade é que só uma coisa é certa: o país não resistirá a percorrer mais um processo de impeachment. Por favor, presidente, já que disse que não tem apego, deixa a gente seguir em frente enquanto o senhor se defende. Por favor, por você, por nós todos.

Se pudesse pedir algo ao papai do céu, ao anjo da guarda, a Todos os Santos, fazer mandinga, seria para que algo iluminasse a sua cabeça, presidente Temer, para que decida pela forma menos traumática, e por conta própria: renuncie. Não, calma, não estou fazendo juízo de valor, nem o condenando antecipadamente, embora seja bem difícil inocentar – acho que deve se defender com unhas e dentes já que garante que pode, e está – garanto – com um dos melhores advogados do país, Dr. Mariz, que pessoalmente tenho na maior conta, respeito e admiração.


Mas não governando; não pode obstruir a estrada como a terra de um muro desbarrancado pelo tremor, pela avalanche. Se não sair nada mais andará para frente; ao contrário, vai ter marcha-a-ré.

Como vê, em poucos dias já foram buscar e estão começando a passar com trator em cima do senhor. Várias vezes. Vai piorar, vão passar com uma locomotiva carregada, que – veja – apita e aparece logo ali depois da curva. Avalie: como vai continuar governando sem paz? Sem base? Com um monte de flechas apontadas, com manifestações dia sim, dia sim? Se já estava difícil sem tudo isso, imagine agora.

Sei que nesse caso o foro privilegiado que dispõe é de suma importância e o senhor se sentiria mais protegido. Mas, ao mesmo tempo, pense. Os foguetes atingiram sua tenda, furaram o teto, e até o STF já pediu sua investigação enumerando motivos horrorosos. Como ser presidente com esse fardo?

O senhor caiu no centro de uma teia maquiavélica, uma cama-de-gato, uma arapuca engendrada de forma orquestrada, premeditada. Admita. Se tentar se debater dentro dela, se enroscará mais e mais, e talvez não tenha chance de sair dessa com um mínimo de dignidade, que tenho certeza, gostaria de resguardar. Caiu o senhor, caíram até aqueles que já estavam caídos, e quanto mais todos se mexem mais o país para. Esse caso une a verdade aparecendo, sim, mas contada por manipuladores, regados a inveja, disputas internas, frutos de disputas insanas entre poderes. Vamos combinar: dessa vez com uma jogada záz-traz, mortal.

Por favor. Considere isso. Seria uma decisão nobre, mesmo no meio de toda essa lama. Não espere que o tirem aos pontapés, como vai acontecer, seja no TSE, seja no tal impeachment, palavra que me dá até alergia em imaginar tudo de novo. Não dê chance a mais esta acusação – de ter falido um país. A História registra. O jornalismo é o dia a dia.

Mais uma vez, presidente, acredite, dou graças por não ter filhos – não saberia como explicar a eles esse momento que vivemos. Ficaria muito mais perturbada ainda se os visse assistir às cenas que todos estamos vendo. A começar pelos diálogos dos poderosos empresários delatores. Agora piorou, presidente! Os açougueiros foram mais longe ainda. Para se salvarem, aos seus luxos, se prestaram a papéis que não dá nem para dimensionar o nível de canalhice. Agora estão lá fora rindo muito de nossa cara, falando em português primário, enquanto o senhor ainda busca e usa rebuscadas palavras para se defender.

É com essa gente que está lidando agora. Não é mais só com os políticos submissos às suas ordens, os xucros. Não é só com os petistas e afins. Sinta como do dia para a noite foi sendo abandonado. Veja como o bombardeio foi muito bem sucedido, tramado.

Salve sua história, pelo menos a até aqui. Leu o jornalista Jorge Moreno? Mais ou menos: “Prof. Michel Temer chame à razão o presidente Michel Temer”. Acrescento: vamos nos agarrar ao livrinho da Constituição.

Se quer noticias aqui de fora, conto que está todo mundo muito, mas muito mesmo, muito p…, chateado, cansado, e isso é muito, mas muito mesmo, ruim. Ainda tem alguns resignados e à sua volta deve estar cheio de falsos amigos mais preocupados em se manter a salvo do que com o apoio que precisa. Aquelas deprimentes e tímidas palmas que recebeu durante seu primeiro pronunciamento dizem tudo sobre a solidão que enfrentará dentro dos gigantescos palácios.

Por favor, Temer, sai daí. Deixe que nos apeguemos ao pouco que ainda temos, permita que as coisas não piorem, gerando ainda mais miseráveis. Não nos use como escudo, vingue-se depois, mas deixe-nos passar por outros caminhos.

A pinguela ruiu. Salve a República!

Escola não salva a democracia

Educação melhora a qualidade do voto? Trocando em miúdos, se nossas escolas fossem melhores, correríamos menos risco de eleger bandidos ou aventureiros no próximo pleito presidencial? Infelizmente, a resposta é "não".

A ideia de que a democracia é um processo no qual cidadãos bem informados analisam desapaixonadamente as propostas em debate e escolhem a mais conveniente é sedutora, bastante popular e, lamentavelmente, errada. Não é que seja impossível que algum eleitor siga esse roteiro, mas o que várias décadas de estudos empíricos mostram é que essa está longe de ser a regra.

Resultado de imagem para escola e democracia

Um exemplo eloquente é o da fluoretação dos reservatórios de água. Do ponto de vista científico, não há dúvida de que a medida é excelente. Ela previne cáries a um custo irrisório. Nos EUA, nos anos 50 e 60, inúmeras cidades a adotaram; outras, porém, julgaram que era mais democrático submeter a questão a plebiscito. Nessas, a taxa de rejeição da proposta foi maior, chegando a 60%. E se enganam aqueles que acham que a recusa estava confinada aos rincões ignorantes da América.

Cambridge, em Massachusetts, onde têm sede Harvard e o MIT, está entre as cidades que rejeitaram o flúor. Não uma, mas duas vezes. O livro "Democracy for Realists", que já comentei aqui, traz vários outros exemplos de que as relações entre educação/informação e deliberação democrática são muito mais complexas e surpreendentes do que se supõe.

O ponto central é que as pessoas tendem a usar critérios muito mais calcados em emoções e impressões do que na razão para tomar suas decisões. Pior, eleitores são frequentemente vítimas de vieses cognitivos e pressões sociais contra os quais a escola pode muito pouco.

A democracia só não é um caso perdido porque ela, no mais das vezes, consegue ao menos evitar que indivíduos de campos políticos opostos troquem tapas e tiros nas ruas.

Olha quem fala!

Defenderemos o Brasil, tendo como missão a entrega de um novo País às próximas gerações
Michel Temer

Paisagem brasileira

Porto das Barcas em Parnaíba
Porto das Barcas, Parnaíba (PI)

De certezas e incertezas

Por pior que seja a sensação cotidiana de desgosto e nojo, a gravação do presidente Temer, apanhado em conversas estarrecedoras com o empresário Joesley Batista, e a desfaçatez de Aécio Neves, pedindo propina do mesmo empresário e oferecendo em troca diretorias da Vale, dão a dimensão do profilático trabalho de purga que a operação Lava-Jato vem fazendo.

Na semana passada, foi a vez de Lula e Dilma serem desmascarados pelos marqueteiros que inventaram suas máscaras.

Não fosse o nível rasteiro do que está em jogo — roubalheiras e mentiras —, a morte política de personagens centrais dos últimos governos lembraria o desfecho das tragédias.

Aqui é só o enredo de um folhetim político-policial com bandidos em todos os partidos, atirando uns nos outros, mas trabalhando todos, cúmplices, para sabotar a Lava-Jato. O que desde logo desmente as acusações de parcialidade que lhe imputavam as vozes raivosas do PT.
Resultado de imagem para ttemer e a boa fechada charge

Vira-se uma página da história contemporânea que, melancólica, termina com o sistema político caindo de podre. Que futuro ainda é possível para um país massacrado por crise econômica e acefalia política?

Temer escolheu não renunciar. Mais cedo ou mais tarde, será destituído pelo TSE ou em um processo de impeachment. Seu governo tornou-se inviável e agoniza. A base parlamentar se esfacela. Ele nega as acusações. Não convence.

Se se agarrar à cadeira presidencial, provocará uma crescente exacerbação da população que já lhe perdeu o respeito. Mexerá em vespeiro.

Em meio às incertezas, algumas certezas. A Constituição deve ter a primeira e última palavra, e a sua defesa caberá sempre ao Supremo Tribunal Federal.

O funcionamento das instituições democráticas deve ser garantido impedindo que pescadores de águas turvas se insinuem como salvadores da pátria. Seria uma trágica ironia da história se todo esse esforço de moralização da vida pública desembocasse na ascensão de demagogos e corruptos.

No horizonte, acumulam-se interrogações e riscos. Na hipótese de eleições indiretas para substituir Temer, como previsto na Constituição, o presidente da Câmara ou, na ausência dele, o do Senado, ambos comprometidos na Lava-Jato, teriam legitimidade moral para assumir interinamente a Presidência e comandar o processo de eleição do novo presidente?

Não seria mais indicado que a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, de indiscutível honorabilidade, assumisse essas funções?

A honorabilidade deve se tornar uma exigência incontornável para ocupar cargos de comando do país. Uma vida pública sem máculas seria, no caso de eleições indiretas, o requisito primeiro para a escolha de um candidato ou candidata tanto quanto possível consensual.

O espírito da Lei da Ficha Limpa deveria ser rigorosamente invocado na legitimação de candidatos a todo e qualquer cargo público, sobretudo a chefia do Poder Executivo.

Em situações normais, eleições diretas seriam o caminho mais apropriado para refundar o país. Porque é disto que se trata, refundar o Brasil. Mas não estamos vivendo tempos normais. O país foi saqueado.

A Lava-Jato ainda não chegou ao fim de seu trabalho de erradicação da corrupção. A prova é que, como agora, descobrimos, pasmos, que crimes continuam sendo cometidos por políticos que não se arrependem, reincidem, têm uma fé cega na impunidade.

O que está em jogo é um embate decisivo entre o sucesso da Lava-Jato com a punição dos culpados e o risco de volta ao poder daqueles que, por palavras e atos, minaram a democracia até quase destruí-la. O tempo da Justiça pode não coincidir com o da política.

Duzentos e oito milhões de habitantes, vivendo em um gigantesco território, donos de bens naturais inestimáveis como a Amazônia e bacias hidrográficas de dar inveja a um mundo assombrado pela carência de água e de ar puro, com capacidade empresarial para construir a Petrobras e reconstruí-la depois de um assalto demolidor. Assim é o Brasil. Um povo que ganha honestamente a sua vida, uma cultura mestiça, que dá lições de diversidade a quem não suporta um vizinho estrangeiro.

Não somos um país de corruptos, somos um país em que, durante décadas, os governantes se venderam e nos venderam a umas poucas gigantescas empresas que, na sombra, governavam, pervertiam o Estado e a política, cresciam como parasitas, sugando os recursos públicos. A essa devastação, sobrevivemos. O Brasil é maior do que a crise, essa é a maior certeza.

Ladrões em dose dupla

            I
Em Goiás tudo é em dupla
Sertaneja de raiz:
Já vi até duas torres
Em uma igreja matriz
E por fim fizeram uma dupla
Para roubar o País.

           II
Eles assim discutiram
Na hora de combinar:
Não há ideologia
Que não se possa comprar,
Seja direito ou canhoto,
Qualquer mão pode roubar.

           III
Chamaram Luiz Inácio,
Operário sem vintém,
Deram metade de tudo,
Merecido, sem desdém:
- Ele só tem nove dedos,
Mas é mesmo que ter cem!

          IV
Correram pro outro lado,
Quase a mesma opinião:
Deram ao neto de Tancredo
Uma montanha de milhão
E apenas reclamaram
Que ele era o mais pidão.

           V
Aécio ganhava cinco,
Gastava e queria de novo:
- Acabou-se minha merenda,
Só estou no pão com ovo!
Então vinha Doutor Friboi,
Lascava o cofre do povo.

          VI
Lula mandava guardar
A grana no estrangeiro:
Adquiria senador,
Deputado e até olheiro,
E espalhava a lorota
De ser fiel companheiro.

          VII
Michel Temer e companhia
(Cunha, Cabral e Padilha),
Juiz, promotor, polícia,
Formando uma mesma rodilha,
O Brasil sendo comido
Pelas traças da quadrilha.

         VIII
Quando viu que a Lavajato
Ia acabar com o esquema,
A dupla Wesley/Joesley
Montou um estratagema:
- Vamos salvar o dinheiro,
Tá resolvido o problema!

         IX
Se danaram a delatar
Tudo quanto foi partido:
Da esquerda, da direita,
Até quem estava escondido,
E sumiram com a bufunfa
Para os Estados Unidos.

          X
O brasileiro pergunta,
Sem resolver a questão:
Como é que tanto dinheiro
Circulou de mão em mão,
Na Receita Federal
Ninguém prestou atenção?
E o sistema bancário,
Cheio de rigor com o povão,
Que para sacar 10 mil
É grande a aporrinhação?
Dá pra sentir custipio
De saber que meu Brasil
Foi vendido num leilão.

Em boca fechada não entra mosca

Cartazes de um rosto com o dedo indicador sobre os lábios, tão frequentes em hospitais, deveriam ser afixados também nos palácios. E talvez até nos parlamentos, onde tantas coisas são vazadas por incorrigíveis boquirrotos nas ocasiões mais inadequadas. Eles esquecem que a arte parlamentar requer também a arte de calar.

Culturas antigas tinham deuses e deusas do silêncio. Saber a hora de falar ou de calar requeria já naqueles tempos remotos um equilíbrio muito difícil, daí a invocação a divindades para ajudar no silêncio ou na fala.

Resultado de imagem para ttemer e a boa fechada charge
Muitos provérbios, frases famosas, ditos célebres e versos antológicos recomendam que se fale ou que se cale. Mas quem sabe a hora de calar ou de falar?

O Latim consagrou uma destas recomendações ao silêncio ainda no século V da nossa era, repercutindo um conselho que vinha de antigos gregos e romanos: Aliquando pro facundia silentium est (Às vezes, o silêncio vale pela eloquência).

Em muitas culturas, dizia-se que a palavra é de prata, e o silêncio é de ouro. Os dois metais eram imprescindíveis e significavam muito, cada qual no seu lugar, desde remotas antiguidades.

Todavia o ouro tinha o seu lugar referencial junto a quem detinha o poder e, por comparação, quanto mais poder, mais silêncio para ouvir os que falavam, com o fim de saber o que queriam. E só então falar. Procuravam assim os soberanos tomar as melhores decisões, depois de ouvir a todos.

Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, mas especialmente nos Evangelhos de Mateus e de Lucas, lê-se, não um louvor ao silêncio ou à fala, mas uma constatação ainda mais sutil. Proferida originalmente em Aramaico, a sentença foi registrada em Grego e dali trazida por São Jerônimo para o Latim vulgar com a seguinte redação: Ex abundantia cordis os loquitur. (A boca fala do que o coração está cheio).

Eduardo Portela, da Academia Brasileira de Letras, recentemente falecido, reiterava a seus interlocutores e leitores, especialmente a seus alunos, entre os quais estava, com muita honra, o autor desta coluna: “o silêncio é aquilo que se diz naquilo que se cala”.

A sabedoria popular, também em várias línguas, memorizou a recomendação ao silêncio numa frase divertida: em boca fecha não entra mosca.

A nossa herança

Dia desses meditava sobre um curioso aspecto da História, qual o de iludir as mentes mais desavisadas quanto a certos processos e períodos, apenas compreendidos pela posteridade.

Nos últimos anos, vimos 60% das empresas brasileiras negociadas indo parar nas mãos de estrangeiros. Foi assim que chegamos ao insólito país cujos habitantes compram o leite de suas próprias vacas, a água mineral de suas próprias nascentes e a maioria dos produtos de sua própria terra de empresas estrangeiras aqui instaladas.

Resultado de imagem para herança brasileira charge

Temos sido imprudentes com o uso de nossas riquezas: no ritmo atual de extrativismo, que só aumenta a cada dia, daqui a 82 anos não teremos mais minério de ferro para exportar. Nosso níquel só durará mais 116 anos, o chumbo 96, o nióbio apenas mais 35 anos, o estanho 80, os diamantes 123 e o ouro míseros 43. Sim, o Brasil da Serra Pelada será importador de ouro daqui a mínimos 43 anos!

Dizem alguns que o Brasil cresceu nas últimas décadas. Fico a me perguntar, e vai aí uma grande pergunta, quem tem crescido verdadeiramente - se o Brasil, exportador cada vez maior de riquezas em sua maioria não-renováveis, ou se empresas aqui instaladas, com alguns poucos e evidentes reflexos positivos no nosso dia-a-dia e nas contas nacionais. Confesso não ter encontrado ainda resposta a esta pergunta.

O fato é que nossa geração abriu mão de desenvolver um parque industrial próprio, desnacionalizou nossas mais importantes empresas, e está a consumir inebriadamente as maiores riquezas não-renováveis que a natureza nos ofereceu. Temos assistido complacentemente o capital estrangeiro se apropriar de serviços e riquezas do Brasil de forma antes só concebível em alguns indefesos países africanos. Que a história nos seja misericordiosa, pois que nossa responsabilidade é imensa.

Parece incrível, mas vergonhosamente empresas estrangeiras já são responsáveis por 70% de nossas exportações de soja, 15% das de laranja, 13% de frango, 6,5% de açúcar e álcool e 30% das de café! Isto já sangra o Brasil em mais de US$ 12 bilhões a cada ano só a título de remessa de lucros.

Fico a temer pela cobrança das gerações seguintes, que estão por receber de nossas mãos um país loteado, retalhado, quase que vendido, fruto desta "Era da Alienação" que, no futuro, os livros de História registrarão.

Pedro Valls Feu Rosa