segunda-feira, 22 de maio de 2017

Basta o que está explícito

Há uma historinha que costumava repetir nos tempos de coluna diária, nas quais ralei por quatro décadas. Começa com uma notícia no jornal: “Um homem branco, de 38 anos, foi flagrado, num terreno baldio próximo à uma escola, abusando sexualmente de uma aluna de 12 anos. Com escoriações e em estado de choque, a menina, cujo vestido verde exibia marcas de sangue, foi levada para exames no IML e entregue à família. O criminoso aguardará decisão judicial preso na Delegacia do bairro”… Uma semana depois, o tarado move ação por calúnia contra o repórter, alegando que “o vestido era vermelho”.

Não pensem que esse tipo de reação é rara. Perguntem aos advogados. O processo começa, tramita, vai, volta, entre audiências, recursos, intimações e tudo mais, produzindo, enquanto dura, “uma divergência legal relativa ao que foi exposto”. Até que a Justiça se coce, no ritmo que conhecemos, o processo se arrasta indefinidamente, embolando fios e postergando resultados. O tempo, claro, joga a favor de quem tem culpa.

Essa ficção se aplica à realidade momentânea de Michel Temer. No discurso em que descartou renunciar, ele jogou todas as fichas no álibi do “vestido verde”. De fato, a qualidade da gravação da conversa que teve com Joesley Batista, no Palácio do Jaburu, tem vários pontos inaudíveis e não permite confirmar alguns trechos letais do diálogo inicialmente divulgado em “O Globo” pelo colunista Lauro Jardim.


Mas a aposta presidencial é suicida. Primeiro, porque não se sabe o quanto equipamentos sofisticados da Polícia Federal terão conseguido “limpar” o áudio, alcançando as frases comprometedoras. Ou seja: o material entregue à imprensa pode ser tecnicamente bem inferior ao que está poder do STF. Segundo, porque, havendo ou não essa coleção sonora de delitos nos intervalos ainda nebulosos, restam os outros, perfeitamente nítidos.

E estes, por si só, são suficientes para incinerar qualquer político, inclusive chefes de Estado. Por exemplo: por que Temer recebeu à noite, em casa, sozinho, um empresário alvo de oito processos por corrupção? Por que liberou-o de registrar o nome na portaria do Palácio? Por que não lhe deu voz de prisão quando ouviu-o confessar que estava pagando suborno a um procurador da Lava Jato e a dois juízes? Por que lhe recomendou procurar, para resolver problemas junto a órgãos públicos, um deputado de sua confiança que, na sequência, seria filmado recebendo malas de dinheiro?

A rigor, são irrelevantes os hiatos da gravação nos quais o presidente se entrincheirou. Ainda que não se confirme seu aval explícito à compra do silêncio de Eduardo Cunha pelo dono da JBS, o que está aí, claro e límpido, é barulho bastante para fulminá-lo.

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