sábado, 17 de agosto de 2019

Gente fora do mapa


Senado pode votar de pé ou de joelhos

O Senado terá um papel central na definição da qualidade da democracia brasileira e, por consequência, na sobrevivência de um regime que mereça essa designação. O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em particular, escolherá como quer entrar para a história.

E essa história vai passar pelas respectivas indicações do procurador-geral da República, do embaixador do Brasil nos EUA e dos dois nomes que integrarão o Supremo Tribunal Federal.


Já escrevi e afirmei algumas vezes que o presidente Jair Bolsonaro tem ao menos uma virtude, que, ao se exercer, elimina a esperança de que outras possam existir: ele é sincero ao expor as suas utopias.

Na quarta-feira, por exemplo, discursou em Parnaíba, no Piauí: “Nós vamos acabar com o cocô no Brasil: o cocô é essa raça de corrupto e comunista.”

E ele tem um sonho: “Nas próximas eleições, nós vamos varrer essa turma vermelha do Brasil. Já que, na Venezuela, tá bom, vamos mandar essa cambada pra lá. Quem quiser um pouquinho mais para o norte, vai até Cuba. Lá deve ser muito bom também.”

O Senado terá de avaliar se a futura indicação para a PGR terá como parâmetro a Constituição e demais regras do jogo ou se o presidente busca um perseguidor-geral da República.

Que fique claro: o titular do cargo tem, sim, poderes para atender ao ânimo profilático e higienista do presidente. E convém que os não esquerdistas evitem caminhar confiantes para a guilhotina. É “vermelho e cocô” quem Bolsonoro decidir que é “vermelho e cocô”.

Perguntem, senhores senadores, a Gustavo Bebianno ou a Carlos Alberto dos Santos Cruz quanto vale a lealdade do grande líder.

Dois garantistas do Supremo, tão distintos entre si, deixam a Casa: Celso de Mello sai no ano que vem, e Marco Aurélio, no seguinte. E, também nas indicações dos respectivos substitutos, a qualidade da democracia brasileira estará em questão.

O Senado, como instituição —eram outras as composições— já errou e se omitiu o suficiente por ocasião de algumas indicações feitas por Dilma Rousseff.

Lembro-me de um debate que se tornou, a esta altura, bizantino sobre se a Turquia dos primeiros anos de Recep Erdogan estaria inventando uma “democracia à turca”, que alguns finórios ousavam qualificar de “iliberal”.

A “democracia iliberal” é o terraplanismo da teoria política; é a chance que se dá aos truculentos de considerar que é matéria de crença esse negócio de que a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado a hipotenusa.

Desde o princípio do “erdoganismo”, sustentei que não se construía uma “democracia à turca”, mas uma “ditadura à turca”. Bingo! “Democracia iliberal” é coisa de pilantras ou de idiotas.

E os idiotas, com a imodéstia que tão bem os caracteriza, estão por aí —inclusive na imprensa— a piscar os olhos, como “os moços de fretes” (Fernando Pessoa), para os arreganhos autoritários de Bolsonaro.

O “Mito” tem ancestrais ideológicos com os quais a idiotia de então julgava ser possível conviver e que supunha controláveis. Não associavam adversários a excrementos, mas a ratos. Alcolumbre, um judeu, deve saber do que falo.

Quando tinham de fazer a caricatura dos inimigos, preferiam se fixar no tamanho de seus respectivos narizes, sobre os quais criaram uma tipologia.

O nosso presidente prefere se referir ao tamanho do crânio dos nordestinos. Já deixou claro que se sente oprimido pelo “politicamente correto”. Em Parnaíba, voltou à carga: “Não tenho cabeça grande, mas sou cabra da peste”.

Ninguém, no Senado, tem o direito de duvidar das suas pretensões. Convém acreditar no que diz. Quem não está com ele é cocô e tem de ser excretado. Do país!

Os que não se subordinam a seu projeto pertencem à “turma vermelha”. Até o general da reserva Luiz Rocha Paiva, um linha-dura, pode virar um “melancia” caso não lhe faça mesuras.

E, claro!, é preciso que a Casa decida com as pernas e a coluna eretas se a trajetória e a militância de Eduardo Bolsonaro são compatíveis com a de um embaixador, que tem por tarefa representar o conjunto de brasileiros, não uma facção, uma seita ou uma família que se pretende uma dinastia.

Nem é necessário número tão grande para que o Senado preserve, no que lhe cabe, a sanidade da democracia: o país precisa de 41 brasileiros com vergonha na cara. Só a Grande Paraíba conta com 27 votos de pessoas que Bolsonaro julga ter um crânio diferente do seu.

O Brasil rumo ao ostracismo

Na passada terça-feira, manifestantes do grupo Extinction Rebellion lançaram tinta vermelha sobre as paredes da embaixada brasileira em Londres, protestando contra a destruição da floresta amazônica e a perseguição aos povos indígenas.

Dias antes, o governo alemão anunciara o cancelamento de fundos para a proteção da Amazônia, no valor de R$ 155 milhões. Jair Bolsonaro reagiu dizendo que o Brasil não precisa de dinheiro estrangeiro para proteger a floresta.

Há trinta anos a destruição das grandes florestas tropicais de chuva não era um tema que ocupasse as primeiras páginas dos jornais europeus ou americanos. Cientistas e ambientalistas tinham alguma dificuldade em denunciar o que estava acontecendo. Isso mudou. Se antes a Amazônia era apenas uma mancha verde nos planisférios, um território inconcreto, mais do domínio da mitologia do que da realidade, tornou-se algo muito próximo. A maioria dos europeus sabe que a destruição das grandes florestas afeta o seu quotidiano. O aquecimento global instalou-se nos quintais das nossas casas.

O Brasil de Bolsonaro corre o risco sério de se transformar, a muito curto prazo, num país pária, ostracizado e desprezado pela comunidade internacional, à semelhança da África do Sul nos tempos do sistema de segregação do Apartheid.

Turistas brasileiros em viagem pela Europa já estão sendo questionados — e cobrados — pelas bizarras atitudes, comentários e decisões do presidente Jair Bolsonaro. Daqui a pouco estarão sendo abertamente hostilizados, pagando os justos pelos pecadores.

Ao mesmo tempo, muitos europeus desistem de viajar para o Brasil, em férias. Escolher o Brasil como destino turístico tende a ser visto como uma atitude política, de apoio a um governo que persegue as vozes críticas, hostiliza os movimentos feministas e os homossexuais, e, sobretudo, parece empenhado em destruir todo o seu rico patrimônio ambiental.

Jair Bolsonaro e os seus apoiantes apostam no fortalecimento da extrema-direita no ocidente. Não creio que seja uma boa aposta. A extrema direita vem crescendo na Europa devido à irritação de uma classe média empobrecida, que vota nesses movimentos para castigar os políticos tradicionais. Não se trata de um voto por convicção ideológica. Os partidos e movimentos ecológicos e ambientalistas, pelo contrário, veem crescendo de forma sustentada, graças ao apoio de uma juventude cada vez mais consciente e reivindicativa. A médio prazo a Europa será verde.

Contudo, não será preciso esperar muito mais tempo para que o Brasil seja responsabilizado. Questões como a preservação das florestas tropicais colhem simpatia quase geral. Graças sobretudo à sua política de destruição da Amazônia, Jair Bolsonaro está em vias de se transformar num vilão global.

Já se escutam vozes apelando ao boicote de produtos brasileiros. Por este andar, o Brasil terminará completamente isolado. Acham que estou exagerando? Podem até subestimar o meu pessimismo. Convém, porém, não subestimar Jair Bolsonaro e o seu tenebroso talento para o desastre.

Bolsonaro é ridicularizado na TV alemã

Borat, bobo da corte e protagonista do clássico de terror Massacre da serra elétrica – essas foram algumas das associações feitas ao presidente Jair Bolsonaro pelo programa humorístico alemão Extra 3, transmitido na noite de quinta-feira.

Atração de horário nobre da ARD, principal rede de televisão pública alemã, o programa satirizou por quase cinco minutos o governo do presidente brasileiro, criticando principalmente sua política ambiental e o desmatamento na Amazônia.

"Um sujeito que não pensa nem um pouco sobre sustentabilidade e emissão de CO2 é o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, o 'Trump do samba'. Mas alguns dizem também 'o boçal de Ipanema'", afirma o apresentador Christian Ehring, em frente a uma fotomontagem de Bolsonaro vestindo a sunga do personagem Borat, criado pelo humorista britânico Sacha Baron Cohen.


"Bolsonaro deixa a floresta tropical ser destruída para que gado possa pastar e para que possa ser plantada soja para produzir ração para o gado", continua Ehring, após mencionar os mais recentes dados sobre desmatamento no Brasil e diante de outra montagem, dessa vez mostrando Bolsonaro com uma serra elétrica nas mãos.

"Desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, o desmatamento cresceu significativamente e pode continuar aumentando a longo prazo", diz uma voz em off, após aparecer uma foto do líder brasileiro como um "bobo da corte do agronegócio", segurando uma garrafa de pesticida.

O apresentador destaca ainda que o presidente "não se importa nem um pouco" com a suspensão de verbas para projetos ambientais anunciada pelo Ministério do Meio Ambiente alemão no fim de semana. "Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá tá precisando muito mais do que aqui", afirmou Bolsonaro ao reagir com desprezo ao congelamento dos repasses.

Ehring também fala sobre o acordo comercial negociado entre a União Europeia e o Mercosul, chamando o pacto de um "romance destrutivo". Atrás dele aparece uma fotomontagem retratando o presidente e a chanceler federal alemã, Angela Merkel, como uma dançarina sentada em seus braços.

"Bolsonaro ainda demitiu o chefe do próprio instituto que registrou o desmatamento na floresta tropical", ressalta o comediante, referindo-se à demissão de Ricardo Galvão do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). "E também nomeou a principal lobista da indústria agropecuária como ministra da Agricultura", complementa.

Em seguida, ele apresenta um videoclipe da chamada Bolsonaro-Song, uma paródia da música Copacabana, sucesso nos anos 70 na voz do americano Barry Manilow. O vídeo intercala cenas de Bolsonaro com imagens de cortes de árvores e queimadas na Amazônia, além de atividade agrícola e pecuária.

Humorístico conhecido principalmente pela sátira política, o programa Extra 3 tem como alvos principais os dirigentes alemães. Mas líderes internacionais como o americano Donald Trump, o norte-coreano Kim Jong-un, o britânico Boris Johnson e o russo Vladimir Putin também são personagens recorrentes do programa.

Nem sempre a brincadeira é levada na esportiva pelos estadistas. Um dos mais recentes debates provocados pelo Extra 3 foi uma paródia musical com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, veiculada em março de 2016. O caso gerou um desconforto diplomático entre Berlim e Ancara, e o Ministério do Exterior turco chegou a convocar o embaixador alemão no país para explicações.

A controvérsia chegou ao ápice poucas semanas depois, com uma sátira a Erdogan apresentada em outro programa televisivo, dessa vez pelo humorista Jan Böhmermann. O imbróglio foi parar na Justiça e acabou ganhando as capas dos jornais como o "caso Böhmermann".

Quebrado, Bolsonaro rasga verbas internacionais

Jair Bolsonaro se relaciona com a ruína fiscal do governo sem método. Nesta sexta-feira, abalroado por uma pergunta sobre o corte de bolsas de estudo do CNPq, teve um surto de sinceridade: "O Brasil inteiro está sem dinheiro... Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão".

Dias antes, o capitão ironizara a decisão da Alemanha de suspender o repasse de R$ 150 milhões para projetos de proteção ambiental na Amazônia: "Podem fazer bom uso dessa grana, o Brasil não precisa disso".

Na véspera, o presidente fizera piada ao comentar a suspensão de outros R$ 133 milhões que o governo norueguês aplicaria no Fundo Amazônia. "A Noruega não é aquela que mata baleia no Polo Norte? Explora petróleo também lá? Não tem nada a dar exemplo para nós. Pega a grana e ajude a Angela Merkel a reflorestar a Alemanha".

Há dois presidentes em cena. Um deles rende-se à realidade da política de cintos apertados. O outro, empenhado em transformar o Brasil num pária ambiental, soa desconexo. As verbas internacionais que Bolsonaro refugou viriam como doações, não como empréstimos. Em uma década, o Fundo Amazônia recebeu R$ 3,4 bilhões, 93% dos quais provenientes da Noruega.

Conforme já comentado aqui, a loucura ambiental do governo entrou naquela perigosa fase em que os malucos costumam rasgar dinheiro. Para justificar os cortes em programas essenciais, Bolsonaro aponta para o abismo fiscal. Ao desdenhar de países que firmam parcerias monetárias com um Brasil quebrado, ele dança na beirada do desfiladeiro.

"Os ministros estão apavorados", disse o Bolsonaro que reconhece o abismo. Eles "tentam fazer milagre", ele enfatiza. Nem o Exército escapou da tesoura: "Vai entrar em meio expediente. Não tem comida para o recruta, que é filho de pobre".

Com menos de oito meses de mandato, o capitão ainda pode apontar os culpados pela ruína no retrovisor: "Essa situação em que nos encontramos é grave, não é maldade da minha parte, não tem dinheiro. Só isso".

No setor ambiental, porém, a situação é outra. Nessa área, o desastre é obra 100% construída no atual governo. E a encrenca está apenas começando. O desdém de Bolsonaro com a preservação da floresta amazônica não demora a produzir interdições à venda de produtos do agronegócio brasileiro no exterior. Os bloqueios são certos como o nascer do sol a cada manhã.

O pedaço mais arcaico do país, habitado por desmatadores vorazes, trogloditas rurais e toupeiras climáticas, aplaude a loucura presidencial. A turma do agronegócio moderno preocupa-se com a existência de dois presidentes no Planalto —um rendido ao cenário de pindaíba, outro jogando dinheiro doado pela janela.

Pensamento do Dia


Guedes se apressa e já encara risco de crise como uma marolinha

Um ministro da Economia que não exagera nas doses de confiança certamente está no emprego errado. Paulo Guedes disse numa palestra para investidores que o Brasil não tem motivos para se preocupar com as turbulências na Argentina e com a desaceleração em alguns dos principais países do mundo.

“Não tenho receio nem do balancê da Argentina, nem dessa briga comercial. Não tenho receio de ser engolido pela dinâmica internacional”, afirmou. “O mundo estava acelerado, e a gente estava descendo. Se o mundo desacelerar, tudo bem”, diz o superministro.

Guedes tentou convencer a plateia de que os planos do governo Jair Bolsonaro serão suficientes para blindar o país de qualquer alvoroço no mercado internacional. Já enxergou uma marolinha numa crise que mal começou a se desenhar.


Em 2008, quando o colapso imobiliário americano ameaçava se espalhar pelo mundo, o então presidente Lula se saiu como um bom animador de auditório: “Lá, ela é um tsunami. Aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar”. Sua equipe adotou medidas para absorver os choques. O país pagou a conta anos depois.

Desta vez, o Brasil tem menos opções dessa natureza para fazer frente a um esfriamento da economia global, mas o ministro encara os riscos de uma maneira pouco pragmática.

No caso dos argentinos, Guedes decidiu montar na garupa do jet ski desgovernado de Bolsonaro para enfrentar a onda. Fez pouco caso do comércio com o país vizinho e perguntou: “Desde quando o Brasil, para crescer, precisou da Argentina?”.

O país é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil. Exportadores de automóveis e calçados já começam a sentir o balancê por aqui. Nem Eduardo Bolsonaro conseguirá convencer os EUA a comprar o que ficar encalhado nesses estoques.

O ministro tem razão quando questiona a eficiência do Mercosul caso a chapa de Cristina Kirchner vença a eleição no país e feche a economia, mas também ecoa o que há de pior no discurso ideológico de seu chefe.

Livro infantil ensina que imposto é roubo

Um dos gritos de guerra mais controversos de libertários, anarcocapitalistas e demais ultraliberais é que "Imposto é Roubo".

Moralmente, defendem, não há distinção entre o Estado que recolhe tributos e o sujeito que entra numa loja e leva mercadorias sem pagar. Ambos estão se apropriando de parte da riqueza produzida por um indivíduo sem que ele tenha escolha.

Ensinar esse conceito a crianças é exponencializar a polêmica. Mas há quem esteja mexendo no vespeiro.

Divulgação
"Desbravando o mundo livre e aprendendo sobre a lei" é um livro infantil do autor libertário americano Connor Boyack.

No Brasil, a produtora gaúcha Brasil Paralelo, especializada na difusão de ideias de direita, comprou os direitos e o traduziu no primeiro semestre deste ano. Foram impressos 2.000 exemplares, que se esgotaram rapidamente.

É uma versão adaptada de um dos clássicos do liberalismo, "A Lei", do francês Frédéric Bastiat (1801-50). Na história infantil, Fred, um simpático idoso, conversa com os irmãos Marcos e Sofia, seus vizinhos, que o procuram para fazer um trabalho escolar.

Ele começa então a ensinar às crianças o que são direitos de um indivíduo. "Ter direitos significa que existem coisas que eu posso fazer e ninguém pode me impedir", diz.

Teoricamente, afirma Fred, quem deve proteger os direitos das pessoas é o governo. Mas o que acontece quando homens maus estão no governo?, pergunta.

Para ilustrar a teoria, Fred leva os irmãos à sua horta. Se Maria, a vizinha, roubasse tomates, seria errado, diz ele. E se um policial viesse junto, continuaria sendo errado, prossegue. "Roubar é sempre errado", escreve o garoto Marcos em seu caderninho, assimilando a lição.

Ou seja, não importa se é um agente do governo que tenta tomar algo sem permissão. Isso não é justo.

"As pessoas más no governo pegam as minhas coisas e dão a outras pessoas sem a minha permissão", ensina o idoso.

"Mas quem faz isso são os piratas!", diz Marcos. "Sim, Marcos, piratas roubam coisas, isso é chamado de espoliação. E quando os agentes do governo o fazem, chamamos de espoliação legalizada", concorda Fred.

"Ele arremata sua conclusão dizendo que "quando as leis permitem que haja espoliação, as pessoas voltam-se umas contra as outras".

"Todos passam a querer receber, sem que haja algo em troca. Algumas pessoas deixam de trabalhar duro e esperam que o governo tome conta delas. Assim, as pessoas más no governo conseguem o controle de tudo", conclui.

Em outras palavras, o que ele está ensinando é que imposto é roubo, embora o slogan polêmico nunca seja mencionado no texto. O argumento é que o poder do Estado de tributar os cidadãos é uma forma de opressão e um modo pelo qual se exerce controle sobre o indivíduo.

Muito mais correto, prega Fred às crianças, seria as pessoas doarem voluntariamente parte de sua riqueza para quem precisa. Sem que isso seja uma obrigação, um tributo.

Lucas Ferrugem, um dos sócios da Brasil Paralelo, me disse que há uma demanda muito grande por parte de pais de direita, ou liberais, por livros infantis que não estejam impregnados por uma visão esquerdista.

Por isso, a produtora, que surgiu fazendo vídeos e documentários, está querendo entrar no mercado de livros impressos.

Não é a única iniciativa nessa área. Como mostrei aqui em junho, o Instituto Liberdade e Justiça, de Goiânia (GO), também está lançando livros infantis ensinando conceitos de liberalismo. Mas eles não se aventuraram na espinhosa questão de imposto ser o equivalente legalizado de roubo.

Para os liberais, uma sociedade sem impostos é uma utopia distante. Para chegar lá, é preciso começar a incutir esse pensamento desde cedo na sociedade. Espere mais livros nessa linha para breve.

Amor armado

Quando se levanta um político querendo ajudar, os bandidos, ladrões, safados, salafrários se unem para derrubá-lo. Mas o Senhor conhece aqueles que são justos, que querem ajudar o seu povo. Então te peço, meu Pai, por esta nação: nós elegemos Bolsonaro, então seja justo com ele, meu Pai
Edir Macedo, bispo da Igreja Universal e dono da Rede Record de Televisão

A ação social da Igreja Universal e a raiva anticristã de Bolsonaro

Como as religiões não são sujeitas a debate político, protegem suas contradições do risco da curiosidade analítica dos estranhos a elas. Com isso, muita coisa que não deveria ter o refúgio dessa imunidade acaba ficando fora do escrutínio da consciência social. E muita coisa interessante e criativa acaba sendo ignorada.

Extensa matéria sobre a Igreja Universal, uma igreja neoevangélica, publicada na "Folha de S. Paulo" na semana passada, oferece um quadro interessante sobre sua ação social que é reveladora dos aspectos minúsculos e sutis das contradições sociais próprias de um capitalismo de periferia.

Nela ganha evidência o trabalho social e político da religião. Em sua ação assistencial extramuros, de 257 mil voluntários, a matéria oferece indícios da compreensão religiosa da cada vez mais problemática realidade social brasileira.


A igreja não é inocente num cenário em que ela e outras igrejas têm sido coadjuvantes do mesmo poder que estigmatiza os desvalidos e os trata, em suas políticas, como peso morto da lucratividade sem metas sociais. Um dos aspectos importantes dessa prática caritativa é a de não empurrar para Deus a responsabilidade pela aflição dos que injustamente padecem as consequências da economia irresponsável.

Na tradição protestante, que se espraiou pelas igrejas evangélicas, especialmente as neopentecostais, cada um espera que sua vida exemplar lhe dê concretas evidências da prosperidade por meio da qual Deus reconhece o bom uso dos talentos que lhe foram dados. Diferentemente do catolicismo, o membro da igreja não é um ser passivo à espera da misericórdia de Deus. É um ser ativo. É um sócio da empresa da salvação.

A reportagem sobre a Universal nos mostra, pela via de uma religião, um país cheio de brechas, a dos graves problemas sociais que a economia iníqua cria. Não só a pobreza, mas também as distorções alienantes da sociedade de consumo. Os voluntários fazem os curativos de que o drama social carece.

Em outros países que conheço, a consciência da responsabilidade social em relação aos problemas sociais é desprendida e claramente livre de sectarismos, ainda que motivada pela moral religiosa. É assim na Itália católica e é assim na Inglaterra anglicana, países de tradições comunitárias. Já não é assim na América protestante, a pátria do cada um por si e Deus para todos. É a América cuja geopolítica da desigualdade punitiva o Brasil quer copiar.

O mais interessante na reportagem sobre a Universal é que a prática da mão estendida, dos voluntários, identifica os lugares sociais, os pontos de encontro e os momentos de ocorrências que atraem e concentram as vítimas dos carecimentos que representam o lado feio de uma sociedade que achamos bela.

Desenham uma geografia da caridade que é também uma geografia das debilidades sociais de um subcapitalismo de insuficiências. São aqueles dos 15 projetos em que esses voluntários atenderam, em 2018, 11 milhões de pessoas: moradores de rua, pacientes de hospitais públicos, caminhoneiros, presidiários, dependentes de álcool e drogas, prostitutas e travestis, policiais e outros grupos em situação temporária ou intermitente de vulnerabilidade.

Não se regem pela pobreza da classificação ideológica das diferenças sociais. Adotam uma orientação de natureza moral no socorro tópico a quem dele precisa. Há um aspecto político nessa orientação, pela contradição que expressa. A Igreja Universal, como aconteceu com outras igrejas evangélicas, apoiou abertamente a candidatura de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018.

Mas a conduta do presidente eleito, no tocante às políticas sociais, vai na direção oposta à da igreja que lhe concedeu o crédito de um apoio decisivo. As falas impregnadas de ressentimentos fora de época e de circunstância, são dominadas por uma raiva antibíblica e anticristã. Contrariam o que todo evangélico sabe ser o fragmento decisivo de um versículo áureo da Bíblia: "Deus é amor" (I João 4:8). O discurso do ressentimento e do ódio políticos não é terrivelmente cristão. Ao contrário.

Essa igreja, em sua ação social, tem no centro de suas concepções e de sua conduta o ser humano e a humanidade do homem. Bolsonaro e seu governo centrado no primado do poder, do lucro e na centralidade do capitalismo rentista, em atos reiterados destes sete meses de mando, têm no centro a coisificação da pessoa, reduzida à condição de objeto do lucro, de seres descartáveis da reprodução ampliada do capital.

A questão é saber quando esse desencontro entre a opção preferencial pela pessoa, na prática da caridade e da compaixão, e a opção preferencial pelo dinheiro produzirá a corrosão de uma aliança que tem se revelado antissocial.
José de Souza Martins

Brasil visto de fora

Nicolás Tabary (Charlie Hebdo)
- Não é bacana, senhor Bolsonaro, fazer cocô em cima de todo mundo!!
- É sim! Está bem! Eu faço cocô dia sim, dia não, para preservar o meio ambiente e o planeta!

Islândia faz primeiro 'funeral' para geleira morta

Um cientista o declarou morto em 2014 e agora ele e um grupo de especialistas vão colocar sua lápide. O glaciar islandês Ok perdeu sua condição há cinco anos, exaurido e, por fim, esgotado pelo efeito das mudanças climáticas. Em sua memória, no dia 18, vários pesquisadores vão instalar placas no local da geleira que, além de constatar o desaparecimento de Ok, alertarão para os efeitos devastadores das mudanças no mundo.
Imagens de satélite da geleira Ok em 1986 e em primeiro de agosto
A placa, em islandês e inglês, tem como título "Uma carta para o futuro" e lança uma mensagem que apela ao presente, mas também às próximas gerações. "Ok é a primeira geleira islandesa a perder sua condição. A previsão é que, nos próximos 200 anos, todos as nossas geleiras deverão seguir o mesmo caminho. Este monumento foi instalado para reconhecer que sabemos o que está acontecendo e o que precisa ser feito. Só você sabe se nós fizemos", diz o texto.

Os glaciares, segundo explica a NASA em nota, não desaparecem apenas porque a área que abarcam se reduz. Eles são formados pela neve que ao longo do tempo se compacta na forma de gelo, um gelo que, por seu peso, vai deslizando auxiliado pela gravidade. Porém, a capa de gelo de Okjökull (nome islandês da geleira) se afinou tanto que já é insuficiente para o gelo fluir. E uma geleira que não flui, de acordo com os peritos, é uma geleira morta. Foi o que confirmou o glaciologista Oddur Sigurdsson em 2014, data oficial da morte de Ok. Sigurdsson será um dos cientistas que participarão da cerimônia de colocação da placa, no próximo domingo.

Contudo, o desaparecimento de Ok não era imprevisível. A geleira já vinha declinando ao longo do século XX. Em um mapa de 1901, ela se estendia por uma área de 38 quilômetros quadrados, que em 1978 já era de apenas três. Uma imagem de satélite de 1986 ainda o mostrava como uma imponente mancha branca em forma de cúpula, localizada ao norte de uma cratera repleta de neve. Hoje, mal chega a ocupar um quilômetro quadrado, como mostram as imagens capturadas pela NASA em 1º de agosto. O funeral científico de Ok pode ser o primeiro de 400, a quantidade de glaciares presentes no país nórdico.

Governo da bala

Pessoas que se dizem defensoras dos direitos humanos, pseudodefensores dos direitos humanos não querem que a polícia mate quem está de fuzil, mas aí quem morre são os inocentes. Esses cadáveres não estão no meu colo, estão no colo de vocês, que não deixam que as polícias façam o trabalho que tem que ser feito. Quanto mais vocês defenderem esses narcoterroristas, outros cadáveres serão colocados no colo de vocês, pseudodefensores dos direitos humanos
Wilson Witzel, governador do Rio, durante a inauguração da Segurança Presente da Baixada Fluminense

Antidiplomacia que custa caro ao Brasil

A série britânica “Years and Years”, em exibição na HBO, projeta um futuro ainda mais turbulento do que o presente. A tensão entre os EUA e a China se agrava, o sistema bancário entra em crise e o mundo fica à beira de um conflito nuclear. No Reino Unido, uma populista de extrema direita desafia os partidos tradicionais e avança na direção do poder.

A personagem Vivienne Rook abre caminho à custa de grosserias e declarações chocantes. A cada insulto, conquista mais manchetes e mais seguidores fanáticos. No fim do primeiro episódio, ela festeja a notícia da morte da chanceler alemã Angela Merkel. “Já vai tarde. O mundo acaba de ficar bem mais bonito”, debocha, num programa de TV.


Rook é inspirada na francesa Marine Le Pen, mas suas falas também caberiam nas bocas de políticos brasileiros. Na semana passada, o vice-presidente Hamilton Mourão fez piada com a saúde de Merkel, que andou sofrendo tremores em aparições públicas. O vice atribuiu o sintoma a uma “encarada” que ela teria recebido do “nosso presidente Donald Trump”.

Nesta quarta, foi a vez de Jair Bolsonaro provocar Merkel. Em tom irônico, ele chamou a alemã de “senhora querida”. “Pega essa grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui”, disse.

A incivilidade não é o único problema nas declarações do presidente e do vice. Destratar líderes de países amigos é uma atitude prejudicial ao Brasil. A anti diplomacia bolsonarista ameaça atrapalhara economia e isolar o país no cenário internacional. No caso de Merkel, filiada a um partido conservador, não há nem a desculpa ideológica para as ofensas.

Ontem Bolsonaro resolveu atacara Noruega, que já deu R$ 3,2 bilhões ao Fundo Amazônia e também suspendeu os repasses. “A Noruega não é aquela que mata baleia lá em cima, no Polo Norte, não? Não tem nada a dar exemplo para nós”, desdenhou. A claque governista vibrou, mas o Brasil perdeu mais R$ 132 milhões.

A realidade brasileira tem uma desvantagem em relação à ficção britânica. Para se livrar dos insultos de Vivienne Rook, basta desligar a TV.

O inacreditável capitão Bolsonaro

Talvez o mundo não veja, tão cedo, outro presidente da República como Jair Messias Bolsonaro: pessoa sem preparo algum para ocupar o cargo que ocupa, onde chegou de modo intempestivo e surpreendente.

Sem filtro, sem modos, e sem cerimônia, ele diz o que lhe vem à cabeça, sem se preocupar, em absoluto, com as consequências de suas palavras. Está no cargo desde janeiro deste ano. Já se passaram 227 dias. Desses, quantos dias tivemos sem ouvir diatribes contra pessoas, estados, países, instituições? Alguém já fez essa conta?

Não esqueço uma mini entrevista de Michelle Bolsonaro antes ainda da posse. Respondendo a um jornalista que comentava a fama de rude do presidente eleito, Michelle respondeu, sorridente: “Vocês vão ver o quanto isso é falso. Meu marido é um príncipe!”.

Diante dessa afirmação, só me resta crer que o príncipe, ao contrário do que acontece nas histórias de fada, ao tomar posse de seu gabinete no Planalto, virou um sapo. E os sapos, já sabemos, são mal encarados e estão sempre querendo assustar com seus pulos e seus coachados.


Vocês viram o que ele aprontou nos últimos dias? Contando, ninguém acredita, mas como ele faz questão que tudo que ele diz seja repetido na Internet, o mundo inteiro ficou sabendo que o Brasil está tão bem de vida que pode dispensar as verbas enviadas pela Alemanha e pela Noruega para a preservação da Floresta Amazônica.

De que maneira o capitão comunicou sua decisão à chanceler Angela Merkel e ao ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen? Agradecido por tudo que já recebeu e comunicando que o Brasil recuperou seu poder econômico? Foi gentil e grato como um verdadeiro príncipe?<

Ou coaxou?

Ele simplesmente disse que Angela Merkel podia pegar o dinheiro e reflorestar a Alemanha e que aconselhava a Noruega a repassar o dinheiro que enviava ao Brasil para a Alemanha poder se reflorestar. É ou não é um fenômeno? Será que ele nunca ouviu falar das belíssimas florestas alemãs?

33% de seu território é coberto por florestas deslumbrantes. São mais de 90 bilhões de árvores que diminuem o efeito estufa, absorvem o dióxido de carbono, protegem os rios e o solo contra erosões. Isso num país que passou nos últimos 100 anos por duas guerras tenebrosas, foi ocupado por forças estrangeiras e que nem por isso parou de crescer e de tratar bem seus cidadãos. Não há cidade alemã sem esgoto sanitário ou sem transporte público. Suas ruas e praças são bem tratadas, as escolas enchem de orgulho seus administradores e as estradas, que parecem acetinadas, têm sim limites de velocidade.

Viajar pela Alemanha é um deleite para os olhos e para o espírito. Seus parques nacionais são um verdadeiro paraíso, assim como as florestas de faias. O mais apaixonante é o Parque Nacional da Floresta Bávara, cuja Floresta Negra é o lar de muitos animais raros, assim como o habitat imaginário de muitos personagens das mais lindas histórias de fadas.

A Alemanha é absolutamente encantadora.

Quando o Brasil for um país em condições de fazer qualquer tipo de ressalvas ou críticas a países como Alemanha e Noruega, prometo voltar aqui me penitenciando. Se eu ainda estiver por aqui, naturalmente.
Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa