sábado, 29 de maio de 2021

O protesto nacional deste sábado e a CPI da Pandemia encurralam presidente

O presidente Jair Bolsonaro começa a viver seu declínio. Seu nervosismo, às vezes visível e às vezes camuflado, indica que começa a sentir na carne que até seus demônios começam a abandoná-lo.

Sua amarga e ao mesmo tempo sarcástica resposta dias atrás ao seu clã matutino de fanáticos, “para quem não está contente comigo, tem Lula em 2022”, é de um grande simbolismo que reflete seu estado interno de raiva.

Seu instinto político captou a força do amistoso e histórico encontro entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, que agitou todas as forças do poder. Bolsonaro sabe que foi um golpe baixo contra ele que poderia ser fatal.


Todo esse pano de fundo de um Bolsonaro que começa a sentir que a terra se move sob os seus pés e talvez por isso tenta aparecer a cavalo ou de moto como para camuflar sua debilidade e mostrar uma força que já não tem.
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Neste contexto, é significativa a CPI da Pandemia no Senado, que está conseguindo atrair de uma maneira impensável a atenção da rua, pois está sendo seguida com especial interesse por todas as classes sociais. É como se tivesse sido criado um consenso de que a CPI trairia o quase meio milhão de vidas sacrificadas se, como tantas outras, terminasse em nada.

Há uma espécie de sentimento comum de que a CPI, mesmo que não seja definitiva para apear do poder Bolsonaro, negacionista e genocida declarado, deixará o presidente fustigado, comprometendo seriamente suas chances de reeleição. O “fora Bolsonaro” e o “qualquer um é melhor do que ele” tornaram-se um mantra nacional.

Daí a importância de que bem no meio dos trabalhos da CPI, a oposição, sob o signo do “fora Bolsonaro”, tenha convocado para este sábado um protesto nacional que, apesar da pandemia, já adquiriu outro forte simbolismo contra os demônios do bolsonarismo que envenenam este país, intoxicando-o com os gases do ódio e da guerra entre irmãos.

Os símbolos sempre carregam uma grande força renovadora ou destrutiva. Hoje em um Brasil atormentado por um clima de asfixia coletiva, o simbolismo da CPI junto com a convocação anunciada da primeira manifestação nacional contra o Governo que acontecerá, segundo o jornal Folha de S. Paulo, em 110 cidades, entre elas 27 capitais, podem significar o início de uma mudança radical com o cerco ao inferno em que tentam transformar o país.

Por isso é fundamental que a CPI e as manifestações, apesar das restrições impostas pela pandemia, não fracassem. A oposição tem formas criativas e simbólicas de dar destaque e força às manifestações por meio de slogans significativos e gestos como pedir que as famílias que desejam sair do pesadelo demoníaco do bolsonarismo coloquem nas janelas algo que represente o luto pelas vítimas da covid-19, resultado da política destrutiva e da ausência de sentimentos de dor e compaixão da sociedade pelo extermínio ao qual uma política de morte está arrastando o país.

A direita soube usar no passado os símbolos e os slogans nas manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff e do “fora Lula” que ajudaram a Lava Jato a prender o ex-presidente e a tirar Dilma do poder.

É fundamental que desta vez as forças políticas de oposição que se reunirão no sábado saibam sensibilizar uma sociedade em busca de uma solução urgente contra o negacionismo bolsonarista da pandemia que tenta fazer do Brasil o maior cemitério do mundo.

Que o cerco a Bolsonaro está se agudizando como solução para resgatar a esperança perdida neste país é revelado pelo fato de que até o presidente da Câmara, que foi apoiado por Bolsonaro, tornou público pela primeira vez que começou a analisar os mais de 100 pedidos de impeachment que até agora dormiam sonhos tranquilos.

Sinal de que até os políticos que tinham começado a acolher o genocida parecem ter pressa em se afastar dele. Tudo isso graças ao fato de que a rua começa a pressionar os governantes e as instituições a abandonar uma política suicida já reconhecida mundialmente.

O Brasil, apesar de todos os seus problemas ainda não resolvidos como o racismo herdado da escravidão e suas abissais desigualdades sociais, é um povo que o mundo sempre viu como um laboratório no qual se poderia construir uma nova civilização baseada não apenas em suas riquezas naturais, mas também espirituais e de sincretismo cultural e religioso.

Justamente tudo que o bolsonarismo-raiz tenta destruir com sua política demoníaca. Uma política que desperta nas pessoas essa zona de sombras, de ódio e de violência que habita em cada um, algo que só a cultura e uma convivência civilizada são capazes de neutralizar, deixando que prevaleçam os sentimentos positivos do abraço e do desafio à dureza da vida, que são o melhor da alma brasileira.

Pensamento do Dia

 


Uma procissão de mortos

Sic transit gloria mundi (assim passa a glória deste mundo). Os papas pronunciam a frase três vezes, na cerimônia de posse, para lembrar a miséria que há na vaidade das pompas terrestres. Não por acaso, para os gregos, ídolo é o mesmo que fantasma, como que reconhecendo a dimensão especial dos papéis que lhe são reservados. Tanto que Scott Fitzgerald dizia (em O Grande Gatsby) “mostre-me um herói e escreverei uma tragédia”. E segue a vida. E vem a morte. Não há como alterar esse roteiro.

Momento mais evidente dessa finitude, e também do prazer intenso de viver, para mim é quando perco alguma pessoa próxima. E, de logo, tomo emprestado frase atribuída a Chopin, “não me compreendam tão depressa”. Porque essa aparente contradição entre sentimento de perda, e alegria indescritível, só pode ser explicada em função do cenário em que tudo isso ocorre, a alameda que vai da pequena capela do Cemitério de Santo Amaro (Recife) até o portão de entrada que lhe fica em frente. Depois de cada um desses enterros, invariavelmente, me dirijo a essa capelinha. E, dali, “vou por onde me levam meus próprios passos”, em palavras de José Régio (Cântico Negro), até o portão e depois à rua. Um caminhar lento, e em tão profunda solidão, que sou capaz de ouvir meus próprios passos, como se fossem de outra pessoa. E, em certo sentido, são mesmo.

Capela e portão convertidos em símbolos. Com diferenças grandes. A porta da capela está usualmente fechada; e o portão, aberto sempre. Atrás fica um homem morto, pregado na cruz; em frente, pessoas de carne e osso, vivendo suas bem-aventuranças e seus martírios. Atrás, apenas uma imagem de pureza e perfeição; em frente, vendedores de amendoim, motoristas de táxi, curiosos, pedintes, o circo da realidade. Atrás, a inscrição Jesus Nazarenus Rex Judaeorum; à frente, no portão, inscrição nenhuma. Mas quando passo por ele sempre lembro, por alguma razão imprecisa, da porta do inferno na divina Comédia, de Dante, onde se lê “deixai toda esperança, vós que entrais”.


Nessa caminhada, de um lado e de outro, uma legião de mortos que um dia tiveram as mesmas esperanças e desalentos que hoje temos. Mulheres e homens como nós, velhos e moços, gordos e magricelos, ricos e desvalidos, brancos, negros, pardos, mulatos. Todos democraticamente enterrados, lado a lado. Lembrando aos que passamos, com seu silêncio impotente, que o destino do homem é a igualdade. É o esquecimento. É o pó.

Olhando esses desconhecidos, sempre com muita pena (eu que nem os conhecia), fica para mim claro que o homem não nasce quando nasce, nem morre quando morre. Ele começa a nascer muito antes de se converter em feto, já traçando raízes nos locais onde andará, nos amigos que terá, quase como se seu itinerário já estivesse previamente traçado. Assim é com quase todos. E ele morre, no enterro, apenas sua primeira morte; para depois ir morrendo outras mortes, devagar, primeiro na memória dos amigos, depois em suas ideias, até que um dia desaparece de todas as lembranças para cumprir seu destino de ser, completamente, só nada.

O amigo Pessoa disse (em Sá Carneiro) “Nunca supus que isto que chamam morte/ Tivesse qualquer espécie de sentido”. E essa morte é sempre dura. Sinto isso agora, na carne, por terem sido tantos, em volta, e em tão pouco tempo. Menos de um ano. Uma sobrinha, Juliana. Minha mãe (ah!, minha mãe). Dona do Carmo (mãe de Lectícia). E agora, nessa terça, nossa irmã Patrícia. De Covid. Mesmo já tendo tomado a segunda dose da Coronavac quase 50 dias antes. Mulher de Pedro Arruda. E mãe de Gustavo (com Renatinha) e Bruna (com Alonso). Éramos 6, como no título do romance de Maria José Dupré. Hoje, somos apenas 5, a melhor parte de nós se foi. Choro por ela e por todos nós.

Alicerces de (des)governo


Bolsonaro, quando sai na rua, precisa de mil policiais fazendo segurança. Falar que estou com medo de ir pra rua?! Ele, que tá com metade do que tenho nas pesquisas, é que tem que ficar com medo. Daqui a pouco, só vai poder visitar quartel e fazer reunião com miliciano
Lula

Nem tudo é culpa da Covid-19

Nunca me acostumarei com o fato de os problemas essenciais que afligem o país passarem longe da agenda política brasileira. Do mesmo modo não me conformo com a passividade com que a sociedade reage a essa indiferença.

Talvez isso seja fruto de uma cultura fatalista e complacente que acha que tudo é como deveria ser e que os homens não têm o poder de mudar o seu destino.

A política brasileira hoje funciona no modo sobrevivência. A grande maioria dos políticos, esteja no Legislativo ou no governo, tem apenas um único grande desejo – o de preservar posições no poder.


Por isso, evitam qualquer tentativa de mudança, cujas consequências podem ser rupturas difíceis de prever com clareza. Governos e parlamentos usam todos os meios de que dispõem para promover mudanças triviais e cosméticas, fingindo mudar apenas para que tudo fique essencialmente como está.

A força deste desejo de conservação tem sido capaz de paralisar um gigante que é este nosso país, tão rico de toda a sorte de recursos e povoado por uma gente de muitas origens e, na sua maior parte, criativa, inteligente e trabalhadora.

Nos últimos 40 anos, após nossa sociedade ter atingido um certo nível intermediário de renda e de maturidade, o medo do crescimento e da transformação parece ter sufocado nossas energias.

O Brasil tem hoje uma das maiores taxas de desemprego no mundo, em torno de 14,2%. Esse dado oculta certas particularidades que o tornam mais grave. Do total da força de trabalho, além dos desempregados, que somam hoje mais de 14 milhões, temos cerca de 10 milhões que trabalham sem carteira assinada e 23 milhões que trabalham por conta própria, ambos os grupos privados de proteção social.

Todos esses dados mostram como é precária e vulnerável a vida na maioria das famílias brasileiras. Alguém poderá dizer que grande parte deste estado de coisas se deve à pandemia e às medidas de isolamento social que foram adotadas para proteger as pessoas.

Infelizmente, o que é verdade para muitos países no mundo não é verdade para o Brasil, pois a situação crítica do nosso mercado de trabalho é estrutural e antecede o surgimento da Covid.

Em alguns países a pandemia provocou muito desemprego e pobreza. Nos Estados Unidos, antes da Covid havia praticamente pleno emprego, com apenas 4% da população desempregada. No auge da doença o desemprego subiu para 15%.

Passados os piores momentos a taxa de desempregados recuou para 6%. No conjunto dos países desenvolvidos a pandemia fez o desemprego saltar de 5%, em média, para 9%, mas os índices agora já estão voltando à normalidade.

No Brasil a situação é muito diferente. Nossas taxas de desemprego e a precariedade do trabalho estavam elevadas há muito tempo. Já em 2018 o desemprego estava em 12,8%. No auge da pandemia, em 2020, a taxa subiu para apenas 13,5% e agora, com a vida voltando aos poucos ao normal, foi novamente para 14,2%.

O alto desemprego no Brasil não é definitivamente o resultado das medidas sanitárias adotadas por Estados e Municípios.

É uma condição estrutural provocada pelo baixo crescimento crônico de nossa economia. Nosso país há muito tempo mostra grande incapacidade de criar empregos porque não cresce e não investe em novas atividades produtivas.

Não tenho dúvida de que este é nosso problema principal: empregar os brasileiros dispostos a trabalhar e criar condições para que o trabalho por conta própria esteja protegido contra as incertezas da vida econômica.

Por isso, nossas políticas públicas precisam priorizar o crescimento acima de qualquer outro objetivo. E, paralelamente, assegurar boa educação para todos, com ênfase na formação técnica dos que atendam às exigências de um trabalho cada dia mais dependente de novas tecnologias.

Se o Estado brasileiro não for capaz de fazer isto, em breve todos os seus recursos serão pequenos apenas para conter a revolta e as desordens de uma população que perdeu todas as suas esperanças.

Imunidade de quê?

Ninguém sabe quando nem como a pandemia irá acabar. Todos temos o direito de arriscar palpites, uns com maior fundamentação do que outros, mas continuam a ser apenas e só palpites, por mais fórmulas, algoritmos e equações que tenham sido usados para os calcular. O problema, no caso deste vírus, é que sempre que tentamos adivinhar o resultado do “jogo”, mais concretamente o momento em que ele terminará, acabamos, na maior parte das vezes, por criar esperanças infundadas em muitas pessoas. Pior: sempre que nos convencemos de que o fim estava próximo, acabámos por vê-lo afastar-se, afinal, para mais longe. E, invariavelmente, trocar a esperança pela desilusão – acompanhada, ainda por cima, da impaciência e, tantas vezes, da frustração.


É importante manter acesa a chama da esperança nesta luta contra a pandemia. Até porque há razões para isso. Uma delas é a certeza que nos deve sempre animar de que se a espécie humana é a dominante no planeta em que habitamos, isso deve-se à sua capacidade de resistência e de sobrevivência. À forma como conseguimos, através da inteligência e do trabalho em conjunto, superar as dificuldades e vencer os perigos. A esperança é fundamental para combater o desânimo, ajudar-nos a cerrar fileiras e ultrapassar obstáculos. Por isso, da mesma maneira que devemos manter a esperança acesa, precisamos também de saber combater a corrente das falsas esperanças. Em especial, a ideia de que isto está quase a acabar e que já podemos relaxar, sem preocupações.

Podemos, por favor, deixar de falar na imunidade de grupo ou, no mínimo, de a estar sempre a prometer para o fim de cada folha do calendário, como se isso fosse a panaceia imbatível para dar cabo do vírus que nos atormenta? Para que serve estar permanentemente a agitar a meta dos 70% de vacinados, arriscando datas precisas e tudo, se, em boa verdade, ninguém pode dar garantias absolutas de que, depois disso, a pandemia ficará controlada?

Percebem-se as justificações políticas desta opção: após um início de vacinação feito aos trambolhões, em que as doses chegavam a conta-gotas e com uma lentidão exasperante, é preciso demonstrar que, agora, o processo entrou – e ainda bem! – na chamada velocidade de cruzeiro. Com uma média de 100 mil vacinações por dia, as contas são fáceis de fazer e qualquer um percebe que, num País com apenas dez milhões de habitantes, a tarefa de conseguir proteger a esmagadora maioria da população não precisa de ser tão prolongada como noutros países mais populosos. Estão criadas as condições, aliás, para que tudo corra bem e se alcance mesmo os tais 70% de imunizados algures durante o verão.

Mas não disparem logo os foguetes, quando esse número for alcançado. Comecem, desde já, a refrear as euforias e as declarações de vitória. Nem o objetivo final é a suposta imunidade de grupo, nem este jogo termina com a marca dos 70 por cento. A meta deve ser a de conseguir ter toda a população vacinada. O jogo termina aos 100% e não aos 70%, de vacinados, por mais que esse número possa parecer, agora, mágico e radioso.

Cantar vitória aos 70% é correr o risco de, a partir desse momento, muitas pessoas não quererem ser vacinadas, por pensarem que já estão protegidas pela tal imunidade de grupo. Não é fantasia – esse fenómeno já ocorre em países onde a vacinação vai mais adiantada, como os EUA e o Reino Unido, lançando alguns sinais de alarme, devido ao aparecimento de novas variantes, que podem encontrar entre os “fugitivos” das vacinas espaço para criar focos de transmissão, com consequências imprevisíveis.

A verdade, insisto, é que ninguém sabe, de ciência certa, como tudo isto irá acabar, nem quando o vírus deixará de ser uma ameaça. A prioridade tem de ser, por isso, a vacinação total. Atingir os 70% será só o prémio depois de escalada a montanha, mas ainda vai ser preciso pedalar mais até à meta. E trabalhar para que ninguém caia na descida.