sábado, 29 de maio de 2021

Imunidade de quê?

Ninguém sabe quando nem como a pandemia irá acabar. Todos temos o direito de arriscar palpites, uns com maior fundamentação do que outros, mas continuam a ser apenas e só palpites, por mais fórmulas, algoritmos e equações que tenham sido usados para os calcular. O problema, no caso deste vírus, é que sempre que tentamos adivinhar o resultado do “jogo”, mais concretamente o momento em que ele terminará, acabamos, na maior parte das vezes, por criar esperanças infundadas em muitas pessoas. Pior: sempre que nos convencemos de que o fim estava próximo, acabámos por vê-lo afastar-se, afinal, para mais longe. E, invariavelmente, trocar a esperança pela desilusão – acompanhada, ainda por cima, da impaciência e, tantas vezes, da frustração.


É importante manter acesa a chama da esperança nesta luta contra a pandemia. Até porque há razões para isso. Uma delas é a certeza que nos deve sempre animar de que se a espécie humana é a dominante no planeta em que habitamos, isso deve-se à sua capacidade de resistência e de sobrevivência. À forma como conseguimos, através da inteligência e do trabalho em conjunto, superar as dificuldades e vencer os perigos. A esperança é fundamental para combater o desânimo, ajudar-nos a cerrar fileiras e ultrapassar obstáculos. Por isso, da mesma maneira que devemos manter a esperança acesa, precisamos também de saber combater a corrente das falsas esperanças. Em especial, a ideia de que isto está quase a acabar e que já podemos relaxar, sem preocupações.

Podemos, por favor, deixar de falar na imunidade de grupo ou, no mínimo, de a estar sempre a prometer para o fim de cada folha do calendário, como se isso fosse a panaceia imbatível para dar cabo do vírus que nos atormenta? Para que serve estar permanentemente a agitar a meta dos 70% de vacinados, arriscando datas precisas e tudo, se, em boa verdade, ninguém pode dar garantias absolutas de que, depois disso, a pandemia ficará controlada?

Percebem-se as justificações políticas desta opção: após um início de vacinação feito aos trambolhões, em que as doses chegavam a conta-gotas e com uma lentidão exasperante, é preciso demonstrar que, agora, o processo entrou – e ainda bem! – na chamada velocidade de cruzeiro. Com uma média de 100 mil vacinações por dia, as contas são fáceis de fazer e qualquer um percebe que, num País com apenas dez milhões de habitantes, a tarefa de conseguir proteger a esmagadora maioria da população não precisa de ser tão prolongada como noutros países mais populosos. Estão criadas as condições, aliás, para que tudo corra bem e se alcance mesmo os tais 70% de imunizados algures durante o verão.

Mas não disparem logo os foguetes, quando esse número for alcançado. Comecem, desde já, a refrear as euforias e as declarações de vitória. Nem o objetivo final é a suposta imunidade de grupo, nem este jogo termina com a marca dos 70 por cento. A meta deve ser a de conseguir ter toda a população vacinada. O jogo termina aos 100% e não aos 70%, de vacinados, por mais que esse número possa parecer, agora, mágico e radioso.

Cantar vitória aos 70% é correr o risco de, a partir desse momento, muitas pessoas não quererem ser vacinadas, por pensarem que já estão protegidas pela tal imunidade de grupo. Não é fantasia – esse fenómeno já ocorre em países onde a vacinação vai mais adiantada, como os EUA e o Reino Unido, lançando alguns sinais de alarme, devido ao aparecimento de novas variantes, que podem encontrar entre os “fugitivos” das vacinas espaço para criar focos de transmissão, com consequências imprevisíveis.

A verdade, insisto, é que ninguém sabe, de ciência certa, como tudo isto irá acabar, nem quando o vírus deixará de ser uma ameaça. A prioridade tem de ser, por isso, a vacinação total. Atingir os 70% será só o prémio depois de escalada a montanha, mas ainda vai ser preciso pedalar mais até à meta. E trabalhar para que ninguém caia na descida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário