sexta-feira, 19 de agosto de 2016

A agonia do Brasil

Sim, a festa está linda mas não é do Brasil, é só no Brasil. Quando acabar estaremos de volta àquele Rio de Janeiro de sempre com R$ 3 bi a menos de segurança pública por quinzena onde errar o caminho é morte certa.

Aquela abertura foi, sim, uma síntese, mas do nosso velho drama roteirizado. A mais moderna tecnologia emprestando cintilância à mais retrógrada e opaca das mensagens assinada, proverbialmente, pelos noveleiros da Globo ultra especializados nesse tipo de embalagem. Um gostinho para o mundo da anti-utopia que, desde os idos de 1936 é entoada diariamente como um mantra sagrado em todas as escolas e “meios de difusão de cultura da burguesia”: a quase centenária “recriação” stalinista das supostas “raízes” de um Brasil sem empreendedores, só com usurpadores de um lado e escravos do outro, que repudia a superação, sonha apenas com a “hegemonia” da favela.

Esse “Brasil” dos “intérpretes”, complacente com a derrota como provaram que não são cada um dos atletas verde-e-amarelos nas Olimpíadas disputadas na Vila construída pelos empreendedores “que não há”, é o único representado em Brasília. O que suava nas quadras e pistas em busca de glória e remissão pelo esforço individual não tem quem fale por ele na capital mundial do horror ao mérito que as Olimpíadas honram porque meritocracia pressupõe a morte do “Sistema” que vive da distribuição e venda de privilégios.
No Brasil Real onde a casta dos funcionários públicos vence sempre e é contra a lei evitar o suicídio orçamentário haja o que houver, ha sangue na água e os predadores se assanham. Com a inflação comendo por baixo 9% do valor do trabalho ao fim de 8 trimestres consecutivos de queda da produção e mais de 100 mil brasileiros da 2a Classe se juntando à legião dos desempregados a cada 30 dias, os bancos comem soltos. O volume de crédito concedido caiu 4,4% mas a “receita com clientes” subiu 4,2%. A cada “renegociação” das dívidas de empreendedores a quem a única garantia dada pelo “governo de salvação nacional” é a de que nada na equação entre contribuintes e “contribuídos” vai mudar senão para pior, aumenta forte o “spread” entre juros pagos e juros cobrados. Os quatro maiores bancos “lucraram” R$ 31,7 bilhões no segundo trimestre, volume de drenagem que se vem somar aos R$ 60 bi recem chupados pela União para garantir que os seus funcionários permaneçam fora da crise que criaram e aos outros R$ 50 bi que vão custar a renegociação sem contrapartidas das dívidas dos estados. Na fila os governos municipais, só 42 dos quais, em quase 6 mil, têm folhas de pagamento menores que a própria arrecadação apesar do frenesi de multas com que caçam o povo pelas ruas e estradas de todo o país. Jogue-se por cima disso a tempestade de “ações trabalhistas” que o desemprego em massa precipita, montando, este ano, a algo em torno de R$ 70-80 bi e tem-se um retrato parcial do estupro coletivo que o país que trabalha vem sofrendo.

Bolsa subindo, dólar caindo? No mundo da “arbitragem de instituições” é assim: “Tá caro produzir aqui? A lei não garante? Empregar é expor-se à chantagem? Bora produzir em outro lugar”! E na contra-mão: “Tá fácil ganhar dinheiro no mole? É o juro mais alto do mundo? Vamos lá, enquanto durar!” Não tem nada a ver com a economia real. O Brasil que produz e cria empregos está sendo morto a chutes.

Nunca tantos foram tão estraçalhados por tão poucos. Como foi que isto se tornou possível?

O “Sistema” produz exatamente o resultado para o qual foi desenhado. Partindo da falsificação constitucionalmente imposta da base de toda a estrutura de representação da sociedade civil a partir dos sindicatos que dispensam simpatizantes porque são sustentados por impostos, o esquema criado por Getulio Vargas foi clonado, a partir de 1988, pelos partidos políticos. E isto fez da nossa tão propalada “democracia” uma farsa em que os “representantes” se podem dar impunemente o luxo de dispensar o endosso dos “representados” aos seus atos. Fechado em si mesmo, “O Sistema” tem la os seus mecanismos de processamento de lutas intestinas mas o respeito à hierarquia interna, uma vez estabelecida, é sagrado sob pena de “morte”, por condenação aberta quando possível, por chantagem e “assassinato de personagem” quando necessário. Desse momento em diante garantir “o seu” e o “dos seus” às custas dos “de fora”, tão certo quanto que o sol nascerá amanhã, é o que os unirá a todos, para além do falatório, nos momentos de decisão. O conjunto é absolutamente blindado contra qualquer interferência externa, sobretudo dos eleitores, tanto antes, no processo de seleção dos candidatos aos futuros “hubs” de distribuição de acesso a privilégios que são os cargos eletivos, prerrogativa exclusiva dos grandes caciques segundo critérios inconfessáveis porém explícitos, quanto depois do momento fugaz da eleição.

Esperar que o próprio “Sistema” atue contra si mesmo é, portanto, uma ilusão de noiva. Enquanto a imprensa ou pelo menos uma parte dela resistiu denunciando os avanços da casta que parasita a Nação e amplificando a voz dos que pagam a conta sobreviveram, ainda que aos trancos e barrancos, elementos de democracia nas instituições brasileiras. Depois que a ética corporativa substituiu a ética jornalística e a função institucional da imprensa, ultimo bastião dos desvalidos, cedeu lugar a uma conta de chegar na ordem das prioridades das empresas de comunicação, o caminho ficou livre.

Enquanto a imprensa, a reboque da guerra de “acessos” aos dossiês com que as partes em disputa pelo controle do “Sistema” se alvejam umas às outras, seguir tratando a corrupção como causa e não como efeito da sujeição do país à ditadura de uma casta com direitos e deveres totalmente diferenciados dos do resto do povo que ela, imprensa, esta dispensada de expor como o que de fato é, as atenções e as energias da Nação abusada seguirão dispersas e erráticas como estão hoje e não haverá meio de por um fim à opressão.

Fernão Lara Mesquita

O poder do voto municipal

Desde a terça-feira,16, candidatos a prefeito e vereador estão fazendo propaganda e participando de comícios visando uma das eleições municipais mais interessantes dos últimos 30 anos. A campanha no rádio e na TV começa no dia 26, quando a TV Bandeirantes realizará o primeiro debate entre os candidatos das principais cidades do país.

Dois pontos devem ser destacados. O mais relevante é que as ruas aprenderam o influenciar o destino da política desde 2013, a ponto de se transformarem no motor da destituição da presidente afastada Dilma Rousseff. Tal fato não pode ser esquecido.


Outro dado relevante é a ausência das doações empresariais. Essa nova realidade dará imensa relevância para o uso dos fundos partidários e vantagem para os candidatos que são ricos ou apoiados por corporações e grupos organizados.

Levantamento realizado pela Arko Advice nas sete maiores capitais do país aponta que PMDB e PSDB largam em vantagem. O partido do presidente interino tem chances de vitória em São Paulo e no Rio de Janeiro, além de ser o favorito em Porto Alegre. São dois partidos com acesso a muitos recursos.

No caso do PSDB de São Paulo, um candidato muito rico se dispõe a bancar sua campanha. O PSDB lidera em Belo Horizonte. Recife é outra capital onde, apesar do favoritismo do PSB, os tucanos podem surpreender. O DEM larga em primeiro lugar em Salvador e o PDT em Fortaleza. O PT deve ser derrotado em todas as sete maiores cidades do país, com chances de chegar ao segundo turno somente em Recife.

Caso a vantagem do PMDB e do PSDB se confirme nas urnas em outubro, os dois partidos largarão em vantagem para a corrida presidencial de 2018. No entanto, devemos acompanhar com atenção os dois candidatos do PRB, Crivella (Rio) e Russomano (SP), ambos capazes de captar votos anti-PT.

Os prognósticos mais moderados antecipam um pleito recortado pelos seguintes sinais particulares: jovens lideranças, capazes de semear novas utopias e entregar serviços públicos de qualidade, deverão substituir os políticos tradicionais; a Operação Lava-Jato credencia-se como um dos mais poderosos eleitores de 2016. Quem estiver distante de seu alcance ganhará um certificado de probidade.

Pior será a falta de recursos, após a proibição de doações corporativas, obrigando todo tipo de aliança para baratear custos. O PT acabará provavelmente punido com uma das mais modestas votações de sua história de 35 anos, enquanto Lula corre o risco de retornar ao patamar de votos do PT, em torno de 25%, o que representaria o fim do lulismo, atropelado pelo jeito petrolão de fazer política.

O 'primo pobre' pede socorro com urgência

Há sinais extremamente preocupantes no horizonte – e não se trata de forma simbólica de expressão. O panorama visível no País até a olho nu mostra com extrema clareza o aumento das queimadas, que somadas a outros fatores de devastação apontam para perdas alarmantes. E principalmente naquele considerado ao longo do tempo o “primo pobre dos biomas brasileiros”, o Cerrado. Como se se tratasse de um bioma imenso, mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, mas coberto por campos sem fertilidade e sem valor.

Este jornal tem mostrado (3/8), com base em informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que os focos de incêndio no País, desde o começo do ano até fins de julho, cresceram 57% comparados com igual período de 2015 – foram 40.765 (28/7). E poderão chegar a um aumento de 80%, com uma situação de extrema gravidade também na Amazônia. No mês de julho as queimadas no Estado de São Paulo (687) aumentaram 361%, comparadas com julho de 2015. São os maiores números de uma série histórica que começa em 1998. Desde o começo do ano foram 1.702.
Parque Estadual do Jalapão
O Ministério do Meio Ambiente dizia desde o ano passado (Estado, 26/11/15) que “o desmatamento já atinge metade do Cerrado”, mais exatamente 54,6%. Num dos Estados mais atingidos, Goiás, os incêndios, que foram 172 em 1998, chegaram a 1.374 em 17 de julho deste ano. Lá “só sobraram 34,5% do Cerrado (em São Paulo, 9,8%; no Piauí 83,1%)”. Da Mata Atlântica, em Goiás, restaram 2,7% , ou 290 km2, de acordo com o IBGE (O Popular, 20/6/15).

As perdas no Cerrado têm um dos efeitos mais graves na redução das águas ali nascidas e que correm para as principais bacias hidrográficas brasileiras: Araguaia-Tocantins, Paraná e São Francisco. Essas águas podem reduzir-se em até 40%, afetando também a produção das hidrelétricas. Tão graves quanto são as perdas na área da diversidade biológica. O bioma (ECO21, maio de 2016) “é uma das mais ricas regiões de savana tropical do mundo e abriga comunidades biológicas altamente diversas, com muitas espécies únicas e variedades”. Parte delas, endêmicas. De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), 1.629 espécies terrestres e de água doce estão ameaçadas – entre elas, peixes e plantas raros. Mas também pesam ameaças sobre a pecuária, a agricultura e a produção de biocombustíveis.

Começam a ser cada vez mais frequentes os estudos científicos sobre a importância do Cerrado. Stephanie Spera, da Brown University, por exemplo (Eco-Finanças, 18/4), mostrou num deles o impacto da devastação no Cerrado no ciclo de chuvas – e os efeitos na área da agricultura. O bioma é um hotspot da biodiversidade, com mais de 4 mil espécies endêmicas. E “a vegetação do Cerrado recicla água para a atmosfera, que é essencial também para a sustentabilidade da Amazônia”.

Outro cientista, Paulo Tarso Sanches Oliveira, doutor em Engenharia Hidráulica e Saneamento, autor da teseWater balance and soil erosion in the brazilian Cerrado, afirma que a substituição da vegetação nativa do Cerrado por áreas destinadas à produção agrícola tem causado intensas mudanças nos processos hidrológicos e acelerado a erosão do solos. Essas mudanças são “fundamentais na tomada de decisão de uso e manejo do solo da região”. Segundo ele, o desmatamento no Cerrado está ocorrendo “mais rapidamente” que na Floresta Amazônica – e com isso pode até “desaparecer nos próximos anos”. E “a substituição do Cerrado para o uso agrícola tem o potencial de intensificar a erosão do solo de 10 a 100 vezes”. Pode haver “alterações no balanço hídrico, intensificação dos processos erosivos, perda da biodiversidade, desequilíbrios no ciclo do carbono, poluição hídrica, mudanças no regime de queimadas e alteração do clima regional” (amazonia.org, 2/3/2015).

Outro estudo relevante é o Perfil do Ecossistema Hotspot da Biodiversidade do Cerrado(don@cerrado.org.br), coordenado por Donald Sawyer e do qual participaram mais de cem instituições. A região é uma das maiores e biologicamente mais ricas entre as de savana tropical do mundo; abriga comunidades biológicas “altamente diversas”; muitas espécies e variedades únicas. É vital para o abastecimento de água e geração de energia no Brasil; para o controle da erosão e para a redução no País da emissão de gases de efeito estufa.

O desenvolvimento de um perfil do ecossistema, diz o sumário executivo, relaciona 1.629 espécies terrestres e de água doce classificadas pela UICN como globalmente ameaçadas, bem como peixes e espécies de plantas raros. E a melhor forma de conservação para muitas espécies é a proteção de “áreas adequadas de hábitat apropriado”. No Brasil, 761 áreas-chave foram identificadas.

O bioma tem 43 milhões de habitantes em áreas urbanas, mas cerca de 12,5 milhões ainda dependem de terras agrícolas, ecossistemas naturais e zonas úmidas. As mudanças são aceleradas e acentuadas com o processo de ocupação da fronteira agrícola “no coração do Cerrado”, após a construção de Brasília. O estudo entende que “as principais ameaças” ao bioma no presente e no futuro próximo são a pecuária, as culturas anuais (principalmente soja, milho e algodão), biocombustíveis (cana-de-açúcar), carvão vegetal, fogo e “silvicultura de monoespécies”, junto com erosão, espécies invasoras, culturas permanentes, suínos, transporte e aquecimento (local e global). Tudo isso leva um desmatamento anual de 6 mil km2 e já produziu a perda de 50% da cobertura natural.

Não faltam, portanto, informações científicas respeitáveis. Mas faltam políticas nacionais, regionais e locais adequadas que permitam a sobrevivência de um hotspot de biodiversidade – garantia de futuro. Que precisam ser formuladas e executadas sem perda de tempo.

Imagem do Dia

Menino de cinco anos identificado como Omran é resgatado após bombardeio em Aleppo, na Síria
Omran D., de 5 anos, retirado dos escombros depois de um bombardeio em Alepo, na Séria

Pedido de explicações de Comissão da OEA é um apanhado de tolices

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA enviou ao governo brasileiro um documento pedindo explicações sobre o processo de impeachment. Atenção! Trata-se de um procedimento padrão, mas que, nem por isso, deixa de revelar seu caráter ridículo, uma vez que a ação que o motivou é um despropósito.


Parlamentares petistas, encabeçados por Wadih Damous, ex-presidente da OAB-RJ — o que, suponho deve envergonhar a Ordem —, denunciaram à Comissão o que seria um golpe parlamentar no Brasil. Segundo a denúncia dos petistas, “estamos diante de uma situação que não pode ser solucionada por meio de recursos internos”. Os companheiros pedem ainda que a Comissão suspenda o processo. A iniciativa conta com o apoio de José Eduardo Cardozo, o advogado de Dilma, ele também, agora, investigado por obstrução da Justiça.

Chamo atenção para o fato de que, segundo os parlamentares do PT, o próprio Supremo faria parte, então, do tal golpe, uma vez que, como está na denúncia, inexistem “recursos internos” para resguardar os direitos políticos e, pasmem!, humanos de Dilma. Vamos mais longe: para esses senhores, o Brasil já não consegue cuidar sozinho dos seus problemas.

Trata-se de um acinte e de um despropósito. As perguntas enviadas pela Comissão, dado o ridículo da denúncia, tornam-se igualmente vexaminosas.

A Comissão quer saber, por exemplo, “como teria sido garantido o devido processo legal” e “quais seriam os efeitos de uma inabilitação definitiva [de Dilma]”. Ora, ora… O órgão, que abriga o lulista Paulo Vannuchi, não precisaria nem preguntar isso ao governo. Bastaria consultar o Google. A pena em caso de impeachment está devidamente prevista em lei.

Como foi garantido o devido processo legal? Ora, com a aplicação estrita dos nossos códigos, referendados pelo regime democrático e devidamente acompanhados pelo Supremo, que foi chamado a atuar mais de uma vez pelos aliados de Dilma. A Comissão pergunta ainda se haveria a chance de uma “revisão” do processo… Hein? Revisão de quê? Estaria a dita-cuja disposta a declarar sem validade a Constituição do Brasil?

O que acho mais divertido é ler por aí que a Comissão pode conceder uma liminar para “suspender” o julgamento. É mesmo? E quem aplicaria a medida? A Quinta Cavalaria? O Brasil é um país soberano, onde vigora uma democracia de direito. A deposição de Dilma, segundo a Constituição e as leis, é uma questão de política interna.

E arremato com uma questão que já lembrei aqui: quando essa mesma Comissão recomendou a Dilma a suspensão da construção da usina de Belo Monte, a então presidente, em 2011, deu-lhe uma solene banana. E fez muito bem!

Nem a Comissão nem a Corte Interamericana de Direitos Humanos são instâncias revisoras da Justiça brasileira. Menos ainda do Congresso Nacional.

O pedido de explicações não passa de uma tolice derivada de outra.

Se o deputado Wadih Damous não gosta da Constituição e das leis que temos, ele que proponha projetos e emendas para alterá-las. Ou, então, que proponha, sei lá, a luta armada.

O povão ficará de fora?

As atenções estarão voltadas para o que parece o último capítulo da novela do impeachment, do dia 25 ao dia 31, se não sobrevierem inusitados. Foram aprovados os detalhes do julgamento final de Dilma Rousseff, com direito ao comparecimento de Madame ao plenário do Senado, para sua derradeira defesa e diálogo com os senadores, dia 29, além de depoimentos de testemunhas e coleta final dos votos, para condená-la. Tudo milimetricamente definido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski.


Uma lacuna, porém, permanece à margem da competência do ilustre magistrado: e o povo? Tem gente achando que a enfadonha tramitação do processo de afastamento de Dilma exauriu as últimas reservas de paciência do cidadão comum, que por isso dará de ombros durante os acontecimentos. O operário continuará operando, o banqueiro contando juros, o estudante estudando e o desempregado sofrendo. No máximo, uma parcela da população dividirá seus afazeres com as telinhas de reprodução da TV Senado.

Prevê-se a concentração de grupos, ainda que não de multidões, diante do palácio do Congresso, uns protestando e outros festejando a saída da presidente, não se sabe se de carro ou de helicóptero. Dificilmente procissões saudosistas ou carnavalescas desfilarão na Praça dos Três Poderes durante as prolongadas horas do julgamento. Apesar de um razoável aparato policial estar programado para zelar pela ordem na capital federal, não se tem notícia de desordens engendradas pelos sindicatos, partidos, sequer o PT, e sucedâneos. No Rio, São Paulo e outras capitais, algumas aglomerações poderão acontecer, mas o povão, mesmo, ficará à margem, diante de sequelas e querelas que não lhe dizem respeito.

Pedido de campeão

Essa medalha tem um significado especial por ter vindo de um projeto social, mas me dá tristeza ver que isso acabou no Brasil. Se vocês tiverem como tirar fotos dessa medalha, mostrem aos nossos políticos no Planalto para que eles parem de brigar entre si e continuem a buscar novos atletas
Isaquias Queiroz, medalha de prata na canoagem

Como a pobre Brejo Santo construiu as melhores escolas públicas do Brasil

Sob um sol forte e um calor de mais de 30 graus, começam a descer das vans escolares, às 7 horas da manhã, os alunos da escola de ensino fundamental Maria Leite de Araújo, na zona rural de Brejo Santo, cidade a 70 quilômetros de Juazeiro do Norte, no Ceará, e a mais de 500 km da capital do Estado, Fortaleza. O verde das paredes da escola, uma construção simples de tijolos, contrasta com a paisagem ao redor, dominada pelo marrom das estradas de terra, pelo amarelo das plantações acostumadas à escassez de chuva e pela magreza do gado, castigado pela seca.

A escola tem somente cinco salas e 180 alunos, dos quais mais de 90% dependem de programas sociais do Governo, como o Bolsa Família. A renda per capita da região não passa de 350 reais mensais (contra pouco mais de 1.000 reais no Brasil), dinheiro que vem principalmente da agricultura familiar. Com essas características, que são bastante comuns na rede de ensino de um Brasil tão desigual, a escola Maria Leite desafia todos os estereótipos e teorias pedagógicas de um colégio modelo: é a melhor instituição pública de ensino fundamental do país.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), apurado pelo Ministério da Educação (MEC), é quem constata o fato. A escola Maria Leite de Araújo possui a maior nota do Brasil, 9,6, para o primeiro ciclo do fundamental. A média para o país, inclusive, é quase a metade (5,2). O indicador mede o desempenho em português e matemática dos alunos da rede pública.

O segredo para tal desempenho, segundo a secretária municipal de Educação, Ana Jacqueline Braga, não se esconde em uma fórmula mágica mirabolante. "Não é preciso muito dinheiro. Basta fazer um feijão com arroz bem feito. Se tiver recurso sobrando, faz também um bifinho à milanesa, claro. Mas é o básico que precisa ser feito primeiro", conta. A secretária foi percebendo os desafios educacionais do município durante seus mais de 20 anos de experiência como professora da rede.

Um exemplo do "básico" que precisava ser feito parece um reles detalhe, mas fez toda a diferença num município predominantemente pobre. Desde 2009, as crianças tomam um café da manhã quando chegam para assistir às aulas, uma medida fundamental quando grande parte delas tem na escola a principal fonte de alimentação (às vezes, a única). Além dessa refeição, contam com um almoço bem reforçado no recreio. A matéria-prima vem dos agricultores familiares do município, uma iniciativa que garante a qualidade das frutas e verduras no prato das crianças e movimenta a economia local.

Outra iniciativa importante para elevar a qualidade de ensino do município foi o acompanhamento pedagógico constante dos alunos. Antes de todo ano letivo, cada criança é avaliada por suas competências. Aquelas que não aprenderam o conteúdo esperado, assistem a aulas de reforço fora do horário no qual foram matriculadas. Ao longo de todo o ano, as crianças também são acompanhadas por coordenadores pedagógicos. Quando têm dificuldades em alguma disciplina, os professores são orientados sobre como trabalhar com aquela criança para nivelá-la em relação àquilo que é esperado da turma.

A guinada na qualidade do ensino de Brejo Santo, com cerca de 45 mil habitantes, não é um caso isolado do Ceará. Foi durante o governo de Cid Gomes, entre 2007 e 2014, que o Estado começou a implantar um projeto educacional para todos os municípios da região, com destaque para o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic). Em 2007, 39% das crianças entre 7 e 8 anos saíam dos primeiros anos do ensino fundamental sem saber ler nem escrever, percentual de analfabetismo que caiu para 6% em 2014. Foram iniciativas como acompanhamento pedagógico de professores e de alunos e meritocracia, como as feitas em Brejo Santo, que o Estado viu o seu Ideb evoluir de 3,5 para 5,2 nos estágios iniciais do ensino fundamental em menos de sete anos. O projeto educacional do Estado, contudo, foi inspirado em uma experiência na cidade natal da família Gomes, Sobral.

Sala de aula da Nobilino Alves de Araújo.
No caso da cidade visitada pelo EL PAÍS, os 921 professores da rede municipal fazem treinamentos semanais na secretaria de Educação, como parte de um programa de educação continuada do município. O piso salarial é superior ao nacional, que hoje soma 2.135 reais. Os magistrados também recebem bônus de final de ano, um 14 salário que acompanha o desempenho da sua escola no Ideb e no Spaece, prova que mede o conhecimento dos alunos no Estado do Ceará. "Quem faz acontecer, na verdade, é o professor. Então a sua profissão deve ser valorizada", explica Jacqueline.

Nos últimos anos, a rede toda foi reformulada, e a maior parte das 42 escolas de ensino básico foram segregadas por séries. Algumas escolas oferecem matrículas do ensino infantil, outras do primeiro ao quinto ano do fundamental e, outras, do sexto ao nono. Diferentemente da tentativa de reorganização escolar aplicada no Estado de São Paulo, as crianças que foram transferidas contam com transporte escolar e, ainda que tudo seja muito perto na zona urbana da interiorana Brejo Santo, não precisam se preocupar com a distância entre o novo colégio e as suas casas. Na zona rural, onde as distâncias são de fato um problema, as escolas costumam oferecer vaga para todos níveis de ensino. Mesmo assim, o transporte escolar é obrigatório.

Antes de 2009, o ensino em Brejo Santo era multisseriado, ou seja, na mesma sala de aula encontravam-se alunos de séries diferentes. O modelo, que funciona bem na Escola da Ponte, em Portugal, parece não se adaptar a Brejo Santo. "Modelos muito construtivistas são ótimos quando os alunos têm boa estrutura familiar, conhecimentos prévios para serem trabalhados. As crianças aqui não vivem essa realidade e eu não posso simplesmente ignorá-las, nem esperar que elas estejam preparadas para as pedagogias modernas", defende Jacqueline.

Dados comprovam a evolução do município após a reestruturação, rede de ensino que já esteve entre as piores do país. O Ideb médio de Brejo Santo passou de 3 em 2007 para 7,2 em 2013. Há alguns anos, a evasão escolar era uma das maiores do Brasil e, o número de matrículas, baixo. Atualmente, 99% dos alunos em idade escolar estão, de fato, na escola, o que corresponde a 12.325 estudantes. Tudo o que foi conquistado pela cidade, contudo, provém de poucos recursos. Além dos repasses do Fundeb, fundo de educação básica distribuído pelo Governo federal para todos os municípios do país, Brejo Santo aplica no segmento 27,5% de suas receitas com tributos, pouco mais de 13 milhões de reais por ano. A cidade conta com cerca de 47 mil habitantes, dos quais 11 mil dependem de bolsas assistenciais do Governo.