A escola tem somente cinco salas e 180 alunos, dos quais mais de 90% dependem de programas sociais do Governo, como o Bolsa Família. A renda per capita da região não passa de 350 reais mensais (contra pouco mais de 1.000 reais no Brasil), dinheiro que vem principalmente da agricultura familiar. Com essas características, que são bastante comuns na rede de ensino de um Brasil tão desigual, a escola Maria Leite desafia todos os estereótipos e teorias pedagógicas de um colégio modelo: é a melhor instituição pública de ensino fundamental do país.
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), apurado pelo Ministério da Educação (MEC), é quem constata o fato. A escola Maria Leite de Araújo possui a maior nota do Brasil, 9,6, para o primeiro ciclo do fundamental. A média para o país, inclusive, é quase a metade (5,2). O indicador mede o desempenho em português e matemática dos alunos da rede pública.
O segredo para tal desempenho, segundo a secretária municipal de Educação, Ana Jacqueline Braga, não se esconde em uma fórmula mágica mirabolante. "Não é preciso muito dinheiro. Basta fazer um feijão com arroz bem feito. Se tiver recurso sobrando, faz também um bifinho à milanesa, claro. Mas é o básico que precisa ser feito primeiro", conta. A secretária foi percebendo os desafios educacionais do município durante seus mais de 20 anos de experiência como professora da rede.
Um exemplo do "básico" que precisava ser feito parece um reles detalhe, mas fez toda a diferença num município predominantemente pobre. Desde 2009, as crianças tomam um café da manhã quando chegam para assistir às aulas, uma medida fundamental quando grande parte delas tem na escola a principal fonte de alimentação (às vezes, a única). Além dessa refeição, contam com um almoço bem reforçado no recreio. A matéria-prima vem dos agricultores familiares do município, uma iniciativa que garante a qualidade das frutas e verduras no prato das crianças e movimenta a economia local.
Outra iniciativa importante para elevar a qualidade de ensino do município foi o acompanhamento pedagógico constante dos alunos. Antes de todo ano letivo, cada criança é avaliada por suas competências. Aquelas que não aprenderam o conteúdo esperado, assistem a aulas de reforço fora do horário no qual foram matriculadas. Ao longo de todo o ano, as crianças também são acompanhadas por coordenadores pedagógicos. Quando têm dificuldades em alguma disciplina, os professores são orientados sobre como trabalhar com aquela criança para nivelá-la em relação àquilo que é esperado da turma.
A guinada na qualidade do ensino de Brejo Santo, com cerca de 45 mil habitantes, não é um caso isolado do Ceará. Foi durante o governo de Cid Gomes, entre 2007 e 2014, que o Estado começou a implantar um projeto educacional para todos os municípios da região, com destaque para o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic). Em 2007, 39% das crianças entre 7 e 8 anos saíam dos primeiros anos do ensino fundamental sem saber ler nem escrever, percentual de analfabetismo que caiu para 6% em 2014. Foram iniciativas como acompanhamento pedagógico de professores e de alunos e meritocracia, como as feitas em Brejo Santo, que o Estado viu o seu Ideb evoluir de 3,5 para 5,2 nos estágios iniciais do ensino fundamental em menos de sete anos. O projeto educacional do Estado, contudo, foi inspirado em uma experiência na cidade natal da família Gomes, Sobral.
No caso da cidade visitada pelo EL PAÍS, os 921 professores da rede municipal fazem treinamentos semanais na secretaria de Educação, como parte de um programa de educação continuada do município. O piso salarial é superior ao nacional, que hoje soma 2.135 reais. Os magistrados também recebem bônus de final de ano, um 14 salário que acompanha o desempenho da sua escola no Ideb e no Spaece, prova que mede o conhecimento dos alunos no Estado do Ceará. "Quem faz acontecer, na verdade, é o professor. Então a sua profissão deve ser valorizada", explica Jacqueline.
Nos últimos anos, a rede toda foi reformulada, e a maior parte das 42 escolas de ensino básico foram segregadas por séries. Algumas escolas oferecem matrículas do ensino infantil, outras do primeiro ao quinto ano do fundamental e, outras, do sexto ao nono. Diferentemente da tentativa de reorganização escolar aplicada no Estado de São Paulo, as crianças que foram transferidas contam com transporte escolar e, ainda que tudo seja muito perto na zona urbana da interiorana Brejo Santo, não precisam se preocupar com a distância entre o novo colégio e as suas casas. Na zona rural, onde as distâncias são de fato um problema, as escolas costumam oferecer vaga para todos níveis de ensino. Mesmo assim, o transporte escolar é obrigatório.
Antes de 2009, o ensino em Brejo Santo era multisseriado, ou seja, na mesma sala de aula encontravam-se alunos de séries diferentes. O modelo, que funciona bem na Escola da Ponte, em Portugal, parece não se adaptar a Brejo Santo. "Modelos muito construtivistas são ótimos quando os alunos têm boa estrutura familiar, conhecimentos prévios para serem trabalhados. As crianças aqui não vivem essa realidade e eu não posso simplesmente ignorá-las, nem esperar que elas estejam preparadas para as pedagogias modernas", defende Jacqueline.
Dados comprovam a evolução do município após a reestruturação, rede de ensino que já esteve entre as piores do país. O Ideb médio de Brejo Santo passou de 3 em 2007 para 7,2 em 2013. Há alguns anos, a evasão escolar era uma das maiores do Brasil e, o número de matrículas, baixo. Atualmente, 99% dos alunos em idade escolar estão, de fato, na escola, o que corresponde a 12.325 estudantes. Tudo o que foi conquistado pela cidade, contudo, provém de poucos recursos. Além dos repasses do Fundeb, fundo de educação básica distribuído pelo Governo federal para todos os municípios do país, Brejo Santo aplica no segmento 27,5% de suas receitas com tributos, pouco mais de 13 milhões de reais por ano. A cidade conta com cerca de 47 mil habitantes, dos quais 11 mil dependem de bolsas assistenciais do Governo.
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