terça-feira, 2 de agosto de 2016
Velhas perguntas e velhas respostas
Não aguento mais falar de escândalos e punições. A política está tão despedaçada quanto nossas cabeças. A mutação dos últimos anos foi tão forte, a revolução digital foi tão completa no mundo pós-industrial, que dissolveu crenças e certezas. Caímos num vácuo de rotas. Não há uma clareza sobre a pós-modernidade – como viver sem esperanças?
Perdoem meu pobre “papo cabeça”, mas eu estou preparando um novo filme e vejo como é difícil criar sem finalidade alguma, pois todo pensamento tem o desejo de conclusão, um desejo de certeza.
Como opinar sobre um mundo tão fragmentado? Temos de nos contentar com narrativas parciais. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, artistas e pensadores vivem perplexos – não sabem o que filmar, escrever, formular. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas... Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Como escreveu Beckett: que saudade “das velhas perguntas e das velhas respostas”. Ninguém sabe nada. Os textos sobre o tempo atual são cheios de lamentos pelo passado filosófico e ideológico e de pavores noturnos e fobias sobre o que vem a caminho... Tipo “something wicked this way comes”, ou “vem bode por ai...”, como diziam as bruxas de Shakespeare.
Hoje, num mundo inexplicável, na impossibilidade de representação do real, surgem novas formas de linguagem dramática. No cinema brasileiro, já temos uma tendência mais documental sobre a vida, sobre quase nada, onde o enredo e os resquícios de sentido aparecem imperceptivelmente nas entrelinhas das cenas. São excelentes filmes que traçam um novo caminho autoral, como “Boi Neon” e “O Som ao Redor”. Eles sabem que a arte “não é o reflexo da realidade, mas a realidade do reflexo”, como falou Jean-Luc Godard, o primeiro a destroçar a caretice do cinema de Hollywood.
Mas, mesmo em filmes menores, na falta das grandes narrativas do passado, estamos a procurar irrelevâncias, porque podem ser as pistas para novas “verdades”.
Essa é a dificuldade: como falar de singularidades se sonhamos sempre com conceitos universais? Em geral, recorremos às atitudes mais comuns nas turbulências: desqualificar os fatos novos e reinventar um “absoluto” qualquer, sem saber que, como escreveu Baudrillard: “não há mais universais; só o singular e o mundial”.
As palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas. Por exemplo: “futuro”. Que quer dizer? Antes, era um lugar a que chegaríamos, um lugar no espaço-tempo, solucionado, harmônico, que nos redimiria da incerteza e do sofrimento. Antes, havia debates para ver quem “tinha razão”. Hoje, todos têm razão, e ai daquele que criticar tendências, em nome de paradigmas seculares da arte. As tentativas de “grande arte” são vistas com desconfiança, como atitudes conservadoras diante da cachoeira de produções que navegam no ar. A busca da beleza é, muitas vezes, considerada um individualismo autoritário.
Com a libertação da tutela dos chamados “maîtres à penser”, dos seres que nos guiavam orgulhosamente, a busca de profundidade foi substituída por um vale-tudo formal em que a inteligência é substituída pela sacralização das irrelevâncias massificadas. Também, por outro lado, cresce uma arte confessional que busca no inconsciente dos artistas alguma forma de verdade. Assim, a antiga aura deslizou da obra para o próprio autor – o assunto é ele mesmo. Isso me lembra o tempo em que achávamos que o fluxo da consciência, “the stream of consciousness”, ou até o discurso psicótico, encerrava uma “sabedoria” insuspeitada.
Em geral, as diagnoses sobre as mutações a que assistimos hoje em dia se dividem ou em lamentos por um passado de ilusões perdidas ou em euforia ingênua por um admirável mundo novo em que todos seriam autores e leitores. Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade neste cafajestismo poético, enchendo a web de grafites delirantes. Repito que, talvez, esse excesso de irrelevâncias esteja produzindo um acervo de conceitos relevantes, ainda despercebidos.
Talvez esteja se formando uma nova força vital, um agente formador de crescimento no mundo que ainda não está claro. Não sei em que isso vai dar, mas o tal futuro chegou; grosso, mas chegou.
Estamos numa fase da exaltação da quantidade, como se a profusão de temas e criações substituísse a velha categoria da qualidade. Agora, não há futuro; temos um presente incessante, sem ponto de chegada. Acabou aquela dimensão espiritual chamada antigamente de “cultura”, que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía de algum modo. Se olharmos as grandes obras do passado, como as de Van Eyck, por exemplo, vemos que ali estavam as imagens mais profundas sobre a Idade Media.
Vivemos o pânico do presente. Configurou-se o vazio do sujeito, enquanto descobrimos nossa dolorosa finitude que sempre tentamos esquecer. É tudo muito novo, tudo muito gelatinoso ainda, com a morte das certezas totalitárias ou individualistas. Mas, o que será considerado importante? Será que houve a morte da importância? Ou ela seria justamente essa explosão de conteúdos e autores? O importante seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é importante, nada o é.
O mundo que temos pela frente é uma imprecisa água-viva. Perder as esperanças nas utopias liberais ou socialistas é o inicio de uma nova sabedoria. Benditos sejam os que amam o parcial, porque herdarão a Terra.
Perdoem meu pobre “papo cabeça”, mas eu estou preparando um novo filme e vejo como é difícil criar sem finalidade alguma, pois todo pensamento tem o desejo de conclusão, um desejo de certeza.
Como opinar sobre um mundo tão fragmentado? Temos de nos contentar com narrativas parciais. Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, artistas e pensadores vivem perplexos – não sabem o que filmar, escrever, formular. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas... Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Como escreveu Beckett: que saudade “das velhas perguntas e das velhas respostas”. Ninguém sabe nada. Os textos sobre o tempo atual são cheios de lamentos pelo passado filosófico e ideológico e de pavores noturnos e fobias sobre o que vem a caminho... Tipo “something wicked this way comes”, ou “vem bode por ai...”, como diziam as bruxas de Shakespeare.
Mas, mesmo em filmes menores, na falta das grandes narrativas do passado, estamos a procurar irrelevâncias, porque podem ser as pistas para novas “verdades”.
Essa é a dificuldade: como falar de singularidades se sonhamos sempre com conceitos universais? Em geral, recorremos às atitudes mais comuns nas turbulências: desqualificar os fatos novos e reinventar um “absoluto” qualquer, sem saber que, como escreveu Baudrillard: “não há mais universais; só o singular e o mundial”.
As palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas. Por exemplo: “futuro”. Que quer dizer? Antes, era um lugar a que chegaríamos, um lugar no espaço-tempo, solucionado, harmônico, que nos redimiria da incerteza e do sofrimento. Antes, havia debates para ver quem “tinha razão”. Hoje, todos têm razão, e ai daquele que criticar tendências, em nome de paradigmas seculares da arte. As tentativas de “grande arte” são vistas com desconfiança, como atitudes conservadoras diante da cachoeira de produções que navegam no ar. A busca da beleza é, muitas vezes, considerada um individualismo autoritário.
Com a libertação da tutela dos chamados “maîtres à penser”, dos seres que nos guiavam orgulhosamente, a busca de profundidade foi substituída por um vale-tudo formal em que a inteligência é substituída pela sacralização das irrelevâncias massificadas. Também, por outro lado, cresce uma arte confessional que busca no inconsciente dos artistas alguma forma de verdade. Assim, a antiga aura deslizou da obra para o próprio autor – o assunto é ele mesmo. Isso me lembra o tempo em que achávamos que o fluxo da consciência, “the stream of consciousness”, ou até o discurso psicótico, encerrava uma “sabedoria” insuspeitada.
Em geral, as diagnoses sobre as mutações a que assistimos hoje em dia se dividem ou em lamentos por um passado de ilusões perdidas ou em euforia ingênua por um admirável mundo novo em que todos seriam autores e leitores. Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade neste cafajestismo poético, enchendo a web de grafites delirantes. Repito que, talvez, esse excesso de irrelevâncias esteja produzindo um acervo de conceitos relevantes, ainda despercebidos.
Talvez esteja se formando uma nova força vital, um agente formador de crescimento no mundo que ainda não está claro. Não sei em que isso vai dar, mas o tal futuro chegou; grosso, mas chegou.
Estamos numa fase da exaltação da quantidade, como se a profusão de temas e criações substituísse a velha categoria da qualidade. Agora, não há futuro; temos um presente incessante, sem ponto de chegada. Acabou aquela dimensão espiritual chamada antigamente de “cultura”, que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía de algum modo. Se olharmos as grandes obras do passado, como as de Van Eyck, por exemplo, vemos que ali estavam as imagens mais profundas sobre a Idade Media.
Vivemos o pânico do presente. Configurou-se o vazio do sujeito, enquanto descobrimos nossa dolorosa finitude que sempre tentamos esquecer. É tudo muito novo, tudo muito gelatinoso ainda, com a morte das certezas totalitárias ou individualistas. Mas, o que será considerado importante? Será que houve a morte da importância? Ou ela seria justamente essa explosão de conteúdos e autores? O importante seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é importante, nada o é.
O mundo que temos pela frente é uma imprecisa água-viva. Perder as esperanças nas utopias liberais ou socialistas é o inicio de uma nova sabedoria. Benditos sejam os que amam o parcial, porque herdarão a Terra.
O Brasil chega à Olimpíada sem cara
O mais fascinante desta Olimpíada no Rio é a negação de uma ideia de Brasil. É a impossibilidade de apresentar um imaginário coeso sobre o país para fora – e também para dentro. É a total impossibilidade de conciliação. Esta é a potência do momento – confundida às vezes com fracasso, com estagnação ou mesmo com impotência. O Brasil chega à Olimpíada sem que se possa dizer o que o Brasil é.
Para que isso se torne mais claro, é preciso voltar ao ano de 2009, ao momento em que o Brasil foi escolhido para sediar a Olimpíada de 2016. Há vários vídeos sobre o discurso de Lula após o anúncio. Não o discurso oficial, mas o discurso do então presidente feito para as câmeras de TV. Aquele que é espetáculo dentro do espetáculo. Particularmente, prefiro o da Globo (assista aqui), pelo que esta rede de comunicação representa na história recente do país, e pela linguagem que escolhe ao contrapor a fala de Lula com a reação dos apresentadores e comentaristas. Quando se pensa que essa “conciliação” foi possível apenas sete anos atrás, tudo fica ainda mais interessante.
Sugiro assistir a estes sete minutos, preciosos para compreender aquele e este momento. Mas também transcrevo aqui a fala de Lula, para que se torne mais fácil refletir sobre os tantos sentidos desse discurso, agora que podemos olhar para ele pelo retrovisor. E para que seja possível prestar atenção nos personagens então secundários, congelando a imagem por um momento.
Lula está emocionado. Não acredito que esteja fingindo se emocionar. Ainda que ele fale com a consciência de que está produzindo um documento para a história, consciência que ele sempre mostrou ter ao longo de seus dois mandatos como presidente do país, ele acredita no que diz. Como Lula vê o país e como entende o povo brasileiro é crucial para compreender o Brasil atual, dada a importância do personagem e o papel de protagonista que desempenhou e desempenha. Naquele momento, há uma festa de comemoração nas areias de Copacabana, como se a multidão que ali está tivesse a função de produzir a imagem capaz de comprovar a tese de seu líder.
Lula diz para as câmeras de TV, e ao dizer o líder carismático está num de seus momentos de maior carisma:
– O Rio perdeu muitas coisas. O Rio foi capital, o Rio foi coroa portuguesa, e foi perdendo... Eu acho que essa Olimpíada é um pouco uma retribuição ao povo do Rio de Janeiro que muitas vezes aparece na imprensa, só nas páginas dos jornais... É preciso respeitar porque o povo é bom, o povo é generoso. Acho que o Brasil merece. Aqueles que pensam que o Brasil não tem condições vão se surpreender. Os mesmos que pensavam que nós não tínhamos condições de governar esse país vão se surpreender com a capacidade do país de fazer uma Olimpíada.
Diante da pergunta de por que o Rio ganhou de cidades como Madri, Tóquio e Chicago, que disputavam ser sede da Olimpíada, Lula afirma:
– A gente tava com a alma, com o coração. Ou seja, era o único país que queria de verdade fazer uma Olimpíada. Porque para os outros seria mais uma. Nós tínhamos que provar a competência de fazer uma Olimpíada. Então eu acho que as pessoas veem isso nos olhos da gente. (...) Essa foi a diferença. Esse país precisa ter uma chance. Não é possível que esse país não tenha, no século 21, a chance que não tivemos no século 20.
Sobre onde ele e o país estariam neste futuro apoteótico, Lula diz:
– Eu não vou estar na presidência, mas estarei como cidadão brasileiro, colocando minha alma, o meu coração, pra que a gente faça o que tem de melhor nesse país. Tem de comemorar porque o Brasil saiu do patamar de um país de segunda classe e se tornou um país de primeira classe.
Leia mais o artigo de Eliane Brum
O epílogo
Acabou o dinheiro. Sem novas fontes de financiamento, Dilma Rousseff se vê obrigada a atropelar o plano feito antes do afastamento da Presidência, interrompendo sua agenda de campanha contra o impeachment.
Agora, atravessa os dias no Palácio da Alvorada entretendo-se com poucos senadores aliados na escrita de uma “Carta aos brasileiros”. Nela pretende repisar a denúncia do “golpe” e a promessa de enviar ao Congresso propostas para convocação de plebiscito e “eleições gerais antecipadas”. Ou seja, afastada e às vésperas da provável deposição, planeja apelar pela salvação aos 81 senadores, propondo-lhes a renúncia coletiva.
Sendo possível, comandaria, então, um inédito suicídio político coletivo (um terço dos senadores, por exemplo, abandonaria os próximos cinco anos de legislatura garantidos em 2014).
Lideraria, também, um autêntico golpe, porque a proposta embute redução à metade — sem consulta prévia — dos mandatos de 513 deputados federais, de 27 governadores e de 1.030 deputados estaduais (desconhece-se o que planeja fazer com os suplentes).
A divulgação da carta está prevista para quarta-feira, 24. Por coincidência, nesse dia completam-se 62 anos do suicídio de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, como era biblicamente qualificado por sua seção de propaganda, em tentativa de recauchutar-lhe a imagem de ditador.
Se confirmadas as previsões, quando setembro chegar Dilma estará destituída do cargo de presidente. Numa ironia da história, vai à galeria presidencial ladeando Fernando Collor, cujo processo de impedimento (por corrupção) começou numa primavera de 24 anos atrás, embalado pelo PT de Lula que então se apresentava como único partido ético do país.
Há meses, ela alimenta a ilusão de que não poderia ser ser punida com o impeachment. Propaga a honestidade, em contraste, repetindo por onde passa: “Eu não recebi dinheiro de propina, eu não recebo dinheiro de corrupção”. Até agora, ninguém apresentou prova contrária.
A questão central é outra: a criatura Dilma, tal qual o criador Lula, habituou-se a não aceitar qualquer decisão que não seja sua — foi dessa forma que o líder a impôs como sucessora. Por isso, entende o impeachment como “golpe”.
A legislação sob a qual está sendo julgada foi promulgada em abril de 1950, dois anos e quatro meses depois que Dilma saiu da Maternidade São Lucas, em Belo Horizonte. Ela prevê submissão de governantes a processo por crimes de responsabilidade — “ainda quando simplesmente tentados”, define —, em atos contra a Constituição “e especialmente contra (...) a lei orçamentária, a probidade na administração, a guarda e o legal emprego dos dinheiro públicos”.
Pode-se argumentar juridicamente sobre conceitos de orçamento, probidade e zelo pelo Erário, como fez na sua legítima defesa de mais de 500 páginas, que hoje devem ser refutadas pelo relator do processo no Senado.
O problema de Dilma continua sendo o fato de que, impondo-se na vida privada uma disciplina quase militar, só admite a hierarquia das próprias decisões. Aparentemente, escapou-lhe a compreensão de que no setor público só é permitido aos servidores fazer aquilo que a Constituição e as leis permitem expressamente.
No epílogo, seria carta fora do baralho até completar 73 anos, em 2022.
José Casado
Agora, atravessa os dias no Palácio da Alvorada entretendo-se com poucos senadores aliados na escrita de uma “Carta aos brasileiros”. Nela pretende repisar a denúncia do “golpe” e a promessa de enviar ao Congresso propostas para convocação de plebiscito e “eleições gerais antecipadas”. Ou seja, afastada e às vésperas da provável deposição, planeja apelar pela salvação aos 81 senadores, propondo-lhes a renúncia coletiva.
Sendo possível, comandaria, então, um inédito suicídio político coletivo (um terço dos senadores, por exemplo, abandonaria os próximos cinco anos de legislatura garantidos em 2014).
A divulgação da carta está prevista para quarta-feira, 24. Por coincidência, nesse dia completam-se 62 anos do suicídio de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”, como era biblicamente qualificado por sua seção de propaganda, em tentativa de recauchutar-lhe a imagem de ditador.
Se confirmadas as previsões, quando setembro chegar Dilma estará destituída do cargo de presidente. Numa ironia da história, vai à galeria presidencial ladeando Fernando Collor, cujo processo de impedimento (por corrupção) começou numa primavera de 24 anos atrás, embalado pelo PT de Lula que então se apresentava como único partido ético do país.
Há meses, ela alimenta a ilusão de que não poderia ser ser punida com o impeachment. Propaga a honestidade, em contraste, repetindo por onde passa: “Eu não recebi dinheiro de propina, eu não recebo dinheiro de corrupção”. Até agora, ninguém apresentou prova contrária.
A questão central é outra: a criatura Dilma, tal qual o criador Lula, habituou-se a não aceitar qualquer decisão que não seja sua — foi dessa forma que o líder a impôs como sucessora. Por isso, entende o impeachment como “golpe”.
A legislação sob a qual está sendo julgada foi promulgada em abril de 1950, dois anos e quatro meses depois que Dilma saiu da Maternidade São Lucas, em Belo Horizonte. Ela prevê submissão de governantes a processo por crimes de responsabilidade — “ainda quando simplesmente tentados”, define —, em atos contra a Constituição “e especialmente contra (...) a lei orçamentária, a probidade na administração, a guarda e o legal emprego dos dinheiro públicos”.
Pode-se argumentar juridicamente sobre conceitos de orçamento, probidade e zelo pelo Erário, como fez na sua legítima defesa de mais de 500 páginas, que hoje devem ser refutadas pelo relator do processo no Senado.
O problema de Dilma continua sendo o fato de que, impondo-se na vida privada uma disciplina quase militar, só admite a hierarquia das próprias decisões. Aparentemente, escapou-lhe a compreensão de que no setor público só é permitido aos servidores fazer aquilo que a Constituição e as leis permitem expressamente.
No epílogo, seria carta fora do baralho até completar 73 anos, em 2022.
José Casado
Deus nos livre!
Só há uma solução quando se vive num ambiente medíocre, entre medíocres: reusar a mediocridade.
(...) Por mero amor à saúde do espírito, qualquer tamanho humano pode, e deve, lutar assim profilaticamente contra a infecção da insignificância, a mais terrível de quantas são habituais nesta terra. É que, depois de contaminado, o doente deixa de sentir o mal que o macula. Fica imune à consciência da própria perdiçãoMiguel Torga
Lula vai fazer texto final da carta da Dilma à Nação
A Dilma está se preparando para redigir uma carta dirigida aos brasileiros para tentar convencê-los de que não cometeu nenhum crime que justifique o seu afastamento do poder. Certamente vai pedir ao Lula para fazer o texto final, já que nos últimos dias de governo ela parecia meio descoordenada e mentalmente afetada nos seus pronunciamentos à nação. Pelo rascunho que mostrou aos companheiros de partido, já se sabe que a presidente vai desmentir veemente as acusações de que teria usado caixa dois na sua campanha presidencial, como disse na delação premiada a dupla Santana/Mônica ao juiz Sérgio Moro.
A presidente afastada quer negar o óbvio: de que na sua campanha não rolou dinheiro roubado da Petrobrás e de outras estatais, quando é acusada pelos próprios receptadores. A carta da Dilma pode ser um tiro no pé porque seus argumentos são frágeis, não convencem nem uma criança de escola infantil. Quer negar também as pedaladas, quando todas as investigações apontam que ela cometeu crime de responsabilidade. Portanto, Dilma teria que fazer um tratado – e não uma simples carta – para replicar todas as acusações que pesam sobre ela.
A presidente afastada quer negar o óbvio: de que na sua campanha não rolou dinheiro roubado da Petrobrás e de outras estatais, quando é acusada pelos próprios receptadores. A carta da Dilma pode ser um tiro no pé porque seus argumentos são frágeis, não convencem nem uma criança de escola infantil. Quer negar também as pedaladas, quando todas as investigações apontam que ela cometeu crime de responsabilidade. Portanto, Dilma teria que fazer um tratado – e não uma simples carta – para replicar todas as acusações que pesam sobre ela.
A Dilma aprendeu com Lula a negar tudo. É uma estratégia que ela ainda tem enquanto está solta. Na cadeia, certamente vai procurar o caminho da delação premiada para não terminar seus dias dentro de um presídio. Quando fez delação premiada, Cerveró acusou a presidente de conhecer toda negociata da compra da refinaria de Pasadena, no Texas. Disse textualmente que ela “sabia de tudo, que tudo passou pela sua mesa”.
Com a acusação de Mônica, a presidente tentou escapulir do caixa dois e jogou a culpa nos dirigentes do PT. Disse que “se houve caixa dois na sua campanha, o PT deve se responsabilizar”. O Rui Falcão, diante da acusação, não deu um pio. Antes tão afoito, afeito aos enfrentamentos, agora o presidente do PT preferiu o silêncio a polemizar com a Dilma. Sabe que a sua batata está esquentando depois que Santana e Mônica abriram o verbo com o juiz Moro que, pacientemente, soube esperar pelo momento certo para obter as informações que precisava e daí, provavelmente, indiciar a Dilma pelos crimes cometidos. É só uma questão de tempo.
A presidente está no limbo, esquecida, atormentada. Isolada no Palácio do Planalto, não recebe visitas que não sejam as de seus advogados. Como está afastada do poder, os áulicos desapareceram. Uma vez ou outra o senador Cristovam Buarque, PPS, tenta melhorar o astral dela, dando-lhe esperança de que nem tudo está perdido. E que ele pode virar a casaca e reverter o voto que deu a favor do impeachment como se isso fosse mudar alguma coisa. Buarque, pasme!, passou a acreditar nas lorotas da Dilma depois que o seu partido compôs com o Temer, numa aliança necessária para a estabilização política. O senador é, hoje, o principal confidente dela, como dissidente do PPS.
Até o mais idiota dos idiotas sabe que a presidente não volta ao Palácio do Planalto. Que o seu mandato foi trincado pelo impeachment, que o país respira confiança e que a economia começa a dar sinais de recuperação. Mas o senador Buarque, que nos últimos anos vem pulando de partido como macaco pula de galho, virou o sacristão que leva conforto a Dilma certamente temendo pela repetição da história política do Brasil no fatídico 24 de agosto de 1954.
Católicos e batizados
De novo, o papa Francisco. Sempre ele – e só ele! – a por o guizo no gato, o dedo nas feridas. Dessa vez, rejeitou o simplismo de associações automáticas entre Islã e violência. “Todos os dias quando abro os jornais vejo a violência na Itália. Alguém que matou a namorada, outro matou a sogra, e são católicos batizados”.
Nem só na Itália, nem novidade. O jovem que, aos urros, chamou Letícia Sabatella de puta tem cara e pose de cristão batizado. Boa dezena de nossos conhecidos que sonegam impostos, corrompem, odeiam, desprezam e ofendem seus diferentes, roubam e até são capazes de matar também são batizados. Muitos são também rezadores.
Rezam, passam orações e novenas pelas redes sociais, mas odeiam gente que nem conhecem. Odeiam os diferentes em comportamento, cor de pele, opção sexual, política, e religiosa inclusive.
Rezam nos dias de rezar. Mas são violentos porque são mal educados no sentir. Modelo tamanho desumanizado. Pouco sentimento, muita força bruta – na boca e nas mãos.
E aí vem o recado complementar do papa nesta semana: O terrorismo prospera quando o deus do dinheiro se põe na frente e quando não há outra opção. Quantos dos nossos jovens abandonamos sem ideais, sem trabalho? É, então, quando se voltam para as drogas, para o álcool, e se metem com grupos fundamentalistas.
Direto, o papa Francisco mandou na lata: a Europa está empurrando jovens para o radicalismo, sem trabalho, sem emprego.
Não só na Europa, nem novidade. A importância é o dedo na ferida. Lá e aqui, temos jovens abandonados pelo modelo social vigente e desde a primeira infância.
Muito simplificadamente, são filhos de hoje. De gente que trabalha um mínimo de oito horas diárias e que tem que terceirizar todo o além do trabalho - a criação dos seus meninos e meninas também. Os mais ricos com babás e escolas. Esses são os muito bem assistidos das coisas materiais. E ponto.
Os mais pobres se viram com as escolas que conseguem, e quando conseguem, e como conseguem, e se conseguem.
Tudo, particularmente as dificuldades, bate maior na porta dos mais pobres. As oito horas obrigatórias de trabalho diário para eles são 10, 12, 14, porque somam o tempo gasto nos deslocamentos em transportes ruins e parcos. Mesmo com esforço grande, sobra pouco tempo para assistir seus meninos, suas meninas. É a rua violenta e desumana que ensina. E ensina errado.
Todo mundo sabe disso, não só o papa que é argentino e viu de perto o sufoco da pobreza, a violência que campeia nas periferias da América latina, e o desinteresse arrogante dos do outro lado do muro. Ainda que vizinhos.
Quem tempo de exercer e ensinar afeto e respeito num mundo que vende o ter em primeiríssimo lugar? E para ter é preciso um de tudo. Trabalhar muiiito, estudar muiiito (nem importa muito o quê ou para que), ser mais forte, ter muito poder - de compra, principalmente.
“O terrorismo prospera quando o deus do dinheiro se põe na frente e quando não há outra opção”, simplifica o papa.
No Brasil, em maio, o desemprego entre os jovens de 18 a 24 era de 24,1%. O dobro do índice geral. Na Espanha já chegou em 50%. Agora está nos 45%. Estudar muito para que mesmo?
Temos crianças – as mais ricas – com agendas de adultos. Tempo livre para ser criança e ir aprendendo devagarinho, com algum colo, a ser gente? Besteira.
Temos crianças – as mais pobres – sem qualquer agenda se não viver como adulto, com responsabilidades (?), dores e aflições de adultos. Para esses, a sobrevivência do dia a dia começa no berço, no aprender sozinho só o suficiente para não morrer, inclusive de fome.
Como sabemos disso, até pensamos solução possível: escolas de tempo integral para os meninos e meninas mais carentes. Abrigos possíveis, mas que não há governo que consiga fazê-las em número suficiente para abrigar tantos.
Simplificadamente, também sabemos que a maioria dos que sobram – e sobrevivem - vão lotar cadeias.
As cadeias são o outro modelo social vigente para enfrentar a violência dos que sobram. Não pensamos soluções, pensamos penas. Os jovens são também maioria entre detentos.
A violência, comandada das cadeias, que vive o Rio Grande do Norte nesses dias, mostra que depósito das sobras sociais resulta em mais violência – terrorismo modelo Brasil, México, Venezuela, etc. que já é parte do nosso cotidiano.
“Europa está empurrando parte de sua juventude para o radicalismo”, cutuca o papa. Radicalismos são sinônimos de violência. Vale para lá, vale para aqui. Vale para os batizados e os não.
Muito mais complicado do que essa simplificadíssima escrita. Temos uma sociedade doente que nos amedronta, ameaça e aprisiona em guetos cada vez mais desprotegidos.
“Se tiver de falar da violência islâmica, também tenho de falar da violência cristã. Em quase todas as religiões, sempre há pequenos grupos fundamentalistas. Nós também temos”, deda o papa.
E como temos. E como os grupos, ainda que pequenos, são muitos. São os pequenos covardes, sarados e bem vestidos, que agridem atrizes nas ruas, e que vão ganhando coragem para os passos seguintes de surrar ou matar putas que defendem o que ele odeia. São os sozinhos ou em grupo que saem matando por ódio, xenofobia, ou tara. São os que fazem dinheiro sangrando guerras.
Um papa é pouco para tanto desacerto. Mas esse diz a que veio. E insiste. Hello, minha gente! Vejam bem as tragédias que estão cevando.
Isso não é pouco.
Nem só na Itália, nem novidade. O jovem que, aos urros, chamou Letícia Sabatella de puta tem cara e pose de cristão batizado. Boa dezena de nossos conhecidos que sonegam impostos, corrompem, odeiam, desprezam e ofendem seus diferentes, roubam e até são capazes de matar também são batizados. Muitos são também rezadores.
Rezam, passam orações e novenas pelas redes sociais, mas odeiam gente que nem conhecem. Odeiam os diferentes em comportamento, cor de pele, opção sexual, política, e religiosa inclusive.
Rezam nos dias de rezar. Mas são violentos porque são mal educados no sentir. Modelo tamanho desumanizado. Pouco sentimento, muita força bruta – na boca e nas mãos.
Direto, o papa Francisco mandou na lata: a Europa está empurrando jovens para o radicalismo, sem trabalho, sem emprego.
Não só na Europa, nem novidade. A importância é o dedo na ferida. Lá e aqui, temos jovens abandonados pelo modelo social vigente e desde a primeira infância.
Muito simplificadamente, são filhos de hoje. De gente que trabalha um mínimo de oito horas diárias e que tem que terceirizar todo o além do trabalho - a criação dos seus meninos e meninas também. Os mais ricos com babás e escolas. Esses são os muito bem assistidos das coisas materiais. E ponto.
Os mais pobres se viram com as escolas que conseguem, e quando conseguem, e como conseguem, e se conseguem.
Tudo, particularmente as dificuldades, bate maior na porta dos mais pobres. As oito horas obrigatórias de trabalho diário para eles são 10, 12, 14, porque somam o tempo gasto nos deslocamentos em transportes ruins e parcos. Mesmo com esforço grande, sobra pouco tempo para assistir seus meninos, suas meninas. É a rua violenta e desumana que ensina. E ensina errado.
Todo mundo sabe disso, não só o papa que é argentino e viu de perto o sufoco da pobreza, a violência que campeia nas periferias da América latina, e o desinteresse arrogante dos do outro lado do muro. Ainda que vizinhos.
Quem tempo de exercer e ensinar afeto e respeito num mundo que vende o ter em primeiríssimo lugar? E para ter é preciso um de tudo. Trabalhar muiiito, estudar muiiito (nem importa muito o quê ou para que), ser mais forte, ter muito poder - de compra, principalmente.
“O terrorismo prospera quando o deus do dinheiro se põe na frente e quando não há outra opção”, simplifica o papa.
No Brasil, em maio, o desemprego entre os jovens de 18 a 24 era de 24,1%. O dobro do índice geral. Na Espanha já chegou em 50%. Agora está nos 45%. Estudar muito para que mesmo?
Temos crianças – as mais ricas – com agendas de adultos. Tempo livre para ser criança e ir aprendendo devagarinho, com algum colo, a ser gente? Besteira.
Temos crianças – as mais pobres – sem qualquer agenda se não viver como adulto, com responsabilidades (?), dores e aflições de adultos. Para esses, a sobrevivência do dia a dia começa no berço, no aprender sozinho só o suficiente para não morrer, inclusive de fome.
Como sabemos disso, até pensamos solução possível: escolas de tempo integral para os meninos e meninas mais carentes. Abrigos possíveis, mas que não há governo que consiga fazê-las em número suficiente para abrigar tantos.
Simplificadamente, também sabemos que a maioria dos que sobram – e sobrevivem - vão lotar cadeias.
As cadeias são o outro modelo social vigente para enfrentar a violência dos que sobram. Não pensamos soluções, pensamos penas. Os jovens são também maioria entre detentos.
A violência, comandada das cadeias, que vive o Rio Grande do Norte nesses dias, mostra que depósito das sobras sociais resulta em mais violência – terrorismo modelo Brasil, México, Venezuela, etc. que já é parte do nosso cotidiano.
“Europa está empurrando parte de sua juventude para o radicalismo”, cutuca o papa. Radicalismos são sinônimos de violência. Vale para lá, vale para aqui. Vale para os batizados e os não.
Muito mais complicado do que essa simplificadíssima escrita. Temos uma sociedade doente que nos amedronta, ameaça e aprisiona em guetos cada vez mais desprotegidos.
“Se tiver de falar da violência islâmica, também tenho de falar da violência cristã. Em quase todas as religiões, sempre há pequenos grupos fundamentalistas. Nós também temos”, deda o papa.
E como temos. E como os grupos, ainda que pequenos, são muitos. São os pequenos covardes, sarados e bem vestidos, que agridem atrizes nas ruas, e que vão ganhando coragem para os passos seguintes de surrar ou matar putas que defendem o que ele odeia. São os sozinhos ou em grupo que saem matando por ódio, xenofobia, ou tara. São os que fazem dinheiro sangrando guerras.
Um papa é pouco para tanto desacerto. Mas esse diz a que veio. E insiste. Hello, minha gente! Vejam bem as tragédias que estão cevando.
Isso não é pouco.
Os gastos reais rasgam a fantasia olímpica do Rio
Orçados em R$ 28,8 bilhões em 2009, quando o Rio de Janeiro venceu a disputa entre as cidades que pretendiam hospedar o maior evento esportivo do mundo, os gastos com a Olimpíada de 2016 já chegaram a R$ 39,1 bilhões — e é improvável que parem por aí. O destino de parte desse dinheiro é detalhado no vídeo da revista Superinteressante. Por exemplo: as arenas, preparadas para a realização das provas de várias modalidades, custaram R$ 7 bilhões (R$ 2,8 bilhões de dinheiro público e R$ 4,2 bilhões captados entre empresas privadas). A maior parcela do orçamento — R$ 24,6 bilhões, dos quais R$ 13,8 milhões foram bancados pelos pagadores de impostos — foi consumida em obras de infraestrutura.
Não figuram nesse montante despesas com itens essenciais, como a segurança e o revezamento da tocha. Só o governo federal investiu mais de R$ 700 milhões no esquema montado para tornar o Rio mais seguro, ou menos inseguro. As 12 mil tochas (R$ 2 mil cada uma) engoliram R$ 24 mil. Embora a maior parte desse valor tenha sido pago por patrocinadores e pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COI), municípios escolhidos para participar do revezamento tiveram de desembolsar quantias que parecem uma fortuna em tempos de crise.
Com pouco mais de 250 mil habitantes, a mineira Ipatinga, por exemplo, gastaria R$ 180 mil para viabilizar a passagem do fogo com investimentos em logística e infraestrutura que iam de alterações no trânsito ao recapeamento de ruas, passando pela poda de árvores e programações culturais. A prefeita Cecília Ferramenta (PT) preferiu cancelar o evento. “O momento exige que se dê prioridade absoluta ao pagamento de servidores, à manutenção dos serviços essenciais e a continuidade das obras em andamento na cidade”, argumentou. Mais de 300 cidades toparam pagar o necessário para fazer parte do circuito que, segundo o site oficial dos Jogos Olímpicos, “foi definido levando em conta critérios logísticos, turísticos e culturais”.
Se os gastos para a realização da Olimpíada no Rio não param de aumentar, caiu pela metade o número de turistas estrangeiros que os organizadores esperavam recepcionar. Inicialmente calculados em cerca de 1 milhão, não deverão passar de 500 mil. E o “legado dos Jogos” só alcança dimensões olímpicas nos discursos dos políticos e em peças publicitárias ufanistas. Os governos federal, estadual e municipal anunciaram com pompa e circunstância que, até o início das competições, 80% do esgoto despejado na Baía de Guanabara seria tratado. A menos de uma semana da cerimônia de abertura, a porcentagem despencou para 52% — índice um ponto acima do que foi prometido para 1999, quando deveria ter sido concluída a primeira fase do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) lançado durante a Eco-92.
Faz 24 anos que a despoluição da baía lidera o ranking das promessas de todos os candidatos a prefeito ou governador do Rio de Janeiro. Só os projetos concebidos para concretizar essa prioridade sempre adiada consumiram mais de R$ 10 bilhões. A partir de 5 de agosto, atletas do mundo inteiro saberão que um dos mais belos cartões postais do planeta é, visto de perto, um imenso depósito de dejetos. Como a limpeza desse pedaço de mar, nenhum dos grandes projetos ambientais ligados à Olimpíada foi concluído.
Além disso, a corrupção que infestou o Brasil não poupou o evento bilionário. No início de junho, o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (antiga CGU), a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Receita Federal revelaram que R$ 85 milhões foram desviados só na construção do Complexo Esportivo de Deodoro. Nesta quinta-feira, a Folha informou que a prefeitura do Rio gastou R$ 233 milhões em contratos sem licitação para conseguir terminar a tempo as obras, principalmente em arenas atrasadas.
Entre as empresas contratadas, duas têm vínculos com a família de André Lazaroni, líder do PMDB na Assembleia Legislativa fluminense. No mesmo dia, uma reportagem de VEJA constatou que a Força Nacional de Segurança Pública havia iniciado um processo de cadastramento e seleção de policiais militares e bombeiros inativos para contratar 3 mil homens em regime de urgência. Eles tentarão preencher as lacunas deixada pela Artel Recursos Humanos. Escondida em Navegantes (SC), a empresa não tem nenhuma experiência no ramo da segurança. Mesmo assim, ganhou a licitação para fazer o controle eletrônico de 49 instalações ao preço de R$ 17,3 milhões.
No dia em que a delegação australiana se recusou a hospedar-se na Vila dos Atletas, para não conviver com vasos sanitários entupidos, vazamentos em canos, fiação exposta, escadarias sem iluminação e pisos sujos (fora o resto), o prefeito Eduardo Paes apresentou uma desculpa risível: “é muita gente chegando ao mesmo tempo”. Para tornar o local habitável, 600 encanadores, faxineiros, eletricistas, engenheiros e outros profissionais foram contratados às pressas e trabalharam em tempo integral para fazer em sete dias o que não foi feito em sete anos. Esses gastos também não entraram no orçamento oficial.
Não figuram nesse montante despesas com itens essenciais, como a segurança e o revezamento da tocha. Só o governo federal investiu mais de R$ 700 milhões no esquema montado para tornar o Rio mais seguro, ou menos inseguro. As 12 mil tochas (R$ 2 mil cada uma) engoliram R$ 24 mil. Embora a maior parte desse valor tenha sido pago por patrocinadores e pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COI), municípios escolhidos para participar do revezamento tiveram de desembolsar quantias que parecem uma fortuna em tempos de crise.
Com pouco mais de 250 mil habitantes, a mineira Ipatinga, por exemplo, gastaria R$ 180 mil para viabilizar a passagem do fogo com investimentos em logística e infraestrutura que iam de alterações no trânsito ao recapeamento de ruas, passando pela poda de árvores e programações culturais. A prefeita Cecília Ferramenta (PT) preferiu cancelar o evento. “O momento exige que se dê prioridade absoluta ao pagamento de servidores, à manutenção dos serviços essenciais e a continuidade das obras em andamento na cidade”, argumentou. Mais de 300 cidades toparam pagar o necessário para fazer parte do circuito que, segundo o site oficial dos Jogos Olímpicos, “foi definido levando em conta critérios logísticos, turísticos e culturais”.
Se os gastos para a realização da Olimpíada no Rio não param de aumentar, caiu pela metade o número de turistas estrangeiros que os organizadores esperavam recepcionar. Inicialmente calculados em cerca de 1 milhão, não deverão passar de 500 mil. E o “legado dos Jogos” só alcança dimensões olímpicas nos discursos dos políticos e em peças publicitárias ufanistas. Os governos federal, estadual e municipal anunciaram com pompa e circunstância que, até o início das competições, 80% do esgoto despejado na Baía de Guanabara seria tratado. A menos de uma semana da cerimônia de abertura, a porcentagem despencou para 52% — índice um ponto acima do que foi prometido para 1999, quando deveria ter sido concluída a primeira fase do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) lançado durante a Eco-92.
Faz 24 anos que a despoluição da baía lidera o ranking das promessas de todos os candidatos a prefeito ou governador do Rio de Janeiro. Só os projetos concebidos para concretizar essa prioridade sempre adiada consumiram mais de R$ 10 bilhões. A partir de 5 de agosto, atletas do mundo inteiro saberão que um dos mais belos cartões postais do planeta é, visto de perto, um imenso depósito de dejetos. Como a limpeza desse pedaço de mar, nenhum dos grandes projetos ambientais ligados à Olimpíada foi concluído.
Além disso, a corrupção que infestou o Brasil não poupou o evento bilionário. No início de junho, o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (antiga CGU), a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Receita Federal revelaram que R$ 85 milhões foram desviados só na construção do Complexo Esportivo de Deodoro. Nesta quinta-feira, a Folha informou que a prefeitura do Rio gastou R$ 233 milhões em contratos sem licitação para conseguir terminar a tempo as obras, principalmente em arenas atrasadas.
Entre as empresas contratadas, duas têm vínculos com a família de André Lazaroni, líder do PMDB na Assembleia Legislativa fluminense. No mesmo dia, uma reportagem de VEJA constatou que a Força Nacional de Segurança Pública havia iniciado um processo de cadastramento e seleção de policiais militares e bombeiros inativos para contratar 3 mil homens em regime de urgência. Eles tentarão preencher as lacunas deixada pela Artel Recursos Humanos. Escondida em Navegantes (SC), a empresa não tem nenhuma experiência no ramo da segurança. Mesmo assim, ganhou a licitação para fazer o controle eletrônico de 49 instalações ao preço de R$ 17,3 milhões.
No dia em que a delegação australiana se recusou a hospedar-se na Vila dos Atletas, para não conviver com vasos sanitários entupidos, vazamentos em canos, fiação exposta, escadarias sem iluminação e pisos sujos (fora o resto), o prefeito Eduardo Paes apresentou uma desculpa risível: “é muita gente chegando ao mesmo tempo”. Para tornar o local habitável, 600 encanadores, faxineiros, eletricistas, engenheiros e outros profissionais foram contratados às pressas e trabalharam em tempo integral para fazer em sete dias o que não foi feito em sete anos. Esses gastos também não entraram no orçamento oficial.
A autenticidade é melhor do que qualquer marqueteiro
Os políticos famosos e as personalidades gastam tempo e dinheiro com profissionais responsáveis por sua imagem que maquiam sua forma de se apresentar em público. Equivocam-se, uma vez que a melhor apresentação e a mais convincente é a autenticidade.
Muitas vezes, inclusive, deixam que destruam o melhor do personagem para apresentá-lo artificialmente, sem identidade própria.
De fato, os políticos com maior força pública são aqueles que se apresentam com suas qualidades e defeitos, sem se transformarem em robôs inexpressivos e irreconhecíveis.
Vejamos o exemplo do ex-presidente Lula, um dos políticos mais carismáticos justamente porque não se esconde sob aparências que não lhe correspondem. E quando foi tentado a fazê-lo, se saiu mal.
O Lula que o povo gosta ou desgosta é o autêntico, o que fala a linguagem colorida dos trabalhadores nos bares da periferia, de quando era torneiro mecânico e sindicalista, não o político elegante vestido de Armani.
Imagine se Lula, em vez de usar sua linguagem florida de palavrões e grunhidos, saísse por aí recitando latinices emprestadas de Cícero.
E imagine, ao contrário, Michel Temer soltando palavrões. A ele sim caem bem as sentenças em latim dos clássicos que conhece e os florilégios da gramática que domina.
Tudo o que signifique se afastar da própria identidade desnaturaliza a pessoa e lhe faz perder densidade e credibilidade.
Isso acontece com os políticos e com os artistas e pensadores. Nada aproxima mais as pessoas do que ser como se é. E isso não custa dinheiro. Em minha longa carreira jornalística tive a oportunidade de me encontrar e de poder entrevistar centenas de personalidades. Os mais interessantes, ainda que às vezes os mais duros de lidar, foram sempre os que se apresentaram como eles mesmos, sem máscaras nem maquiagens.
Recordo, por exemplo, na Itália, minha primeira entrevista com o genial cineasta Federico Fellini, autor de obras imortais como Roma e A Doce Vida.
Fellini sempre foi, e nunca escondeu, um adolescente com todas as suas manias, que às vezes fazia desesperar e em outras encantava. Mas era sempre ele, que não aceitava ser entrevistado sem que antes colocasse seu chapéu de feltro e seu cachecol de lã, mesmo que fosse no verão.
Tinham me alertado e fui precavido para a minha primeira entrevista. Recebeu-me com toda a sua vestimenta e fazendo desenhos em uma folha branca de papel, enquanto eu falava com ele. Quando fiz a primeira pergunta, sem levantar os olhos do papel, me espetou: “Que pergunta estúpida!”. Mordi meus lábios e voltei a repeti-la, como se não tivesse o escutado. Havia lhe perguntado como nascem os nomes de seus filmes. Tentou escapulir chamado seu secretário Vicentinho, de uns cem quilos, para que ele me respondesse. Nós dois nos olhamos, e dessa vez ganhei a batalha. Parou de desenhar e, me olhando, deu uma resposta magistral. Disse que os títulos iam crescendo como o filho no ventre de sua mãe, até que toma forma e aparece. Explicou à la Fellini, como o gênio que era.
Imagine um Fellini domesticado por um marqueteiro? Um crime humano e artístico. Ele era um gênio porque sabia ser ele e não outro, nem melhor nem pior. Só ele.
Também na Itália, o maior escritor da máfia, o siciliano Leonardo Sciascia, era um avarento das palavras. Dizia que sobravam 80% das que pronunciamos. Também era difícil entrevistá-lo porque respondia com um substantivo ou com um adjetivo. Naqueles anos, a máfia matava juízes e policiais. Perguntei-lhe o que era para ele a Sicília, e me respondeu: “Não é só máfia”. Tinha razão. A Sicília foi, é e será um patrimônio da Humanidade. Cada vez que lembro disso quero que algum jornalista me pergunte o que é o Brasil para responder como ele: “Não é só violência e corrupção”, porque esse país é infinitamente mais do que isso, apesar de tantos políticos corruptos.
Certa vez, comendo na pequena cozinha de seu apartamento simples em Palermo com ele e sua esposa, Maria, ela lhe disse: “Leonardo, temos que trocar de geladeira”. Ele perguntou: “Maria, funciona?”. “Sim, funciona, mas é muito velha”. E ele: “Mas funciona!”. Todo um doutorado de anticonsumismo. Assim são os grandes gênios. Foi a voz da consciência da Itália com seus artigos no Il Corriere della Sera, nos anos obscuros do terrorismo.
Sciascia era ele e só ele. Por isso sua força intelectual e moral. Morreu alertando os juízes que a máfia assassinava, que não se deixassem contagiar pela “fumaça da fama”, que podia acabar lhes sacrificando inutilmente.
Uma vez que lhe perguntei se acreditava na inocência, me respondeu: “Não, porque não existe nem nas crianças”.
E foi justamente na Itália onde um político, sendo eu ainda um jovem estudante, me conquistou por sua seriedade, austeridade e personalidade, sem que tivesse sido moldado por marqueteiros. Refiro-me ao então líder do Partido Comunista, Enrico Berlinguer. Aquele sardo, feito de raízes como os pastores de sua terra, era outro pão-duro de palavras, mas foi a alma do eurocomunismo naquele momento. Também não gostava de falar nem dar entrevistas. Nunca consegui, apesar de ter confessado para ele que a primeira vez que votei em minha vida, quase aos 40 anos, graças a ter conseguido a cidadania italiana, havia sido nele. Não se comoveu. “É que eu sou muito lento, um elefante”, me disse um dia, sentado ao meu lado durante um Congresso de seu partido.
No dia que morreu saíram às ruas de Roma dois milhões de pessoas para se despedir dele, como quando a Itália ganhou a Copa do Mundo. Estava por acaso de visita Gorbachev, e ficou impressionado de ver a capital do cristianismo sair às ruas chorando para o funeral do líder do Partido Comunista.
É que Berlinguer era mais que um político. Era um personagem íntegro como político e como cidadão. Conquistava com sua austeridade e falta de protagonismo.
Os políticos ganhariam em dinheiro e em eficácia se, em vez de se deixarem plasmar artificialmente pelos marqueteiros, aprendessem a se apresentar com suas virtudes e defeitos, sem esconder nada, e sem querer parecer nem melhores nem piores do que são. Nada como ser eles mesmos. O público agradeceria, e o bolso também.
Acionado na ONU, Moro leciona tática para Lula
Acusado no Comitê de Direitos Humanos da ONU de cometer arbitrariedades na Lava Jato, o juiz Sérgio Moro deu uma lição de tática a Lula, seu detrator. Contra a vontade da Procuradoria da República, o doutor mandou soltar o marqueteiro do PT João Santana e a mulher dele, Mônica Moura.
Representante de Lula na ONU, o advogado Geoffrey Robertson, um australiano que se estabeleceu no Reino Unido, tachou de “primitivo” o sistema penal brasileiro. Declarou que “o juiz tem o poder de deter indefinidamente até obter uma confissão e a delação premiada.”
Pois bem. Sem ter firmado nenhum acordo de delação, Santana e Mônica já confessaram ter recebido US$ 4,5 milhões em verbas ilegais por serviços prestados ao comitê Dilma-2010. Ganharam o meio-fio sem tornozeleira. Devem virar delatores em liberdade. Longe das grades, entregarão Dilma-2014 —guiçá o próprio Lula-2006— em troca de redução da pena.
Moro deixou claro que a pena virá. O juiz não comprou o álibi do caixa dois. “…Não é provavelmente verdadeiro e ainda que o fosse não elimina a responsabilidade individual'', anotou num despacho. Contra o antídoto de Santana, que estimou em “98%'' as campanhas eleitorais que operam com caixa dois, Moro reforçou o veneno: “Se um ladrão de bancos afirma ao juiz como álibi que outros também roubam bancos, isso não faz qualquer diferença em relação à sua culpa.''
De resto, a maleabilidade de Moro revelou-se providencialmente seletiva. O magistrado liberou Santana e Mônica. Mas manteve presos, a título de fiança, R$ 31,5 milhões amealhados pela dupla. Lula que se vire para explicar, na ONU e alhures, como “não sabia'' que os responsáveis pelo marketing das campanhas presidenciais do PT haviam se transformado em alvos tão prósperos do sistema penal “primitivo”.
O verdadeiro sentido da vida
Na estúpida corrida para bater recordes de acumulação de riquezas, o verdadeiro sentido da vida tende a ficar para trás. Continua gozando de maior respeito um homem rico do que um sábio. O primeiro é mais visível, possui acessórios caros; impõe-se pela capacidade de comprar soluções; o segundo, por evitar comprá-las, pois não gera problemas. Um mede seu êxito pelo tamanho da inveja que suscita; o outro, pela arte de insuflar satisfação, pois ele compreendeu que não é feliz quem mais tem, mas quem mais se satisfaz com o que tem.
A felicidade, em si, não é algo exterior, não vive fora do indivíduo nem se pode comprar na feira. Ela se gera bem no tabernáculo humano, num recinto pessoal e intocável, como um sentimento de plena harmonia, e não de superioridade. Engana-se, portanto, quem desfila entre seus semelhantes recolhendo olhares invejosos ou medindo sua importância pela riqueza. Será um Sísifo empurrando eternamente a pedra e recomeçando sempre do princípio.
O novo milênio, saudado pelos arautos da Era de Aquário como o início de uma fase de grandes transformações, deverá promover o resgate da sabedoria entre os seres humanos e, portanto, a capacidade de viver de forma harmoniosa em relação tanto aos semelhantes quanto à natureza. Sinais dessa mudança se notam pela preocupação ainda tímida, mas já evidente, da “responsabilidade social”, algo humano e ambientalmente correto que começa a ser compreendido como fator fundamental e indissociável das atividades econômicas.
Embora o lucro continue a ser condição básica, pois sem ele nenhuma empresa consegue permanecer em atividade, surge com vigor nas grandes corporações, e até nas pequenas empresas, a necessidade da ação correta, aquela que distribui não apenas dividendos, mas ajudas ao desenvolvimento humano.
O desempenho de uma empresa passou a ser avaliado, com intensidade crescente nos meios mais atentos, por um conjunto de valores não apenas econômicos e não necessariamente materiais. Hoje, e ainda mais no futuro, a importância e as perspectivas de longevidade da empresa se atrelam ao respeito de interesses difusos e à superação de sofrimentos humanos.
Mais vale uma empresa com um lucro modesto, mas com papel definido de utilidade social, do que uma empresa com um monumental lucro sem méritos sociais. A primeira terá vida mais fácil que a outra, gozando de simpatia, de apoio, de gratidão – valores imateriais que conspiram hoje, e conspirarão ainda mais no futuro, para o sucesso.
Quem compreender isso é um afortunado que distribuirá meios para uma vida melhor.
A felicidade, em si, não é algo exterior, não vive fora do indivíduo nem se pode comprar na feira. Ela se gera bem no tabernáculo humano, num recinto pessoal e intocável, como um sentimento de plena harmonia, e não de superioridade. Engana-se, portanto, quem desfila entre seus semelhantes recolhendo olhares invejosos ou medindo sua importância pela riqueza. Será um Sísifo empurrando eternamente a pedra e recomeçando sempre do princípio.
Josephine Wall |
Embora o lucro continue a ser condição básica, pois sem ele nenhuma empresa consegue permanecer em atividade, surge com vigor nas grandes corporações, e até nas pequenas empresas, a necessidade da ação correta, aquela que distribui não apenas dividendos, mas ajudas ao desenvolvimento humano.
O desempenho de uma empresa passou a ser avaliado, com intensidade crescente nos meios mais atentos, por um conjunto de valores não apenas econômicos e não necessariamente materiais. Hoje, e ainda mais no futuro, a importância e as perspectivas de longevidade da empresa se atrelam ao respeito de interesses difusos e à superação de sofrimentos humanos.
Mais vale uma empresa com um lucro modesto, mas com papel definido de utilidade social, do que uma empresa com um monumental lucro sem méritos sociais. A primeira terá vida mais fácil que a outra, gozando de simpatia, de apoio, de gratidão – valores imateriais que conspiram hoje, e conspirarão ainda mais no futuro, para o sucesso.
Quem compreender isso é um afortunado que distribuirá meios para uma vida melhor.
Como vivem os negros no clube do 1% mais rico do país
Mônica Valéria Gonçalves, de 47 anos, é servidora pública de um tribunal em Brasília. É casada com um juiz de direito branco. Júlio César Chagas Santos, de 50 anos, é empresário do ramo de reciclagem no Rio de Janeiro. Enfrentou a pobreza na infância e conquistou seu espaço com muito trabalho e senso de oportunidade. Sabrina Fidalgo, de 36 anos, é cineasta e já nasceu em família abastada. No balé, era a única negra da turma.
São exceções também nas estatísticas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o 1% mais rico é formado por 79% de brancos e 17,4% de negros (classificação usada pelo órgão para os que se autodeclaram pretos e pardos. Os percentuais restantes se referem a amarelos e indígenas).
Há diferentes métodos para se chegar ao topo da pirâmide de renda. Um deles considera o 1% mais rico da população brasileiros que ganham mais de R$ 260 mil por ano - o cálculo é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Receita Federal.
Neste grupo, que segundo projeções do IBGE reúne de 1,4 milhão de pessoas adultas, há cada vez mais negros. Em 10 anos, a presença deles aumentou de 12,5%, em 2004, para 17,4% em 2014.
"Mas ainda é pouco. A riqueza no Brasil é majoritariamente branca", diz Marcelo Medeiros, economista e sociólogo do Ipea e uma das maiores autoridades do país sobre o tema renda e desigualdade, referindo-se ao fato de que esses 17,4% ainda estão muito longe de refletir os 53,6% da população brasileira negra, segundo o último censo.
Sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB), Emerson Rocha desenvolveu um estudo com base em dados do IBGE sobre o negro no mundo dos ricos. O que ele descobriu questiona a tese de que o preconceito no Brasil é mais econômico do que racial.
Segundo Rocha, a percepção do racismo aumenta ao longo da distribuição de renda. "Quanto mais alto na escala social o negro subir, maior o peso do racismo, contrariando a ideia de que, no Brasil, o negro que enriquece é socialmente aceito como 'branco'", afirma.
Sua explicação é de que o negro em posições subalternas tende a ser confrontado com menor frequência pelo racismo pelo fato de estar no que poderia ser chamado de "posição natural" - ao sair desse espaço, gera estranhamento, surpresa ou rejeição e está mais suscetível a manifestações de preconceito.
"O que a gente observa é que, à medida que os negros ascendem, novas formas de discriminação vão ganhando espaço. Mesmo com diplomas e carreiras bem-sucedidas, mais do que nunca, ele será um negro. E, para muitos, um corpo estranho e fora do lugar. As estruturas sociais ainda não estão preparadas para isso", avalia Rocha.
Nilo Peçanha, o presidente negro do Brasil (1867-1924) |
Mais do que a cor da pele, os três têm em comum a classe social: são brasileiros negros que fazem parte do 1% mais rico do país. Frequentam festas, restaurantes, hotéis, cursos, espaços em que são minoria. Geralmente, únicos: na academia onde faz ginástica no Lago Sul, em Brasília, Mônica conta que não há outro sócio negro, como ela.
São exceções também nas estatísticas. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o 1% mais rico é formado por 79% de brancos e 17,4% de negros (classificação usada pelo órgão para os que se autodeclaram pretos e pardos. Os percentuais restantes se referem a amarelos e indígenas).
Há diferentes métodos para se chegar ao topo da pirâmide de renda. Um deles considera o 1% mais rico da população brasileiros que ganham mais de R$ 260 mil por ano - o cálculo é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), baseado em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Receita Federal.
Neste grupo, que segundo projeções do IBGE reúne de 1,4 milhão de pessoas adultas, há cada vez mais negros. Em 10 anos, a presença deles aumentou de 12,5%, em 2004, para 17,4% em 2014.
"Mas ainda é pouco. A riqueza no Brasil é majoritariamente branca", diz Marcelo Medeiros, economista e sociólogo do Ipea e uma das maiores autoridades do país sobre o tema renda e desigualdade, referindo-se ao fato de que esses 17,4% ainda estão muito longe de refletir os 53,6% da população brasileira negra, segundo o último censo.
Embora correspondam a 53,6% da população, negros são só 17,4% entre os mais ricos
Sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB), Emerson Rocha desenvolveu um estudo com base em dados do IBGE sobre o negro no mundo dos ricos. O que ele descobriu questiona a tese de que o preconceito no Brasil é mais econômico do que racial.
Segundo Rocha, a percepção do racismo aumenta ao longo da distribuição de renda. "Quanto mais alto na escala social o negro subir, maior o peso do racismo, contrariando a ideia de que, no Brasil, o negro que enriquece é socialmente aceito como 'branco'", afirma.
Sua explicação é de que o negro em posições subalternas tende a ser confrontado com menor frequência pelo racismo pelo fato de estar no que poderia ser chamado de "posição natural" - ao sair desse espaço, gera estranhamento, surpresa ou rejeição e está mais suscetível a manifestações de preconceito.
"O que a gente observa é que, à medida que os negros ascendem, novas formas de discriminação vão ganhando espaço. Mesmo com diplomas e carreiras bem-sucedidas, mais do que nunca, ele será um negro. E, para muitos, um corpo estranho e fora do lugar. As estruturas sociais ainda não estão preparadas para isso", avalia Rocha.
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