Não figuram nesse montante despesas com itens essenciais, como a segurança e o revezamento da tocha. Só o governo federal investiu mais de R$ 700 milhões no esquema montado para tornar o Rio mais seguro, ou menos inseguro. As 12 mil tochas (R$ 2 mil cada uma) engoliram R$ 24 mil. Embora a maior parte desse valor tenha sido pago por patrocinadores e pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COI), municípios escolhidos para participar do revezamento tiveram de desembolsar quantias que parecem uma fortuna em tempos de crise.
Com pouco mais de 250 mil habitantes, a mineira Ipatinga, por exemplo, gastaria R$ 180 mil para viabilizar a passagem do fogo com investimentos em logística e infraestrutura que iam de alterações no trânsito ao recapeamento de ruas, passando pela poda de árvores e programações culturais. A prefeita Cecília Ferramenta (PT) preferiu cancelar o evento. “O momento exige que se dê prioridade absoluta ao pagamento de servidores, à manutenção dos serviços essenciais e a continuidade das obras em andamento na cidade”, argumentou. Mais de 300 cidades toparam pagar o necessário para fazer parte do circuito que, segundo o site oficial dos Jogos Olímpicos, “foi definido levando em conta critérios logísticos, turísticos e culturais”.
Se os gastos para a realização da Olimpíada no Rio não param de aumentar, caiu pela metade o número de turistas estrangeiros que os organizadores esperavam recepcionar. Inicialmente calculados em cerca de 1 milhão, não deverão passar de 500 mil. E o “legado dos Jogos” só alcança dimensões olímpicas nos discursos dos políticos e em peças publicitárias ufanistas. Os governos federal, estadual e municipal anunciaram com pompa e circunstância que, até o início das competições, 80% do esgoto despejado na Baía de Guanabara seria tratado. A menos de uma semana da cerimônia de abertura, a porcentagem despencou para 52% — índice um ponto acima do que foi prometido para 1999, quando deveria ter sido concluída a primeira fase do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) lançado durante a Eco-92.
Faz 24 anos que a despoluição da baía lidera o ranking das promessas de todos os candidatos a prefeito ou governador do Rio de Janeiro. Só os projetos concebidos para concretizar essa prioridade sempre adiada consumiram mais de R$ 10 bilhões. A partir de 5 de agosto, atletas do mundo inteiro saberão que um dos mais belos cartões postais do planeta é, visto de perto, um imenso depósito de dejetos. Como a limpeza desse pedaço de mar, nenhum dos grandes projetos ambientais ligados à Olimpíada foi concluído.
Além disso, a corrupção que infestou o Brasil não poupou o evento bilionário. No início de junho, o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (antiga CGU), a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Receita Federal revelaram que R$ 85 milhões foram desviados só na construção do Complexo Esportivo de Deodoro. Nesta quinta-feira, a Folha informou que a prefeitura do Rio gastou R$ 233 milhões em contratos sem licitação para conseguir terminar a tempo as obras, principalmente em arenas atrasadas.
Entre as empresas contratadas, duas têm vínculos com a família de André Lazaroni, líder do PMDB na Assembleia Legislativa fluminense. No mesmo dia, uma reportagem de VEJA constatou que a Força Nacional de Segurança Pública havia iniciado um processo de cadastramento e seleção de policiais militares e bombeiros inativos para contratar 3 mil homens em regime de urgência. Eles tentarão preencher as lacunas deixada pela Artel Recursos Humanos. Escondida em Navegantes (SC), a empresa não tem nenhuma experiência no ramo da segurança. Mesmo assim, ganhou a licitação para fazer o controle eletrônico de 49 instalações ao preço de R$ 17,3 milhões.
No dia em que a delegação australiana se recusou a hospedar-se na Vila dos Atletas, para não conviver com vasos sanitários entupidos, vazamentos em canos, fiação exposta, escadarias sem iluminação e pisos sujos (fora o resto), o prefeito Eduardo Paes apresentou uma desculpa risível: “é muita gente chegando ao mesmo tempo”. Para tornar o local habitável, 600 encanadores, faxineiros, eletricistas, engenheiros e outros profissionais foram contratados às pressas e trabalharam em tempo integral para fazer em sete dias o que não foi feito em sete anos. Esses gastos também não entraram no orçamento oficial.
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