terça-feira, 2 de agosto de 2016

O Brasil chega à Olimpíada sem cara

O mais fascinante desta Olimpíada no Rio é a negação de uma ideia de Brasil. É a impossibilidade de apresentar um imaginário coeso sobre o país para fora – e também para dentro. É a total impossibilidade de conciliação. Esta é a potência do momento – confundida às vezes com fracasso, com estagnação ou mesmo com impotência. O Brasil chega à Olimpíada sem que se possa dizer o que o Brasil é.

Para que isso se torne mais claro, é preciso voltar ao ano de 2009, ao momento em que o Brasil foi escolhido para sediar a Olimpíada de 2016. Há vários vídeos sobre o discurso de Lula após o anúncio. Não o discurso oficial, mas o discurso do então presidente feito para as câmeras de TV. Aquele que é espetáculo dentro do espetáculo. Particularmente, prefiro o da Globo (assista aqui), pelo que esta rede de comunicação representa na história recente do país, e pela linguagem que escolhe ao contrapor a fala de Lula com a reação dos apresentadores e comentaristas. Quando se pensa que essa “conciliação” foi possível apenas sete anos atrás, tudo fica ainda mais interessante.

Sugiro assistir a estes sete minutos, preciosos para compreender aquele e este momento. Mas também transcrevo aqui a fala de Lula, para que se torne mais fácil refletir sobre os tantos sentidos desse discurso, agora que podemos olhar para ele pelo retrovisor. E para que seja possível prestar atenção nos personagens então secundários, congelando a imagem por um momento.

Lula está emocionado. Não acredito que esteja fingindo se emocionar. Ainda que ele fale com a consciência de que está produzindo um documento para a história, consciência que ele sempre mostrou ter ao longo de seus dois mandatos como presidente do país, ele acredita no que diz. Como Lula vê o país e como entende o povo brasileiro é crucial para compreender o Brasil atual, dada a importância do personagem e o papel de protagonista que desempenhou e desempenha. Naquele momento, há uma festa de comemoração nas areias de Copacabana, como se a multidão que ali está tivesse a função de produzir a imagem capaz de comprovar a tese de seu líder.

Lula diz para as câmeras de TV, e ao dizer o líder carismático está num de seus momentos de maior carisma:

– O Rio perdeu muitas coisas. O Rio foi capital, o Rio foi coroa portuguesa, e foi perdendo... Eu acho que essa Olimpíada é um pouco uma retribuição ao povo do Rio de Janeiro que muitas vezes aparece na imprensa, só nas páginas dos jornais... É preciso respeitar porque o povo é bom, o povo é generoso. Acho que o Brasil merece. Aqueles que pensam que o Brasil não tem condições vão se surpreender. Os mesmos que pensavam que nós não tínhamos condições de governar esse país vão se surpreender com a capacidade do país de fazer uma Olimpíada.

Diante da pergunta de por que o Rio ganhou de cidades como Madri, Tóquio e Chicago, que disputavam ser sede da Olimpíada, Lula afirma:

– A gente tava com a alma, com o coração. Ou seja, era o único país que queria de verdade fazer uma Olimpíada. Porque para os outros seria mais uma. Nós tínhamos que provar a competência de fazer uma Olimpíada. Então eu acho que as pessoas veem isso nos olhos da gente. (...) Essa foi a diferença. Esse país precisa ter uma chance. Não é possível que esse país não tenha, no século 21, a chance que não tivemos no século 20.

Sobre onde ele e o país estariam neste futuro apoteótico, Lula diz:

– Eu não vou estar na presidência, mas estarei como cidadão brasileiro, colocando minha alma, o meu coração, pra que a gente faça o que tem de melhor nesse país. Tem de comemorar porque o Brasil saiu do patamar de um país de segunda classe e se tornou um país de primeira classe.

Leia mais o artigo de Eliane Brum

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