segunda-feira, 6 de outubro de 2025
É obrigatório chorar os mortos na internet
Uma das melhores coisas de usar apenas socialmente as redes sociais — além de dar uma folga aos haters, claro — é não ter de fazer o obituário de cada celebridade que “nos deixa”.
Essa é uma das leis não escritas da internet: morreu alguém relevante, torna-se quase mandatório exibir algum vínculo com o famoso que nunca soube da nossa existência — mas, depois do último suspiro, é como se fosse o padrinho que nos pegou no colo, a tia de consideração que todo Natal mandava meias de presente.
Em cada um que morre, morremos um pouco. Vai com o morto parte da nossa história, da nossa memória afetiva. Estivemos vivos juntos — nós aqui, em Coxiporé do Norte, ele lá em Los Angeles ou no Leblon. Sob o mesmo sol — nós, na canícula; ele sob um ombrelone — e respirando o mesmo ar — vá lá, a atmosfera do mesmo planeta: a nossa com o monóxido de carbono da Avenida Brasil, a dele com a lavanda da Provença. Mas a morte nos irmana.
Claudia Cardinale, no auge da beleza, apareceu em inúmeros tributos on-line, inclusive na página de quem nem imaginava que ainda estivesse viva. Seu memorial virtual terá vindo poucas postagens depois do pesar pelo passamento de Robert Redford, inesquecível como Butch Cassidy (ou seria o Sundance Kid?), que os mais jovens só conhecem como o barbudo que acena, num meme. Pouco antes, no pesar por Terence Stamp, ora a foto do General Zod de “Superman”, ora a de Bernadette, em “Priscilla, a rainha do deserto”, quase nunca a do visitante sem nome de “Teorema”. Não nos iludamos: cada um de nós enterra um morto diferente, ainda que sob o mesmo nome.
Lamentar que Hermeto ou Arlindo Cruz “se foram” (dá-lhe eufemismo nessa hora!) supre o fato de nunca termos tido um único disco deles. Que o último filme do Gene Hackman que vimos tenha sido “Os imperdoáveis” ou “Operação França” (era ele, não?) é o de menos. Seu trágico fim é a chance de que precisamos para nos redimir de tê-lo esquecido esse tempo todo.
Por menos que se conheça a obra de alguém, a rede social impelirá a um panegírico post mortem, em sinal de pertencimento à tribo. Fará parte do luto, real ou performático, uma breve citação ao amor, meu grande amor, por Angela Ro Ro, ao insensato coração de Nana Caymmi ou, entregando a idade, um verso descontextualizado de “Rock’n’roll lullaby” por Francisco Cuoco.
Morremos muitos (você, eu, Ed Mort, Dora Avante, a velhinha, o analista, as cobras, as palavras) com o Veríssimo. Morre um tanto do que eu sei, mas não devia, e da implosão da verdade, com Marina Colasanti e Affonso Romano. No Facebook e no Instagram, com usuários cada vez mais velhos, lamentamos na dos outros nossa morte antecipada. É por nós que os sinos virtuais dobrariam, caso existissem; é a nós que todos os obituários se referem.
Se Françoise Hardy, Alain Delon e Rita Lee morreram, então é provável que ninguém escape da iniludível. E, cada vez mais solitários, será com a plateia amorfa e anônima das redes que compartilharemos a angústia de perceber que os da nossa idade não precisam mais dos artifícios de acidentes ou de overdoses para ir estudar a geologia dos campos santos.
Larguei de mão as redes sociais porque não me faz bem ser odiado e prefiro não odiar ninguém. Mas ando com uma paradoxal síndrome de abstinência desse velório virtual promovido cada vez que morremos um pouco. E como temos morrido ultimamente!
Essa é uma das leis não escritas da internet: morreu alguém relevante, torna-se quase mandatório exibir algum vínculo com o famoso que nunca soube da nossa existência — mas, depois do último suspiro, é como se fosse o padrinho que nos pegou no colo, a tia de consideração que todo Natal mandava meias de presente.
Em cada um que morre, morremos um pouco. Vai com o morto parte da nossa história, da nossa memória afetiva. Estivemos vivos juntos — nós aqui, em Coxiporé do Norte, ele lá em Los Angeles ou no Leblon. Sob o mesmo sol — nós, na canícula; ele sob um ombrelone — e respirando o mesmo ar — vá lá, a atmosfera do mesmo planeta: a nossa com o monóxido de carbono da Avenida Brasil, a dele com a lavanda da Provença. Mas a morte nos irmana.
Claudia Cardinale, no auge da beleza, apareceu em inúmeros tributos on-line, inclusive na página de quem nem imaginava que ainda estivesse viva. Seu memorial virtual terá vindo poucas postagens depois do pesar pelo passamento de Robert Redford, inesquecível como Butch Cassidy (ou seria o Sundance Kid?), que os mais jovens só conhecem como o barbudo que acena, num meme. Pouco antes, no pesar por Terence Stamp, ora a foto do General Zod de “Superman”, ora a de Bernadette, em “Priscilla, a rainha do deserto”, quase nunca a do visitante sem nome de “Teorema”. Não nos iludamos: cada um de nós enterra um morto diferente, ainda que sob o mesmo nome.
Lamentar que Hermeto ou Arlindo Cruz “se foram” (dá-lhe eufemismo nessa hora!) supre o fato de nunca termos tido um único disco deles. Que o último filme do Gene Hackman que vimos tenha sido “Os imperdoáveis” ou “Operação França” (era ele, não?) é o de menos. Seu trágico fim é a chance de que precisamos para nos redimir de tê-lo esquecido esse tempo todo.
Por menos que se conheça a obra de alguém, a rede social impelirá a um panegírico post mortem, em sinal de pertencimento à tribo. Fará parte do luto, real ou performático, uma breve citação ao amor, meu grande amor, por Angela Ro Ro, ao insensato coração de Nana Caymmi ou, entregando a idade, um verso descontextualizado de “Rock’n’roll lullaby” por Francisco Cuoco.
Morremos muitos (você, eu, Ed Mort, Dora Avante, a velhinha, o analista, as cobras, as palavras) com o Veríssimo. Morre um tanto do que eu sei, mas não devia, e da implosão da verdade, com Marina Colasanti e Affonso Romano. No Facebook e no Instagram, com usuários cada vez mais velhos, lamentamos na dos outros nossa morte antecipada. É por nós que os sinos virtuais dobrariam, caso existissem; é a nós que todos os obituários se referem.
Se Françoise Hardy, Alain Delon e Rita Lee morreram, então é provável que ninguém escape da iniludível. E, cada vez mais solitários, será com a plateia amorfa e anônima das redes que compartilharemos a angústia de perceber que os da nossa idade não precisam mais dos artifícios de acidentes ou de overdoses para ir estudar a geologia dos campos santos.
Larguei de mão as redes sociais porque não me faz bem ser odiado e prefiro não odiar ninguém. Mas ando com uma paradoxal síndrome de abstinência desse velório virtual promovido cada vez que morremos um pouco. E como temos morrido ultimamente!
Ministro da Guerra é o perigo de Trump duplicado
Ninguém precisou jurar nada em Quantico. Pelo menos não de público. Os 800 oficiais de alta patente convocados inopinadamente à base de Fuzileiros Navais pelo ministro da Guerra americano, Pete Hegseth, puderam fazer cara de paisagem. Nada que lembrasse o famoso juramento pessoal exigido de cada integrante das Forças Armadas alemãs em agosto de 1934, prenunciando a hecatombe que se seguiu:
— Faço o sagrado juramento de que prestarei obediência incondicional a Adolf Hitler, Führer do Reich e do povo alemão, Comandante Supremo da Wehrmacht.
A imposição de 90 anos atrás, etapa crucial para a nazificação do aparato militar germânico, estabeleceu o fatídico vínculo rijo entre Hitler e o estamento. A lealdade ao país e à sua base constitucional foi transmutada em fidelidade direta ao líder único. Recusar o juramento passou a ser crime grave, e a obediência ao Führer precisava ser irrestrita — até para cometer os crimes de guerra que se seguiriam.
Em Quantico, sentados no auditório feito colegiais ouvindo palestra que vale nota no final do ano, generais e almirantes multicondecorados responderam ao que ouviram com polido aplauso ao final. Nada lhes foi exigido de forma explícita, além de perder peso, cortar cabelo e barba e ser macho. Mesmo assim, fica uma baita esquisitice no ar.
— Chega de regras de engajamento politicamente corretas e excessivamente restritivas — comunicou Hegseth.
Ele frisou que a missão militar da era trumpista é “desatar as mãos dos nossos combatentes para intimidar, desmoralizar, caçar e matar os inimigos” e que considerava frouxo o “etos guerreiro” das Forças Armadas atuais, apegadas a “regras de engajamento estúpidas” para quem vai à guerra. Esqueceu que a Convenção de Genebra e as regras de engajamento bélico não se destinam a impedir que combatentes matem inimigos. Elas se destinam, entre outros objetivos, a responsabilizar soldados que fuzilam cinco crianças e dois adultos assustados dentro de um carro em Bagdá, apenas porque o motorista estava nervoso — uma das inúmeras aberrações criminosas praticadas por G.I.s americanos ou terceirizados durante a guerra no Iraque.
Hegseth, catapultado aos 45 anos para chefiar o Departamento de Defesa da superpotência, goza de apreço zero junto a boa parte do oficialato de carreira. Sua desqualificação para o cargo é vista como ofensiva por ombros estrelados, e não deve ter sido suave receber lição de liderança militar de quem não tem mais do que oito meses de experiência no front (oficial de Infantaria do Iraque e Afeganistão), mais alguns anos na Guarda Nacional e o resto da carreira como comentarista na Fox News. Ele acabara de ser incorporado à 3ª Brigada da 101ª Divisão Aerotransportada quando soldados daquela unidade foram denunciados por matar a sangue-frio três prisioneiros iraquianos na invasão daquele país. O atual secretário não teve qualquer participação no episódio, mas dele teve conhecimento à época. E parece se servir de uma falsa dicotomia — letalidade ou profissionalismo — para alicerçar a doutrina de guerra exposta em Quantico: segundo ele, as derrotas militares dos Estados Unidos desde 2001 se devem às restrições impostas às regras de engajamento. Todos os presidentes da época foram frouxos. Trump não é nem será.
O exercício de musculatura verbal durou 45 minutos e foi mais coreografado do que uma palestra TED. Hegseth trafegou pelo palco com o torso malhado estourando pelo paletó (nas comemorações do 81º aniversário do Dia D, já se fizera fotografar em exercícios com uma unidade de Rangers em Omaha Beach) e deve ter se inebriado com a telegenia do próprio desempenho. Tinha a seus pés, silencioso, o top brass que efetivamente comanda as operações militares da superpotência mundial em terra, mar e ar, no espaço e no ciberespaço. O motivo para tamanha encenação declaratória e de sublimação do desempenho físico como atributo moral? Segundo Tom Nichols, da revista The Atlantic, foi “para botar todos os cavalos no estábulo e chicoteá-los até entrarem em forma”.
O deslocamento simultâneo e múltiplo de todo o comando militar americano para um mesmo local fartamente divulgado foi um risco que Hegseth tomou sem pestanejar. Por que transtornar o trabalho e a rotina de centenas de funcionários graduados?
— Porque eu posso — costuma responder Trump quando indagado sobre alguma de suas medidas aberrantes.
Para o historiador Timothy W. Ryback, diretor do Instituto de Justiça Histórica e Reconciliação, em Haia, Hegseth emula o líder.
— Ele parece ter a mesma necessidade de fazer coisas que outros consideram insanas como forma de demonstrar força — diz Ryback, autor de “Takeover: Hitler’s final rise to power”.
Um perigo, em suma. Ou melhor, dois perigos.
— Faço o sagrado juramento de que prestarei obediência incondicional a Adolf Hitler, Führer do Reich e do povo alemão, Comandante Supremo da Wehrmacht.
A imposição de 90 anos atrás, etapa crucial para a nazificação do aparato militar germânico, estabeleceu o fatídico vínculo rijo entre Hitler e o estamento. A lealdade ao país e à sua base constitucional foi transmutada em fidelidade direta ao líder único. Recusar o juramento passou a ser crime grave, e a obediência ao Führer precisava ser irrestrita — até para cometer os crimes de guerra que se seguiriam.
Em Quantico, sentados no auditório feito colegiais ouvindo palestra que vale nota no final do ano, generais e almirantes multicondecorados responderam ao que ouviram com polido aplauso ao final. Nada lhes foi exigido de forma explícita, além de perder peso, cortar cabelo e barba e ser macho. Mesmo assim, fica uma baita esquisitice no ar.
— Chega de regras de engajamento politicamente corretas e excessivamente restritivas — comunicou Hegseth.
Ele frisou que a missão militar da era trumpista é “desatar as mãos dos nossos combatentes para intimidar, desmoralizar, caçar e matar os inimigos” e que considerava frouxo o “etos guerreiro” das Forças Armadas atuais, apegadas a “regras de engajamento estúpidas” para quem vai à guerra. Esqueceu que a Convenção de Genebra e as regras de engajamento bélico não se destinam a impedir que combatentes matem inimigos. Elas se destinam, entre outros objetivos, a responsabilizar soldados que fuzilam cinco crianças e dois adultos assustados dentro de um carro em Bagdá, apenas porque o motorista estava nervoso — uma das inúmeras aberrações criminosas praticadas por G.I.s americanos ou terceirizados durante a guerra no Iraque.
Hegseth, catapultado aos 45 anos para chefiar o Departamento de Defesa da superpotência, goza de apreço zero junto a boa parte do oficialato de carreira. Sua desqualificação para o cargo é vista como ofensiva por ombros estrelados, e não deve ter sido suave receber lição de liderança militar de quem não tem mais do que oito meses de experiência no front (oficial de Infantaria do Iraque e Afeganistão), mais alguns anos na Guarda Nacional e o resto da carreira como comentarista na Fox News. Ele acabara de ser incorporado à 3ª Brigada da 101ª Divisão Aerotransportada quando soldados daquela unidade foram denunciados por matar a sangue-frio três prisioneiros iraquianos na invasão daquele país. O atual secretário não teve qualquer participação no episódio, mas dele teve conhecimento à época. E parece se servir de uma falsa dicotomia — letalidade ou profissionalismo — para alicerçar a doutrina de guerra exposta em Quantico: segundo ele, as derrotas militares dos Estados Unidos desde 2001 se devem às restrições impostas às regras de engajamento. Todos os presidentes da época foram frouxos. Trump não é nem será.
O exercício de musculatura verbal durou 45 minutos e foi mais coreografado do que uma palestra TED. Hegseth trafegou pelo palco com o torso malhado estourando pelo paletó (nas comemorações do 81º aniversário do Dia D, já se fizera fotografar em exercícios com uma unidade de Rangers em Omaha Beach) e deve ter se inebriado com a telegenia do próprio desempenho. Tinha a seus pés, silencioso, o top brass que efetivamente comanda as operações militares da superpotência mundial em terra, mar e ar, no espaço e no ciberespaço. O motivo para tamanha encenação declaratória e de sublimação do desempenho físico como atributo moral? Segundo Tom Nichols, da revista The Atlantic, foi “para botar todos os cavalos no estábulo e chicoteá-los até entrarem em forma”.
O deslocamento simultâneo e múltiplo de todo o comando militar americano para um mesmo local fartamente divulgado foi um risco que Hegseth tomou sem pestanejar. Por que transtornar o trabalho e a rotina de centenas de funcionários graduados?
— Porque eu posso — costuma responder Trump quando indagado sobre alguma de suas medidas aberrantes.
Para o historiador Timothy W. Ryback, diretor do Instituto de Justiça Histórica e Reconciliação, em Haia, Hegseth emula o líder.
— Ele parece ter a mesma necessidade de fazer coisas que outros consideram insanas como forma de demonstrar força — diz Ryback, autor de “Takeover: Hitler’s final rise to power”.
Um perigo, em suma. Ou melhor, dois perigos.
Símbolo de resistência global: Israel teme as flotilhas de Gaza
Basta examinar as ações e a retórica do governo israelense para compreender plenamente a profunda importância das flotilhas de solidariedade com destino a Gaza. Com a partida da mais recente e significativa dessas iniciativas, a Flotilha da Solidariedade Global, o discurso hostil de Israel se intensificou, articulado com a maior veemência pelo Ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir.
O ministro extremista declarou ameaçadoramente que todos os voluntários a bordo da Flotilha são "terroristas", prometendo que serão tratados como tal. Para compreender o significado assustador de tratar ativistas não violentos como terroristas, é preciso considerar uma investigação recente do jornal The Guardian. A reportagem expôs que, dos 6.000 palestinos detidos em Gaza durante os primeiros 19 meses do genocídio, todos estavam sob uma lei que os classifica como "combatentes ilegais", ou seja, terroristas, o que permite prisão por tempo indeterminado.
Esta investigação revelou que a grande maioria dos encarcerados por Israel são, na verdade, civis, incluindo profissionais de saúde, professores, jornalistas, funcionários públicos e crianças. O fato de Israel estender essa mesma definição draconiana a ativistas internacionais, cuja missão declarada é romper o cerco a Gaza, ressalta fortemente o valor político e estratégico dessas missões aos olhos de Israel.
O medo profundo de Israel do envolvimento da sociedade civil em sua ocupação militar e na guerra contra o povo palestino não é um acontecimento recente. O genocídio em curso apenas evidenciou o fracasso total do sistema jurídico e político internacional e, por sua vez, a crescente importância da sociedade civil.
Quando o primeiro barco de solidariedade, enviado pelo Movimento Gaza Livre, chegou a Gaza em 2008, Israel ficou indignado. Os ativistas atuaram como embaixadores cruciais, educando suas comunidades sobre o cerco israelense à Faixa de Gaza. A resposta de Tel Aviv à Flotilha da Liberdade de Gaza de 2010, que incluía o MV Mavi Marmara, foi letal. Comandos israelenses mataram 10 ativistas, enviando uma mensagem severa de que Israel não toleraria qualquer interferência, mesmo de instituições de caridade ocidentais conhecidas e respeitadas, em sua guerra contra os palestinos.
Desde então, tratar ativistas como criminosos tornou-se um procedimento operacional padrão, reforçado pelo fato de que nenhum israelense jamais foi responsabilizado pela violência ultrajante contra civis. Isso, no entanto, não desanimou os ativistas solidários, que tentaram navegar repetidas vezes – em 2011, 2015 e 2018. A eventual infrequência dessas missões não se deveu à falta de interesse, mas sim ao fato de que alguns países europeus, em coordenação com Israel, fizeram tudo ao seu alcance para impedir que os ativistas zarpassem.
Essa dinâmica mudou drasticamente com o atual genocídio. A solidariedade com os palestinos em Gaza aumentou e agora domina muitas sociedades europeias, conquistando o apoio de vários governos, incluindo o espanhol, de onde embarcou a mais recente Flotilha da Solidariedade Global. Partindo de Barcelona, os barcos foram acompanhados por outros ao longo do caminho. Eles transportarão coletivamente suprimentos vitais para Gaza, sabendo muito bem que suas chances de serem interceptados e apreendidos, juntamente com sua carga vital, são muito maiores do que suas chances de chegar à Faixa costeira sitiada.
Essa dura realidade foi reforçada por eventos recentes. A flotilha Conscience, por exemplo, foi alvo de drones na costa de Malta em maio passado. Enquanto isso, o Madleen e o Handala foram apreendidos e confiscados em junho e julho. Antes do ataque ao Madleen, o Ministro da Defesa Israel Katz descreveu Greta Thunberg, a renomada ativista internacional que se juntou à flotilha, como "antissemita". Ele emitiu um alerta: "É melhor vocês voltarem... porque não chegarão a Gaza. Israel agirá contra qualquer tentativa de romper o bloqueio ou de ajudar organizações terroristas."
Essa fúria ecoa a linguagem irada e as ações violentas consistentemente usadas pelos governos israelenses contra qualquer pessoa ou entidade que ouse desafiar o cerco israelense a Gaza. Mas por que tanta fúria? Essas iniciativas aparentemente pequenas e subfinanciadas, por si só, dificilmente são suficientes para romper o cerco a Gaza ou para alimentar os dois milhões de pessoas que estão sofrendo genocídio e fome.
Israel tem plena consciência da poderosa eficácia da ação da sociedade civil no caso da Palestina. De fato, a maior parte da defesa dos direitos palestinos em todo o mundo não se origina daqueles que se dizem representantes do povo palestino, mas da sociedade civil em geral. Isso inclui uma ampla gama de ações: advocacy política que pressiona governos, advocacy jurídica que responsabiliza os Estados perante o direito internacional, pressão econômica por meio de iniciativas de desinvestimento e boicote, boicotes culturais e acadêmicos e mobilização popular massiva.
As flotilhas de solidariedade são, portanto, uma expressão poderosa de até onde a sociedade civil está disposta a ir para realizar o trabalho que deveria ser de responsabilidade de governos e instituições internacionais. A ameaça explícita de Ben-Gvir de tratar ativistas como "terroristas" é um reflexo direto dos temores israelenses e, paradoxalmente, um forte reconhecimento da crescente influência do movimento de solidariedade internacional.
Embora, em última análise, seja o povo palestino, sua sumud (firmeza) e resiliência que derrotarão o estratagema israelense, não se deve subestimar o papel crucial da solidariedade internacional. As flotilhas da liberdade não são atos isolados a serem julgados com base em sua capacidade de chegar a Gaza. Em vez disso, são uma peça vital de um intrincado processo global que, em última análise, levará ao profundo isolamento de Israel no cenário internacional — um processo que já começou com considerável sucesso.
O ministro extremista declarou ameaçadoramente que todos os voluntários a bordo da Flotilha são "terroristas", prometendo que serão tratados como tal. Para compreender o significado assustador de tratar ativistas não violentos como terroristas, é preciso considerar uma investigação recente do jornal The Guardian. A reportagem expôs que, dos 6.000 palestinos detidos em Gaza durante os primeiros 19 meses do genocídio, todos estavam sob uma lei que os classifica como "combatentes ilegais", ou seja, terroristas, o que permite prisão por tempo indeterminado.
Esta investigação revelou que a grande maioria dos encarcerados por Israel são, na verdade, civis, incluindo profissionais de saúde, professores, jornalistas, funcionários públicos e crianças. O fato de Israel estender essa mesma definição draconiana a ativistas internacionais, cuja missão declarada é romper o cerco a Gaza, ressalta fortemente o valor político e estratégico dessas missões aos olhos de Israel.
O medo profundo de Israel do envolvimento da sociedade civil em sua ocupação militar e na guerra contra o povo palestino não é um acontecimento recente. O genocídio em curso apenas evidenciou o fracasso total do sistema jurídico e político internacional e, por sua vez, a crescente importância da sociedade civil.
Quando o primeiro barco de solidariedade, enviado pelo Movimento Gaza Livre, chegou a Gaza em 2008, Israel ficou indignado. Os ativistas atuaram como embaixadores cruciais, educando suas comunidades sobre o cerco israelense à Faixa de Gaza. A resposta de Tel Aviv à Flotilha da Liberdade de Gaza de 2010, que incluía o MV Mavi Marmara, foi letal. Comandos israelenses mataram 10 ativistas, enviando uma mensagem severa de que Israel não toleraria qualquer interferência, mesmo de instituições de caridade ocidentais conhecidas e respeitadas, em sua guerra contra os palestinos.
Desde então, tratar ativistas como criminosos tornou-se um procedimento operacional padrão, reforçado pelo fato de que nenhum israelense jamais foi responsabilizado pela violência ultrajante contra civis. Isso, no entanto, não desanimou os ativistas solidários, que tentaram navegar repetidas vezes – em 2011, 2015 e 2018. A eventual infrequência dessas missões não se deveu à falta de interesse, mas sim ao fato de que alguns países europeus, em coordenação com Israel, fizeram tudo ao seu alcance para impedir que os ativistas zarpassem.
Essa dinâmica mudou drasticamente com o atual genocídio. A solidariedade com os palestinos em Gaza aumentou e agora domina muitas sociedades europeias, conquistando o apoio de vários governos, incluindo o espanhol, de onde embarcou a mais recente Flotilha da Solidariedade Global. Partindo de Barcelona, os barcos foram acompanhados por outros ao longo do caminho. Eles transportarão coletivamente suprimentos vitais para Gaza, sabendo muito bem que suas chances de serem interceptados e apreendidos, juntamente com sua carga vital, são muito maiores do que suas chances de chegar à Faixa costeira sitiada.
Essa dura realidade foi reforçada por eventos recentes. A flotilha Conscience, por exemplo, foi alvo de drones na costa de Malta em maio passado. Enquanto isso, o Madleen e o Handala foram apreendidos e confiscados em junho e julho. Antes do ataque ao Madleen, o Ministro da Defesa Israel Katz descreveu Greta Thunberg, a renomada ativista internacional que se juntou à flotilha, como "antissemita". Ele emitiu um alerta: "É melhor vocês voltarem... porque não chegarão a Gaza. Israel agirá contra qualquer tentativa de romper o bloqueio ou de ajudar organizações terroristas."
Essa fúria ecoa a linguagem irada e as ações violentas consistentemente usadas pelos governos israelenses contra qualquer pessoa ou entidade que ouse desafiar o cerco israelense a Gaza. Mas por que tanta fúria? Essas iniciativas aparentemente pequenas e subfinanciadas, por si só, dificilmente são suficientes para romper o cerco a Gaza ou para alimentar os dois milhões de pessoas que estão sofrendo genocídio e fome.
Israel tem plena consciência da poderosa eficácia da ação da sociedade civil no caso da Palestina. De fato, a maior parte da defesa dos direitos palestinos em todo o mundo não se origina daqueles que se dizem representantes do povo palestino, mas da sociedade civil em geral. Isso inclui uma ampla gama de ações: advocacy política que pressiona governos, advocacy jurídica que responsabiliza os Estados perante o direito internacional, pressão econômica por meio de iniciativas de desinvestimento e boicote, boicotes culturais e acadêmicos e mobilização popular massiva.
As flotilhas de solidariedade são, portanto, uma expressão poderosa de até onde a sociedade civil está disposta a ir para realizar o trabalho que deveria ser de responsabilidade de governos e instituições internacionais. A ameaça explícita de Ben-Gvir de tratar ativistas como "terroristas" é um reflexo direto dos temores israelenses e, paradoxalmente, um forte reconhecimento da crescente influência do movimento de solidariedade internacional.
Embora, em última análise, seja o povo palestino, sua sumud (firmeza) e resiliência que derrotarão o estratagema israelense, não se deve subestimar o papel crucial da solidariedade internacional. As flotilhas da liberdade não são atos isolados a serem julgados com base em sua capacidade de chegar a Gaza. Em vez disso, são uma peça vital de um intrincado processo global que, em última análise, levará ao profundo isolamento de Israel no cenário internacional — um processo que já começou com considerável sucesso.
Trump e seu sistema de ponta cabeça
O presidente Trump está botando os Estados Unidos e o mundo de ponta cabeça. Está fazendo pouco caso da ONU. Pulverizou a política neoliberal e, em seu lugar, instaurou o protecionismo tosco. Destruiu o regime de livre comércio e, em seu lugar, implantou o tarifaço. A partir daí, vai escanteando a Organização Mundial do Comércio (OMC), a instituição xerife do comércio global. Não tem o menor escrúpulo em intervir nos países cujos governos não se ajustam a seus interesses. Avisou que pretende incorporar o Canadá e a Groenlândia. Despeja, sem dó nem piedade, imigrantes que não contam com a documentação em dia. Pressiona o quanto pode o Federal Reserve (Fed, banco central) para enquadrar sua política de juros a seus próprios desígnios. Força o uso de leis para cumprimento dos seus interesses, como é o caso da lei Magnitsky. E vai manobrando para controlar o poder Judiciário local.
Seu objetivo declarado é restabelecer a antiga hegemonia dos Estados Unidos e refortalecer a indústria, que vinha sendo desidratada. Para isso, manobra para obter uma desvalorização controlada do dólar e, assim, ajudar a indústria a restabelecer a competitividade perdida.
Enfim, é uma política em flagrante contradição com a história econômica e política dos últimos 100 anos, que leva o risco
O tarifaço parece não levar em conta que cerca de 80% do PIB dos Estados Unidos, ocupado pelo setor de serviços, tem pouca reação à imposição de taxas alfandegárias. Além disso, a desvalorização do dólar solapa sua condição de reserva de valor.
A questão mais importante não são os efeitos dessa reviravolta na condução da política.
Está em que não há reação consistente a ela pelas instituições democráticas de Estado, nem pela ação dos políticos, nem pela opinião pública. Tudo se passa como se a sociedade dos Estados Unidos esteja satisfeita com o novo rumo de Trump.
O norte-americano médio se sente vítima de um longo processo perdedor e sabotador do consagrado sonho americano. E agora entende que, finalmente, seu governo está atendendo a suas expectativas.
Na Alemanha dos anos 20 e 30, não foram apenas as imposições humilhantes do Tratado de Versailles que criaram as condições para a incubação do ovo da serpente. Foi, principalmente o sentimento do alemão médio de que suas expectativas haviam sido arruinadas.
Por enquanto, não há substituto para o dólar nem para o título de dívida de alta liquidez como o do Tesouro dos Estados Unidos. No entanto a dívida dos Estados Unidos vai atingindo níveis preocupantes, tanto que sua qualidade já foi objeto de rebaixamento pelas agências de avaliação de risco.
A insatisfação geral do cidadão dos Estados Unidos é o atual caldo de cultura que sabota o atual sistema de pesos e contrapesos, a garantia da solidez do sistema democrático, e propicia a propagação do jogo autoritário ao redor do mundo.
Seu objetivo declarado é restabelecer a antiga hegemonia dos Estados Unidos e refortalecer a indústria, que vinha sendo desidratada. Para isso, manobra para obter uma desvalorização controlada do dólar e, assim, ajudar a indústria a restabelecer a competitividade perdida.
Enfim, é uma política em flagrante contradição com a história econômica e política dos últimos 100 anos, que leva o risco
O tarifaço parece não levar em conta que cerca de 80% do PIB dos Estados Unidos, ocupado pelo setor de serviços, tem pouca reação à imposição de taxas alfandegárias. Além disso, a desvalorização do dólar solapa sua condição de reserva de valor.
A questão mais importante não são os efeitos dessa reviravolta na condução da política.
Está em que não há reação consistente a ela pelas instituições democráticas de Estado, nem pela ação dos políticos, nem pela opinião pública. Tudo se passa como se a sociedade dos Estados Unidos esteja satisfeita com o novo rumo de Trump.
O norte-americano médio se sente vítima de um longo processo perdedor e sabotador do consagrado sonho americano. E agora entende que, finalmente, seu governo está atendendo a suas expectativas.
Na Alemanha dos anos 20 e 30, não foram apenas as imposições humilhantes do Tratado de Versailles que criaram as condições para a incubação do ovo da serpente. Foi, principalmente o sentimento do alemão médio de que suas expectativas haviam sido arruinadas.
Por enquanto, não há substituto para o dólar nem para o título de dívida de alta liquidez como o do Tesouro dos Estados Unidos. No entanto a dívida dos Estados Unidos vai atingindo níveis preocupantes, tanto que sua qualidade já foi objeto de rebaixamento pelas agências de avaliação de risco.
A insatisfação geral do cidadão dos Estados Unidos é o atual caldo de cultura que sabota o atual sistema de pesos e contrapesos, a garantia da solidez do sistema democrático, e propicia a propagação do jogo autoritário ao redor do mundo.
Contra a violência
Imagine-se que durante uns dias deixássemos de poder ler o que se escreve. As letras esvaíam-se e só ficava um borrão. Mesmo assim, seríamos capazes de ver a intensidade do que estava escrito: a temperatura, por assim dizer.
Sem poder saber se uma coisa era portuguesa ou não, ou de esquerda ou de direita, ou de um amigo ou inimigo – ou se concordávamos ou não com o que dizia –, apenas sobressairiam as principais características de cada discurso.
Estou convencido de que a principal característica seria a violência.
É a violência do que se propõe, mas também a violência com que é proposto.
Os leitores gostam de violência. Gostam de ver os maus a levar na cabeça. Pelam-se por isso. Acham que se fez justiça.
Claro que a ideia de quem são os maus é que muda de pessoa para pessoa, mas a sensação de injustiça e o gosto pela violência são dificílimos de desligar – sobretudo numa sociedade em que os mecanismos legais não funcionam como todos desejariam.
Ao falar de uma violência, a percepção dessa violência difere (é justa ou injusta?), mas de ambos os lados a reacção é expressa com a mesma violência.
Não é só nos EUA: é em todo o Ocidente. De repente, até os mais moderados começaram a falar com violência, a tratar os adversários com violência verbal, subindo o tom com a maior das naturalidades, sempre com a desculpa de ter de ser assim, “porque senão ninguém repara”
Sempre houve gente zangada. Mas agora exige-se que se zanguem. Já ninguém finge sequer que respeita os adversários: os adversários são para “abater”, são para “arrasar”.
À violência da expressão, que embrutece tudo, e obriga toda a gente a arrumar-se segundo as mais toscas “polarizações”, acresce a violência de nunca ter uma dúvida, de nunca pensar duas vezes, de ser incapaz de se pôr no lugar de quem ataca ou de quem o ataca.
O gosto da violência é um vício que apanha toda a gente, e que precisa de se ir intensificando para manter o sabor.
Faz medo.
Como é que se volta atrás?
Sem poder saber se uma coisa era portuguesa ou não, ou de esquerda ou de direita, ou de um amigo ou inimigo – ou se concordávamos ou não com o que dizia –, apenas sobressairiam as principais características de cada discurso.
Estou convencido de que a principal característica seria a violência.
É a violência do que se propõe, mas também a violência com que é proposto.
Os leitores gostam de violência. Gostam de ver os maus a levar na cabeça. Pelam-se por isso. Acham que se fez justiça.
Claro que a ideia de quem são os maus é que muda de pessoa para pessoa, mas a sensação de injustiça e o gosto pela violência são dificílimos de desligar – sobretudo numa sociedade em que os mecanismos legais não funcionam como todos desejariam.
Ao falar de uma violência, a percepção dessa violência difere (é justa ou injusta?), mas de ambos os lados a reacção é expressa com a mesma violência.
Não é só nos EUA: é em todo o Ocidente. De repente, até os mais moderados começaram a falar com violência, a tratar os adversários com violência verbal, subindo o tom com a maior das naturalidades, sempre com a desculpa de ter de ser assim, “porque senão ninguém repara”
Sempre houve gente zangada. Mas agora exige-se que se zanguem. Já ninguém finge sequer que respeita os adversários: os adversários são para “abater”, são para “arrasar”.
À violência da expressão, que embrutece tudo, e obriga toda a gente a arrumar-se segundo as mais toscas “polarizações”, acresce a violência de nunca ter uma dúvida, de nunca pensar duas vezes, de ser incapaz de se pôr no lugar de quem ataca ou de quem o ataca.
O gosto da violência é um vício que apanha toda a gente, e que precisa de se ir intensificando para manter o sabor.
Faz medo.
Como é que se volta atrás?
O silêncio dos generais
O silêncio com que generais e almirantes receberam Donald Trump, num encontro inédito, na Base do Corpo de Fuzileiros Navais de Quantico, Virgínia, parece ter surpreendido o próprio orador.
— Nunca tinha entrado numa sala tão silenciosa — confessou Trump, antes de cometer mais um delírio verbal, no qual afirmou pretender usar cidades americanas como “campos de treinamento” para as forças armadas.
O estranho encontro ficou também marcado pelas palavras do secretário da Guerra, Pete Hegseth, que, entre outras bizarrias, se insurgiu contra os generais gordos. A partir de agora, caso Hegseth consiga impor a sua vontade, não haverá mais generais gordos, nem barbudos, nas forças armadas americanas. Também não haverá mulheres.
A História mostra-nos como, tantas vezes, líderes poderosos acabam derrotados, não por inimigos externos, mas pela insidiosa erosão daquilo a que se costuma chamar a seriedade do cargo. A autoridade não reside apenas na força das leis e das armas. Depende também da representação simbólica — gestos, contenção, gravidade. Ao expor-se ao ridículo, degradando esse capital invisível, um chefe de Estado cava seu próprio túmulo político.
“Passa-se sete vezes uma gargalhada em volta de uma instituição e a instituição alui-se”, alertava Eça de Queirós.
O caso do imperador romano Cômodo é um bom exemplo. Filho do imperador Marco Aurélio, que se distinguiu não só nos campos de batalha e na diplomacia, mas também na filosofia — as suas “Meditações” são consideradas essenciais para a compreensão da filosofia estoica —, Cômodo parecia predestinado a uma vida sóbria e sábia. Aconteceu o contrário. Contrariando o exemplo e a filosofia do pai, o jovem imperador entregou-se a todo tipo de excentricidades, vícios e palhaçadas. Fantasiava-se de Hércules; renomeou os meses do calendário romano com os seus próprios títulos e epítetos, e chegou a rebatizar Roma com o nome de Colônia Comodiana. Também gostava de se apresentar nas arenas como gladiador, e, sem surpresa, vencia todos os combates.
Aqueles tristes espetáculos corroíam a dignidade imperial. Não era apenas um homem de quem todos troçavam. Ao rir-se dele, a população escarnecia também do trono de Roma. Para muitos, na aristocracia, e no exército romano, a situação tornou-se intolerável. Os guardas que deviam defendê-lo acabaram asfixiando-o no banho.
A política moderna exige idênticos rituais de responsabilidade. Presidentes podem ser populistas, irônicos, até mesmo brutais — mas convém que não ridicularizem de forma sistemática a função que ocupam.
Donald Trump tem vindo a repetir, em versão contemporânea, a trágica farsa de Cômodo. Transformou a Casa Branca, agora forrada de ouro falso, num circo romano, e os encontros com altos dignatários estrangeiros em combates de gladiadores, nos quais achincalha os adversários, enquanto os seus cortesãos aplaudem. A democracia americana virou um deprimente reality show.
Há quem não consiga rir. O silêncio que Trump enfrentou, na sua reunião com os generais, estava carregado de cólera e de rancor. No lugar dele teria cuidado na hora do banho.
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