quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

É de mentira a intervenção das Forças Armadas no sistema penitenciário

A ideia inicial foi de Alexandre Moraes, ministro da Justiça, que a levou direto ao presidente Michel Temer: por que não usar as Forças Armadas para enfrentar o agravamento da crise no sistema penitenciário brasileiro?

Temer gostou da ideia e chamou para conversar a respeito os ministros Raul Julgmann, da Defesa, e Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional. Foi longa a conversa.

Os dois desaconselharam Temer a embarcar na canoa furada de Moraes. Argumentaram com a falta de treinamento das Forças Armadas para cumprirem tal papel.


Falaram dos riscos de contaminação dos militares em contato direto com o crime organizado. E lembraram que a Constituição é muito clara quando define quais são as verdadeiras funções das Forças Armadas.

Mas Temer insistiu que alguma coisa deveria ser feita mesmo assim. Foi então que se inventou a intervenção militar de mentirinha. Porque é disso que se trata, e nada mais.

Uma vez que os governos estaduais peçam, uma vez que os detentos do presídio a ser vistoriado sejam retirados de lá e isolados em outro lugar, militares com detectores de metal inspecionarão as celas.

O serviço poderia ser prestado por empresas privadas que dispõem do mesmo tipo de equipamento. A farda, porém, servirá para lhe conferir maior credibilidade.

Servirá, também, para demonstrar a preocupação do governo com a situação dentro e fora dos presídios. Nada mal para um governo carente de popularidade e de boas ideias.

Paisagem brasileira

Fim de tarde, José Rosário

Posse de vereadores presos é espelho do país

Costuma-se dizer que há muitos corruptos em Brasília. Mas as pessoas esquecem que eles são enviados pelos eleitores dos seus Estados. Já chegam à Capital prontos. O que aconteceu nesta quarta-feira em Foz do Iguaçu, no Paraná, ajuda a entender o que se passa em Brasília e no Brasil.

Cinco vereadores reeleitos em outubro do ano passado e presos desde dezembro por suspeita de corrupção tomaram posse na Câmara municipal. Chegaram escoltados pela política, prestaram juramento e, depois de empossados, voltaram para a cadeia. Tudo isso sob vaias de manifestantes, pedidos de renúncia dos vereadores-presidiários e gritos de “vergonha”.

Resultado de imagem para posse de vereador preso
Ronilson Marcílio Alves (PTB), com algemas e uniforme
de presídio, compareceu à Câmara Municipal de Caratinga

Você pode pensar: bom, isso aconteceu no Paraná, na fronteira com o Paraguai. Está muito distante de mim. Engano. Isso acontece no país inteiro. A política apodreceu. E você, que é eleitor, não pode nem se eximir de culpa. Depois de examinar o comportamento dos políticos, que, em tese, deveriam representar o que há de melhor na sociedade é inevitável concluir que o brasileiro parou de evoluir.

Não é à toa que falamos tanto sobre ladrões, assaltastes e facções criminosas. Sem esses personagens, o Brasil de hoje perderia o que tem de mais vital. O país ficaria sem enredo. Nesse contexto apodrecido, ou você reage ou não deve perguntar o que seu país pode fazer por você. Pague o IPTU e o IPVA, que vencem agora, no início do ano, pague todos outros tributos e vê se não chateia.

O poder paralelo venceu

Na noite de 25 de maio de 1992, uma segunda-feira, o então prefeito do Rio de Janeiro, Marcello Alencar, foi entrevistado no Roda Viva, da TV Cultura. Lembro-me bem, fui um dos entrevistadores. Já naquele tempo o crime organizado mandava nos morros cariocas. As autoridades desconversavam, minimizando a existência de um Estado paralelo que só iria crescer. O prefeito do Rio não fugia à regra.

Armando Nogueira também estava na bancada de entrevistadores. Depois de 25 anos no comando do jornalismo da Rede Globo, da qual se tinha desligado em 1990, ele conhecia de perto a tragédia da segurança pública no Rio. Foi, então, com naturalidade que perguntou: “Prefeito, parece que não há a menor dúvida que há uma condenação, no mundo inteiro, à chamada megacidade. E parece que a violência é um mal de todas elas, não há a menor dúvida. Mas no Rio de Janeiro nós temos um ingrediente que tem complicado nos últimos dez anos: este problema é o narcotráfico. Qual é a sua visão do problema do narcotráfico na geografia do Rio de Janeiro?”.

Enquanto o prefeito tomava fôlego para responder, fui um pouco indelicado e fiz uma interrupção: “Eu posso só pegar uma carona pequena nessa pergunta? Porque, além desse problema do narcotráfico existe uma outra diferenciação no Rio de Janeiro, que a criminalidade, principalmente o narcotráfico, constitui um poder político diferenciado, um poder político judiciário, porque o narcotráfico organiza julgamentos e execuções, e a imprensa registra inclusive julgamentos com absolvições, um poder político executivo, porque os traficantes, os comandantes nos pontos de tráfico, promovem ‘benfeitorias’ e acabam administrando, em termos executivos, aquela região, e um poder político também legislativo, uma vez que o narcotráfico impõe as regras de conduta dando origem ao que se chama de um direito alternativo. Então ali existe uma duplicidade de poder e existem regiões onde o único poder político é o poder da criminalidade. Então esse narcotráfico que o Armando falou que existe…”.

Nesse ponto, quem sofreu a interrupção fui eu. Minha pergunta estava se alongando em demasia, inquietando o entrevistado, que me atalhou: “Eu acho que você está indo muito longe, meu caro”. E riu.

Tentei retomar a palavra: “Pode ser que esteja, mas…” Nisso, o apresentador do programa, Jorge Escosteguy, também riu: “A carona era pequena que ele ia pegar”. Insisti: “Eu queria que o senhor comentasse essas diferenciações”.

O prefeito saiu pela tangente: “Eu devo te dizer que há realmente, e não há como ocultar, quer dizer, muita, muito registro quanto à incidência da traficância na nossa cidade, mas se vocês apelarem para as leis de mercado...”.

Armando Nogueira voltou à carga: “Prefeito, quando eu falo da geografia, é por causa do morro, deitado sobre a cidade, facilitando o acesso…”.


Alencar retomou seu discurso e, pode acreditar, sugeriu que a situação brasileira era comparável à do Canadá: “Armando, não existe uma causa, existem concausas disso, isso também não é geração espontânea. Quer dizer, de repente aparece a droga, e ela apareceu porque houve um relaxamento e o governo é frágil? Não. Isso daí é uma construção. A sociedade está enferma, mas não só aqui, no mundo inteiro a questão… Eu estive no Canadá e o prefeito da cidade, que se tornou até meu amigo, confidenciou os dramas que vive. Hoje, nos países de Primeiro Mundo, já se cogita de legalizar a venda de drogas, de fornecer inclusive a droga. Esse problema da droga não se esgota aqui nessa materialidade dos nossos morros, pelo traficante que tem uma hegemonia em determinado ponto. Não, isso é um fenômeno do nosso tempo. Aí estão as revelações que no mundo inteiro a droga… Eu acredito que as estatísticas registrem que o grande mercado das drogas sejam os Estados Unidos da América”. (Parece incrível, mas foi exatamente o que ele disse. Quem quiser conferir, eis o link: https://vimeo.com/17328928.)

Agora, passados quase 25 anos dessa entrevista, o presidente Michel Temer, no dia 11 de janeiro de 2017, falou sobre as chacinas sequenciais nos presídios brasileiros. Foi menos evasivo que Marcello Alencar e não tentou insinuar que o sistema penal brasileiro está em pé de igualdade com o canadense.

Com a palavra, o presidente da República: “Estas organizações criminosas, PCC, Família do Norte, etc., constituem-se quase, digamos, numa regra jurídica, numa regra de direito fora do Estado. Veja que eles têm até preceitos próprios. E, para surpresa nossa, até quando o fazem aquela pavorosa matança, o fazem baseado em códigos próprios. Está é uma questão que ultrapassa os limites da segurança para preocupar a Nação como um todo”.

As organizações criminosas que comandam presídios, subornando os dirigentes dessas instituições, já mataram 134 presos só nos primeiros 18 dias de 2017. O presidente tem razão em apontar uma “regra jurídica fora do Estado”. Nos vazios deixados pelo poder público nas prisões – assim como nos morros e nas comunidades carentes – ergueu-se um Estado paralelo, um regramento jurídico elaborado, aprovado e sancionado pelo crime. Milícias, tráfico, PCCs da vida (e da morte) e autoridades corrompidas compõem um organismo integrado que não apenas está “fora do Estado”, mas vai canibalizando o Estado.

A solução que Temer propõe é insuficiente: “Meu desejo é de que daqui a alguns anos não haja necessidade de anunciar a construção de presídios, mas só escolas e postos de saúde. Mas o Brasil ainda tem um longo caminho para este efeito. No momento, a realidade que nós vivemos exige, naturalmente, a construção de presídios”.

Aí você pergunta: mas os novos presídios não serão eles também governados pelo poder paralelo que mata detentos e compra servidores públicos na base de propinas e votos de cabresto? Quem sabe, daqui a mais 25 anos, outros 25 anos, uma resposta apareça.

Gastar bem

“É proibido gastar” foi a mensagem do empossado prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, em seu primeiro discurso no cargo e que imediatamente sintetizou lema e sina de mais de 5.500 novos alcaides das cidades brasileiras.

A deprimida conjuntura nacional, a sandice internacional e a tristeza política local apontam para gestões municipais que precisarão ser austeras e rigorosas. Conseguirão ser ousadas ou criativas?

Três dias depois, o prefeito da capital fluminense apresenta o novo logotipo da prefeitura e que, de certo modo, passa a ser também a marca da cidade pelos próximos quatro anos.


Novas cores, nova tipografia, nova concepção gráfica para o brasão e pronto, está criada uma marca que identificará a cidade que simboliza o Brasil no mundo.

Desse modo, começa-se a mudar sinalização e a identidade visual de equipamentos públicos, de serviços, veículos, uniformes, cartões de visita, papelaria, envelopes, etc. Tudo, absolutamente tudo que leva o logotipo precisará ser trocado. Mais de mil escolas, centenas de clínicas de saúdes, dezenas de hospitais, espaços culturais.

Alegres ficarão as gráficas e as empresas de letreiros.

Um simples ato de afirmação de identidade de gestão mal planejado e gastamos todos nós milhões em recursos públicos. Deveria ser proibido gastar mal.

Antes que o leitor se exalte, não comete pecado sozinho o novo prefeito. Há oito anos fez-se o mesmo. E há dezesseis, idem. E assim ocorre por todo o país. E também pelo mundo afora. Não nos humilhemos com comparações.

Quando então mudam-se posições ideológicas é aí sim que o dono da empresa de letreiro sorri mais ainda: toma-se a trocar vermelho por azul, verde por amarelo.

Críticos de design temos muitos. Recentemente o filho temporão do presidente Temer manifestou seu apreço pela nova marca do governo federal que emula o “Ordem e Progresso” da bandeira nacional, tentando solenemente dizer algo há 128 anos enquanto balança ao vento.

Triste frase incompleta, sempre à espera do “Amor”. Isso ninguém tem coragem de propor. Talvez algo místico ocorre-se com o tema positivista finalmente completo.

A força do design é tão soberba que uma pequena decisão, ou melhor, uma pequena omissão de projeto, tem impacto transversal em diferentes aspectos da vida cotidiana, das organizações do trabalho, à criação de identidades e a manutenção dos símbolos.

Mesmo com tal supremacia evidente do bom projeto, como modo de comunicar, afagar, acolher, prover segurança, sustentabilidade, presente desde como organiza-se a leitura desse texto na sua tela, leitor, até como você se veste, as decisões que toma sobre o que comer, as vestes que te seduzem no corpo da sua pessoa amada. Na praga do seu celular (que muda todo ano para um jeitão mais bacana e sexy, menos para o seu bolso). Mesmo com essa onipresença na vida cotidiana, por que ainda os políticos brasileiros quando convertem-se em gestores públicos não conseguem perceber a importância do bom projeto?

Será que mesmo vivendo no monumento astronômico ao design que é Brasília eles não conseguem sensibilizar-se para a relevância de como o mundo material se organiza? Como nos serve e nos explica?

Todo o arcabouço legal e jurídico brasileiro que orienta a produção pública dos objetos que são o universo material onde existimos e que deveriam servir à sociedade, como esfera pública, despreza o bom projeto e o desenho.

Optam as leis por ignomínias como “economicidade” que acabam custando caro, que ferem, matam, e pior, que embrutecem a todos nós como nação.

Repito: dos logos às calçadas, das placas, das marcas às sinalizações, dos edifícios públicos à cidade; todo o sistema de coisas e de serviços que deveriam dar forma pública ao Brasil, são, por força legal, por mediocridade administrativa, escolhidas sem dar a devida ênfase ao papel do projeto e do design.

Tornam-se assim, coisas inertes a nos suplantar, plenas em sua vitória.

Lei de licitações, RDC, Minha Casa Minha Vida, marcas burras, burocracia, desinformação, falta de transparência, websites estúpidos, serviços mal organizados, são os monstros reinando no sonho da razão brasileira.

Curiosamente o design “privado" brasileiro é cada vez mais admirado e desejado pelo mundo. Assim como nossa força cultural é estupenda pela sua doçura, oferecendo ao planeta o tal amor ausente da bandeira. Amor pela natureza e pelo humano. Pelo gozo em estar vivo.

Esses designers conquistam a todos com inteligência vívida. Com formas, materiais, marcas, edifícios, roupas, gráficas, que são também mensagens sobre um novo mundo ainda a ser conhecido, enraizado que é na nossa singularidade.

Mas o que acontece que as leis não espelham essa graça? As leis do país que regem como devemos desenhar o bem público ignoram a própria beleza nacional.

Alguém deve estar feliz. Será o dono da empresa de letreiros? Claro que não. São aqueles que podem vender esse bem público desprovido de graça, pois gasta pouco. São tão malditos em sua contribuição ao país que já ocupam os próprios presídios que construíram sem projeto executivo. Logo, conjuguemos o verbo da moda, na modinha atual: rebelar-se-ão?

Portanto o que quer o brasileiro é que gaste-se bem. Que seja belo, sustentável e que dure, que venha a ter sentido para as gerações futuras, que possa vir a ser considerado patrimônio cultural um dia.

Gastar bem é enfatizar o plano, o projeto e o design pois estes ofertam coerência pública ao cidadão, imerso está ele num oceano de formas privadas belas e sedutoras.

Gastar bem preenche a alma coletiva e cria identidade perene. Além de evitar a cadeia.

O abortado logotipo do prefeito Crivella pariu um processo melhor que pode vir a ser belo: a ideia agora é fazer um concurso para a marca do Rio. Que seja profícuo nesse caminho, e que esta futura marca possa ser escolhida através de um bom processo público, transparente, com muito rigor e excelência. Assim conta a própria história da cidade.

Em 1965, o concurso da marca do Quarto Centenário, além de premiar Aloísio Magalhães, premiou a todos com um emblema eterno. Em 2015, quando do concurso da marca da celebração dos 450 anos, não venceu apenas a Crama Design, mas venceram todos os cariocas com um signo que é, literalmente, a cara do Rio. Para inovar e fazer bem feito, basta, muitas vezes, olhar para a nossa história.

A tradição do Rio é o compromisso com o bom desenho, com o projeto. Está presente pela cidade. Basta ter olhos de ver. E sabedoria em gastar bem.

'O sol da meia-noite'

Vítimas esquecidas

A lei que criou o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), há 23 anos, prevê no inciso IX do seu artigo 3º um “programa de assistência às vítimas de crime” que jamais foi criado e no qual nunca se aplicou um centavo. No site do Ministério da Justiça, o Departamento Penitenciário Nacional informa que o Funpen existe para aprimorar o sistema prisional e não faz qualquer referência a iniciativas de apoio às vítimas do crime.

Resultado de imagem para assistência a vitimas de crimes charge
O Funpen banca ações educativas e culturais e assistência jurídica para presos, diz o site oficial. Não dedica às vítimas nem uma linha.

Especialistas acham que Itamar Franco errou criando o Funpen, dando musculatura ao Depen, cabide de empregos no Ministério da Justiça.

As contas do Funpen são um mistério, mas arrecadou R$ 3 bilhões até 2011 segundo a mais recente edição da “Funpen em Números”, de 2012.

A lei que criou o Funpen prevê a participação de seus representantes em eventos no Brasil ou no exterior. Para isso nunca faltou dinheiro.

Memórias, fósforos, gatos

Uma noite, acordei sem saber onde estava. Acendi a luz. Eram três da manhã, e aquele quarto não era o meu quarto. Eu estava num hotel, mas que hotel? E em que parte do mundo? Eu não me lembrava de ter feito mala, de ter saído de casa, de ter pegado avião. Na verdade, eu não me lembrava de nada referente àquela viagem — estava a trabalho, estava de férias? O que tinha ido fazer lá? E onde era lá?

Fiquei sentada na cama, ponderando a situação. Não adiantava entrar em pânico. Também não adiantava ligar para a recepção — eu corria o risco de me jogarem numa ambulância e me mandarem para o hospital. Mas que hospital? Onde? E em que língua? E se eu tivesse compromisso logo cedo?

Imagem relacionada
Dei uma volta pelo quarto, mas nada me dizia nada. Nem podia dizer — detesto aquela papelada que os hotéis espalham, como cardápios e guias de TV, e a primeira coisa que faço quando chego é sumir com tudo. As possíveis pistas da minha localização estavam provavelmente numa gaveta ou no alto do armário. Abri uma ou duas, não encontrei nada, e aí me lembrei de que o computador poderia me ajudar a matar a charada. Liguei a máquina.

“Adoro o Windows Phone e amo a Nokia há muitas e muitas luas, mas fiquei perturbada com a notícia da compra da finlandesinha valente pela gigante americana...”, dizia a página do dia do meu blog.

Oi? Como assim? A Nokia tinha sido comprada pela Microsoft?!

Aquela notícia, que eu não me lembrava de ter escrito, me fez mais mal do que estar perdida no mundo. Eu podia não saber onde estava, mas tinha certeza de que aquilo não ia dar certo. Aliás, já tinha tido essa sensação antes:

“Não conheço culturas corporativas mais diferentes do que MS e Nokia”, continuava o blog. “Sem falar que a Microsoft tem o perverso talento de matar tudo o que compra. Ainda assim, continuo torcendo pela Nokia, uma das minhas empresas favoritas de todos os tempos. Espero, de coração, estar redondamente enganada na visão pessimista dessa aquisição”.

Bem, eu não estava. A compra foi um desastre. Isso, porém, a gente sabe agora — naquele dia 4 de setembro de 2013, o que eu queria saber mesmo era onde estava. Nem uma palavra sobre viagem no blog, nem uma palavra sobre viagem no Facebook. Quem me salvou foi o Instagram, onde eu havia postado uma foto do Aeroporto Internacional El Dorado, de Bogotá. Ufa!

O mais engraçado é que, assim que vi a foto, foi como se alguém religasse um interruptor na minha cabeça: de repente estava tudo lá, da correria com as malas à chegada à cidade e à agenda combinada com os meus anfitriões.

No dia seguinte, tomando café com um pequeno grupo de jornalistas, comentei o que havia acontecido comigo. Um colega do México disse que já havia passado por isso tantas vezes que chegou a procurar um médico. Perguntei qual era a causa.

— Estresse. Pura e simplesmente estresse.

Lembrei-me dessa história, de que convenientemente tinha me esquecido, porque a Nokia voltou com tudo ao noticiário. A marca pertence atualmente a uma empresa formada por antigos funcionários, e hoje começa a ser vendido, por enquanto apenas na China, o primeiro smartphone que produz depois da separação da Microsoft. Até ontem à noite, já havia mais de um milhão de encomendas do novo aparelho.

Tirando o diagnóstico por tabela do médico mexicano, nunca vou saber o que apagou a minha memória. Nunca mais tive a sensação — bastante angustiante — de não saber onde estou, mas lendo os jornais nas últimas semanas tive vontade, muitas vezes, de “desler” o que havia lido. Os massacres nos presídios, a febre amarela, o ministério do Temer, as escolhas do Crivella, todas as várias camadas de violência em que estamos mergulhados... E ainda há a posse do Trump amanhã.

É muita notícia ruim para administrar ao mesmo tempo, muito desgosto, muita falta de luz e de esperança.

Cora Rónai (Leia mais)

Encurralado, governo federal cria falsas soluções

No mesmo dia, duas reuniões separadas anunciaram em Brasília decisões que não levam a nada. São apenas factóides, criados para demonstrar que o governo federal – ao contrário do que se constata – não permanece omisso diante da gravidade do caos nas penitenciárias. É claro que não se possa culpar exclusivamente a inércia do atual governo, porque a crise vem de longe, este país jamais teve um sistema carcerário verdadeiramente civilizado. Muito pelo contrário, a realidade brasileira é garantir impunidade às elites e oferecer masmorras superlotadas e sangrentas para as classes mais carentes, que representam a maioria da população.

Mas o fato de se tratar de uma questão muito antiga não pode servir de justificativa para um governo que já está no poder há quase um ano, herdou o gravíssimo problema, nada fez para amenizá-lo e agora, quando a crise irrompe, mostra que não sabe que providências tomar. As autoridades estão completamente perdidas, chega a ser constrangedor.

Nestas reuniões de quarta-feira na capital, os ministros que respondem pelo governo não apresentaram solução, apenas falsos paliativos que na verdade não farão a menor diferença, somente servem para marcar presença, como admitiu o próprio presidente Michel Temer, ao afirmar que o objetivo “é fator de atemorização para aqueles que estão nos presídios, e fora também”.



Conforme se noticiou com estardalhaço, na reunião do ministro da Defesa com os comandantes militares foi anunciado que o governo planeja empregar cerca de mil militares em vistorias a serem realizadas nos presídios. Embora o ministro Raul Jungmann tenha até admitido a possibilidade de aumentar o efetivo “caso seja necessário”, a iniciativa é ridícula e revela grotesco desconhecimento da situação.

O Brasil tem quase 2 mil estabelecimentos prisionais, entre penitenciárias de grande, médio e pequeno porte. Portanto, teremos de dividir os mil militares em grupos de cem e criar uma estrutura burocrática que agende as vistorias (também chamadas de varreduras). Por óbvio, vai ser muito complicado concretizar essas operações para apreender armas, drogas e celulares, pois terão de ser feitas de surpresa, essa intenção de fazer varreduras não pode vazar, deve ser Piada do Ano.

O mais incrível é que o responsável pela política carcerária, o ministro Alexandre de Moraes nem foi chamado a participar da reunião, vejam como estão batendo cabeça no governo, no dizer de antigamente.


Sem ter sido convidado, o ministro da Justiça, que balança mas não cai, respondeu comandando outra reunião com representantes da Federação Sindical Nacional dos Servidores Penitenciários (Fenaspen). E também deu entrevista coletiva para anunciar outra grande idéia do governo – a criação do Grupo Nacional de Intervenção Penitenciária, para atuar dentro dos presídios, em conjunto com os governos estaduais.

Mais uma Piada do Ano. O tal grupo deverá ter apenas cem integrantes, a partir da cessão de agentes penitenciários que já trabalham nas penitenciárias estaduais, e o objetivo é que operem em “situações pontuais”, a pedido dos governadores. Ou seja, o grupo é federal, mas formado por agentes penitenciários que são servidores estaduais ou até terceirizados. Com toda certeza, isso não vai funcionar, é só um novo factóide.

Outra proposta sensacional de Alexandre de Moraes foi a criação de um curso federal de capacitação para o aperfeiçoamento dos agentes penitenciários, percebam que o ministro parece estar vivendo em outro país.


Como se vê, as autoridades estão mais perdidas do que cego em tiroteio dentro de penitenciária. Não têm foco. Todos deviam saber que o problema é a guerra entre as facções criminosas pelo domínio e controle dos presídios. O governo precisa decidir o que fazer a esse respeito. Eis a questão.

Não adianta criar cursos de capacitação e grupos especiais de agentes penitenciários, nem fazer supostas varreduras nas prisões. Isso tudo é perfumaria, como se dizia antigamente. O povo quer saber é como o governo pretende enfrentar as facções criminosas. Mas será que fá-lo-á? Ou apenas fá-lo-ia?

Imagem do Dia

Casa Simples                                                                                                                                                      Mais:

Sem comentário

O exercício da política no Brasil tornou-se algo tão abjeto que esta semana vamos nos limitar à simples exposição de alguns fatos, sem comentá-los. Caminhamos para a absurda situação de achar normal o que antes nos envergonhava, mas, quero crer, talvez até ingenuamente, que como eu outros cidadãos possam vir a se indignar com a bandalheira ética que atinge o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, de alto a baixo.

FOZ DO IGUAÇU – Com autorização da Justiça, Anice Gazzaoui deixou a cadeia no dia 11, tomou posse como vereadora e voltou para trás das grades. Anice está presa desde o dia 15 de dezembro, acusada de participar de um esquema de corrupção em troca de apoio a projetos da Prefeitura. A vereadora, filiada ao PTN, foi reeleita com quase 5.000 votos, o segundo maior número de votos da cidade paranaense.
Resultado de imagem para é normal? charge

MINAS GERAIS – O governador Fernando Pimentel (PT) nomeou Arthur Maia Amaral para a presidência da Fundação Ezequiel Dias (Funed), estatal encarregada da fabricação de medicamentos. Amaral é investigado pela Polícia Federal, suspeito de vender remédios adquiridos com dinheiro público em uma farmácia de sua propriedade, em Luminárias, interior do estado. Por sua vez, Pimentel responde a processo no Superior Tribunal de Justiça por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

MAGGI – O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, teve alguns de seus bens bloqueados no dia 11 como parte de um processo de improbidade administrativa. Maggi é acusado de participar de um esquema para comprar uma vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Estado (TCE) de Mato Grosso. O político, dono de uma maiores fortunas do país, cerca de R$ 2,3 bilhões, já foi considerado o maior produtor individual de soja do mundo.

DESEMBARGADORA – Mesmo afastada desde junho do Tribunal de Justiça do Amazonas por suspeita de ligação com a facção Família do Norte, responsável pela rebelião que terminou com 56 mortos no dia 1º, a desembargadora Encarnação das Graças Salgado recebeu, entre junho e outubro do ano passado, 261.000 reais, a título de subsídios (salário mais indenizações e vantagens pessoais), segundo cálculos do jornal O Estado de S. Paulo. Isso equivale a 278 salários mínimos.

JUVENTUDE – O presidente não eleito, Michel Temer, nomeou para secretário nacional da Juventude Francisco de Assis Costa Filho, em lugar de Bruno Júlio, aquele que incentivou um massacre por semana nos presídios brasileiros. Costa Filho tem seus bens indisponibilizados pela justiça do Maranhão por responder a um processo de improbidade administrativa. A ação sugere que Costa Filho e outros 47 indiciados mantinham fantasmas no quadro de funcionários de Pio XII, 172º pior IDH entre 217 municípios do Maranhão, estado do ex-presidente José Sarney, que possui o segundo pior IDH do Brasil – só superado pela Alagoas do presidente do Senado, Renan Calheiros, e do ex-presidente Fernando Collor.

GEDDEL – O ex-ministro da Integração Social do governo Lula e ex-ministro da Casa Civil de Temer fazia parte “de uma verdadeira organização criminosa”, segundo o Ministério Público Federal. Geddel é suspeito de participar de uma esquema de fraude na liberação de recursos da Caixa Econômica Federal para empresas entre 2011 e 2013, período em que foi vice-presidente de Pessoa Jurídica do banco, em troca de "vantagens ilícitas".

Enquanto isso, no país real as coisas não vão nada bem. Em seu relatório “Situação Econômica Mundial e Perspectivas”, a Organização das Nações Unidas(ONU) estima que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve crescer 0,6% este ano – pouquíssimo, mas mais que a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), que prevê crescimento de apenas 0,2%. Já a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou documento que prevê que o Brasil responderá por um terço de todos os novos desempregados que vão surgir este ano no mundo. A projeção da OIT é de que a taxa de desemprego subirá de 11,5% em 2016 para 12,4% em 2017.

Lorota da globalização

As desigualdades sempre existiram, mas de vários séculos para cá se acreditou que a educação podia restabelecer a igualdade de oportunidades.
 Resultado de imagem para jovens desempregados
Agora, 51% dos jovens diplomados estão desempregados e aqueles que têm trabalho têm empregos muito abaixo das suas qualificações
Zygmunt Bauman

Como evitar que desastres naturais causem terremotos na economia brasileira

A cada vez que uma chuva forte cai nas cidades ou uma seca afeta qualquer região brasileira, a economia do país sofre um golpe considerável. Foram nada menos do que 9 bilhões de reais anuais (2,8 bilhões de dólares) entre 1995 e 2014, ou 182,8 bilhões de reais (56,7 bilhões de dólares) ao longo desses 20 anos.

As perdas se acumulam na infraestrutura, na agricultura, nos serviços públicos e privados e na indústria. Muitas vezes, as verbas destinadas às ações de emergência superam as originalmente destinadas pelos governos a áreas como saneamento e transportes. Com isso, desfaz-se a velha impressão de que o Brasil não é afetado por desastres naturais, apesar de não sofrer com terremotos de grande magnitude (como o Chile ou o Haiti) ou furacões (como o Caribe).
Resultado de imagem para desastres naturais no brasil

Obter um retrato fiel do impacto só se tornou possível porque o Brasil dispõe hoje de uma base de dados sobre os prejuízos reportados pelos municípios: o Sistema Integrado de Informações de Desastres (S2ID), da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil. Modelo sem equivalente na América Latina, deu origem a um estudo que analisou quase 53,8 mil registros de desastres no Brasil entre 1995 e 2014.

O Relatório de Danos Materiais e Prejuízos Decorrentes de Desastres Naturais no Brasil foi publicado no fim de 2016 pelo Banco Mundial e o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Segundo a pesquisa, as secas — que evoluem lentamente e, por isso, os governos demoram a reagir — são os fenômenos reportados pelos municípios com maior frequência. “Eles representam 48% dos registros e ocorrem mais nas regiões Nordeste e Sul”, explica Rafael Schadeck, organizador do documento. Os desastres relacionados ao excesso de chuvas, documentados principalmente no Sudeste, vêm em segundo lugar, com 39% das ocorrências.

O advento do S2ID possibilitou não somente o acesso a uma fonte de informações àqueles envolvidos com gestão de riscos de desastres, mas uma mudança cultural significativa.

“Os municípios brasileiros apenas reportavam eventos de desastres caso tivessem interesse em acessar recursos do Governo federal para o apoio humanitário e resposta a desastres. Mais recentemente, observa-se que inúmeros municípios fazem esse relato sem a intenção de pleitear recursos federais, o que nos possibilita melhor compreender a dimensão do desafio no Brasil, bem como suas especificidades”, comenta o especialista em gestão de riscos de desastres Frederico Pedroso, do Banco Mundial.
Proteção financeira

O sistema e o novo estudo fazem parte de um esforço maior em entender como os desastres naturais afetam a América Latina e Caribe e como é possível evitar danos mais graves. Também no fim do ano passado, um relatório calculou o impacto dos desastres sobre os pobres e constatou que as perdas causadas por desastres são, em média, de 84 bilhões de dólares por ano, o dobro do calculado em estimativas anteriores.

Quando a população pobre é vítima de uma catástrofe, a perda proporcional de riqueza é de duas a três vezes maior do que entre a não-pobre, devido à natureza e à vulnerabilidade dos seus bens e meios de subsistência.

Em 2014, por exemplo, mais de 500.000 famílias pobres na Nicarágua, El Salvador, Honduras e Guatemala ficaram sem ter o que comer por causa das chuvas sem precedentes. Na Guatemala, a probabilidade de as crianças trabalharem aumentou em pelo menos 7% nas áreas afetadas pelo furacão Stan.

Outra constatação importante do estudo é a de que cada dólar gasto em proteção social após um desastre representa 4 dólares em benefícios em países como Bolívia, Brasil, Colômbia, Honduras e Panamá.

Dados desse tipo cada vez mais possibilitam aos países da América Latina adotar políticas públicas bem fundamentadas e investir tanto na prevenção quanto na resposta. No Brasil, por exemplo, o Banco Mundial tem fornecido apoio técnico aos governos nacionais, estaduais e municipais para calcular a exposição de bens a perigos naturais, apresentar ferramentas para proteção financeira contra desastres e avaliar perdas e danos pós-desastres.

Todas essas atividades, cujos resultados aparecerão a longo prazo, são fundamentais para reduzir cada vez mais os impactos humanos e econômicos provocados por chuvas, secas, vendavais, granizo e outros fenômenos na atualmente fragilizada economia brasileira.

Mariana Kaipper Ceratti (produtora do Banco Mundial)