domingo, 17 de janeiro de 2021

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Pixuleco do 'Vampiro do Brasil' na porta da Anvisa

Conspiração Bolsonaro

A oposição ao governo Bolsonaro só não pode dizer que não entendeu aonde ele quer chegar. Conspiradores como Donald Trump e Jair Bolsonaro fazem tudo às claras, e o daqui repete o roteiro com alguma defasagem. A distância que existe é entre original e cópia. Quando parlamentares do PT, PDT, PSDB se alinham ao candidato que Bolsonaro defende para presidir o Senado sabem o que estão fazendo. Compactuam. Os votos serão no escurinho, onde Tancredo ensinou que é o lugar das traições, mas os oposicionistas fazem às claras achando que todos entenderão o pragmatismo.

A História olhará esse distópico tempo nosso de forma implacável. Não adiantará explicar que foram oferecidos bons lugares na mesa diretora, distribuídas presidências de comissões. Não há nada contra o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), em si. Não é pessoal. É porque na situação em que ele se encontrará terá que pagar o apoio. O presidente se mobilizou, seu padrinho Davi Alcolumbre (DEM-AP) negocia lugar no Ministério. Pacheco se abrigou sob esse teto. Isso terá de ser pago. E o preço é o apoio à pauta que o presidente acha relevante para o seu projeto.

Bolsonaro quer tumultuar a próxima eleição, reduzir o poder dos estados sobre as polícias para aumentar sua força sobre os efetivos armados, quer armar seus seguidores, quer bloquear recursos para a ciência, quer estimular o desmatamento da Amazônia, quer incentivar garimpeiros e invasores em terras indígenas, quer enfraquecer instituições de controle do combate à corrupção. Bolsonaro sonha, como diziam as faixas dos atos que estimulou e dos quais participou, com o fechamento do Congresso e do STF. Esse é o plano, essa é a pauta.



Nenhuma candidatura, seja de Baleia Rossi (MDB-SP) na Câmara, seja de Simone Tebet (MDB-MS) no Senado, se propôs a fazer oposição. A promessa é mais simples. É de autonomia. O poder legislativo precisa ser autônomo para garantir a governabilidade. Há quem defenda candidatos governistas com o argumento da governabilidade, mas é o exato oposto. O equilíbrio dos freios e contrapesos nos ajudará a atravessar este momento tão pantanoso.

O poente presidente Donald Trump está diante da acusação de incitação à insurreição contra a democracia. Ele construiu o plano lentamente. Começou dizendo em 2016 que a eleição que ele ganhou era fraudada. Muita gente achou que era apenas uma esquisitice. Era movimento feito de caso pensado. Se soa familiar, é porque é o mesmo que se passou aqui em 2018. A lista das similitudes é imensa. Chega a ser monótono.

Os americanos têm a tradição de pessoas armadas. Aqui, Bolsonaro ordenou numa reunião ministerial a liberação do acesso às armas. Até quando o país vai acreditar que são “colecionadores e caçadores”? A caça é proibida no Brasil. Bolsonaro quer uma milícia. Por que tirar poderes dos governadores sobre as polícias e criar o generalato nas PMs? Por que distribuir tantos mimos às Forças Armadas, da ativa ou da reserva? Ora, direis, por ideologia, para seguir a ala ideológica. Não. Não há uma ideologia, há um projeto autoritário em curso. O presidente quer se cercar de vários efetivos armados, legal ou ilegalmente, para intimidar adversários. No dia D e na hora H. Como fez Trump, quando mandou seus mal-intencionados seguidores marcharem sobre o Capitólio. Na celebrada democracia americana foram vistas cenas de enorme selvageria. Os gritos de “enforquem Pence” e “onde está Nancy Pelosi” foram descritos na imprensa americana e entendidos pelo seu valor de face.

Na casa dos conchavos, tudo se passa como se não vissem o que há pelo Brasil. O presidente conduz de forma criminosa a gestão da pior pandemia que já se abateu sobre o país, mas o PT acha que pode se alinhar ao candidato que Bolsonaro defende, e o PDT, também. O PSDB acha que pode continuar em cima desse muro e permanecer nunca decidindo em tempos de decisão. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) falou em trincar os dentes. Quando trincarão os dentes? Quando for tarde demais.

Trump conspirou durante quatro anos, e o resultado foi visto por todos. Bolsonaro conspira, e temos visto o resultado. É da natureza de governantes autocratas que chegam ao poder pelo voto na democracia enfraquecer por dentro as instituições que os hospedam. Querem se espalhar pelo organismo, enfraquecê-lo e destruí-lo. Como um vírus oportunista e mortal.

A força das panelas

Morte por asfixia de pacientes sem oxigênio, revezamento desesperado de médicos e enfermeiros para ventilar doentes manualmente, 750 internados, incluindo bebês prematuros, tendo de ser transferidos às pressas para outros estados. O colapso do sistema de saúde do Amazonas é mais do que o retrato doloroso e cruel da inépcia do governo Jair Bolsonaro, é um divisor de águas. Não à toa, panelas e gritos de “fora Bolsonaro” ecoaram mais fortes na noite de sexta-feira.

Não se trata mais de críticas ao desprezo pela vida escancarado no “e daí?”, ou a declarações irresponsáveis como a de “gripezinha” ao se referir ao coronavírus. Agora teve de tudo: “assassino”, “genocida”, “facínora”.

Ouviu-se a indignação presa na garganta de quem não pode ir para a rua protestar porque respeita os protocolos preventivos e o próximo. Daqueles que têm feito o possível e o impossível para ficar em casa enquanto o presidente prega aglomerações em nome da liberdade de ir e vir – e de infectar o outro.

Pouco importa se foram centenas de milhares ou milhões batendo panelas. O fato é que só a convocação da manifestação colocou Bolsonaro na defensiva, apressando-se a justificar o injustificável.

No Amazonas a doença se alastrou na última semana “porque o clima subiu”, disse Bolsonaro em entrevista à Jovem Pan pouco antes do panelaço. Tratou ainda de culpar o Supremo Tribunal Federal pelas ocorrências, insistindo na falsa ladainha de que fora “proibido pelo STF” de lidar com a crise da Covid-19.

Mais cedo, sua tropa de choque tentou desviar-se da mira. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) usou as redes para culpar o governo amazonense, sem dar um pio quanto à postagem feita por ela antes do Natal: “A pressão do povo funcionou tb em Manaus. O governador do Amazonas, @wilsonlimaAM voltou atrás em seu decreto de lockdown. Parabéns, povo amazonense, vcs fizeram valer seu poder!" Em vez de poderosa, a conta foi macabra.

A pane na saúde amazonense não pode ser atribuída apenas ao governo federal. Os erros foram sequenciais e cumulativos. Era tragédia anunciada.


O governador cedeu à pressão contra o fechamento do comércio na véspera das festas de fim de ano, mesmo com os indicadores apontando para o aumento de internações. Os empresários fizeram pouco caso da doença, o povo foi às compras animado pelo discurso egoísta do bolsonarismo. Mas a patética cobrança de tratamento preventivo com cloroquina feita pelo ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, na visita a Manaus na segunda-feira, em meio ao incêndio, foi de monstruosidade imbatível. De arrepiar.

Mas Bolsonaro não tem como escapar das decisões trágicas que tomou. Mesmo diante do aumento da demanda por respiração assistida imposto pela pandemia, seu governo restabeleceu no ano passado as taxas de importação de oxigênio: 14% para cilindros de ferro e 16% para cilindros de alumínio. E zerou os impostos para importação de pistolas e revólveres de uso pessoal. Sem meias palavras, fez a opção pela morte.

Só voltou atrás na suspensão das alíquotas sobre o oxigênio depois da grita geral pós-asfixia amazônica.

Culpa da temperatura elevada, do STF, do não uso da cloroquina. Useiro e vezeiro em jogar o fardo nas costas alheias, Bolsonaro tenta repetir o método, dessa vez com argumentos ainda mais frágeis do que de costume. E os reveses sofridos na semana não pararam por aí.

Aflito para largar antes do inimigo João Doria, Bolsonaro colocou o avião à frente da boiada para forçar a Índia a entregar 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, que o seu governo, por meio da Fiocruz, pretende produzir. Deu tudo errado. A Índia só vai liberar as exportações depois do início da vacinação interna, e o avião da Azul, especialmente decorado com a propaganda governamental, não decolou.

Mais: o calendário da Fiocruz só prevê produção nacional da vacina da Oxford a partir de 8 de fevereiro, dependendo ainda da importação do insumo chinês IFA, que não chegou. Assim, se quiser a pole-position, Bolsonaro terá de abrir a campanha nacional de imunização com a “vacina do Doria”.

Na sexta-feira do panelaço, o Ministério da Saúde solicitou, encarecidamente, que o Instituto Butantã antecipasse a entrega de 6 milhões de doses da Coronavac, a “chinesa”. Sim, a mesma vacina de que o presidente fez e faz chacota.

O Butantã é sério e não fará birra como o governo Bolsonaro costuma fazer. Já adiantou que irá atender à demanda. O urgente é que a vacina comece a ser aplicada. E que bom que o Instituto financiado pelo governo paulista já tem mais de 11 milhões delas e capacidade para produzir um milhão por dia.

Bolsonaro jamais fará mea culpa. Ele que se dane. Depois do Amazonas, panelaços deverão ser mais constantes e o clamor para impedir o presidente tende a se tornar mais vigoroso.

Que venha com urgência!

O impeachment é agora uma questão de sobrevivência. Bolsonaro, com sua omissão e incompetência, é responsável por somarmos mais de 10% de todas as mortes mundiais. O que ele faz é um crime contra a humanidade. Basta de impunidade para alguém que causa tanta dor ao próprio povo
Tabata Amaral, (PDT-SP)

Carta branca para a morte

O ser imoral que atende por Jair Bolsonaro forçou o jornalismo a deseducar e endurecer a linguagem em referências ao governo e, ainda mais incisiva, sobre o intitulado mas não presidente de fato.

Com os assassinatos por asfixia cometidos pela incúria e o deboche no Amazonas; mais de 200 mil mortos no país entregue à pandemia e à sabotagem, e a patifaria contra a vacinação vital, mesmo a grosseria realista é insuficiente.

Nem a liberação dos chamados palavrões, feita pela Folha e O Globo há algum tempo, soluciona o impasse. Muitos as consideramos aquém do jornalismo e os demais ficariam expostos a inconvenientes legais.

A asfixia é reconhecida como uma das mais penosas formas de morte, acréscimo ao nosso horror com as mortes em campos de concentração nazistas, nas câmaras de gás para condenações passadas nos Estados Unidos, como nas perversões criminosas. Hoje, é aqui que essa morte terrível ocorre, vitimando doentes que tiveram a infelicidade preliminar de nascer no Brasil.

Que considerações valeria tentar sobre esse fato? Seus responsáveis são conhecidos. Um presidente ilegítimo pela própria natureza e pela contribuição para a morte alheia. Um general patético e coautor, sobre os quais apenas vale dizer aqui, ainda, da lástima de que não terão o merecido: o julgamento por um sucedâneo do Tribunal de Nuremberg.

Bebês, 60 bebês, parturientes, operados, cancerosos, infartados, vítimas da pandemia, às centenas, milhares, desesperados pelo ar que os envolve e no entanto lhes falta. Todos diante da morte terrível, não pelo que os internou, mas de asfixia —por quê?

Guardião de 62 pedidos de impeachment de Bolsonaro, Rodrigo Maia enfim dá sua explicação para o não encaminhamento da questão ao exame das comissões específicas: "O processo do impeachment é o resultado da organização da sociedade. Como se organizou contra os presidentes Collor e Dilma".

Não houve uma pressão "que transbordasse para dentro do parlamento. Não foi avaliar ou deixar de avaliar impeachment, e sim compreender que a pandemia é a prioridade para todos nós".

O fácil e esperado. Mas os casos de Collor e Dilma nasceram no Congresso, não na sociedade. Foi a mobilização, lá, de parlamentares que gerou e fez transbordar para a sociedade a exigência do impeachment de Collor.

A "pedalada" contábil do governo Dilma nunca passou pela cabeça de ninguém, na sociedade e no Congresso. Foi o pretexto criado já a meio da conspiração lá urdida por Aécio Neves e Eduardo Cunha, símbolos da pior corrupção, a que corrói a democracia pela política. A mídia (sic) levou para a sociedade o golpismo transbordante no Congresso.

Se a prioridade fosse a pandemia, o governo não continuaria entregue aos que a negam e como governo sabotam, à vista de todo o país, tudo o que possa combatê-la. Para isso recorrendo, sem receio, a ações e omissões criminosas. Uma sucessão delas, incessante até hoje.

​Se nas mais de 200 mil mortes houvesse apenas uma induzida pelas pregações e sabotagens de Bolsonaro, já seria bastante para ser considerado criminoso homicida. Mas são muitos os interesses financeiros e políticos a protegê-lo. Na verdade, mais que isso, porque é carta branca que lhe tem sido assegurada, sobre 212 milhões de brasileiros, como sobre o presente e o futuro do país.

Brasil para exportação

 

Anthony Garner (Espanha)


Covid-19: Procurador Geral da República só enxerga o que quer

Depois de cinco dias consecutivos com mais de mil mortos pela Covid-19 no Brasil, finalmente o procurador-geral da República, Augusto Aras, acordou e determinou a abertura de um inquérito no Superior Tribunal de Justiça.

Não tire conclusões apressadas. O inquérito não é para apurar a eventual omissão do governo federal no combate à pandemia do coronavírus que até aqui matou 209.350 pessoas, infectando quase 8.500 mil. Aras acha que não houve omissão.

Se omissão houve, foi do governador Wilson Lima (PSC), eleito há dois anos com o apoio de Bolsonaro, e da prefeitura de Manaus, comandada pelo recém-empossado David Almeida (Avante), na crise de saúde do Amazonas.

Embora tenha afirmado que levou em consideração o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que cabe à União, Estados e municípios atuarem em conjunto no combate à pandemia, Aras preferiu deixar a União de fora do inquérito.

Sabe como é. Antigamente – quer dizer: antes de Bolsonaro -, o presidente da República escolhia um dos três nomes mais votados pelos procuradores para o cargo de procurador-geral. No caso de Aras, ele sequer foi votado.



Daí que ele foi uma escolha pessoal de Bolsonaro, que não o nomearia sem a certeza de que Aras o protegeria e cumpriria todas as suas vontades. E assim tem sido. O procurador-geral da República deu lugar ao procurador-geral de Bolsonaro.

Só procura o que interessa ao presidente. E quando esbarra em algo que não interessa a ele, dá um jeito de não ver. E se por acaso for obrigado a ver, releva a importância do que viu. Aras sabia que seria assim e aceitou jogar o jogo.

No ano passado, não se pagava imposto para a compra a outros países de cilindros de oxigênio. Este ano começou com um imposto de 14% a 16%. O imposto pago na compra de armas era de 20% no ano passado. Este ano foi zerado.

Pelo menos desde o dia 23 de novembro último, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a Secretaria de Saúde do Amazonas sabia que a quantidade de oxigênio hospitalar disponível seria insuficiente para atender o recrudescimento da pandemia.

A informação consta de projeto básico, elaborado pela própria Secretaria, para a última compra extra do insumo em 2020. Principal fornecedora do Estado, a empresa White Martins teria conseguido atender ao pedido por mais cilindros.

Mas não houve pedido. Em dezembro, o governo do Estado, sob pressão de comerciantes bolsonaristas, relaxou as medidas de isolamento social, descartando qualquer possibilidade de endurecê-las depois. Bolsonaro festejou em vídeo.

Nesta semana, o estoque de oxigênio acabou nos hospitais de Manaus e pacientes começaram a morrer asfixiados. O ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, esteve lá. Pôde ver o que acontecia, mas receitou o tratamento precoce com cloroquina.

Fez mais que isso. Obteve autorização do governo do Amazonas para que grupos de médicos e de servidores do ministério visitassem unidades de saúde em Manaus, orientando-as no uso de drogas contra o vírus comprovadamente ineficazes.

Uma cunhada de Pazuello avisou-o que tinha um familiar infectado pelo vírus e “sem oxigênio para passar o dia”, de acordo com a Folha de S. Paulo. Mas, sabe como é… Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Pazuello tem juízo.

Essa é uma história de terror doméstico que chocou o país e o mundo e que não tem Dia D para acabar. A China anunciou que ajudará o Brasil com dinheiro, uma vez que seria difícil e demorada a operação de mandar cilindros de oxigênio.

A Venezuela é logo ali. E apesar de o governo Bolsonaro não reconhecer o governo de Nicolás Maduro e de apoiar o governo inexistente de Juan Guaidó, a ajuda da Venezuela chegará nos próximos dias. Vai recusá-la? Terá coragem para tanto?

Cerca de 100.000 litros de oxigênio foram carregados na Siderúrgica del Orinoco para seguir rumo ao Brasil em caminhões. Uma centena de médicos formados pela Venezuela em parceria com Cuba está disposta a ir para Manaus. E aí?

Tremenda saia justa para um governo de machos que detestam expor suas fraquezas.

O chaveco do chavismo bolsonariano

Treze anos de poder petista não fizeram estragos nas Forças Armadas semelhantes ao que o capitão Bolsonaro conseguiu em dois anos. Durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff, nenhum general foi demitido de forma constrangedora e sem motivo razoável. Os oficiais-generais nomeados pelos presidentes petistas para funções civis tiveram desempenhos discretos. Bolsonaro jogou militares em torvelinhos, associando a disciplina da carreira às suas fantasias. O que sucede ao general Eduardo Pazuello é prova disso.

As cerejas desse bolo anárquico, reveladas pelo repórter Felipe Frazão, são os projetos de parlamentares bolsonaristas que tramitam no Congresso. Teriam jogado meia dúzia de jabutis em cima da ideia de reorganizar as polícias civil e militar. Olhando-se os detalhes, nem jabutis são. Transformaram a ideia num terreno baldio, onde cada um que passa joga o que quer.

É conhecida a admiração de Bolsonaro pelas PMs, apimentada pela simpatia de oficiais do pelotão palaciano diante de alguns motins.

Pelos projetos, os comandantes das PMs deveriam ser escolhidos a partir de listas tríplices saídas da corporação. (Os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica são de livre escolha do presidente, dentro do quadro de quatro estrelas.)


Esses comandantes teriam mandatos de dois anos. Vale ouvir o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro: “Dentro da estrutura militar, ninguém pode ter mandato”.

As PMs e os Corpos de Bombeiros teriam generais. É o caso de se perguntar porque os Corpos Marítimos de Salvamento não devem ter almirantes.

A fiscalização das empresas de segurança privada sairiam da alçada da Polícia Federal, passando para a jurisdição das Polícias Militares. O perigo embutido nesse sofá velho jogado no terreno é simples: Basta lembrar a carreira do capitão Adriano da Nóbrega, o miliciano foragido morto na Bahia. Ou o caso do PM Ronnie Lessa, acusado de ter matado a vereadora Marielle Franco. Nenhum dos dois era um bandido iniciante. Ronnie havia sido guarda-costas de um bicheiro e perdeu uma perna numa briga de quadrilhas. O ex-capitão Adriano comandava a milícia batizada de Escritório do Crime.

Projetos legislativos de deputados governistas não têm necessariamente o apoio do governo, mas Bolsonaro, que é tão rápido no gatilho, jamais disse uma palavra contra os pneus velhos e colchões sujos jogados nesse terreno baldio.

O comandante Hugo Chávez desgraçou a Venezuela distribuindo boquinhas para militares da ativa e criando uma milícia.

Todo dia tem um novo fim do mundo

Leio num jornal português a terrível manchete: “O vórtex polar quebrou.” Assustadíssimo, googlo no celular “vórtex polar”. A seguir envio um SMS à minha irmã, radicada em Portugal: “Atenção: o vórtex polar quebrou!”.

“Que horror!”, responde ela. Consigo imaginá-la a googlar desesperadamente “vórtex polar”. Segundos depois chega a resposta: “Ha, ha, ha! É só frio! Muito, muito, muito frio!”

Não há nada como a ameaça de um bom fim do mundo para relativizar tudo. Sim, os europeus estão enfrentando um frio glacial, na sequência de um fenômeno atmosférico conhecido como quebra do vórtex polar.

Há alguns dias, Madri despertou enterrada na neve. Em Lisboa, a capital mais quente da Europa, a mais africana, a mais crioula, festeira e tropical, os termômetros desceram abaixo do zero grau.

Se eu tivesse lido a mesma manchete há cinco anos talvez não associasse a expressão “quebra do vórtex polar” a um cataclismo iminente. Talvez eu lesse “vórtex polar” e pensasse numa estação orbital colocada sobre o Ártico; numa marca de cerveja que acabasse de anunciar falência, ou num veículo tripulado por ursos polares.

Nos tempos que correm, contudo, todo o dia nos atiram à cara um novo fim do mundo. Ora é uma estirpe inédita do coronavírus, ora uma guerra nuclear, ora um cometa avançando a toda a velocidade de encontro ao nosso planeta.

Pelo menos no Brasil todos os cataclismos têm a mesma origem: Bolsonaro. Sugiro nomear os futuros ciclones com o nome de Bolsonaro. Ou de Jair. Ou de Messias. Messias 1, Messias 2, Messias 3. Os terremotos também. E os maremotos, os vírus mais perigosos etc..



Desculpem o desvio. Não desejo entrar em conflito com cataclismos. Prezo muito os cataclismos. Me lembro sempre de um conselho da minha avó: “Escolhe bem os teus amigos. Mas escolhe ainda melhor os teus inimigos.”

A quebra do vórtex polar serviu para forçar os cidadãos europeus a permanecerem em casa, mesmo antes dos governos dos respectivos países decretarem um confinamento obrigatório.

Também em Moçambique, onde vivo, foi anunciada na passada quarta-feira uma série de novas restrições, devido ao súbito aumento do número de pessoas infectadas com Covid desde o réveillon.

Em Moçambique morreram até agora 205 pessoas vítimas da pandemia, o que dá seis mortes por milhão de habitantes (já o Brasil tem perto de mil mortes por milhão de habitantes). Tendo estes números em atenção, parece legítimo dizer que Moçambique está muitíssimo mais avançado do que o Brasil no que diz respeito à gestão da pandemia.

Com um sistema de saúde pública muito frágil, o governo moçambicano, como a maioria dos governos africanos, optou pela prevenção e o respeito pela ciência. Foi tomada uma série de medidas de contenção, desde o rápido encerramento de fronteiras ao uso generalizado de máscaras.

Entre as restrições agora anunciadas, a que mais me custa é a interdição das praias. Depois penso nos pobres europeus, fechados em casa não apenas por causa da pandemia, mas também devido ao frio intenso, e me conformo.

Pelo menos eu posso subir ao terraço e me estender ao sol. De preferência, com um bom livro nas mãos.

Displicência mortal

Não foram poucas as vozes que no fim do ano passado alertaram para a iminência de uma explosão de contaminação e mortes por covid-19 no País nas primeiras semanas de 2021. É exatamente o que se vê agora. Não foi presságio e tampouco mau agouro dos especialistas em saúde pública. Foi apenas a antevisão de uma consequência lógica da irresponsabilidade com que muitos governantes e cidadãos se portaram diante da ameaça de contágio pelo novo coronavírus durante os festejos e férias de fim de ano. Agora, a incúria, o egoísmo e o desmazelo de tantos que puseram a fruição individual acima do interesse coletivo apresentam uma pesada conta.

Na quinta-feira passada, o País registrou recorde na média móvel de casos diários de covid-19. De acordo com a apuração do consórcio de veículos de imprensa, foram 56.453 casos em 24 horas. A Nação pranteou a morte de cerca de 1,2 mil brasileiros por dia. Alguns hospitais particulares da capital paulista já não têm vagas em UTI para atender pacientes acometidos pela covid-19. Na capital fluminense também não há mais leitos de terapia intensiva exclusivos para o tratamento da doença.

Em nenhum município, no entanto, a situação é tão dramática como em Manaus. Chegou-se ao ponto em que médicos e enfermeiros não têm outra coisa a fazer a não ser administrar morfina em pacientes graves que agonizam nos leitos pela falta de oxigênio. A sensação de impotência levou ao desespero muitos desses profissionais. Por meio das redes sociais, eles publicaram pungentes pedidos de ajuda enquanto viam seus pacientes, um após o outro, morrerem afogados no seco. Só ontem começaram a chegar cilindros de oxigênio a Manaus vindos do Rio e de São Paulo em aviões da FAB.


O colapso do sistema de saúde em Manaus é o retrato cruel de como a negligência e o negacionismo do poder público, aliados à irresponsabilidade dos cidadãos que fazem pouco-caso das medidas protetivas contra o vírus, são mortais quando se está diante de uma crise sanitária da magnitude da pandemia de covid-19. Não se chega a um estágio desses sem uma longa esteira de erros e omissões.

Fiel à sua índole, o presidente Jair Bolsonaro foi rápido ao fazer circular a informação de que o governo federal repassou R$ 8,91 bilhões ao Estado do Amazonas e R$ 2,36 bilhões à cidade de Manaus, sugerindo que nada tem a ver com o desastre havido na capital amazonense. “Fizemos a nossa parte”, disse o presidente ao grupo de apoiadores que batem ponto na entrada do Palácio da Alvorada.

Em primeiro lugar, repasses da União aos Estados e municípios decorrem das leis e da Constituição, não da boa vontade do presidente da República. Bolsonaro não fez nada além de sua obrigação ao repassar os recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), além dos recursos extraordinários aprovados pelo Congresso para dar conta do enfrentamento da pandemia. Segundo, em nenhum momento desta emergência sanitária o resultado trágico em Manaus ou em qualquer outro município decorreu da falta de dinheiro. Faltou ao governo federal compromisso com os fatos, com a ciência, com a vida. Faltou a coordenação, no âmbito federal, dos esforços nacionais para debelar a peste.

Sobre o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), também recai uma boa parcela da responsabilidade pelo colapso da saúde pública em Manaus por ter cedido à pressão de empresários e autorizado a flexibilização das atividades comerciais no Estado, contrariando as recomendações das autoridades sanitárias. “Eu preciso ouvir a voz das ruas”, justificou o governador. Por esta sua “insurgência” contra a “ditadura do lockdown”, Lima foi bastante festejado por apoiadores do presidente Bolsonaro.

Manaus foi uma das cidades que sucumbiram ao falso dilema entre a “liberdade” individual e o “arbítrio” das medidas de contenção ao novo coronavírus. Como a natureza é implacável, o resultado não haveria de ser outro: o aumento do número de mortes por um dos meios mais cruéis, a asfixia.

As três esferas de governo agora se mobilizam para socorrer os manauaras. Para muitos, entretanto, a ajuda chega tarde demais. Até onde irá o desgoverno?
Editorial - O Estado de S. Paulo