quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Quem é de esquerda?
Numa velha investigação que realizei sobre identidade política, encontrei uma divisão nítida entre “esquerda” e “direita”. No início dos anos 60, um mundo muito maior e menos transparente do que o atual, dava pleno sentido à divisão entre direita e esquerda.
Além disso, quem era de esquerda ou de direita via o outro lado como contrário, mas também como imprescindível. Um dos maiores erros dos radicalismos e, no caso do Brasil, da direita representada pelo regime militar, foi a tentativa de dar uma “solução final” para a outra margem, esquecendo-se do rio por onde a história não deixa de correr. O mesmo ocorreu com a esquerda desmoralizada pelo lulopetismo.
A destruição do opositor subtrai a legitimidade de quem tem o “poder”. Quem sustenta a governabilidade é o derrotado. Daí a importância da competição eleitoral que acabamos de vivenciar. O processo eleitoral ajuda a descobrir novas lideranças tanto quanto a descartar projetos de “soluções finais” de quem, alojado no poder, planejou jamais perder uma disputa eleitoral. Enfrentar o nosso papel como como eleitores não é fácil quando não há salvadores da pátria ao lado de um punhado de partidos com bandeiras cansadas ou sem mastro. Naquele tempo havia medo, mas não havia vergonha nem culpa em ser “esquerdista”. Examinando meus dados, vejo que muitos se viam como peça de resistência ou vítima, mas todos tinham orgulho de sua escolha política.
Ser de “esquerda” era ser uma pessoa fiel, honesta e de boa vontade. Era ser alguém que enxergava a “realidade brasileira” (ou o todo) desdenhando dos “interesses de classe” que remetiam à parte e exprimiam egoísmo e descaso pelos pobres. Pelos explorados que constituíam o “povo” brasileiro ao qual nós, nos coretos acima da multidão, obviamente não pertencíamos. Éramos pastores do povo, e eu confirmei tal atitude numa entrevista na qual um operário dizia: “Os teóricos são o farol que guia a nossa prática”. Tal opinião confirmava a busca utópica de uma igualdade substantiva. A esquerda queria o paraíso neste mundo e perseguia o altruísmo. Ademais, ela não havia estado no poder. Esse poder que muda até mesmo a igreja do diabo, como ensinou Machado de Assis.
O poder corrompia, mas nós não entraríamos nisso. Como disse o próprio Lula décadas depois: em seis meses, o PT acaba com a corrupção. E José Genoino, presidente do partido, já no poder, reiterava: o PT não rouba e não deixa roubar.
O “poder” era um cetro ou palácio. Ele não era contraditório ou personalizado. Reprimíamos o fato de sermos meninos brancos de classe média que viviam em “casas” hierarquizadas e aristocráticas, com um pai-patrão e seus empregados e, talvez por isso mesmo, tínhamos o sonho de uma igualdade ilimitada no plano político. Vencer uma discussão com o pai, cantar que o Brasil era um país subdesenvolvido era fazer a revolução...
Uma revolução que surgia como um conjunto de “reformas” a serem perpetradas pelo governo e por decreto, tal como ocorreu no comício da Central do Brasil em março de 1964. Ali, João Goulart decretou alguns dos seus pontos cruciais. Dezenove dias depois, veio — aí sim — o golpe militar que em menos de 48 horas pôs a esquerda na marginalidade, explodindo uma margem do rio.
Naquele tempo havia “reacionários”. Hoje há conservadores defendendo a “ordem” para situá-la ao lado do “progresso” e um enorme time de fascistas (úteis e inúteis) com suas listas de temas e pessoas a serem banidos e, eventualmente, eliminados. Em 1960, imitando a experiência cubana, falava-se em paredão; hoje — imitando sem saber os velhos nazistas — temos soluções finais para o mercado e para um capitalismo diabolizado.
Em nome dos direitos, evita-se corrigir a desigualdade que começa no desencontro entre uma aristocracia paga pelo Estado e os cidadãos comuns. Os idiotas que trabalham para sustentar um Estado a ser descontaminado de sua imagem de fiador do roubo, da incompetência e de uma burocracia marginal à norma da igualdade. É incabível, com a devida vênia aos meus amigos do Judiciário, que um juiz venal seja condenado à aposentadoria em sua residência com salário integral!
Essa foi uma eleição histórica. Nela, a esquerda abalada e derrotada pelo lulopetismo que a marginalizou. A crise fez com que ser esquerdista virasse sinônimo de demagogia burra, irresponsável e arrogante. Ou, para resumir numa palavra: a tudo o que era de “direita”.
PS: Se Marta Suplicy não é de esquerda, tudo é possível.
Roberto DaMatta
Além disso, quem era de esquerda ou de direita via o outro lado como contrário, mas também como imprescindível. Um dos maiores erros dos radicalismos e, no caso do Brasil, da direita representada pelo regime militar, foi a tentativa de dar uma “solução final” para a outra margem, esquecendo-se do rio por onde a história não deixa de correr. O mesmo ocorreu com a esquerda desmoralizada pelo lulopetismo.
John Holmes |
Ser de “esquerda” era ser uma pessoa fiel, honesta e de boa vontade. Era ser alguém que enxergava a “realidade brasileira” (ou o todo) desdenhando dos “interesses de classe” que remetiam à parte e exprimiam egoísmo e descaso pelos pobres. Pelos explorados que constituíam o “povo” brasileiro ao qual nós, nos coretos acima da multidão, obviamente não pertencíamos. Éramos pastores do povo, e eu confirmei tal atitude numa entrevista na qual um operário dizia: “Os teóricos são o farol que guia a nossa prática”. Tal opinião confirmava a busca utópica de uma igualdade substantiva. A esquerda queria o paraíso neste mundo e perseguia o altruísmo. Ademais, ela não havia estado no poder. Esse poder que muda até mesmo a igreja do diabo, como ensinou Machado de Assis.
O poder corrompia, mas nós não entraríamos nisso. Como disse o próprio Lula décadas depois: em seis meses, o PT acaba com a corrupção. E José Genoino, presidente do partido, já no poder, reiterava: o PT não rouba e não deixa roubar.
O “poder” era um cetro ou palácio. Ele não era contraditório ou personalizado. Reprimíamos o fato de sermos meninos brancos de classe média que viviam em “casas” hierarquizadas e aristocráticas, com um pai-patrão e seus empregados e, talvez por isso mesmo, tínhamos o sonho de uma igualdade ilimitada no plano político. Vencer uma discussão com o pai, cantar que o Brasil era um país subdesenvolvido era fazer a revolução...
Uma revolução que surgia como um conjunto de “reformas” a serem perpetradas pelo governo e por decreto, tal como ocorreu no comício da Central do Brasil em março de 1964. Ali, João Goulart decretou alguns dos seus pontos cruciais. Dezenove dias depois, veio — aí sim — o golpe militar que em menos de 48 horas pôs a esquerda na marginalidade, explodindo uma margem do rio.
Naquele tempo havia “reacionários”. Hoje há conservadores defendendo a “ordem” para situá-la ao lado do “progresso” e um enorme time de fascistas (úteis e inúteis) com suas listas de temas e pessoas a serem banidos e, eventualmente, eliminados. Em 1960, imitando a experiência cubana, falava-se em paredão; hoje — imitando sem saber os velhos nazistas — temos soluções finais para o mercado e para um capitalismo diabolizado.
Em nome dos direitos, evita-se corrigir a desigualdade que começa no desencontro entre uma aristocracia paga pelo Estado e os cidadãos comuns. Os idiotas que trabalham para sustentar um Estado a ser descontaminado de sua imagem de fiador do roubo, da incompetência e de uma burocracia marginal à norma da igualdade. É incabível, com a devida vênia aos meus amigos do Judiciário, que um juiz venal seja condenado à aposentadoria em sua residência com salário integral!
Essa foi uma eleição histórica. Nela, a esquerda abalada e derrotada pelo lulopetismo que a marginalizou. A crise fez com que ser esquerdista virasse sinônimo de demagogia burra, irresponsável e arrogante. Ou, para resumir numa palavra: a tudo o que era de “direita”.
PS: Se Marta Suplicy não é de esquerda, tudo é possível.
Roberto DaMatta
A derrota é órfã
Com a reunião extraordinária de sua Executiva, nesta quarta-feira, o Partido dos Trabalhadores está dando a largada para o dolorido processo de acerto interno de contas. Não se sabe quando e como terminará, tal a proliferação de teses no seu interior e no entorno.
Não há consenso sobre quase nada. As tendências centrífugas vão desde a autoflagelação pura e simples até a transferência de responsabilidades, como se a realidade e os eleitores fossem os culpados pela hecatombe petista. Mais uma vez fica provado o velho provérbio: a derrota é órfã.
Não há consenso sobre quase nada. As tendências centrífugas vão desde a autoflagelação pura e simples até a transferência de responsabilidades, como se a realidade e os eleitores fossem os culpados pela hecatombe petista. Mais uma vez fica provado o velho provérbio: a derrota é órfã.
A orfandade do PT consiste em sair da eleição sem um polo aglutinador, sem um vitorioso de porte. Nem mesmo Lula é o semideus de outrora. Parlamentares petistas queixam-se de sua opção preferencial, em eleições passadas, por candidatos-postes. Vide Dilma Rousseff, Alexandre Padilha e Fernando Haddad.
Lula, aliás, confessou sua compulsão em 2012, num comício em Fortaleza: “Quando lancei o Haddad, disseram que estava lançando um poste. Quando lancei a Dilma, disseram que estava lançando um poste. Digo que de poste em poste vamos iluminar o Brasil”.
Mal sabia ele do apagão do lulopetismo, em 2016.
Sem pai nem mãe, é impensável um “aggiornamento” do PT. No máximo, sua direção fará uma “autocrítica” meia boca, um movimento no estilo do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa: um “algo deve mudar para que tudo continue como esta”, talvez conduzido pelo próprio caudilho. Lula já prega alguém novo para presidir o partido.
Quem é o novo? O senador Lindberg Farias?
A cúpula petista assumirá, claro, alguns “erros” de “financiamento eleitoral”, de não “fazer a reforma política”. E até de falta de empenho das campanhas.
Mas não vai espremer a ferida até extirpar o carnegão. O mais provável é o apelo à via administrativa, com o expurgo dos “dissidentes”, conforme nota de Ilimar Franco no jornal O Globo.
Até pelo instinto de sobrevivência, parlamentares do PT podem largar a família e ser adotados pelo PDT, PSOL e outras legendas.
Enquanto isto, os petistas não estão entendendo quase nada do que disse o eleitorado. Para uns, aconteceu no Brasil o mesmo que aconteceu na Itália da operação Mãos Limpas.
Só faltam dizer que quem é o Berlusconi brasileiro. Culpam o juiz Sérgio Moro e o “massacre da mídia golpista” pelo próprio fracasso, ignorando que a eleição foi um plebiscito anti-PT, assim como em 1974 foi um plebiscito contra a ditadura; ressalvadas as diferenças entre os dois momentos históricos.
Com a postura arrogante de sempre, subestimam a inteligência dos brasileiros, ignoram um fato concreto. O resultado eleitoral, inclusive o de São Paulo, tem tudo a ver com o desmanche da economia promovido pelo governo Dilma, responsável pelo desemprego de 12 milhões de brasileiros. Também tem uma relação direta com as manifestações multitudinárias em favor do impeachment.
Outros se enveredam pelo ato de contrição, como fez Frei Betto, antes mesmo da abertura das urnas, no dia 1º de outubro: “No entanto, nós erramos. O golpe foi possível também devido aos nossos erros. Em 13 anos, não promovemos a alfabetização política da população. Não tratamos de organizar as bases populares. Não valorizamos os meios de comunicação que apoiavam o governo nem tomamos iniciativas eficazes para democratizar a mídia. Não adotamos uma política econômica voltada para o mercado interno. Nos momentos de dificuldades, convocamos os incendiários para apagar o fogo, ou seja, economistas neoliberais que pensam pela cabeça dos rentistas. Não realizamos nenhuma reforma estrutural, como a agrária, a tributária e a previdenciária. Hoje, somos vítimas da omissão quanto à reforma política”.
Qualquer um desses caminhos não leva o PT a lugar algum.
A derrota pode ser órfã, mas se não forem assimiladas as suas causas, não será a mãe da vitória no futuro. Será a mãe de novas derrotas. E 2018 está logo ali.
Lula, aliás, confessou sua compulsão em 2012, num comício em Fortaleza: “Quando lancei o Haddad, disseram que estava lançando um poste. Quando lancei a Dilma, disseram que estava lançando um poste. Digo que de poste em poste vamos iluminar o Brasil”.
Mal sabia ele do apagão do lulopetismo, em 2016.
Sem pai nem mãe, é impensável um “aggiornamento” do PT. No máximo, sua direção fará uma “autocrítica” meia boca, um movimento no estilo do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa: um “algo deve mudar para que tudo continue como esta”, talvez conduzido pelo próprio caudilho. Lula já prega alguém novo para presidir o partido.
Quem é o novo? O senador Lindberg Farias?
A cúpula petista assumirá, claro, alguns “erros” de “financiamento eleitoral”, de não “fazer a reforma política”. E até de falta de empenho das campanhas.
Mas não vai espremer a ferida até extirpar o carnegão. O mais provável é o apelo à via administrativa, com o expurgo dos “dissidentes”, conforme nota de Ilimar Franco no jornal O Globo.
Até pelo instinto de sobrevivência, parlamentares do PT podem largar a família e ser adotados pelo PDT, PSOL e outras legendas.
Enquanto isto, os petistas não estão entendendo quase nada do que disse o eleitorado. Para uns, aconteceu no Brasil o mesmo que aconteceu na Itália da operação Mãos Limpas.
Só faltam dizer que quem é o Berlusconi brasileiro. Culpam o juiz Sérgio Moro e o “massacre da mídia golpista” pelo próprio fracasso, ignorando que a eleição foi um plebiscito anti-PT, assim como em 1974 foi um plebiscito contra a ditadura; ressalvadas as diferenças entre os dois momentos históricos.
Com a postura arrogante de sempre, subestimam a inteligência dos brasileiros, ignoram um fato concreto. O resultado eleitoral, inclusive o de São Paulo, tem tudo a ver com o desmanche da economia promovido pelo governo Dilma, responsável pelo desemprego de 12 milhões de brasileiros. Também tem uma relação direta com as manifestações multitudinárias em favor do impeachment.
Outros se enveredam pelo ato de contrição, como fez Frei Betto, antes mesmo da abertura das urnas, no dia 1º de outubro: “No entanto, nós erramos. O golpe foi possível também devido aos nossos erros. Em 13 anos, não promovemos a alfabetização política da população. Não tratamos de organizar as bases populares. Não valorizamos os meios de comunicação que apoiavam o governo nem tomamos iniciativas eficazes para democratizar a mídia. Não adotamos uma política econômica voltada para o mercado interno. Nos momentos de dificuldades, convocamos os incendiários para apagar o fogo, ou seja, economistas neoliberais que pensam pela cabeça dos rentistas. Não realizamos nenhuma reforma estrutural, como a agrária, a tributária e a previdenciária. Hoje, somos vítimas da omissão quanto à reforma política”.
Qualquer um desses caminhos não leva o PT a lugar algum.
A derrota pode ser órfã, mas se não forem assimiladas as suas causas, não será a mãe da vitória no futuro. Será a mãe de novas derrotas. E 2018 está logo ali.
Lula, um leão rouco, sem dentes nem garras
O profeta Lula estava particularmente inspirado quando foi votar para prefeito em São Bernardo do Campo, onde mora. “O PT vai surpreender nesta eleição”, previu com precisão instantânea. Pois seu partido surpreendeu mesmo, ao cair de terceiro em número de prefeituras em 2012 para décimo lugar neste pleito. “Quanto mais ódio se estimula, mais amor se cria a favor”, disse, em forma de oração. “Só há um jeito de eles tentarem me parar: evitar que eu ande pelo Brasil”, ameaçou o santo guerreiro contra o dragão da maldade da burguesia infame. O loroteiro está de volta, olê, olê, olá!
Não tardou para as urnas o estarrecerem. Nem precisou sair de casa: Orlando Morando (PSDB) e Alex Manente (PPS) disputam o segundo turno em São Bernardo. O companheiro Tarcísio Secoli, favorito do prefeito Luiz Marinho, seu sucessor no Sindicato dos Metalúrgicos, do qual Lula ascendeu para a glória política, ficou em terceiro, com menos de um quarto dos votos válidos: 22,6%. Em termos proporcionais, superou o poste que ele elegeu em São Paulo em 2012: Fernando Haddad protagonizou o maior vexame da história do partido ao ser massacrado pelo tucano João Doria, que o derrotou no primeiro turno por 53,3% a 16,7%. Em gíria de turfe, Haddad nem pagou placê.
E no dia em que constatou que as eleições “consolidam a democracia no Brasil”, Lula deu uma desculpa esfarrapada para o fiasco histórico: “A imprensa está em guerra com o PT há sete anos”. Para ele, “as pessoas se enganam quando (pensam que) uma TV, um jornal, pode tudo. Não pode. O povo é que pode tudo”. No caso, não lhe falta razão: numa democracia, como reza a Constituição da República, todo o poder emana do povo e para ele é exercido. As urnas não falam, mas o povo fala nelas. E a lorota de Lula tornou-se senha para a violência: mais tarde, constatada a derrota de Haddad, militantes petistas impediram que a repórter Andréia Sadi, da GloboNews, concluísse um boletim ao vivo na sede do PT, no centro de São Paulo.
Um tsunami de votos soterrou o partido que se diz da classe operária, mas passou 13 anos, 4 meses e 12 dias usando o poder federal para atuar como despachante de empreiteiros e amigos empresários emergentes que, em troca de contratos superfaturados, engordaram os cofres dos petistas e do PT em proporções nunca ousadas antes. Até recentemente, ingênuos, como o autor destas linhas, imaginavam que havia apenas uma corrente de escândalos de corrupção – Santo André, mensalão, petrolão, etc. –, conectados e consequentes um do outro. Agora é possível perceber que não é só isso. Trata-se, sim, de um assalto planejado, organizado e realizado para esvaziar todos os cofres públicos ao alcance de suas mãos.
A 53.ª (Arquivo X) e a 54.ª (Ormetà) fases da Operação Lava Jato trouxeram à tona revelações impressionantes sobre a gestão dos desgovernos Lula e Dilma. Nunca antes na História deste país um chefe da Casa Civil respondera por violações do Código Penal. José Dirceu, “capitão” do time de Lula em seu primeiro governo, está preso em Curitiba, acusado de haver delinquido quando cumpria pena na Papuda, em Brasília, condenado por corrupção e outros crimes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no caso mensalão. Antônio Palocci Filho, primeira eminência parda de Dilma, após ter sobrevivido a 19 processos criminais no mesmo STF e ter violado o sigilo bancário de um pobre trabalhador, o caseiro Francenildo dos Santos Costa, foi recolhido ao xadrez, acusado de ter pago dívidas de campanha da chefe com dinheiro sujo.
Gleisi Hoffmann, ex-chefa da Casa Civil e senadora (PT-PR), é acusada de ter recebido R$ 1 milhão de propina da Petrobrás para comprar votos. Acusação igual é feita ao marido dela, Paulo Bernardo, suspeito de haver furtado R$ 7 milhões em prestações mensais de funcionários do Ministério do Planejamento que requeriam empréstimos consignados.
Guido Mantega, preso e solto pelo juiz Sergio Moro, foi outro ex-ministro do Planejamento a protagonizar processo criminal, em que foi delatado por Eike Batista, “bom burguês” escalado por Lula entre “campeões mundiais” do socialismo de compadrio, de havê-lo achacado no gabinete do Ministério da Fazenda. Palocci também foi ministro da Fazenda de Lula, que se diz o mais “honesto dos seres humanos”. Enquanto Dilma se põe acima de suspeitas por não ter contas bancárias no exterior.
No palanque, a esquerda insistiu que Dilma foi usurpada por Michel Temer, o vice duas vezes eleito com ela, no impeachment, cujo rito legal foi cumprido à exaustão. Em São Paulo, Luiza Erundina, do PSOL, e, no Rio, Jandira Feghali, do PCdoB, pediram votos repetindo essa patranha de consolar devoto. A ex-prefeita teve 3,2% dos votos e a carioca, 3,3%.
Fernando Haddad, contrariando o comportamento belicoso de seus apoiadores, cumprimentou João Doria pela vitória. No entanto, a agressão à repórter de televisão não foi, como devia ter sido, evitada por seu candidato a vice, Gabriel Chalita, nem por seu antigo colega de Ministério de Lula, Alexandre Padilha, que, conforme depoimento do colunista do Globo Jorge Bastos Moreno, se mantiveram impassíveis diante do lamentável fato. Assim, deram o sinal de que a oposição do PT e aliados de esquerda não se limitará à irresponsável tentativa de impedir que sejam feitos os ajustes sem os quais o Brasil não conseguirá recuperar-se da crise provocada pela longa duração do próprio reinado na República.
O governo de Temer, também cúmplice no desmantelamento do Estado brasileiro nas gestões petistas, sofrerá boicote impiedoso. Mas a maior vítima será, como sempre, o cidadão, que amarga desemprego, inflação e quebradeira. E se verá às voltas com vândalos nas ruas queimando carros e quebrando vidraças. O PT não é cachorro morto e seu chefão, Lula, ainda será o leão rouco que ruge mesmo tendo perdido dentes e garras.
Não tardou para as urnas o estarrecerem. Nem precisou sair de casa: Orlando Morando (PSDB) e Alex Manente (PPS) disputam o segundo turno em São Bernardo. O companheiro Tarcísio Secoli, favorito do prefeito Luiz Marinho, seu sucessor no Sindicato dos Metalúrgicos, do qual Lula ascendeu para a glória política, ficou em terceiro, com menos de um quarto dos votos válidos: 22,6%. Em termos proporcionais, superou o poste que ele elegeu em São Paulo em 2012: Fernando Haddad protagonizou o maior vexame da história do partido ao ser massacrado pelo tucano João Doria, que o derrotou no primeiro turno por 53,3% a 16,7%. Em gíria de turfe, Haddad nem pagou placê.
E no dia em que constatou que as eleições “consolidam a democracia no Brasil”, Lula deu uma desculpa esfarrapada para o fiasco histórico: “A imprensa está em guerra com o PT há sete anos”. Para ele, “as pessoas se enganam quando (pensam que) uma TV, um jornal, pode tudo. Não pode. O povo é que pode tudo”. No caso, não lhe falta razão: numa democracia, como reza a Constituição da República, todo o poder emana do povo e para ele é exercido. As urnas não falam, mas o povo fala nelas. E a lorota de Lula tornou-se senha para a violência: mais tarde, constatada a derrota de Haddad, militantes petistas impediram que a repórter Andréia Sadi, da GloboNews, concluísse um boletim ao vivo na sede do PT, no centro de São Paulo.
Um tsunami de votos soterrou o partido que se diz da classe operária, mas passou 13 anos, 4 meses e 12 dias usando o poder federal para atuar como despachante de empreiteiros e amigos empresários emergentes que, em troca de contratos superfaturados, engordaram os cofres dos petistas e do PT em proporções nunca ousadas antes. Até recentemente, ingênuos, como o autor destas linhas, imaginavam que havia apenas uma corrente de escândalos de corrupção – Santo André, mensalão, petrolão, etc. –, conectados e consequentes um do outro. Agora é possível perceber que não é só isso. Trata-se, sim, de um assalto planejado, organizado e realizado para esvaziar todos os cofres públicos ao alcance de suas mãos.
A 53.ª (Arquivo X) e a 54.ª (Ormetà) fases da Operação Lava Jato trouxeram à tona revelações impressionantes sobre a gestão dos desgovernos Lula e Dilma. Nunca antes na História deste país um chefe da Casa Civil respondera por violações do Código Penal. José Dirceu, “capitão” do time de Lula em seu primeiro governo, está preso em Curitiba, acusado de haver delinquido quando cumpria pena na Papuda, em Brasília, condenado por corrupção e outros crimes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no caso mensalão. Antônio Palocci Filho, primeira eminência parda de Dilma, após ter sobrevivido a 19 processos criminais no mesmo STF e ter violado o sigilo bancário de um pobre trabalhador, o caseiro Francenildo dos Santos Costa, foi recolhido ao xadrez, acusado de ter pago dívidas de campanha da chefe com dinheiro sujo.
Gleisi Hoffmann, ex-chefa da Casa Civil e senadora (PT-PR), é acusada de ter recebido R$ 1 milhão de propina da Petrobrás para comprar votos. Acusação igual é feita ao marido dela, Paulo Bernardo, suspeito de haver furtado R$ 7 milhões em prestações mensais de funcionários do Ministério do Planejamento que requeriam empréstimos consignados.
Guido Mantega, preso e solto pelo juiz Sergio Moro, foi outro ex-ministro do Planejamento a protagonizar processo criminal, em que foi delatado por Eike Batista, “bom burguês” escalado por Lula entre “campeões mundiais” do socialismo de compadrio, de havê-lo achacado no gabinete do Ministério da Fazenda. Palocci também foi ministro da Fazenda de Lula, que se diz o mais “honesto dos seres humanos”. Enquanto Dilma se põe acima de suspeitas por não ter contas bancárias no exterior.
No palanque, a esquerda insistiu que Dilma foi usurpada por Michel Temer, o vice duas vezes eleito com ela, no impeachment, cujo rito legal foi cumprido à exaustão. Em São Paulo, Luiza Erundina, do PSOL, e, no Rio, Jandira Feghali, do PCdoB, pediram votos repetindo essa patranha de consolar devoto. A ex-prefeita teve 3,2% dos votos e a carioca, 3,3%.
Fernando Haddad, contrariando o comportamento belicoso de seus apoiadores, cumprimentou João Doria pela vitória. No entanto, a agressão à repórter de televisão não foi, como devia ter sido, evitada por seu candidato a vice, Gabriel Chalita, nem por seu antigo colega de Ministério de Lula, Alexandre Padilha, que, conforme depoimento do colunista do Globo Jorge Bastos Moreno, se mantiveram impassíveis diante do lamentável fato. Assim, deram o sinal de que a oposição do PT e aliados de esquerda não se limitará à irresponsável tentativa de impedir que sejam feitos os ajustes sem os quais o Brasil não conseguirá recuperar-se da crise provocada pela longa duração do próprio reinado na República.
O governo de Temer, também cúmplice no desmantelamento do Estado brasileiro nas gestões petistas, sofrerá boicote impiedoso. Mas a maior vítima será, como sempre, o cidadão, que amarga desemprego, inflação e quebradeira. E se verá às voltas com vândalos nas ruas queimando carros e quebrando vidraças. O PT não é cachorro morto e seu chefão, Lula, ainda será o leão rouco que ruge mesmo tendo perdido dentes e garras.
O atraso está sob nova direção
O partido que comandou a política brasileira neste início do século XXI contempla seu naufrágio. Os ventos sopram, as águas batem e rebatem sobre o convés enquanto a esperança some com o vento, em busca de outro norte. Atacado pela direita e pelo centro, por conservadores e liberais, com seus principais líderes presos ou a caminho do cárcere, o partido afundou em todo o país. Salvou-se no Acre. Os avanços das investigações tornaram inevitável a catástrofe petista. E nada mais fidedigno do que uma eleição municipal para diagnosticar essa catástrofe. Eleições municipais são minuciosas. Com a intensidade das tensões locais, elas envolvem centenas de milhares de campanhas e transcorrem em 5,5 mil municípios. É a maior de todas as pesquisas políticas que se pode fazer. E o Brasil, simbolicamente, mandou o PT para o Acre.
O orgulho é um veneno de efeito lento, mas devastador. O orgulho impediu o partido de Lula de reconhecer suas faltas, expurgar seus malfeitores, bater no próprio peito. Eleitores ocasionais e mesmo os de carteirinha não entendem algo que não pode ser compreendido fora de um divã de analista. Como pôde o partido nada dizer ou fazer sobre tudo que se tornava conhecido? Como pôde considerar suficiente desqualificar a polícia, o juiz, o promotor e o Cunha enquanto bilhões sob sua guarda sumiam na voragem da corrupção? E como pode tratar de si mesmo com tanta condescendência?
A eleição de domingo foi, também, um instantâneo das tropas em trânsito do PT para o PSOL. Ela identifica um movimento, um fluxo que não encontra motivos para cessar. Vai ampliar-se. O PSOL é o PT com certidão negativa. É o PT de segunda geração. É o filho de Átila, o flagelo de Deus, que volta para atacar os descendentes de Grécia e Roma. Aprendeu com seu genitor que não se faz política sem inimigos. Ora, o mostruário de inimigos disponíveis para compor um discurso político não é tão grande assim. Como resultado, o PSOL alugou os inimigos do PT. Não foi dito, mas deu para notar algo assim tipo mexeu com o PT mexeu comigo. Entrando, inteligentemente, no coro contra Cunha e contra Temer, abriu as porteiras para acolher o eleitor petista de narinas mais sensíveis.
Com o assento sobre a janela e sem um discurso que possa chamar de seu, o PT não conseguirá, tão cedo ao menos, fazer com que o sangue e o oxigênio se encontrem nas proporções devidas. Recolhe-se à tenda de oxigênio. E ao Acre.
O atraso está sob nova direção. O populismo troca a razão social. As últimas greves, especialmente as greves estudantis secundaristas, a resistência ao projeto da Escola sem Partido, a identificação com a esquerda ibero-americana, o apoio aos delirantes comunistas bolivarianos, saem desta eleição guarnecidos pela agenda do PSOL. O perigo ronda as salas de aula do país.
Agora só falta a moçada do PSOL dizer que "lutamos contra a ditadura".
Percival Puggina
A eleição de domingo foi, também, um instantâneo das tropas em trânsito do PT para o PSOL. Ela identifica um movimento, um fluxo que não encontra motivos para cessar. Vai ampliar-se. O PSOL é o PT com certidão negativa. É o PT de segunda geração. É o filho de Átila, o flagelo de Deus, que volta para atacar os descendentes de Grécia e Roma. Aprendeu com seu genitor que não se faz política sem inimigos. Ora, o mostruário de inimigos disponíveis para compor um discurso político não é tão grande assim. Como resultado, o PSOL alugou os inimigos do PT. Não foi dito, mas deu para notar algo assim tipo mexeu com o PT mexeu comigo. Entrando, inteligentemente, no coro contra Cunha e contra Temer, abriu as porteiras para acolher o eleitor petista de narinas mais sensíveis.
Com o assento sobre a janela e sem um discurso que possa chamar de seu, o PT não conseguirá, tão cedo ao menos, fazer com que o sangue e o oxigênio se encontrem nas proporções devidas. Recolhe-se à tenda de oxigênio. E ao Acre.
O atraso está sob nova direção. O populismo troca a razão social. As últimas greves, especialmente as greves estudantis secundaristas, a resistência ao projeto da Escola sem Partido, a identificação com a esquerda ibero-americana, o apoio aos delirantes comunistas bolivarianos, saem desta eleição guarnecidos pela agenda do PSOL. O perigo ronda as salas de aula do país.
Agora só falta a moçada do PSOL dizer que "lutamos contra a ditadura".
Percival Puggina
Ministro espera que não vingue eleição de bandido
A esperança do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, como a de qualquer cidadão, é que se torne definitiva a prisão ainda preventiva do bandido Ubiraci Rocha, vulgo “Bira”. É a única maneira de enquadrar na Lei Ficha Limpa o bandido que responde por homicídios e tráfico de drogas. Ele saiu da cadeia, algemado, para votar e ser eleito vereador em Catolé do Rocha (PB).
Envergonha os brasileiros e constrange a Justiça Eleitoral a eleição de “Bira”, que além de traficante, integra um grupo de extermínio.
A eleição do bandido “Bira” chama atenção para a legislação demagógica que assegura o direito de voto no sistema prisional.
Com o direito de voto dos presos, a campanha eleitoral leva candidatos a assumir “compromissos” com bandidos.
Se o país fosse ´serio, o Supremo seria fechado 'a bem do serviço público'
Antigamente, era costume citar a expressão “a bem do serviço público” para justificar rigorosas punições a autoridades e servidores com estabilidade funcional. Embora tenha caído em desuso, a expressão merecer ser novamente utilizada para que se defenda o fechamento temporário do Supremo Tribunal Federal, com a finalidade de submetê-lo a uma reforma operacional que possa aumentar minimamente a produtividade, evitando que continuem impunes os mais importantes criminosos do país, que usam os cargos públicos para dilapidar o erário, em detrimento dos interesses nacionais.
Como se vê, caminha para prescrição no STF mais um caso simples de ação penal por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso.
A justificativa para fechar o Supremo é simples e transparente, qualquer pessoa entende. Basta alegar que somente nesta terça-feira, dia 4, o ministro Edson Fachin liberou para julgamento uma denúncia contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), nove anos depois de aberta a investigação, que demorou seis anos e culminou numa denúncia formalizada pelo Ministério Público Federal em 2013.
Como se vê, caminha para prescrição no STF mais um caso simples de ação penal por peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso.
Somente depois de o plenário aceitar a denúncia é que Renan se tornará réu e responderá a processo, com amplo direito de defesa, prazos, convocação de testemunhas, depoimentos, recursos diversos, um verdadeiro festival.
O fato concreto é que o senador é tão culpado dessas acusações que há nove anos teve de renunciar à presidência do Senado para evitar a cassação. Ficou na muda, e em 2013 conseguiu ser novamente eleito para presidir o Senado, vejam a que ponto chega a desfaçatez dos políticos brasileiros.
Renan já está acostumado. Responde atualmente a 12 inquéritos na Suprema Corte, nove deles relacionados às investigações sobre o esquema de corrupção da Petrobras, um relativo à Operação Zelotes, além dos dois que apuravam irregularidades no pagamento da pensão de uma filha, cuja denúncia somente agora foi formalizada, sob acusação de que o senador recebeu propina da construtora Mendes Júnior para sustentar a criança.
Renan não é o único, claro. Apenas segue os passos de um grande amigo, que se tornou conhecido como um dos maiores corruptos da política brasileira, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA). Desde o ano passado, quando o parlamentar completou 70 anos, o Supremo comemorou a data encerrando seis processos penais contra ele, por decurso de prazo (prescrição), sem que houvesse julgamentos.
Essa clamorosa impunidade demonstra que a sistemática atual torna o Supremo inviável e inoperante, sem condições de julgar os mais de 80 mil processos que chegam a cada ano e também sem condições de conduzir os mais de 500 inquéritos envolvendo autoridades e parlamentares.
Detalhe: o prazo médio do recebimento de uma denúncia pelo Supremo é de 617 dias, enquanto no juízo de primeiro grau ocorre em apenas uma semana, como já denunciou o ministro novato Luis Roberto Barroso, assustado com a inoperância da mais alta corte.
Os primeiros inquéritos da Lava Jato no STF foram abertos em março de 2015. Até agora, só três denúncias foram aceitas e nenhum político sofreu condenação, enquanto na Justiça Federal no Paraná tudo caminha com celeridade.
Diante dessa realidade irrefutável, alguém tem dúvida de que deve ser promovido o fechamento temporário do Supremo, “a bem do serviço público”?
O fato concreto é que o senador é tão culpado dessas acusações que há nove anos teve de renunciar à presidência do Senado para evitar a cassação. Ficou na muda, e em 2013 conseguiu ser novamente eleito para presidir o Senado, vejam a que ponto chega a desfaçatez dos políticos brasileiros.
Renan já está acostumado. Responde atualmente a 12 inquéritos na Suprema Corte, nove deles relacionados às investigações sobre o esquema de corrupção da Petrobras, um relativo à Operação Zelotes, além dos dois que apuravam irregularidades no pagamento da pensão de uma filha, cuja denúncia somente agora foi formalizada, sob acusação de que o senador recebeu propina da construtora Mendes Júnior para sustentar a criança.
Renan não é o único, claro. Apenas segue os passos de um grande amigo, que se tornou conhecido como um dos maiores corruptos da política brasileira, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA). Desde o ano passado, quando o parlamentar completou 70 anos, o Supremo comemorou a data encerrando seis processos penais contra ele, por decurso de prazo (prescrição), sem que houvesse julgamentos.
Essa clamorosa impunidade demonstra que a sistemática atual torna o Supremo inviável e inoperante, sem condições de julgar os mais de 80 mil processos que chegam a cada ano e também sem condições de conduzir os mais de 500 inquéritos envolvendo autoridades e parlamentares.
Detalhe: o prazo médio do recebimento de uma denúncia pelo Supremo é de 617 dias, enquanto no juízo de primeiro grau ocorre em apenas uma semana, como já denunciou o ministro novato Luis Roberto Barroso, assustado com a inoperância da mais alta corte.
Os primeiros inquéritos da Lava Jato no STF foram abertos em março de 2015. Até agora, só três denúncias foram aceitas e nenhum político sofreu condenação, enquanto na Justiça Federal no Paraná tudo caminha com celeridade.
Diante dessa realidade irrefutável, alguém tem dúvida de que deve ser promovido o fechamento temporário do Supremo, “a bem do serviço público”?
Clássico não tem clone
John Sturges dirigiu um dos ícones do faroeste - "Sete homens e um destino"
("The Magnificent Seven") - baseado na história japonesa de Akira Kurosawa, "Sete samurais". A música tema de Elmer Bernstein ajudou a imortalizar a interpretação de Yul Brynner, Eli Wallach, Steve McQueen, Charles Bronson, Robert Vaughn, Horst Buchholz, Brad Dexter e James Coburn.
* Num momento de caça a bandidos, no Brasil, o clássico cinematográfico ainda tem toda a inspiração daqueles anos 1960, quando foi lançado.
* Num momento de caça a bandidos, no Brasil, o clássico cinematográfico ainda tem toda a inspiração daqueles anos 1960, quando foi lançado.
O que o futuro reserva ao PT
O “nós contra eles”, que tanto marcou o discurso do PT nos últimos 14 anos e dividiu a opinião pública brasileira, está com seus dias contados a levar-se em conta o resultado da primeira fase das eleições municipais deste ano. Ao PT deixará de interessar. E também aos que sempre se opuseram ao PT por divergir ideologicamente dele e temê-lo.
Funcionou para o PT enquanto ele foi majoritário no campo da centro-esquerda e controlou o governo federal, fonte em grande parte de sua vitalidade. De certa forma funcionou também para os adversários do PT, empenhados em arrebanhar forças capazes de desalojá-lo do poder. Uma vez que os dois objetivos se esgotaram, perdeu o sentido.
O resultado do primeiro turno da eleição do último domingo mostrou que o PT desceu a ladeira para um dos níveis mais baixos que já ocupou. O partido quase foi dizimado. Não conseguiu eleger prefeitos sequer na metade dos municípios que dominava. Elegeu um único de capital (Rio Branco). Disputará em uma única capital o segundo turno (Recife).
Nove partidos elegeram mais prefeitos do que o PT – entre eles, até o DEM, que parecia ameaçado de extinção. O PSB, partido de médio porte e antigo parceiro do PT, elegeu mais prefeitos do que ele. Partidos que sempre estiveram na órbita do PT afastaram-se dela e preferiram ir cuidar de sua própria sobrevivência.
Enfraquecido em baixo, não tem o PT como fortalecer-se em cima. Isso restará provado em 2018 quando ele disputar as próximas eleições gerais, de presidente da República, governadores, assembleias e Congresso. Desde já, o PT admite apoiar o candidato a presidente de outro partido. Dificilmente contará com Lula. E, sem ele, não terá outro nome viável.
Ou o PT se isola, correndo o sério risco de virar uma legenda de gueto, ou modestamente, e abdicando do protagonismo, tenta se juntar com os partidos que ainda aceitam sua companhia. O “nós contra eles” em nada o ajudará. Só lhe restará o esforço desesperado para ampliar o “nós” sem desprezar necessariamente o “eles”.
Não será uma tarefa fácil. Para executá-la com êxito, o PT será obrigado a reconhecer seus erros, a refletir sobre eles, a mudar de comportamento, a reconciliar-se com valores que desprezou, a renovar-se enfim, e a ter paciência. Muita paciência. Recuperar-se de queda é mais difícil do que ascender. Em menos de 40 anos, o PT subiu e afundou.
Quando Getúlio Vargas, em 1950, voltou ao poder como presidente eleito e não mais como ditador, os partidos que o apoiaram, PTB e PSD os maiores deles, pareciam destinados a ter vida longa. O PTB ainda existe agora sob a direção de Roberto Jefferson. Gilberto Kassab preside um PSD que nada tem a ver com o PSD original.
A UDN que se opunha a Getúlio desapareceu. Assim como desapareceu o Partido Comunista italiano, o mais poderoso do mundo ocidental nos anos 70 do século passado. O Partido Comunista português ainda existe, mas não passa de uma pálida sombra do que foi um dia.
Funcionou para o PT enquanto ele foi majoritário no campo da centro-esquerda e controlou o governo federal, fonte em grande parte de sua vitalidade. De certa forma funcionou também para os adversários do PT, empenhados em arrebanhar forças capazes de desalojá-lo do poder. Uma vez que os dois objetivos se esgotaram, perdeu o sentido.
Nove partidos elegeram mais prefeitos do que o PT – entre eles, até o DEM, que parecia ameaçado de extinção. O PSB, partido de médio porte e antigo parceiro do PT, elegeu mais prefeitos do que ele. Partidos que sempre estiveram na órbita do PT afastaram-se dela e preferiram ir cuidar de sua própria sobrevivência.
Enfraquecido em baixo, não tem o PT como fortalecer-se em cima. Isso restará provado em 2018 quando ele disputar as próximas eleições gerais, de presidente da República, governadores, assembleias e Congresso. Desde já, o PT admite apoiar o candidato a presidente de outro partido. Dificilmente contará com Lula. E, sem ele, não terá outro nome viável.
Ou o PT se isola, correndo o sério risco de virar uma legenda de gueto, ou modestamente, e abdicando do protagonismo, tenta se juntar com os partidos que ainda aceitam sua companhia. O “nós contra eles” em nada o ajudará. Só lhe restará o esforço desesperado para ampliar o “nós” sem desprezar necessariamente o “eles”.
Não será uma tarefa fácil. Para executá-la com êxito, o PT será obrigado a reconhecer seus erros, a refletir sobre eles, a mudar de comportamento, a reconciliar-se com valores que desprezou, a renovar-se enfim, e a ter paciência. Muita paciência. Recuperar-se de queda é mais difícil do que ascender. Em menos de 40 anos, o PT subiu e afundou.
Quando Getúlio Vargas, em 1950, voltou ao poder como presidente eleito e não mais como ditador, os partidos que o apoiaram, PTB e PSD os maiores deles, pareciam destinados a ter vida longa. O PTB ainda existe agora sob a direção de Roberto Jefferson. Gilberto Kassab preside um PSD que nada tem a ver com o PSD original.
A UDN que se opunha a Getúlio desapareceu. Assim como desapareceu o Partido Comunista italiano, o mais poderoso do mundo ocidental nos anos 70 do século passado. O Partido Comunista português ainda existe, mas não passa de uma pálida sombra do que foi um dia.
O abismo
Ações da má-fé de representantes do povo
Quando fui deputada estadual, aqui, em Minas, fui avisada, diversas vezes, anonimamente, sobre alguma maracutaia embutida em projeto a ser votado.
Não havia telefone celular nem internet. Eu costumava descer para o plenário mais cedo para dar uma espiada nos projetos empilhados na mesa da presidência. Algumas vezes, ao fazer isso, ouvia tocar o telefone que ficava na bancada de assessores atrás da cadeira do presidente. Eu atendia.
Lembro-me muito claramente de dois momentos desses: no primeiro, alguém me pediu que prestasse bastante atenção em determinado projeto que estava para ser votado. Corri a vê-lo. No meio de providências sem grande importância havia uma doação de terreno público valioso do Estado para determinado município...
Doutra feita, a coisa foi mais grave: votava-se em Brasília, na Assembleia Constituinte, a vedação de se efetivar sem concurso servidor comissionado (isto é, de livre indicação de político). Da mesma maneira que já descrevi, fui avisada de que havia a efetivação de mais de 200 servidores nomeados por ex-deputados embutida em outro projeto qualquer.
Na Câmara dos Deputados, dia desses, houve o misterioso caso do projeto de criminalização do caixa 2, cuja autoria ninguém sabe, ninguém viu, e que também foi incluído na pauta de votação sem que vivalma tenha sido o responsável por esse feito. Felizmente, a gritaria de parlamentares de alguns partidos impediu a falcatrua.
E sabem o que teria sido o estrago? Atualmente, não existe lei que considere crime o uso do caixa 2. Quem recebe os recursos e é pego é considerado pelos juízes alguém que incidiu em “falsidade ideológica” de documento particular, ou seja, afirmou algo que não corresponde à verdade. A pena é ridícula: reclusão de um a três anos. Basta o leitor estar acompanhando o desenrolar da Lava Jato ou lembrar-se do mensalão e da “contabilidade não registrada” de Delúbio Soares para imaginar os rios de dinheiro que correm por aí mediante o tal caixa 2. Quanto a quem faz a doação, nada! Quem achava ser bobagem proibir o financiamento empresarial para campanhas pode medir agora, em sentido contrário, como andam quase todas as candidaturas a prefeitos ou vereadores: um grande número de candidatos no vermelho. Coisa impossível ou muito difícil de acontecer quando era livre a contribuição empresarial...
Pois bem, os espertalhões que queriam aprovar o projeto de criar o crime de caixa 2 apenas pretendiam, na verdade, inocentar todos os que, antes da aprovação de tal projeto, tivessem sido acusados de ter praticado tal conduta. É que, na Constituição Federal, há um dispositivo de proteção do indivíduo que afirma que “nada pode ser considerado crime sem lei anterior que o defina”. Como a lei seria nova, estariam livres tantos quantos andam ou andaram atribuindo ao caixa 2 o recebimento de propina da Petrobras, da Eletrobras ou do esquema dito mensalão.
Olhem só o estrago que seria feito!
Sandra Starling
Não havia telefone celular nem internet. Eu costumava descer para o plenário mais cedo para dar uma espiada nos projetos empilhados na mesa da presidência. Algumas vezes, ao fazer isso, ouvia tocar o telefone que ficava na bancada de assessores atrás da cadeira do presidente. Eu atendia.
Lembro-me muito claramente de dois momentos desses: no primeiro, alguém me pediu que prestasse bastante atenção em determinado projeto que estava para ser votado. Corri a vê-lo. No meio de providências sem grande importância havia uma doação de terreno público valioso do Estado para determinado município...
Doutra feita, a coisa foi mais grave: votava-se em Brasília, na Assembleia Constituinte, a vedação de se efetivar sem concurso servidor comissionado (isto é, de livre indicação de político). Da mesma maneira que já descrevi, fui avisada de que havia a efetivação de mais de 200 servidores nomeados por ex-deputados embutida em outro projeto qualquer.
Pus a boca no trombone com a ajuda de outros deputados.
E sabem o que teria sido o estrago? Atualmente, não existe lei que considere crime o uso do caixa 2. Quem recebe os recursos e é pego é considerado pelos juízes alguém que incidiu em “falsidade ideológica” de documento particular, ou seja, afirmou algo que não corresponde à verdade. A pena é ridícula: reclusão de um a três anos. Basta o leitor estar acompanhando o desenrolar da Lava Jato ou lembrar-se do mensalão e da “contabilidade não registrada” de Delúbio Soares para imaginar os rios de dinheiro que correm por aí mediante o tal caixa 2. Quanto a quem faz a doação, nada! Quem achava ser bobagem proibir o financiamento empresarial para campanhas pode medir agora, em sentido contrário, como andam quase todas as candidaturas a prefeitos ou vereadores: um grande número de candidatos no vermelho. Coisa impossível ou muito difícil de acontecer quando era livre a contribuição empresarial...
Pois bem, os espertalhões que queriam aprovar o projeto de criar o crime de caixa 2 apenas pretendiam, na verdade, inocentar todos os que, antes da aprovação de tal projeto, tivessem sido acusados de ter praticado tal conduta. É que, na Constituição Federal, há um dispositivo de proteção do indivíduo que afirma que “nada pode ser considerado crime sem lei anterior que o defina”. Como a lei seria nova, estariam livres tantos quantos andam ou andaram atribuindo ao caixa 2 o recebimento de propina da Petrobras, da Eletrobras ou do esquema dito mensalão.
Olhem só o estrago que seria feito!
Sandra Starling
Brasil, o 4º mais corrupto do mundo
O Brasil é a quarta nação mais corrupta do mundo, segundo o índice de corrupção do Fórum Econômico Mundial. O país está atrás apenas do Chade, da Bolívia e da Venezuela, que lidera o ranking. A corrupção é um dos elementos que a organização suíça inclui em seu índice anual de competitividade, baseado em uma pesquisa com 15.000 líderes empresariais de 141 economias do mundo.
As três perguntas feitas a esses executivos foram: “O quanto é comum o desvio de fundos públicos para empresas ou grupos?”; “Como qualifica a ética dos políticos?”; e “O quanto é comum o suborno por parte das empresas?”. Em uma escala de um a sete, em que, quanto maior a nota, maior é a transparência, o Brasil recebeu 2,1, segundo análise publicada pela Business Insider. Em um estudo divulgado pela Transparência Internacional, no início do ano, o país ficou em 76º colocado em uma lista sobre a percepção de corrupção do mundo entre 168 países.
Entre as 10 nações mais corruptas do ranking do Fórum Econômico Mundial, cinco são latino-americanas: Venezuela, à frente, com nota 1,7; Bolívia, com 2; Brasil e Paraguai, ambos com 2,1; e República Dominicana, com 2,2--, mas que não são membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o think tank a cujo pertencimento define a fronteira entre os países industrializados ou não.
Um relatório do Fórum publicado em junho assinalava a corrupção como o maior problema que a América Latina precisa enfrentar, segundo seus líderes políticos e empresariais. Escândalos como o da Petrobras, no Brasil, as acusações contra a ex-presidenta da Argentina Cristina Kirchner e o suborno de que é acusado o ex-governante guatemalteco Otto Pérez-Molina mantiveram a região estagnada, nesse aspecto, em relação aos índices de 2014 e 2015.
O México aparece entre os primeiros lugares do mundo desenvolvido com o mais complexo e abrangente de seus problemas: a corrupção. O Fórum Econômico Mundial coloca o país como a décima-terceira nação mais corrupta do mundo. Mas, excluindo-se da lista os países menos industrializados, o México fica com a liderança. Segundo o Fórum, o fator que o eleva ao primeiro lugar é o crime organizado.
O caso do México, no entanto, parece ser o mais alarmante, por se tratar de uma economia mais avançada do que a dos demais países da região. No índice global de competitividade, ele ocupa o 51º lugar de um total de 138, tendo subido seis pontos graças a uma eficiência maior de seus mercados, e mantém uma longa série de fatores que assustam os investidores: a corrupção, o mais grave, é seguida pelo crime organizado e outros fatores administrativos como a ineficiência da burocracia e a política fiscal.
“A educação básica continua a ser uma fragilidade significativa para a sua competitividade se comparada a outros líderes regionais e mundiais, além do fato de que a qualidade institucional recuou. A economia mexicana foi atingida pela queda dos preços do petróleo, um comércio internacional fraco e a consequente queda na produção industrial”, assinala o Foro em seu texto sobre o México.
As três perguntas feitas a esses executivos foram: “O quanto é comum o desvio de fundos públicos para empresas ou grupos?”; “Como qualifica a ética dos políticos?”; e “O quanto é comum o suborno por parte das empresas?”. Em uma escala de um a sete, em que, quanto maior a nota, maior é a transparência, o Brasil recebeu 2,1, segundo análise publicada pela Business Insider. Em um estudo divulgado pela Transparência Internacional, no início do ano, o país ficou em 76º colocado em uma lista sobre a percepção de corrupção do mundo entre 168 países.
Um relatório do Fórum publicado em junho assinalava a corrupção como o maior problema que a América Latina precisa enfrentar, segundo seus líderes políticos e empresariais. Escândalos como o da Petrobras, no Brasil, as acusações contra a ex-presidenta da Argentina Cristina Kirchner e o suborno de que é acusado o ex-governante guatemalteco Otto Pérez-Molina mantiveram a região estagnada, nesse aspecto, em relação aos índices de 2014 e 2015.
O México aparece entre os primeiros lugares do mundo desenvolvido com o mais complexo e abrangente de seus problemas: a corrupção. O Fórum Econômico Mundial coloca o país como a décima-terceira nação mais corrupta do mundo. Mas, excluindo-se da lista os países menos industrializados, o México fica com a liderança. Segundo o Fórum, o fator que o eleva ao primeiro lugar é o crime organizado.
O caso do México, no entanto, parece ser o mais alarmante, por se tratar de uma economia mais avançada do que a dos demais países da região. No índice global de competitividade, ele ocupa o 51º lugar de um total de 138, tendo subido seis pontos graças a uma eficiência maior de seus mercados, e mantém uma longa série de fatores que assustam os investidores: a corrupção, o mais grave, é seguida pelo crime organizado e outros fatores administrativos como a ineficiência da burocracia e a política fiscal.
“A educação básica continua a ser uma fragilidade significativa para a sua competitividade se comparada a outros líderes regionais e mundiais, além do fato de que a qualidade institucional recuou. A economia mexicana foi atingida pela queda dos preços do petróleo, um comércio internacional fraco e a consequente queda na produção industrial”, assinala o Foro em seu texto sobre o México.
Náufragos na cidade
Gosto de tropeçar, lendo os jornais, num ou noutro minúsculo evento, que, embora possa parecer totalmente irrelevante para a mecânica geral do universo, me faz refletir. Foi o caso de uma breve nota sobre um sujeito, nos Estados Unidos, que ganha a vida passeando pessoas. Chuck McCarthy, na casa dos 30, é ator, ou gostaria de ser ator, mas raramente o chamam para trabalhar. Vendo pessoas a passear cães lembrou-se então de passear pessoas. “Uma maluquice”, pensou. Depois pensou melhor e foi à luta.
Deu certo. As grandes cidades são uma infinita coleção de solidões. Há mais variedades de solidões do que estilos de cerveja. Chuck conta que o procuram pessoas muito diversas. Algumas alugam-no por que se sentem mais seguras acompanhadas, sobretudo quando pretendem passear à noite. Outras gostam de ter um amigo, ainda que seja de aluguel, para mostrar aos vizinhos que não estão tão sozinhas quanto eles pensam. A solidão é uma doença inconfessável.
Recordei-me, lendo a história de Chuck, de um dos melhores contos de Gabriel García Márquez, intitulado “Me alugo para sonhar”. O escritor conta que, quando era jovem, conheceu em Viena, na Áustria, uma sonhadora profissional. A mulher, de origem colombiana, previa ocorrências em seus sonhos. Durante anos viveu (sonhando) para uma família austríaca. Márquez reencontrou-a décadas mais tarde, em Barcelona, e apresentou-a a Pablo Neruda. O poeta não a tomou a sério. No dia seguinte, porém, confessou ao amigo: “Sonhei com a mulher que sonha. Sonhei que ela sonhava comigo”. Márquez riu-se: “Isso é um conto de Borges”.
A autoironia justifica-se. “Me alugo para sonhar” deve ser o mais borgesiano de todos os contos de García Márquez. O conto discute a necessidade que quase todos sentimos de procurar na magia (qualquer forma de magia serve) algum conforto e segurança, mas também trata da solidão. Não se chega a perceber se a sonhadora recorria ao ardil dos sonhos premonitórios para conseguir cama, mesa e roupa lavada — se para conseguir o conforto de uma família.
Vivendo em grandes cidades, estamos cercados de náufragos, cada qual na sua ilha deserta. Dessas ilhas eles avistam o mundo; o mundo é que não os vê. Não conheço pior solidão.
Depois que, em 2012, publiquei “Teoria geral do esquecimento”, um romance sobre uma mulher, Ludovica, que se empareda no seu apartamento, cortando todos os laços com o mundo exterior, passei a receber cartas de pessoas que se reconhecem na personagem, ou que conheceram alguém em situação semelhante. Lembro-me da confissão de uma cubana que foi estudar em Bucareste, nos últimos anos do regime comunista. Aos 18 anos casou-se com um agente da polícia secreta. Meses depois, Nicolau Ceausescu era encostado a uma parede e fuzilado no pátio de um quartel. O agente da polícia secreta desapareceu em meio ao ruidoso tumulto daqueles dias e a jovem, aterrorizada, fechou-se em casa durante meses. “Eu fui a Ludovica!” — disse-me.
A verdade é que para escrever o meu romance me inspirei, em parte, num outro caso. A história do nacionalista e escritor angolano Adolfo Maria, que tendo sido um nome importante na luta contra o regime colonial português, fundou mais tarde uma corrente dissidente, a Revolta Ativa, cujos elementos foram presos ou obrigados a exilar-se logo após a independência. Adolfo Maria permaneceu na clandestinidade, escondido numa casa fechada, durante três anos. Num estado de solidão extrema, afirmou numa entrevista, a loucura está sempre a um braço de distância: “Vemos as paredes avançando sobre nós”. Adolfo combatia o isolamento praticando ioga e meditação. A solidão apurou-lhe a lucidez.
O que Chuck McCarthy faz podia chamar-se assistência a náufragos. Chuck acaba de inaugurar — suspeito — um ofício com imenso futuro. Talvez mesmo um amplo e revolucionário movimento social. Imagino que daqui a alguns anos as ruas das grandes cidades estejam cheias de passeadores, com os seus passeantes. Imagino os passeantes trocando impressões sobre os respectivos passeadores, enquanto recuperam o fôlego, por breves momentos, num banco de jardim:
— Como é o seu passeador?
— John?! Loquaz e divertido. Passe rápido. E o seu?
— Elegante, discreto e paciente. Na minha idade, você sabe, já não posso ter um passeador muito apressado.
Eventualmente, os passeantes começarão a prolongar esses momentos de pausa. Começarão a conversar mais uns com os outros do que com os passeadores. Começarão a passear uns com os outros. Descobrirão que é possível passear com outras pessoas sem pagar nada por isso — e então sim, teremos uma verdadeira revolução, e os passeadores perderão o emprego.
Ou talvez eu esteja sendo demasiado otimista. Por mais que me esforce resvalo sempre para o otimismo.
José Eduardo Agualusa
Recordei-me, lendo a história de Chuck, de um dos melhores contos de Gabriel García Márquez, intitulado “Me alugo para sonhar”. O escritor conta que, quando era jovem, conheceu em Viena, na Áustria, uma sonhadora profissional. A mulher, de origem colombiana, previa ocorrências em seus sonhos. Durante anos viveu (sonhando) para uma família austríaca. Márquez reencontrou-a décadas mais tarde, em Barcelona, e apresentou-a a Pablo Neruda. O poeta não a tomou a sério. No dia seguinte, porém, confessou ao amigo: “Sonhei com a mulher que sonha. Sonhei que ela sonhava comigo”. Márquez riu-se: “Isso é um conto de Borges”.
A autoironia justifica-se. “Me alugo para sonhar” deve ser o mais borgesiano de todos os contos de García Márquez. O conto discute a necessidade que quase todos sentimos de procurar na magia (qualquer forma de magia serve) algum conforto e segurança, mas também trata da solidão. Não se chega a perceber se a sonhadora recorria ao ardil dos sonhos premonitórios para conseguir cama, mesa e roupa lavada — se para conseguir o conforto de uma família.
Vivendo em grandes cidades, estamos cercados de náufragos, cada qual na sua ilha deserta. Dessas ilhas eles avistam o mundo; o mundo é que não os vê. Não conheço pior solidão.
Depois que, em 2012, publiquei “Teoria geral do esquecimento”, um romance sobre uma mulher, Ludovica, que se empareda no seu apartamento, cortando todos os laços com o mundo exterior, passei a receber cartas de pessoas que se reconhecem na personagem, ou que conheceram alguém em situação semelhante. Lembro-me da confissão de uma cubana que foi estudar em Bucareste, nos últimos anos do regime comunista. Aos 18 anos casou-se com um agente da polícia secreta. Meses depois, Nicolau Ceausescu era encostado a uma parede e fuzilado no pátio de um quartel. O agente da polícia secreta desapareceu em meio ao ruidoso tumulto daqueles dias e a jovem, aterrorizada, fechou-se em casa durante meses. “Eu fui a Ludovica!” — disse-me.
A verdade é que para escrever o meu romance me inspirei, em parte, num outro caso. A história do nacionalista e escritor angolano Adolfo Maria, que tendo sido um nome importante na luta contra o regime colonial português, fundou mais tarde uma corrente dissidente, a Revolta Ativa, cujos elementos foram presos ou obrigados a exilar-se logo após a independência. Adolfo Maria permaneceu na clandestinidade, escondido numa casa fechada, durante três anos. Num estado de solidão extrema, afirmou numa entrevista, a loucura está sempre a um braço de distância: “Vemos as paredes avançando sobre nós”. Adolfo combatia o isolamento praticando ioga e meditação. A solidão apurou-lhe a lucidez.
O que Chuck McCarthy faz podia chamar-se assistência a náufragos. Chuck acaba de inaugurar — suspeito — um ofício com imenso futuro. Talvez mesmo um amplo e revolucionário movimento social. Imagino que daqui a alguns anos as ruas das grandes cidades estejam cheias de passeadores, com os seus passeantes. Imagino os passeantes trocando impressões sobre os respectivos passeadores, enquanto recuperam o fôlego, por breves momentos, num banco de jardim:
— Como é o seu passeador?
— John?! Loquaz e divertido. Passe rápido. E o seu?
— Elegante, discreto e paciente. Na minha idade, você sabe, já não posso ter um passeador muito apressado.
Eventualmente, os passeantes começarão a prolongar esses momentos de pausa. Começarão a conversar mais uns com os outros do que com os passeadores. Começarão a passear uns com os outros. Descobrirão que é possível passear com outras pessoas sem pagar nada por isso — e então sim, teremos uma verdadeira revolução, e os passeadores perderão o emprego.
Ou talvez eu esteja sendo demasiado otimista. Por mais que me esforce resvalo sempre para o otimismo.
José Eduardo Agualusa
Assinar:
Postagens (Atom)