domingo, 25 de fevereiro de 2018

Só o instinto nos salva

A ideia é aterradora e absurda, mas, no momento, tudo indica que o Brasil está perdendo a capacidade de equacionar seus problemas de maneira racional e civilizada, pela via da política. Nessa marcha, só o instinto de sobrevivência nos salvará.

No falatório sobre a intervenção, sobre as candidaturas presidenciais, sobre o funcionamento das instituições, o tom predominante é um desânimo furibundo, e até mais que isso, uma vontade meio doida de achar uma solução fácil, rápida e definitiva, ainda que o preço seja a quebra da ordem civil. No limite, é como se todos quisessem que metade (sua metade) da população matasse a outra, presumindo que a metade sobrante se dedicaria sinceramente à realização dos valores que elegeu como os mais altos. Isso vem por todos os lados, não é privilégio de nenhum partido ou grupo ideológico.

E o pior, infelizmente, é que por trás dessa fumaça realmente há muito fogo. Tal desorientação não chega a surpreender, pois estamos mal e mal saindo da pior recessão de nossa História e tomando consciência da metástase de corrupção que se difundiu por quase todo o sistema institucional do País. Dispenso-me de elaborar este ponto, limitando-me a observar que o cartel das empreiteiras botou no bolso praticamente toda a estrutura partidária de que dispúnhamos: quatro ou cinco organizações com algum potencial e umas trinta obviamente inúteis. Hoje vemos esvair-se até aquele elementar sentimento de lealdade sem o qual a vida interna de um partido se torna inviável. Na mais alta Corte de Justiça do País, salta aos olhos que alguns juízes trabalham sorrateiramente para livrar o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um corrupto notório, já sentenciado a 12 anos e um mês de prisão. No Senado e na Câmara, só quem mantém as estatísticas em dia sabe quantos parlamentares estão indiciados, acusados ou já na condição de réus.


A intervenção federal no sistema de segurança do Rio de Janeiro pôs em alto-relevo a questão da corrupção nos corpos militares e policiais, que inclui a entrega de armas potentes ao narcotráfico e à bandidagem em geral. Noves fora, então, a ressalva que se há de fazer diz respeito à competência e à seriedade da equipe econômica, da equipe liderada pelo juiz Sergio Moro e pela Polícia Federal, graças às quais o País não descarrilou por completo.

No culto da irracionalidade, a esquerda ganha por duas cabeças. Na questão da intervenção no Rio de Janeiro, por exemplo, ela aposta no fracasso com base em seus tradicionais cálculos eleitorais, ou num requintado cinismo, “esquecendo”, por exemplo, no tocante à concessão de mandados coletivos, as posições que a ex-presidente Dilma Rousseff defendeu em 2016. Não só a esquerda, mas ampla parcela do Congresso recusou-se a aprovar a reforma da Previdência, embora consciente da precariedade fiscal em que nos encontramos e de que o sistema brasileiro de seguridade é campeão mundial em transferir renda dos pobres para os ricos.

Não me sinto no direito de aborrecer os leitores me estendendo sobre a deterioração em que se encontra nossa capacidade de conduzir racional e civilizadamente as operações de governo, mas há uma questão mais ampla, que transcende todas as já mencionadas, para a qual me vejo obrigado a chamar a atenção. Refiro-me ao médio prazo, ou seja, ao futuro de nosso país dentro de uma ou duas décadas. Nessa referência de tempo, se não recuperarmos a capacidade de raciocinar e colaborar, realmente, só o instinto de sobrevivência nos salva.

O quadro que me esforcei por esboçar é em si mesmo sinistro, mas é brincadeira de criança se o colocarmos num horizonte de 20 anos. Já me referi outras vezes a esse ponto e temo ter de voltar a ele muitas vezes nos próximos meses, ainda mais em se tratando de um ano eleitoral. A incapacidade da política acarreta uma progressiva liquefação do próprio Estado. O País perde sua stateness, ou seja, a presença efetiva da máquina de governo. Ninguém ignora que diversas áreas do Rio de Janeiro já há muito tempo se tornaram inacessíveis à autoridade pública. O que muitos talvez não saibam é que os Correios já não entregam correspondência em quase metade dos endereços da Cidade Maravilhosa. Refiro-me a ela porque é lá que a perda da “estatalidade” se tornou mais perceptível, mas em maior ou menor grau o processo se manifesta no País inteiro. Com um fator agravante: temos agora um vizinho, a Venezuela, onde o Estado atingiu um estágio avançado de putrefação, forçando centenas de milhares de cidadãos a buscarem refúgio em Roraima.

Com a contração causada pela recessão engendrada pelo lulopetismo, nossa renda anual por habitante deve ser atualmente metade da correspondente à Grécia e bem inferior à de Portugal. Se, recuperando a economia, lograrmos crescer 3% ao ano, o que não é trivial, precisaremos de mais de 20 anos para alcançar os dois países citados, e lá chegaremos com uma distribuição de renda muito pior, com uma situação educacional claramente inferior, com as condições de saneamento que conhecemos e possivelmente com índices ainda muito mais altos de violência. Isso significa que o debate público dos últimos anos nem sequer arranhou a superfície dos verdadeiros problemas, que são a velocidade do crescimento e a profundidade das reformas de que necessitamos.

Escusado dizer que não me estou referindo à antiga ladainha do “governo forte”, pedra de toque da retórica fascista, que por aqui vicejou vigorosamente à época da ditadura getulista. Refiro-me ao óbvio: o imperativo de quebrar a resistência dos grupos corporativos e encetar um esforço reformista muito maior. As reformas virão, de um jeito ou de outro: pelo caminho mais ou menos civilizado da política ou por sucessivas ondas de anarquia e violência.

Palco do Paraíso

Supercoitados, não super-heróis

Encorajado pelas críticas negativas que o filme mais recente de Alexander Payne recebeu depois de sua apresentação no festival de Veneza, decidi vê-lo. Até então, Pequena Grande Vida já era um fracasso total. Tanto que, na Espanha, os distribuidores mudaram o título original, Downsizing, para Una Vida a lo Grande (“uma vida em grande estilo”), na vã tentativa de transmitir essa megalomania que agrada mais do que o reconhecimento de nossa pequenez. Por aí segue o mundo, pessoas que se sentem melhores quando sabem que o outro está pior, caolhos reinando entre cegos. Payne é um dos melhores diretores de nossa época, e o engrandece ter cometido o fracasso vocacional que é seu último filme.

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Cena do filme com Matt Damon

Nele, um casal de norte-americanos médios decide diminuir de tamanho para fazer parte dessas novas comunidades liliputianas que resolvem problemas econômicos e ambientais, com base nas descobertas científicas de alguns noruegueses. Mas, em vez de ilustrar os superpoderes usuais que o cinema concede a seus protagonistas, neste caso os submete ao reconhecimento de seus infrapoderes. Desta forma, trata-se de uma história em quadrinhos de supercoitados, e não de super-heróis.

O filme não só é protagonizado por atores feios e vulgares, como também aqueles que não o são precisam se esforçar para parecer feios. É surpreendente ver uma estrela de Hollywood como Matt Damon adotar as condições de um personagem flácido, calvo e tonto sem o afinco irônico habitual em tais casos, mas com naturalidade. Mas é ainda mais surpreendente vê-lo mostrar uma cena de amor clássica enquanto acaricia o coto de uma imigrante ilegal vietnamita, escandalosa, baixinha e orelhuda. Diante da beleza plastificada e do falso romance, tal dose de realismo sem álibi sujo conduz, inexoravelmente, ao fracasso comercial. O filme pode não conseguir encadear sua tese para uma visualização memorável, mas os fluidos de corrosão merecem algo mais que o desprezo em um panorama de nula capacidade de análise.

Encolher-se não resolve os problemas deste personagem central em crise de identidade, que retrata o cidadão médio de hoje, náufrago entre ideais de autoajuda, seduzido por líderes inúteis e vítima dos farsantes vendedores de tônicos capilares transformados em gestores, videntes e gurus. É triste descobrir que não precisamos de um processo de encolhimento, porque já estamos encolhidos. Talvez não sejamos tanto a espécie escolhida, como temos ouvido, mas a espécie encolhida, vulgar, covarde e grosseira que vê inimigos em cada vislumbre de liberdade alheia. Entende-se que um filme tão desconfortável não atraia o público e que ninguém cometa a ousadia de recomendá-lo. Nem pensem em vê-lo.

A 'sabedoria' política

É reduzido o número daqueles que vêem com os seus próprios olhos e sentem com o próprio coração. Mas da sua força dependerá que os homens tendam ou não a cair no estado amorfo para onde parece caminhar hoje uma multidão cega.
Eleições 2010. Turismo Sexual 
Quem dera que os povos vissem a tempo, quanto terão de sacrificar da sua liberdade para escapar à luta de todos contra todos! A força da consciência e do espírito internacional demonstrou ser demasiado fraca. Apresenta-se agora superficialmente enfraquecida para consentir a formação de pactos com os mais perigosos inimigos da civilização. Existe, assim, uma espécie de compromisso, criminoso para a Humanidade, embora o considerem como sabedoria política.
Albert Einstein, "Como Vejo o Mundo"

Virada de Temer: de tocador de reformas a 'Cabo Tenório'

Coragem. Vocação. Talento. Caráter. Sorte… É cada vez mais evidente, e a brusca guinada de rumo do governo do PMDB, – com a intervenção e a escolha de um general de quatro estrelas para mandar no Rio de Janeiro, seguida da mudança de direção do debate nacional –, só acrescenta novos sinais de que o habitante atual do Jaburu é carente até do cacoete de estadista. O parâmetro do jornalista para a avaliação é o dos cinco primeiros mandamentos do referencial Decálogo de Ulysses Guimarães.


Assim, não surpreende a virada de Michel Temer. Abriu mão de seu propalado projeto prioritário na política, gestão e marketing, de “audaz reformista” – ao ver-se ameaçado de sofrer fragorosa derrota na Câmara, em eventual votação de seu plano mais ambicioso, a Reforma da Previdência. O que causa espanto – em face do imponderável que está a caminho, depois da intervenção, aprovada docilmente pela Câmara e pelo Senado – é ele ter jogado tudo para o alto, para virar, no começo de ano eleitoral, uma espécie de “Cabo Tenório” – o maior inspetor de quarteirão, do famoso forró de Jackson do Pandeiro.

No baú da memória, a lembrança que mais dói está em anos loucos, no Uruguai, modelo de democracia na América do Sul, por onde andei, por quase duas décadas, quando trabalhei no Jornal do Brasil. Da primeira vez, com o advogado Pedro Milton de Brito, ex-presidente da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil, ex-conselheiro federal da OAB, inimigo temido e irreconciliável de corruptos e corruptores (encastelados no poder público ou no setor privado). Saudosa e exemplar figura de defensor das liberdades e dos direitos humanos na Bahia e no País.

Ninguém me contou, estive lá, eu vi. Repito, a exemplo de Sebastião Nery, na apresentação do livro que publica o Decálogo do Estadista. Em um desses períodos cruciais da vida do continente, quem governava o Uruguai era Juan Maria Bordaberry, descendente basco-francês , eleito democraticamente, em 1972. Mas, cúmplice e voluntariamente (a pretexto de enfrentar uma crise econômica e manter o mando político), negociou espaços para a “aliança de poder cívico-militar”, como se dizia então.

Não descerei a detalhes sobre o desastre. Só relembro que os militares mantiveram nas sombras o presidente, durante a mal camuflada instalação de um dos mais violentos e perversos regimes já vividos na bacia do Rio da Prata. Resumo do forró: depois de insucessos, desencontros e atropelos, – os militares decidiram destituir o “rancheiro” do governo de fachada e trocaram-no por outro civil, Alberto Demicheli, enquanto a “Suíça da América Latina” seguiu afundando. A democracia voltou ao Uruguai em 1985. Em 2006, Bordaberry foi condenado a 30 anos de prisão. Morreu pouco depois, em casa, em Montevidéu, aos 83 anos, cumprindo prisão domiciliar.

Isso nada tem a ver com a intervenção no Rio, nem com o mandatário brasileiro, dirão alguns. Mesmo que Temer já participe de reunião de comandos militares no Ministério da Defesa, em Brasília. E que Mauro Lopes, o segundo de Braga Neto na ocupação, já seja manchete de jornal, chamado de “um general com a faca nos dentes”. É preciso desenhar?

Vitor Hugo Soares

Imagem do Dia

Grand Canyon (EUA)

Intervenção parcial

A intervenção federal no Rio foi feita por um governo impopular. E feita apenas parcialmente. Deveria ser completa.

Não creio que seja o caso de defendê-la diante das teorias conspiratórias, de esquerda ou direita, que veem nela uma espécie de ataque ao seu projeto eleitoral. É inevitável que as pessoas fixadas na luta pelo poder interpretem tudo, mesmo um fato dessa dimensão social, como simples contador de votos.

A intervenção está aí. O governo é impopular, mas o instrumento é o Exército, com grande credibilidade. Se escolher atos espetaculares para tirar Temer do sufoco vai afundar com ele.

Logo, a primeira e modesta tese: o norte é a prática militar, com preparo e meios materiais necessários, e não o oportunismo político. Se prevalecer a superficialidade do governo, a batalha será perdida.

A intervenção tem de saber o que quer, para definir a hora de acabar. Isso não se define com uma data rígida no calendário, mas com a realização da tarefa: estabilizar a situação do Rio para que a polícia tome conta depois de reestruturada. É isso que fazem as intervenções, mesmo num país como o Haiti.

Para reestruturar a polícia é preciso contar com a parte ainda não corrompida e pagar todos os salários em dia.

A maioria parece apoiar a intervenção. É fundamental respeitar a população, conquistar corações e mentes. Nesse sentido, foi um grande passo civilizatório o vídeo de três jovens orientando os negros a evitar a violência policial e a se defender, legalmente, dela. Está na rede. É um texto que deveria ser levado em conta, pois revela como as pessoas de bem se comportam nessa emergência.

Circulou uma notícia de que as favelas ocupadas por traficantes armados seriam considerados territórios hostis. É um equívoco, creio eu. As favelas são territórios amigos, ocupados por forças hostis. Parece um jogo de palavras, mas é uma diferença que implica em táticas e estratégias diversas.

A quarta modesta tese: como não foi realizada a intervenção completa, a Lava-Jato poderia avançar nos processos contra os políticos. Seria a maneira de combinar um ataque ao crime organizado em seus diferentes universos. Creio que fortaleceria o trabalho da intervenção.

Finalmente, algo que me parece também decisivo. Quem acha que é a única saída do momento, apesar de sua fragilidade, precisa ajudar.

O que significa ajudar? A sociedade já se move de muitas formas, inclusive, na internet, colaborando com aplicativos como Onde Tem Tiroteio, Fogo Cruzado e dezenas de outras iniciativas.

Isso vai depender também da intervenção. Se a visão for de aglutinar o esforço social, o general Braga precisa apresentar as linhas gerais de seu plano. Delas podem surgir uma indicação de como ajudar.

Compreendo que a esquerda diga que a violência foi superestimada pela mídia. O próprio general Braga derrapou no primeiro momento, ao afirmar que é muita mídia.

Ele tem razão, de certa forma. Sou um velho jornalista. No século passado, as notícias eram produzidas apenas por profissionais. Hoje, não: a estrutura industrial ampliou seu alcance diante de milhares de colaboradores filmando tudo. Quem filma os tiroteios no morro? E os assaltantes que tentam enforcar uma velha? Não são repórteres. Nenhum dos atos violentos foi desmentido. Não houve fake news, uma vez que caindo no circuito industrial os dados foram checados.

Não se trata, portanto, apenas de muita mídia. São muitos fatos. De qualquer forma, ganhariam as redes sociais.

É com eles que vamos. Ou não vamos.

Não chore, denuncie!

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Há quem morra chorando pelos pobres. Morro denunciando a pobreza
Bernard Shaw

Sem um projeto de Nação

Ex-presidente do TSE, o ministro Dias Toffoli aproveitou ontem um debate na Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas, para lembrar que os partidos hoje se escoram em nomes para a Presidência da República e não em um projeto para o País. “Hoje está uma tremenda dificuldade de entender quem é quem. Hoje, qual o projeto do PT, do DEM, do PSDB?”, indagou o ministro.

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De fato, a sete meses e poucos dias para a eleição, não se conhece um projeto de governo de nenhum dos nomes que se apresentaram até agora como pré-candidatos. Em alguns partidos, como o PT, o projeto parece ser o próprio candidato, o ex-presidente Lula. Uma proposta defeituosa do ponto de vista legal. Por enquanto, o que ele tem dito é que não acatará a decisão judicial que o condenou a 12 anos e 1 mês de prisão e o tornou inelegível, pois cadastrado na Lei da Ficha Limpa. E, quando em algum discurso se refere a um possível quase impossível governo, limita-se a prometer que fará mais do que já fez.

Do mesmo modo, não se vê no que diz o segundo colocado nas pesquisas, o deputado Jair Bolsonaro, algo que possa ser definido como um projeto para o Brasil, que englobe educação, saúde, transportes públicos, crescimento econômico, geração de empregos. O discurso fica limitado ao combate à criminalidade, sem dizer como será, a não ser insinuações de que bandido bom é bandido morto. Não há sinais de que as raízes do problema serão atacadas. Nada. É muito pouco para quem tem conseguido avançar sobre as ideias da juventude desiludida e sem emprego.

O governador Geraldo Alckmin é outro que também não apresentou ainda um projeto para o País. Diz ser a favor das privatizações, que é desenvolvimentista e que não ficará apenas grudado às questões fiscais. Mas cadê o projeto para a educação, para a assistência à saúde, que deveria, pela Constituição, ser universalizada, uma proposta da qual Alckmin participou como constituinte, para os transportes públicos, para a segurança?

Henrique Meirelles, do PSD, e Rodrigo Maia, do DEM, que também se apresentaram para o jogo político, por enquanto estão presos às questões fiscalistas. Marina Silva, da Rede, e Ciro Gomes, do PDT, que esperam herdar parte dos votos de Lula, também estão devendo o projeto para a Nação.

Quanto ao presidente Michel Temer, que numa entrevista à Rádio Bandeirantes, ontem, disse que não será candidato, será razoável que seu governo se encerre tendo por base a intervenção no Rio de Janeiro? É provável que ele ache que sim, porque enquanto a ação durar não se pode fazer nenhuma reforma constitucional. Portanto, a reforma da Previdência ficou para trás. E a chamada “Agenda 15”, que manteria a linha das reformas sem mexer na Constituição, talvez seja atropelada pela campanha eleitoral.

Além da falta de projetos para a Nação, o que torna DEM, PSDB e PT semelhantes, nas palavras do ministro Dias Toffoli, o País sente falta de lideranças novas. Os que se propõem a disputar a eleição presidencial são todos velhos conhecidos do eleitor. Uns, pelo número de disputas ao Planalto; outros, como Bolsonaro, por ocuparem cargos eletivos há duas décadas.

Alguns preveem que sem Lula o índice de abstenção nas eleições de outubro será muito elevado. Talvez um dos motivos para a abstenção, se houver, seja mesmo a ausência de Lula. Mas não é só ela. A falta do projeto de Nação, as velhas caras conhecidas, a desesperança quanto à situação do País, tudo isso pode fazer com que parte do eleitor fique longe das urnas.

Sem alternativas, a razão pode levar o cidadão a exercer o seu direito de dizer não. Mesmo que o protesto seja silencioso, baseado no absenteísmo.

Dose pra cavalo

Dia desses, por acaso, recordei a pitoresca notícia envolvendo a prisão de Faceiro (foto) – até onde entendi, por suspeita de crime de dano. Segundo consta, o dito cujo teria danificado um veículo… a coice! Sim, trata-se de um cavalo.

Seu dono explicou que, após uma vaquejada, algumas pessoas pediram para dar uma volta com o Faceiro. “Não vi problema em emprestar. Um rapaz saiu para dar uma volta e o cavalo se assustou e deu um coice”, que atingiu um veículo.

“Em seguida”, acrescentou, “um policial pegou o cavalo e o levou para a delegacia. Quando eu cheguei ele estava em uma cela, como se fosse um marginal. Estava sem comida, sem água e em um espaço onde não podia se mexer. A noite eu levei comida, mas na segunda de manhã não me deixaram alimentá-lo”. Concluiu declarando que irá ressarcir o dano causado.

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Pedi a opinião de um amigo, que trabalha com funilaria, sobre a quanto montaria o dano. Chegamos a um valor médio de R$ 500. Mas sejamos rigorosos, e dupliquemos este valor – que seja de R$ 1.000 o prejuízo. Foi por conta deste valor que Faceiro passou a noite preso em uma cela.

Li que o Brasil perde, a cada ano, nada menos que R$ 82 bilhões por conta da corrupção – ou 82 milhões de vezes o prejuízo causado pelo intrépido Faceiro. Por conta do que fez, este impetuoso equino acabou em uma prisão. Enquanto isso, o Secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República declarou que “se você comparar os números de êxito em ações contra a corrupção nos últimos 30 anos, vai ver que elas resultaram em nada em termos de punição de qualquer tipo, por mais provas que houvesse. E também resultaram em nada em termos de recuperação de dinheiro desviado”.

Faceiro, pobre que é, não teve direito à preservação de sua imagem: foi filmado e fotografado à vontade dentro da delegacia – assim como milhões de criminosos pertencentes às camadas mais baixas da população, invariavelmente “apresentados ao público” em constrangedoras – e ilegais – “cerimônias”. Em contraste, não me recordo de vexame similar imposto aos refinados – e poucos – cavalheiros surpreendidos assaltando o erário. Estes tem todos os seus direitos religiosamente respeitados.

Console-se, Faceiro! Naquela cela que o acolheu não foi enterrada somente a sua dignidade – a do nosso país foi junto…

Pedro Valls Feu Rosa