quinta-feira, 22 de novembro de 2018
Os pecados da esquerda
Não é porque me sinto mais atraída pelo populismo de direita. Nem por um capitalismo selvagem. É porque a esquerda entregou muitas bandeiras politicas para a direita. De repente, um Donald Trump da vida levanta a bandeira contra o livre comércio e a globalização. E uma ditadura como a China quer promover o multilateralismo e abrir os mercados.
A vitória de Trump nas eleições dos Estados Unidos, dois anos atrás, mostra que o sonho de um mundo melhor e mais justo ainda vive. Mas ele foi capturado pela direita. Para mim, o pior não foi o triunfo do Trump. Foi a derrota do Partido Democrata.
Foi uma derrota desnecessária, causada pelos próprios democratas. Pois Trump saiu ganhando com a longa disputa política entre os candidatos Hillary Clinton e Bernie Sanders, o qual saiu derrotado das primárias do Partido Democrata. O debate programático sobre a direção do partido durante a campanha – mais para o centro ou mais para esquerda – foi um dos motivos que fizeram os democratas perderem as eleições.
A vitória de Trump foi a segunda grande derrota do centro político e da esquerda em pouco tempo. O primeiro ponto de viragem foi o referendo sobre o Brexit, em 23 de junho de 2016. A dramaturgia parece seguir sempre o mesmo esquema: brigas internas e subestimação do adversário político resultando em fracasso nas urnas.
É difícil e doloroso assistir a esse espetáculo. Especialmente olhando para Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista britânico. Ele não desmentiu as mentiras espalhadas pelos chamados "Brexiteers". Eles alegaram que o Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido melhoraria com a saída do país da União Europeia (UE). Que a imigração estava fora de controle. E que era mais vantajoso negociar acordos de livre comércio do que permanecer no mercado comum da UE.
Para mim, um politico de esquerda que não alerta para a falta de milhares de médicos e enfermeiros no NHS que deve ser provocada pela saída da UE está entregando conquistas sociais básicas. Um líder da oposição que não desmente os cenários cor-de-rosa dos "Brexiteers" é corresponsável pelas graves consequências econômicas do Brexit que o Reino Unido já está começando a sentir.
No Brasil, como mostra a atual briga política sobre o programa Mais Médicos, o atendimento básico à população também virou uma questão ideológica. Mas a critica de "colaboração com a ditadura comunista cubana" é uma coisa, e a apresentação de soluções, outra.
Assim como na campanha para o Brexit, a direita usa os problemas do sistema de saúde para se promover politicamente no Brasil. E a esquerda? Ela apostou na "importação" de mão de obra e conseguiu resolver o problema gravíssimo da falta de médicos, mas o preço era a dependência de um governo estrangeiro.
Antes ter tido sucesso e agora se encontrar na defensiva – essa é a situação de muitos partidos de centro esquerda. O Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), que governa junto com a União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, também passa por isso.
Pois a ascensão política do partido de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) mudou a agenda política. De repente, são os populistas que muitas vezes colocam o dedo na ferida, uma tarefa que até pouco tempo atrás era marca registrada da esquerda. Diagnósticos não faltam. O que faltam são soluções verdadeiras, que não aparecem apenas quando servem a algum interesse político.
Confesso que me cansei desse jogo. Não quero mais ler inúmeras notícias sobre as "decisões erradas" de Jair Bolsonaro, Trump ou dos premiês Theresa May, do Reino Unido, e Viktor Orbán, da Hungria. Quero ler também notícias sobre iniciativas da oposição para tentar criar alternativas aos rumos políticos atuais. Quero que a esquerda e o centro saiam da defensiva.
Os meus sonhos socialistas acabaram. Mas minha convicção política de que é preciso se unir contra populistas em vez de imitá-los ou tentar agradá-los se mantém.
Astrid Prange de Oliveira
Quando chumbo era jujuba
Passada anestesia do Mais Médicos, vem a dor
Nos próximos dias, o noticiário será inundado por dramas de pacientes que perderam seus médicos do dia para a noite. Doentes sem diagnóstico, diagnosticados sem tratamento, grávidas submetidas à interrupção abrupta do pré-natal, o diabo. Isso não é previsão. Já está acontecendo em vários municípios, que perderam seus médicos. Num estalar de dedos da ditadura de Cuba, os cubanos estão voltando para Havana.
O curto-circuito que a chegada de Jair Bolsonaro provocou no Mais Médicos revela que a ideologia é mesmo o caminho mais longo entre um projeto e sua realização. Ao receber um xeque-mate de Cuba, o Brasil faz por pressão o que deixou de fazer por opção. Sem planejamento, o Ministério da Saúde abriu 8.500 vagas para médicos brasileiros. O site de recrutamento entrou em pane no primeiro dia. Tudo é correria e improviso.
Estudo feito pela Faculdade de Medicina da USP revelou que há no Brasil 452 mil médicos. Seria mais do que suficiente. Mas 63% deles estão nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. E 55%, encontram-se nas capitais. Num aperto, uma parte desse contingente pode até se deslocar para os fundões do Brasil, de onde estão saindo os cubanos. Mas o improviso não é o melhor estímulo para que eles fiquem lá.
Calma, que o Brasil é nosso
Convém, de início, reconhecer que poucas disputas mobilizaram o ímpeto bélico da cidadania brasileira como esta. Mas um curso bem frequentado de História do Brasil bastará para esclarecer que a polarização nunca foi algo tão inusitado assim. Em 1930, no meu Estado natal, a Paraíba, liberais queimaram negócios de perrepistas depois do assassinato do presidente do Estado, João Pessoa, em Recife. Suicida vocacional, Getúlio Vargas disparou contra o próprio coração, parte por não suportar o opróbrio do “mar de lama” de que era acusado pelos inimigos da UDN, parte por saber que o tiro de seu revólver levaria seus devotos à rua para evitar a subida ao poder dos desafetos. E assim foi: jornais da oposição foram empastelados e uma multidão seguiu o féretro pelas ruas da então capital federal do Catete ao aeroporto, onde o cadáver pranteado como nunca nenhum outro antes embarcou para a última morada, em São Borja. Entrou em meus compêndios escolares o tiroteio na Praça da Bandeira, em Campina Grande, em 1950, e nele se enfrentaram antigos correligionários, os amarelos de José Américo, fundador da UDN e candidato do PSD, contra os brancos do ainda udenista Argemiro de Figueiredo. Dois operários e um bancário morreram na refrega. Não foram os únicos imolados nas disputas políticas brasileiras. Baleado por João Dantas, João Pessoa, candidato a vice na chapa derrotada de Getúlio na eleição de 1930, inspirou hino, deu nome à capital de nosso Estado e a muitas ruas e avenidas de cidades brasileiras, depois que seu corpo inanimado ter animado a revolução dos tenentes, que virou a política de pernas para o ar.
Pode-se dizer – e quem o disser não mentirá – que a polarização se tornou mais aguda com o segundo turno, que privilegia o “ele não” desde sempre. E que se fez odienta com a campanha do “nós contra eles”, tática de Lula para reduzir o impacto do mensalão contra sua reeleição, repetida desde então na versão maniqueísta de romance de capa e espada.
O pleito do mês passado introduziu um elemento novo no panorama, antes controlado de cima da ponte que dá acesso ao castelo do poder: a interferência da cidadania, usando um instrumento da velha guarda, à qual a esquerda se associou gostosamente na rapina do erário com o baronato político, contra os manipuladores de sempre. Refiro-me à democracia dita direta. Ludibriada no desgoverno da chefe de Estado menos aquinhoada de inteligência desde Tomé de Souza, governador da Bahia, a classe média, após ter ocupado as ruas para reclamar da desídia do Estado, recorreu às mídias eletrônicas não convencionais para dar o drible da vaca nas organizações criminosas, ditas partidárias. Estas recorreram aos truques mais sórdidos para se manterem no topo. Primeiramente, patrocinaram candidatos exclusivos das legendas, financiamento público bilionário das campanhas pagas por propinas desmedidas, foro de prerrogativa de função e outros truques canalhas.
Depois, veio a guerra ideológica. Um best-seller do New York Times, Como as Democracias Morrem, de Steven Levitsky & Daniel Ziblatt, socorreu os ignorantes que denominaram a tomada de poder pelo cidadão de “neofascismo” e “protonazismo”. Com a desastrada adesão do fake Pink Floyd Roger Waters, mexendo Mussolini, Hitler, Trump, Putin e Bolsonaro no mesmo caldeirão. O povo nem ligou e demoliu a farsa, que fez daintelligentsia a versão acadêmica e artística da “jumentice”, e sapecou na farsa o peso de quase 58 milhões de votos para o capitão deputado.
Em plena ressaca do mau humor da derrota, a patota organizada da “resistência” contra o empurrão da velha política para fora do poder republicano por quatro anos inspirou-se nas pragas rogadas por Tirésias na Roma antiga. A executiva Mônica de Bolle clamou contra a indicação de Roberto Campos Neto para a presidência do Banco Central (BC) pela precariedade intelectual de seu currículo. Faltava-lhe, segundo ela, um doutorado, um mestrado que fosse. Como se Henrique Meirelles, presidente tucano do BC de Sir Luiz Inácio tivesse defendido teses nos anos em que foi corretor na Bolsa de Valores de São Paulo do Banco de Boston, no qual chegou sem diploma a ocupar a presidência internacional.
Os salões e corredores do Itamaraty fervilharam de fofocas contra o embaixador Ernesto Araújo por ele não ter ocupado uma embaixada do circuito Elizabeth Arden antes de chegar à chancelaria. O primeiro ministro das Relações Exteriores da República foi Quintino Bocaiúva, de profissão político. O atual, Aloysio Nunes Ferreira, praticou a diplomacia como segurança do chefe guerrilheiro Carlos Marighela, no exílio em Paris e na política profissional no Estado de São Paulo. Entre eles, ilustres chanceleres não cumpriram a última condição para o cargo: os ex-presidentes Campos Salles e Fernando Henrique Cardoso, verba gratia. Ou o melhor exemplo: Osvaldo Aranha, revolucionário de 1030, pau pra toda obra nos governos de Vargas e o maior ocupante do posto na História.
Quem não sabia fique sabendo e, para tanto, como no caso de Bolle, basta consultar o Google. Aranha foi o que nenhum outro brasileiro foi: secretário-geral das Nações Unidas, tendo presidido a sessão histórica em que as colônias de judeus no Oriente Médio se transformaram no Estado de Israel, cuja bandeira, aliás, o oficial presidente eleito reverencia, abrindo a exceção de único filonazista da História que é também filossionista, e não anti-semita, como os citados precedentes históricos de Alfred e Benito.
Do mau humor tornado mau agouro não escapa, é claro, Sergio Moro, que ultimamente tem substituído na condição, antes conferida a Chico Buarque, protomártir da esquerda Rouanet, de “unanimidade nacional”. Como é público e notório, o juiz federal, que teve o topete de condenar o çábio de Caetés à cela “de estado maior” na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, renunciou à carreira na magistratura para ocupar o Ministério da Justiça no futuro governo. Das sombras de seu merecidíssimo oblívio o emérito professor Tomas Turbando emergiu para exigir do colega a chamada “quarentena ética”. O rábula diplomado, que mereceu o epíteto que usou em piada de mau gosto, chama-se na vida civil José Eduardo Martins Cardozo e disparou direto das sombras o seguinte petardo, em entrevista à Folha: “É uma situação que exigia dele, no mínimo, uma quarentena ética. Não é ilegal, porque não existe uma situação legal, mas deveria ter uma quarentena ética. Alguém que influencia o processo eleitoral tem que se considerar impedido de assumir cargos de livre nomeação de um governo que foi eleito a partir de decisões que ele tomou. Isso é questão de moralidade, questão de ética.”
Há apenas dois anos e meio, o referido causídico da causa perdida assomou às luzes da ribalta, como um Chaplin de circo, na condição de advogado particular da acima citada Dilma no processo do impeachment, recebendo, para isso, vencimentos pagos pela distinta plateia. Ademais, antes de ocupar qualquer magistério de ética, Sua Ex-Excelência deveria, em primeiro lugar, explicar ao público furtado por que sequer lamentou ou pediu perdão pela cumplicidade exercida durante os 13 anos e meio em que seus patrões de partido executaram o maior assalto da História. Em vez disso, faz parte da patota que joga areia nos olhos dos ocupantes do poleiro do circo mambembe da velha política republicana tupiniquim da justificativa mentirosa da perseguição ao chefe do chamado “quadrilhão do PT”, ora em julgamento em Brasília. À falta de sabão, ele está convidado a lavar a língua com juá, como faziam os ancestrais de seu ídolo e padim no interior de Pernambuco.
Dou-lhes um piedoso aviso: “calma, que o Brasil é nosso”. Estamos todos no mesmo barco e um eventual naufrágio a ninguém poupará.
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