segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Pensamento do Dia

 


Operação Contenção foi caçada humana

Da forma como foi planejado, podia se esperar o pior. Mas foi pior que o esperado.

A realidade, escreveu o saudoso Leonard Cohen, é uma das possibilidades que não podemos nos dar ao luxo de ignorar. Desde as primeiras imagens, sons, cadáveres e testemunhos da Operação Contenção contra criminosos da cúpula do Comando Vermelho entocados nos complexos do Alemão e da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro, a realidade é uma só: na terça-feira, 28 de outubro de 2025, o governador Cláudio Castro e as forças policiais envolvidas no planejamento e ação praticaram uma chacina.

— Foi um sucesso — comemorou Castro, antes mesmo do balanço final da caçada humana.

Até a noite de sexta-feira haviam sido computados 121 mortos, entre os quais quatro policiais e 117 “suspeitos” ou “bandidos”, na catalogação oficial.

A operação conseguiu fazer mais mortos do que presos (113), mais mortos do que feridos (15 policiais e quatro moradores), mais mortos do que os 104 palestinos eliminados por Israel em Gaza no mesmo dia. Tudo isso por zelo, visando a poupar os moradores daquele emaranhado de favelas, como proclama a versão oficial, ou por arroubo na execução da habitual “justiça sem julgamento”? O governador garante que tudo foi realizado e é investigado “com transparência absoluta”. Há que concordar com ele em um ponto: dentre todas as chacinas contra bandidos ou inocentes ocorridas no Rio (Acari, Candelária, Jacarezinho, Vila Cruzeiro, para citar apenas as mais infames), a da semana passada foi de fato transparente — ostensivamente transparente no resultado.


— O sentimento e a disposição de uma sociedade em relação ao modo de tratar o crime e os criminosos constituem um dos mais seguros termômetros de civilização de uma nação — advertia Winston Churchill num de seus famosos discursos na Câmara dos Comuns, à época ainda imperial.

— O reconhecimento sereno e imparcial dos direitos de um acusado, ou de um condenado perante o Estado [...], é símbolo que afere a força acumulada de uma pátria —assegurava ele naqueles idos de 1910.

Por esse critério, o Brasil foi, ainda é e levará gerações até sair da barbárie. Segundo levantamento do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminente (Geni/UFF), a Região Metropolitana do Rio somou 707 chacinas na região desde 2007, com 2.865 civis mortos nas ações policiais.

A sofreguidão com que brotaram manifestações políticas de solidariedade a Castro sugere que, na eleição de 2026, o recurso à violência como instrumento de segurança pública terá peso. O resultado de uma primeira pesquisa de opinião encomendada pelo jornal bolsonarista Correio da Manhã, realizada pela Arrow Pesquisas, mostra aprovação à operação policial por 68,8% dos fluminenses, ante 24,4% que desaprovam. Outras pesquisas haverão de atestar se — ou quanto — esse levantamento é ideologicamente enviesado.

Em entrevista a Luiz Fernando Toledo, da BBC, o professor da Universidade de Cambridge Graham Denyer Willis não se declarou surpreso. Autor de “The killing consensus”e “Keep the bones alive” (ambos sem edição em português), o acadêmico estuda a atuação de forças policiais no Brasil.

— Não se trata realmente de uma questão de boa ou má operação policial. Não há nada de novo no Comando Vermelho, nem na polícia violenta, nem no tráfico de drogas, nem na chegada de Castro ao poder. Então, por que agora? Foi uma performance pública de Castro para preencher um vazio na política de direita e atrair Donald Trump, além de se inserir no mapa político nacional e internacional — diz ele.

O salto na visibilidade do governador ocorre poucos dias antes de seu julgamento sob a acusação de abuso de poder político e econômico durante a campanha de 2022. Em tese, uma condenação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido pela ministra Cármen Lúcia, poderia levar à cassação de seu mandato. Apenas em tese, pois o empenho de alguns ministros daquela Corte para julgar o caso nesta terça-feira, como agendado, parece ralo. Um oportuno II Simpósio Internacional de Bruxelas, organizado pelo Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados na mesma data, justificará algumas ausências causídicas do país.

Ficará em chão brasileiro o cadáver decapitado de Yago Ravel, de 19 anos, junto aos outros 120 mortos na operação-sucesso do governador.

— Quem disse que foi a polícia que cortou a cabeça? Os criminosos podem ter feito novas lesões nos corpos para chamar a atenção da imprensa — diz Felipe Curi, secretário da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

Poder, podem — e é para isso que uma investigação independente e criteriosa se faz necessária.

Podia se esperar o pior. Mas foi pior que o esperado.

Bogotá, um exemplo de desenvolvimento urbano para o mundo?

Após uma década, o Dia Mundial das Cidades retornou à América Latina. A capital colombiana foi escolhida pelas Nações Unidas (ONU) para sediar o evento mais importante para a reflexão sobre o futuro do urbanismo.

“É muito importante que a América Latina, por meio do que faz em suas cidades, possa se projetar para o mundo e aproveitar isso para um diálogo intercultural produtivo e fraterno, mas que também traga resultados concretos em termos de recursos, ideias e transformações”, disse Elkin Velásquez, diretor regional para a América Latina e o Caribe do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat).

Além da visibilidade internacional que pode facilitar a cooperação entre cidades da região e de outros continentes, como Europa, África e Ásia, Velásquez destaca outros benefícios de sediar o evento. "Há um reconhecimento global do que Bogotá, Colômbia e América Latina estão fazendo", afirma, bem como valiosas lições aprendidas, "porque o Dia Mundial das Cidades reúne experiências concretas em um local específico."

Para Vanessa Velasco, Secretária de Habitat de Bogotá, "este evento representou uma oportunidade para o mundo olhar para Bogotá e reconhecer as transformações que estão ocorrendo na cidade em múltiplas frentes", apontando o desenvolvimento urbano e a habitação como os motores da mudança.

O evento também serviu como ponto de encontro para o setor público, o setor privado, o setor bancário e os cidadãos, onde alianças puderam ser forjadas e "a possibilidade de explorar mecanismos de financiamento alternativos e inovadores que promovam esse desenvolvimento" foi analisada, disse Velasco.

Bogotá recuperou 142 mil metros quadrados de espaço público

Com quase oito milhões de habitantes, Bogotá, assim como outras grandes cidades do mundo, enfrenta desafios globais como a escassez de moradias, a desigualdade e a pressão sobre a terra. Apesar disso, a capital colombiana estabeleceu metas ambiciosas para o futuro.

"A cidade definiu um plano de ação climática que orienta as estratégias para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, com o objetivo de reduzi-las pela metade até 2035 e alcançar a neutralidade de carbono", destaca Velasco.

"Estamos avançando com políticas importantes, como ter a frota elétrica mais limpa da América Latina, promover estratégias de conservação e renaturalização em áreas de risco e implementar projetos baseados na natureza para tornar os centros urbanos mais verdes", explica o funcionário.

"Bogotá está liderando um importante projeto de restauração ambiental em suas colinas orientais, o pulmão verde da cidade, após os 42 hectares afetados por incêndios florestais no ano passado", disse Helène Julien, diretora adjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento para a Colômbia.

A iniciativa, promovida pelo Ministério do Meio Ambiente, visa restaurar ecologicamente 1.300 hectares até 2027. "Trata-se de manter algumas plantações existentes, mas também e sobretudo de plantar novas espécies, mais adaptadas às mudanças climáticas", explica Julien, lembrando que 487 hectares foram restaurados no ano passado.

Para realizar essa restauração, "apoiamos a prefeitura com assistência técnica, bem como com o gerenciamento e controle de espécies exóticas invasoras que aumentam a vulnerabilidade ao risco de desastres", acrescenta ele.

No ano passado, a capital colombiana sofreu os piores efeitos da crise climática com uma seca prolongada. "Surgiu uma situação crítica no abastecimento de água, levando à reflexão sobre como tornar a cidade viável nos próximos anos", lembra Velasco. Entre as medidas em consideração está a intervenção em 170 mil hectares de bacias hidrográficas estratégicas para garantir o abastecimento de água.

Velásquez alerta que o caso de Bogotá não é único, mas sim que "está ocorrendo com frequência crescente: a crise hídrica em Montevidéu há alguns anos, a crise hídrica no vale da Cidade do México ou em cidades do norte do México, como Monterrey, as crises hídricas ou o estresse hídrico em cidades como Mendoza e nos Andes argentinos".

A Secretária de Habitação de Bogotá enfatiza que, para enfrentar essa crise, foi implementada uma estratégia de racionamento e consumo responsável com a participação de todos os setores. Da mesma forma, "foram implementadas soluções de engenharia para recuperar água de diferentes fontes e, além disso, utilizá-la de forma mais eficiente", acrescenta Velásquez, apontando para a reciclagem de água e o uso inteligente da água da chuva.

No ano passado, a cidade enfrentou o maior volume de chuvas em três décadas. "A Secretaria de Habitação está implementando soluções baseadas na natureza, como os Sistemas Urbanos de Drenagem Sustentável (SUDS), em 20 zonas de revitalização, que representam um quarto da área urbana de Bogotá", explica Velasco.

Essa ação, que busca dotar a cidade de uma infraestrutura verde que se adapte aos desafios das mudanças climáticas, faz parte da estratégia Revitalize Your Neighborhood (Revitalize Seu Bairro) , que visa levar moradia, espaço público e transporte para áreas carentes.

"Atualmente, a cidade está avançando em corredores como San Cristóbal e Potosí, fortalecendo a conexão com áreas de difícil acesso", explica o Secretário de Habitação de Bogotá, lembrando que os cabos aéreos complementarão a primeira linha de metrô, que está em construção.

Rio de Janeiro, um Estado serial killer

O governador Cláudio Castro (PL) estava certo ao dizer, antes mesmo do final da caçada humana da última terça-feira no Complexo do Alemão e da Penha, no Rio, que a “mega” operação policial, fora um sucesso. Naquele dia, deu-se conta da morte de 64 pessoas. No dia seguinte, a conta fechou em 121.

Das 5 maiores chacinas da história do Rio, quatro carregam as digitais de Castro. Foram realizadas sobre seu comando e com a sua autorização. A mais recente foi também a maior chacina da história recente do Brasil, superando a de 1992 no Carandiru, a Casa de Detenção de São Paulo, onde a polícia matou 111 presos.

Castro aprendeu que o sentimento de medo em um Estado campeão de mortes serve para justificar execuções extrajudiciais. Segundo observou a jornalista Dorrit Harazim, a chamada “Operação Contenção” fez mais mortos do que presos (113) e mais mortos do que feridos (15 policiais e quatro moradores).

Por sinal, fez mais mortos do que os 104 palestinos eliminados por Israel naquele mesmo dia. Sim, Donald Trump diz ter patrocinado um acordo de paz em Gaza. O que existe lá é um cessar-fogo violado dia sim, dia não por Israel. A guerra entre Israel e o grupo Hamas já custou a vida de 70 mil palestinos em dois anos.


Castro invadiu o Alemão e o complexo da Penha para, a mando da Justiça, prender 100 criminosos do Comando Vermelho, organização que já domina mais de 50% da área metropolitana do Rio. Dos 100, prendeu 20. Dos mais de 100 que morreram, nenhum estava na lista de pessoas que a polícia de Castro foi lá prender.

Um fracasso? Se levado em conta o objetivo oficial da operação, um fracasso de grandes dimensões. Se levado em conta o oculto, o fortalecimento político de Castro, um sucesso. Aumentou a aprovação popular do governo. Castro passou a ser aplaudido em igrejas. Sua candidatura ao Senado tornou-se possível.

A direita bolsonarista, e a outra que se apresenta como civilizada, voltaram a sonhar com a derrota de Lula em 2026. Só lhes faltam, porém, duas coisas: um candidato capaz de enfrentar o desafio com chances reais de vencer; e a unidade entre elas. As duas coisas dependerão também do insucesso de Lula daqui para frente.

Quanto ao avanço territorial no Rio do crime organizado: as chacinas anteriores não o detiveram. Não será essa última que o deterá. O Rio continua lindo, mas mantém a condição de capital do medo. Se tiro, pancada e bomba resolvessem, o Rio reconquistaria o título de cidade maravilhosa, orgulho dos seus moradores.

Estamos muito longe disso, infelizmente.

Quem lê tanta notícia?

“O Sol na banca de revista, me encha de alegria e preguiça, quem lê tanta noticia? “

Pois é, assim falava Caetano Veloso em Alegria, alegria. As bancas de revista que hoje viraram mercadinhos exibiam não só revistas como jornais cheios de notícias. E as pessoas se juntavam na frente para ler enquanto esperavam o bonde. Nostalgias à parte, eram outros tempos. É certo também que o povo lia mais as manchetes, muitas vezes escandalosas e exageradas. Quem tinha dinheiro para comprar jornal? O povão comprava quando dava jornais que faziam o sangue escorrer. Mas a banca cheia de gente era festa. Muitas fotos ilustram esse hábito brasileiro que se perdeu. Aliás, as coisas coletivas se perderam e quando o povo se junta, o que é raro, é para manifestar algum desejo muito forte.


Isso hoje em dia está sendo feito nas redes sociais. Depois que inventaram o celular e com ele as big- techs, a vida mudou. As pessoas andam com o celular diante dos olhos como se a tela substituísse a realidade. Um pouco elas já fazem isso. A realidade pode ser moldada ao bel prazer do comunicador. A mentira está aí para isso. Levar a população a pensar de um jeito que favoreça aquele pensamento, usando mentiras ou verdades.

Todo mundo tem um celular. O último censo feito mostrava que havia mais celular do que gente no Brasil. Em todo lugar todo mundo está diante de um celular. Na rua caminhando, na bicicleta trabalhando, na academia malhando, todos usam o celular e é sempre muito mais para ver alguma coisa do que para se comunicar. A solidão de outros tempos se foi. Hoje você tem “amigos” virtuais e pode ficar sabendo da vida de todos sem precisar ler um jornal. Claro que isso trouxe uma sensação de democratização da comunicação. Ao mesmo tempo um perigo de que aquelas mentiras que falamos possam se difundir e mudar a realidade como até já vimos acontecer.

Um estudo e uma regulamentação são importantes e fundamentais. Esse acesso ao que todos dizem é importante, mas ao mesmo tempo uma ideia de liberdade de expressão precisa de regras. Primeiro que uns comunicam mais do que outros, tem mais verba e atropelam o processo. Depois é preciso que se diga que qualquer associação precisa de regulamentação. Casamento precisa, futebol precisa, enfim, seguindo as regras, ou os limites, tudo é possível. Sua liberdade vai até onde começa a do seu vizinho, já dizia aquele azulejo velho da casa demolida.

É certo também que o povo fica vendo foto, lendo fofoca, jogando e trocando mensagens na maioria dos casos. Mas também é alvo da informação mal intencionada. Essa precisa ser pensada, não sei como, mas a imagem do povo na frente da banca não me sai da cabeça. Todo mundo podia ler tudo o que era permitido expor ali. A ideia de liberdade de expressão americana, por exemplo, é uma ilusão. É feita para os brancos, ricos e na maioria, protestantes. Os negros, os pobres, os grupos segregados não chegam nem perto. Aí reside o problema. O celular reproduz a sociedade que vivemos e tenta mantê-la viva. Se conseguirmos mudar a sociedade, torna-la mais justa talvez consigamos mudar também os celulares. Quem sabe? Vale a pena tentar. Tenho que parar. Meu celular apitou.

A arte de conversar

Um convite para tomar um café é um convite a conversar. Na Europa, as coffee houses remontam ao século XVII. Surgiram em Inglaterra, quando os viajantes introduziram o café como bebida. Foram o berço do Iluminismo, espaços de conversa civilizada, onde todos eram admitidos, independentemente da classe social. Distinguiam-se das tabernas, onde se vendia álcool e onde eram frequentes os desacatos. Locais de partilha e de discussão de notícias, eram conhecidos como as penny universities, um espaço alternativo de aprendizagem, onde quem tinha um penny para pagar o café era admitido e onde a distinção resultava do domínio da arte de conversar.


Hoje desaprendemos de conversar. Conversar implica tempo e um genuíno interesse de escutar o outro. Nem sempre é fácil… Por vezes, discordamos ou perdemos interesse, e nesse momento é mais fácil pegar no omnipresente smartphone, e consultar emails e redes sociais. Um shot de dopamina. A sua mera presença, mesmo desligado, mas no nosso campo de visão, já nos desconcerta… Como fazer uma confidência ou partilhar uma preocupação, se é iminente a interrupção? O diálogo foca-se no mundano. Estamos destreinados. Constantemente interrompidos, temos dificuldade em nos concentrarmos numa única tarefa, promovemos e desejamos o multitasking. Estejamos no parque infantil, em casa a preparar o jantar ou no escritório a rever um documento, o telefone está lá, e com ele a nossa atenção dividida.

Subestimamos o poder de uma máquina desenhada para capturar e manter a nossa atenção, e quando nos sentimos isolados recorremos a uma app de meditação ou de companhia. O ChatGPT tem sempre uma palavrinha certa e esquecemos que é uma máquina. Que não tem corpo, não adoece, não morre. Não pode, por isso, compreender as nossas ansiedades enquanto seres humanos. Apesar de tão eloquente, as suas interações não são verdadeiras, mas simulacros.

Embora estejamos neurologicamente aptos à nascença para aprender a falar, conversar envolve uma aprendizagem. Tal acontece, primeiro, na família. É nesse espaço que a criança é destinatária de atenção, compreende o impacto das palavras, como podem transmitir alegria ou causar dor. Mas se o adulto não olha a criança nos olhos, se usa o ecrã como um cuidador substituto, se é o primeiro a desrespeitar a regra de que “à mesa não há telefones”, como educar para a empatia?

Sem ferramentas sociais básicas, que deveriam ser apreendidas no ambiente seguro da família, não surpreende que na escola crianças e adolescentes prefiram os telemóveis e, ao invés de conversarem sobre o que sentem, gostam ou pensam, prefiram falar sobre o que está no seu ecrã. Tornam-se exímios na arte de aperfeiçoar o seu “avatar” nas redes sociais. Estas não são um diário, onde aprendem a falar com o seu eu interior, mas um registo “editado” do seu dia a dia. Uma “exposição”, como num museu, para o seu público, os seus seguidores, os seus “amigos online”. Nos adultos, a forma superior desta “curadoria de exposição” é o LinkedIn, onde somos todos o perfeito profissional.

Peritos em selecionar imagens e escrever textos curtos, optamos por trocar mensagens escritas. Mesmo no trabalho, evitamos o contacto humano. Esgrimimos emails.

Ao reconhecermos a nossa vulnerabilidade perante o poder desta maquineta que nos cabe no bolso, e perante a constatação de que o legislador tarda em intervir, estamos em condições de agir no nosso círculo social. Em família, assegurando espaços e horas livres de smartphones e portáteis. No trabalho, criando um pequeno espaço físico acolhedor, seja para uma refeição leve ou um café, onde procuramos conhecer os nossos colegas. Nos liceus e universidades, devotando um dos cafés/cafetarias a um espaço sem telefones. Precisamos de espaços físicos para conversar. Vamos tomar um café?

Facções eleitorais

Quase todo brasileiro é técnico de futebol. Há outras expertises nacionais. Somos curandeiros de plantão, com dicas medicinais infalíveis, experts em moralismos baratos, imbatíveis nos pitacos para levar vantagem em tudo. Desde a terça-feira passada, nos tornamos peritos em segurança pública, detentores de respostas precisas para salvar os milhões de cidadãos reféns de facções e milícias. Tudo a revelar que ninguém sabe, de fato, o que fazer para enfrentar o crime cada vez mais organizado.

Entre o digladio ideológico e populista de esquerda e direita, só uma coisa é certa: a falência do Estado e a falta de disposição política para buscar saídas.


Sem entrar no mérito da megaoperação do governo do Rio nos complexos do Alemão e Penha (que condeno na forma e no resultado, mas não me sinto apta para criticar ou elogiar por não me incluir entre os especialistas da vez), as cenas de guerra civil e de corpos enfileirados na rua são de arrepiar. E a elas se somam ao escárnio de políticos que transformam o medo da população em moeda eleitoral. É disso que se trata o tal “Consórcio da Paz”.

Proposta pelos governadores de direita – Tarcísio de Freitas (SP), Ibaneis Rocha (DF, representado pela vice Celina Leão), Eduardo Reidel (MS), Jorginho Mello (SC), Ronaldo Caiado (Goiás), Romeu Zema (Minas) -, os três últimos presentes a uma reunião em apoio ao governador do Rio, Claudio Castro, a ideia é que esses estados troquem dados, experiência e até reforços no combate às facções. Ao mesmo tempo, eles se negam peremptoriamente a apoiar a PEC do governo federal que prevê a integração de forças para o combate do crime organizado. E o fazem mesmo depois de o governo Lula abrir mão de coordenar as ações, o que era tido por eles como tentativa de interferir na autonomia dos Estados. Ou seja, preferem fazer campanha eleitoral.

Facções criminosas e milícias não surgiram da noite para o dia. Crescem em progressão geométrica. Estão no Norte e no Nordeste, alcançaram o Sul e Centro-Oeste e há anos fazem festa no Sudeste. Mas só viram emergência quando os políticos precisam. Agora não foi diferente.

Sem exceção, todos à direita, que até então se via aprisionada ao ex inelegível e condenado Jair Bolsonaro, viram na guerra do Rio a chance de sair das cordas. E agem com exagero. Chegam, como Caiado, candidato ao posto de Lula, a defender a matança. “O que o secretário de Segurança e as polícias conseguiram no Rio é algo inédito e tem que ser aplaudido”, comemora o goiano. Acusam o governo central pelo crescimento da violência com a qual convivem (e nada fazem) há tempos, seja no Rio ou nos demais estados em que as facções atuam.

Entre os governistas reina a confusão. Parte lamenta o atraso no envio do projeto antifacção, pronto há mais de três meses e só assinado sexta-feira pelo presidente. Outra corrente insiste na visão exclusiva de desrespeito aos direitos humanos, facilitando que opositores os tachem como defensores de bandidos. Lula, que há poucos dias enveredou-se pela absurda frase de que traficantes eram vítimas de usuários, está calado. Só fala por escrito.

Nas redes, os defensores do governo tentam levantar a bola com exemplos das ações da Polícia Federal, que desbaratou operações do PCC paulista sem dar um único tiro. É fato louvável. Mas não tem o condão de fazer frente à rendição das populações pobres sob jugo de criminosos. Que veem seus filhos sendo cooptados por traficantes, que pagam mais caro por gás, internet e alimentos, que não podem nem mesmo ir e vir sem autorização prévia. Nada disso se resolve com novas leis.

Há mérito na lei que amplia penas de integrantes de facções, mas isso pouco vale quando o país inteiro sabe que o Código Penal existente não é cumprido. Nesse quesito, a Justiça fica muito mal na fita. Dos 121 mortos na terça-feira de horror do Rio, 78 tinham “histórico criminal relevante”, incluindo crimes hediondos. Pergunta-se: por que estavam soltos?

A terrível conclusão – novamente sem entrar no mérito da operação – é que não há mocinho nessa história. O crime organizado se alimenta do desinteresse e inoperância das instituições, enquanto políticos, como facções eleitorais, utilizam a criminalidade para turbinar suas campanhas. Os milhares de reféns nas comunidades do Rio e em tantos lugares esquecidos do Brasil que se danem. De um lado e do outro da rinha política eles são só números, estatísticas… e votos.

O que une os atentados em Israel, ataques americanos no Caribe e a operação do Bope no Rio?

A chacina de israelenses em outubro de 2023, as execuções sumárias de palestinos pelo Hamas, a campanha militar de Israel na Faixa de Gaza, o bombardeio americano de embarcações no Caribe e no Pacífico e a operação da polícia no Rio de Janeiro têm um propósito político comum: saciar a sede de sangue do público.

Desde a Antiguidade, quando imperadores romanos punham gladiadores para lutar, os políticos lançam mão desse truque: entreter o povo com violência explícita. O Taleban promovia execuções nos intervalos das partidas de futebol. Pessoas agitadas pelo medo e pela raiva são fáceis de manipular.


Vídeos dos bombardeios de lanchas no Caribe, que já mataram dezenas, são publicados no X pelo secretário da Guerra americano, Pete Hegseth. Assassinatos feitos para serem exibidos. Sua eficácia policial é nula.

A forma correta de conter o narcotráfico é abordar as embarcações com lanchas da Guarda Costeira, confiscar e examinar a droga, deter e interrogar os traficantes, para investigar a complexa cadeia que vai da sua produção à venda. Mas esse é um trabalho sigiloso, que não produz imagens semelhantes a videogame.

Em 2002, a Comuna 13 de Medellín era ocupada por traficantes, paramilitares e guerrilheiros. Em outubro daquele ano, o então presidente Álvaro Uribe ordenou a Operação Orión, que resultou na morte de 17 pessoas pela Polícia Nacional e 71 pelos paramilitares, equivalentes colombianos dos milicianos cariocas.

Diante do caos, moradores de Medellín criaram o Comitê Universidade-Empresa-Estado, que passou a discutir soluções para a cidade. Cada um saía da reunião com uma tarefa. Daí nasceram planos integrados de segurança, transporte, urbanismo, meio ambiente, empreendedorismo, empregabilidade e inovação.

A taxa de homicídios por 100 mil habitantes caiu de 160 em 2000 para 85 em 2010 e 14 em 2020. Fui a Medellín em 2006 e 2017 fazer reportagens sobre a transformação. Sucessivos prefeitos deram continuidade aos planos, vinculados a consensos construídos na cidade, não a disputas políticas.

A lógica binária faz pensar que ou se fica de braços cruzados ou se parte para a violência indiscriminada. O uso tecnicamente incorreto de “guerra” e “terrorismo” para definir o crime organizado é parte do ilusionismo. Passei a vida cobrindo guerra e terrorismo de verdade, assim como a criminalidade no Brasil. São fenômenos diferentes, que precisam ser combatidos de formas diferentes. É fácil recorrer à violência. Dá trabalho construir soluções efetivas. Mas vale a pena.