segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A arte de conversar

Um convite para tomar um café é um convite a conversar. Na Europa, as coffee houses remontam ao século XVII. Surgiram em Inglaterra, quando os viajantes introduziram o café como bebida. Foram o berço do Iluminismo, espaços de conversa civilizada, onde todos eram admitidos, independentemente da classe social. Distinguiam-se das tabernas, onde se vendia álcool e onde eram frequentes os desacatos. Locais de partilha e de discussão de notícias, eram conhecidos como as penny universities, um espaço alternativo de aprendizagem, onde quem tinha um penny para pagar o café era admitido e onde a distinção resultava do domínio da arte de conversar.


Hoje desaprendemos de conversar. Conversar implica tempo e um genuíno interesse de escutar o outro. Nem sempre é fácil… Por vezes, discordamos ou perdemos interesse, e nesse momento é mais fácil pegar no omnipresente smartphone, e consultar emails e redes sociais. Um shot de dopamina. A sua mera presença, mesmo desligado, mas no nosso campo de visão, já nos desconcerta… Como fazer uma confidência ou partilhar uma preocupação, se é iminente a interrupção? O diálogo foca-se no mundano. Estamos destreinados. Constantemente interrompidos, temos dificuldade em nos concentrarmos numa única tarefa, promovemos e desejamos o multitasking. Estejamos no parque infantil, em casa a preparar o jantar ou no escritório a rever um documento, o telefone está lá, e com ele a nossa atenção dividida.

Subestimamos o poder de uma máquina desenhada para capturar e manter a nossa atenção, e quando nos sentimos isolados recorremos a uma app de meditação ou de companhia. O ChatGPT tem sempre uma palavrinha certa e esquecemos que é uma máquina. Que não tem corpo, não adoece, não morre. Não pode, por isso, compreender as nossas ansiedades enquanto seres humanos. Apesar de tão eloquente, as suas interações não são verdadeiras, mas simulacros.

Embora estejamos neurologicamente aptos à nascença para aprender a falar, conversar envolve uma aprendizagem. Tal acontece, primeiro, na família. É nesse espaço que a criança é destinatária de atenção, compreende o impacto das palavras, como podem transmitir alegria ou causar dor. Mas se o adulto não olha a criança nos olhos, se usa o ecrã como um cuidador substituto, se é o primeiro a desrespeitar a regra de que “à mesa não há telefones”, como educar para a empatia?

Sem ferramentas sociais básicas, que deveriam ser apreendidas no ambiente seguro da família, não surpreende que na escola crianças e adolescentes prefiram os telemóveis e, ao invés de conversarem sobre o que sentem, gostam ou pensam, prefiram falar sobre o que está no seu ecrã. Tornam-se exímios na arte de aperfeiçoar o seu “avatar” nas redes sociais. Estas não são um diário, onde aprendem a falar com o seu eu interior, mas um registo “editado” do seu dia a dia. Uma “exposição”, como num museu, para o seu público, os seus seguidores, os seus “amigos online”. Nos adultos, a forma superior desta “curadoria de exposição” é o LinkedIn, onde somos todos o perfeito profissional.

Peritos em selecionar imagens e escrever textos curtos, optamos por trocar mensagens escritas. Mesmo no trabalho, evitamos o contacto humano. Esgrimimos emails.

Ao reconhecermos a nossa vulnerabilidade perante o poder desta maquineta que nos cabe no bolso, e perante a constatação de que o legislador tarda em intervir, estamos em condições de agir no nosso círculo social. Em família, assegurando espaços e horas livres de smartphones e portáteis. No trabalho, criando um pequeno espaço físico acolhedor, seja para uma refeição leve ou um café, onde procuramos conhecer os nossos colegas. Nos liceus e universidades, devotando um dos cafés/cafetarias a um espaço sem telefones. Precisamos de espaços físicos para conversar. Vamos tomar um café?

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