quarta-feira, 7 de novembro de 2018
Sabe quem você está lendo?
Temos muitos jornais, mas, paradoxalmente, falamos pouco deles porque – diferentemente dos livros e relatórios oficiais e científicos – o jornal fala de tudo. Ele é um informante daquilo que ocorre nos grande centros urbanos e, antes dos telefones celulares, era um balizador de comportamentos: um importante mapa comportamental. Nele, encontramos estampados nossas vergonhas, heroísmos e sofrimentos; nossas conquistas e atrasos. Hoje, o jornal tem balizado os fatos maquiados (fake news) e nele temos prova dos rompimentos impensáveis com as rotinas (crimes, escândalos, acidentes, aventuras, etc...) à sua reafirmação como fazem prova os “cadernos” sobre a cidade, a política, a alta sociedade, as artes, a economia e o esporte. Em suma, “o que vai pelo mundo”, dividido nas categorias pelas quais a nós, como um sistema cosmológico, tomamos como fundamental para o nosso modo de pensar.
O jornal e o jornalismo rotineiro ou de ocasião são um importante instrumento de orientação sociopolítica e seus profissionais são fundamentais com observadores de nossas percepções do mundo. Alguns presumivelmente atados aos fatos (repórteres que descrevem abrindo mão do interpretar); outros, com a obrigação de interpretar mais do que narrar. A esta simplória divisão interna, contudo, intromete-se a incapacidade humana de escapar de si mesma de modo que, mesmo quando descrevemos, interpretamos e, mesmo interpretando, descrevemos.
É impossível não tomar partido. O velho e sábio adágio atribuído ao historiador romano Caio Cornélio Tácito – “sine ira et studio” (sem ódio ou condescendência) – foi proclamado justo pela nossa disposição em tomar partido. Quando se diz que não há raiva ou pressuposto, já estamos tomando um partido a ser visto como a busca da neutralidade, das terceiras margens dos rios acentuadas por Guimarães Rosa. Coisa complexa nas guerras, mas igualmente estruturantes da nossa capacidade de compreender e perdoar.
Exprimindo sem querer, mas querendo, os valores que os engendraram, os jornais diários acabam nos mostrando “quem estamos lendo”. Se vamos ao seu editorial, lemos a sua opinião. Se vamos às páginas que fazem o jogo do poder, temos em pílulas informações irônicas sobre os poderosos; se, porém, vamos aos seus cronistas, encontramos tentativas de distanciamento dos becos sem saída do mundo diário ao lado de muitas maluquices, como é o meu caso.
É quando sabemos quem estamos lendo, pois, na crônica, há o espaço para o reflexão que permite consenso, dissenso ou recusa. Ali há também o sermão e o conselho, que as páginas do próprio periódico, precisamente por ser periódico, têm dificuldade em aquilatar. No fundo, o jornal procura acasalar a seu modo evento e estrutura, algo que as sociedades humanas se obrigam a fazer desde que se descobriram os contrastes entre o acreditar e o observar, o sentir e o explicar...
Viva os jornais que falam de tudo. Não é por acaso que sua supressão é o sinal mais óbvio dos despotismos. O jornal nos ajuda a saber quem estamos lendo. Tal como ocorre com o sabe com quem estamos falando. Um assunto para outro dia...
Um enigma chamado Governo Bolsonaro
Não perceberam ou não quiseram enxergar que o petista se reinventara, passando ao largo de conflitos que arrastaram José Serra e Ciro Gomes. Por certo despeito, passaram a crer que o ex-metalúrgico não conseguiria governar; anunciavam o desastre. E não foi bem assim. Quando deu certo, desdenhavam que Lula apenas “dava sequências aos acertos de FHC”. Na época, lhes perguntava: “e vocês acham errado?”
Seguindo esse soberbo instinto, em 2006 deram Lula como morto, em virtude do mensalão. A eleição de Geraldo Alckmin seria um passeio. Passeio, porém, foi a vitória do petista, que entrou em campo apenas na reta final e fez com que Alckmin tivesse no segundo turno menos votos do que obtivera no primeiro. Uma extravagância digna do Guinness Book.
E assim perseveraram supondo que a candidata inventada por Lula não resistisse à campanha eleitoral, pois perderia a paciência, a estribeira, a eleição. O mesmo pensaram em relação ao que chamaram de poste, Fernando Haddad, em 2012; o que se repetiu em 2014, novamente com Dilma, tendo Lula entrado em campo apenas na última semana do segundo turno.
Cópia da Esfinge, made in China |
O primeiro argumento em favor de Bolsonaro se usava também em defesa de Lula: ninguém chega à presidência da República em vão. Na política, idiotas morrem cedo. A Bolsonaro cabem vários tipos de crítica, menos a de que seja bobo. Afinal, venceu pleito concorridíssimo, aparentemente sem recursos e superou diversas barreiras. Jogou e se deu bem, sendo a sensação do primeiro turno e pautando palanques estaduais no segundo. Gostem ou não, deu o tom da eleição.
“Circunstâncias”, “espírito do tempo”, “sorte”… Não importa. O fato é que, tendo por base uma mensagem direta e o sentimento antissistema, Bolsonaro e seu exército brancaleone operaram extraordinariamente bem as condições e as oportunidades que os cercaram.
O mesmo pode ocorrer durante o governo. Não se trata de torcer a favor ou contra, mas de possibilidade que não pode ser descartada.
À parte dos sinais desencontrados e aparentes erros cometidos nesses dias de transição e das inúmeras frentes de conflito que tem aberto, o certo é que ao projetar um Superministério da Justiça e convidar para ele o juiz Sérgio Moro, Bolsonaro parece alçar mira em objetivos muito claros, que ultrapassam o combate à corrupção e ao crime organizado. Com o propósito de pacificar o país, o eleito se pinta para guerra. Seu símbolo é Caxias, que se fez herói pelo enfrentamento de revoltosos, não pela contemplação de interesses.
No esforço para construir a governabilidade de seu mandato, o arranjo da Justiça com Moro parece fazer sentido, seja entregando a seu eleitor as promessas da campanha — o que lhe elevaria a popularidade —, seja dissuadindo adversários por meio dos instrumentos legais que terá em mãos.
Ao invés de negociar e ceder ao fisiologismo, Bolsonaro pode estar em vias construir um mandato cuja estratégia tenho chamado “governabilidade coercitiva”. Alto impacto.
Até aqui, o embate eleitoral foi jogo de damas, um come-come. A dinâmica da alternância de poder, na tentativa de instalação de um novo ciclo, é diferente, mais sutil: jogo de xadrez. A atenção a todos os lances, movimentos diversionistas, performáticos, e movimentos de fundo é imprescindível.
Qualquer objeto requer que os atores sejam compreendidos e, por isso, respeitados — sem preconceitos ou desdém. Este o papel do analista: “nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento”, como diz Spinoza. Já à oposição, até para não ser devorada como tucanos, caberá observar, intuir, compreender e decifrar os enigmas do próximo governo. Eis a tarefa e o esforço para os próximos meses.Carlos Melo
'É a sociedade digital, estúpido!'
Bolsonaro é um case de marketing. Candidato pelo então minúsculo PSL, sem apoio dos partidos tradicionais, sem dinheiro, criticado de forma contundente pela maioria dos acadêmicos, artistas e veículos de comunicação (nacionais e internacionais), com acesso ínfimo ao horário eleitoral e, ainda, em claro confronto com a “ordem” vigente (ideológica, econômica e política), venceu com 57,8 milhões de votos.
O sociólogo espanhol Manuel Castells, estudioso dos movimentos sociais na era da internet, diz, há anos, que o modelo democrático conservador está esgotado. A indignação começa nas redes sociais e transborda para as ruas e urnas. De fato, em 2013, cerca de 1,3 milhão de pessoas protestaram no asfalto externando a insatisfação popular que já era evidente na internet. O reflexo nas urnas demorou, mas chegou...
À época, inúmeras raposas da política brasileira disseram que os interesses eram difusos e que faltava uma “causa” aos manifestantes. Ignoraram grande parte das infinitas razões do descontentamento. Bolsonaro — até então um deputado inexpressivo, com posições e frases polêmicas —, ao contrário, viajou pelo Brasil e pelo mundo virtual, personificando a insatisfação social “contra tudo e contra todos”. Conforme pesquisa da FGV, 78% dos brasileiros não confiavam nos políticos e nos partidos. Por outro lado, a sociedade confiava nos militares (45,8%) e na Igreja (61,5%). O capitão cristão fortaleceu-se na internet como oposição ao “sistema” enquanto os políticos discutiam como distribuir verbas dos fundos partidário e eleitoral, tempo de televisão e palanques nos estados. Alguns ainda defenderam colegas corruptos, que já estavam presos ou que deveriam estar.
A carcomida estrutura política brasileira desprezou a era digital: o Facebook do maior partido brasileiro em número de filiados, o MDB, é curtido por apenas 79.659 pessoas, enquanto o do Nas Ruas, criado pela sociedade civil, tem 770.075 curtidas. O PSDB coligou-se com o Centrão para tornar-se o “campeão” de minutos no horário eleitoral, mas morreu longe da praia. O seu Facebook tem 1,3 milhão de curtidas, enquanto o do movimento Vem Pra Rua Brasil possui mais de dois milhões. O PT, recriminado pelo rapper Mano Brown por “não falar a língua do povo”, também não se destaca na linguagem virtual.
O seu Facebook tem 1,5 milhão de curtidas, praticamente a metade das 3,1 milhões do Movimento Brasil Livre, que se insurgiu contra o aumento das passagens em São Paulo. A título de comparação, o Facebook de Jair Bolsonaro é curtido por 8,7 milhões de pessoas...
Nas outras redes, não é muito diferente. O Twitter de Bolsonaro tem 2,3 milhões de seguidores contra 1,1 milhão de Haddad. No Instagram, os 6,8 milhões de seguidores de Bolsonaro superam a soma dos que seguem todos os outros recém-candidatos a presidente.
Os dados são relevantes, pois, no ano passado, em pesquisa da FGV, quase a metade dos entrevistados (49,5%) disse que se informa sobre política no Facebook, Twitter, WhatsApp, blogs e sites.
Nas campanhas eleitorais, nada será como antes de 2018. O país possui 139 milhões de internautas e 120 milhões de contas de WhatsApp. Existem 220 milhões de smartphones para 209 milhões de habitantes.
Na Grécia Antiga, a sociedade se reunia na Ágora, a praça do povo, para debater com os arcontes, embaixadores e generais. A cidadania agora é tratada nas redes sociais, às vezes à revelia do que desejam os partidos políticos, seus dirigentes e muitos dos que pensavam ter ingerência sobre o pensamento da sociedade brasileira.
Para os que ainda não entenderam como Bolsonaro venceu, sugiro adaptarem a frase do marqueteiro de Clinton, James Carville. É a sociedade digital, estúpido!Gil Castello Branco
Festa no Congresso escancara a falta de líderes
Reuniram-se no plenário do Congresso nesta terça-feira as principais autoridades da República. Foram festejar o aniversário de 30 anos da Constituição. A solenidade ocorreu num instante em que o país vive tempos extraordinários. Tempos assim costumam produzir líderes extraordinários. Onde estão eles agora?, poderia perguntar qualquer brasileiro que lançasse um olhar em direção à mesa de autoridades. Lá estavam:
1. Michel Temer, um presidente da República em fim de linha, precedido por um rastro pegajoso que imprime nos salões do poder as marcas de duas denúncias por corrupção e dois inquéritos criminais.
2. José Sarney, um ex-presidente da República que frequenta os livros de história como campeão do atraso na política brasileira —tanto por antiguidade quanto, sobretudo, por merecimento.
3. Eunício Oliveira e Rodrigo Maia, presidentes do Senado e da Câmara, o “Índio” e o “Botafogo” das planilhas da Odebrecht. Ambos protagonistas de inquéritos criminais.
4. Dias Toffoli, o magistrado que chegou ao Supremo cavalgando um currículo tisnado por reprovações em concursos públicos para juiz federal. Na Suprema Corte, compõe a turma dos adeptos da política de celas vazias.
5. Raquel Dodge, a procuradora-geral da República que deveria fazer das perversões ao redor a matéria-prima para um trabalho mais profícuo.
6. Jair Bolsonaro, o grande beneficiário de toda a barafunda, um capitão exótico que o eleitorado brasileiro transferiu do baixíssimo clero da Câmara para os píncaros do Planalto.
Todos renderam homenagens à Constituição. Uns, como Toffoli e Dodge, cobraram respeito ao livrinho. Bolsonaro acorrentou-se aos texto constitucional. “Na democracia há só um norte: o da nossa Constituição”, disse o personagem que comandará a nação a partir de 1º de janeiro.
Pronunciadas por um orador que já utilizou os microfones do Parlamento para enaltecer um torturador e pregar o “fechamento temporário do Congresso”, as palavras de Bolsonaro valem como uma espécie de conversão. Uma conversão do mesmo nível da que sucedeu na estrada de Damasco, no século 1, com o soldado Saulo.
Implacável perseguidor de cristãos, Saulo, de repente, foi paralisado por uma luz ofuscante. Caiu do cavalo e ouviu uma voz vinda do céu: “Saulo, por que me persegues?” Por algum tempo, Saulo ficou cego, tamanha a claridade que o invadiu. Consumou-se assim, em circunstâncias espetaculares, a conversão de São Paulo, um dos pilares do cristianismo.
Nas rapidíssimas palavras que pronunciou na festa dedicada à Constituição, Bolsonaro escorou-se no Todo Poderoso. Em dois minutos, referiu-se a Deus cinco vezes. De fato, precisará Dele para operar o milagre de retirar o Brasil do precipício em que o enfiaram.
Indicado para o Supremo por Lula, Toffoli deu uma ideia do que pode ocorrer com o capitão se Deus não corresponder à sua devoção. ''Temos passado por episódios turbulentos”, discursou Toffoli, antes de enumerar as turbulências mais recentes:
“A investigação de políticos, o impeachment de uma presidente da República (Dilma), a cassação de um presidente da Câmara dos Deputados (Cunha) e a prisão de um ex-presidente (Lula). No entanto, olho para o futuro com otimismo, pois todos os impasses foram resolvidos de maneira institucional e com respeito às leis brasileiras.”
Quem ouviu Toffoli pode ter caído na tentação de fazer uma leitura menos otimista dos fatos. Se eles comprovaram alguma coisa foi o seguinte: a democracia brasileira, que a Constituição de 1988 consolidou, tornou-se um regime que saiu pelo ladrão. Apodrecido, o sistema político revelou-se incapaz de se auto-depurar. A lama exposta pelo rodo da Lava Jato estimulou o eleitorado a chutar o balde de onde saiu Bolsonaro.
Encerrada a solenidade no Congresso, Bolsonaro foi para o compromisso seguinte: um encontro com o ministro da Defesa, general Silva e Luna, seu companheiro de armas. Aos repórteres que estranharam a coincidência, o capitão respondeu: “Os militares terão um papel importante no governo.” Com tantos políticos civis em estado penoso, os militares voltaram à moda 33 anos depois de terem caído em descrédito.
Retorne-se, por oportuno, à pergunta do primeiro parágrafo: nesses tempos extraordinários, onde estão os líderes extraordinários? Na era do poder pulverizado, o grande líder, ou o suposto grande líder, já não existe. Faltam líderes tanto quanto sobram incertezas.
O poder do Estado, hoje, é partilhado com empresários, movimentos sociais, igrejas e outros focos de influência paraestatal. Desde 2013, o principal foco de poder é o asfalto. No limite, o grande líder é você.
1. Michel Temer, um presidente da República em fim de linha, precedido por um rastro pegajoso que imprime nos salões do poder as marcas de duas denúncias por corrupção e dois inquéritos criminais.
2. José Sarney, um ex-presidente da República que frequenta os livros de história como campeão do atraso na política brasileira —tanto por antiguidade quanto, sobretudo, por merecimento.
3. Eunício Oliveira e Rodrigo Maia, presidentes do Senado e da Câmara, o “Índio” e o “Botafogo” das planilhas da Odebrecht. Ambos protagonistas de inquéritos criminais.
4. Dias Toffoli, o magistrado que chegou ao Supremo cavalgando um currículo tisnado por reprovações em concursos públicos para juiz federal. Na Suprema Corte, compõe a turma dos adeptos da política de celas vazias.
5. Raquel Dodge, a procuradora-geral da República que deveria fazer das perversões ao redor a matéria-prima para um trabalho mais profícuo.
6. Jair Bolsonaro, o grande beneficiário de toda a barafunda, um capitão exótico que o eleitorado brasileiro transferiu do baixíssimo clero da Câmara para os píncaros do Planalto.
Todos renderam homenagens à Constituição. Uns, como Toffoli e Dodge, cobraram respeito ao livrinho. Bolsonaro acorrentou-se aos texto constitucional. “Na democracia há só um norte: o da nossa Constituição”, disse o personagem que comandará a nação a partir de 1º de janeiro.
Pronunciadas por um orador que já utilizou os microfones do Parlamento para enaltecer um torturador e pregar o “fechamento temporário do Congresso”, as palavras de Bolsonaro valem como uma espécie de conversão. Uma conversão do mesmo nível da que sucedeu na estrada de Damasco, no século 1, com o soldado Saulo.
Implacável perseguidor de cristãos, Saulo, de repente, foi paralisado por uma luz ofuscante. Caiu do cavalo e ouviu uma voz vinda do céu: “Saulo, por que me persegues?” Por algum tempo, Saulo ficou cego, tamanha a claridade que o invadiu. Consumou-se assim, em circunstâncias espetaculares, a conversão de São Paulo, um dos pilares do cristianismo.
Nas rapidíssimas palavras que pronunciou na festa dedicada à Constituição, Bolsonaro escorou-se no Todo Poderoso. Em dois minutos, referiu-se a Deus cinco vezes. De fato, precisará Dele para operar o milagre de retirar o Brasil do precipício em que o enfiaram.
Indicado para o Supremo por Lula, Toffoli deu uma ideia do que pode ocorrer com o capitão se Deus não corresponder à sua devoção. ''Temos passado por episódios turbulentos”, discursou Toffoli, antes de enumerar as turbulências mais recentes:
“A investigação de políticos, o impeachment de uma presidente da República (Dilma), a cassação de um presidente da Câmara dos Deputados (Cunha) e a prisão de um ex-presidente (Lula). No entanto, olho para o futuro com otimismo, pois todos os impasses foram resolvidos de maneira institucional e com respeito às leis brasileiras.”
Quem ouviu Toffoli pode ter caído na tentação de fazer uma leitura menos otimista dos fatos. Se eles comprovaram alguma coisa foi o seguinte: a democracia brasileira, que a Constituição de 1988 consolidou, tornou-se um regime que saiu pelo ladrão. Apodrecido, o sistema político revelou-se incapaz de se auto-depurar. A lama exposta pelo rodo da Lava Jato estimulou o eleitorado a chutar o balde de onde saiu Bolsonaro.
Encerrada a solenidade no Congresso, Bolsonaro foi para o compromisso seguinte: um encontro com o ministro da Defesa, general Silva e Luna, seu companheiro de armas. Aos repórteres que estranharam a coincidência, o capitão respondeu: “Os militares terão um papel importante no governo.” Com tantos políticos civis em estado penoso, os militares voltaram à moda 33 anos depois de terem caído em descrédito.
Retorne-se, por oportuno, à pergunta do primeiro parágrafo: nesses tempos extraordinários, onde estão os líderes extraordinários? Na era do poder pulverizado, o grande líder, ou o suposto grande líder, já não existe. Faltam líderes tanto quanto sobram incertezas.
O poder do Estado, hoje, é partilhado com empresários, movimentos sociais, igrejas e outros focos de influência paraestatal. Desde 2013, o principal foco de poder é o asfalto. No limite, o grande líder é você.
Cotonetes, o maior perigo dos oceanos?
E de praticamente cada mochila no metrô há uma garrafa PET de água espiando – como se não houvesse torneiras suficientes nos escritórios, escolas ou universidades alemães. As quais, aliás, fornecem água perfeitamente potável e muitas vezes fresca e saborosa – mas esse é um outro assunto.
Então quer dizer que todo esse luxo de artigos descartáveis e dispensáveis vai parar automaticamente no mar? Claro que não. Pois em toda a Europa há sistemas abrangentes de eliminação de lixo, em parte até mesmo separado por material e com elevadas taxas de reaproveitamento.
E quem frequenta regularmente as praias europeias ou veleja no Mediterrâneo sabe que, na realidade, cotonetes, canudinhos e garfos de plástico não são o maior problema. O que mais se encontra sobre a água e à beira dela são garrafas d'água, sacolas plásticas, restos de rede de pescar e frascos de óleo para motor e xampu.
Ninguém quer proibir fundamentalmente nenhuma dessas coisas. Entretanto, com sistemas de depósito impostos por lei ou preços mínimos, o problema se reduziria radicalmente. Aqui está a chance de a UE mostrar serviço!
No entanto, os verdadeiros focos de poluição marinha não se situam na Europa. Oito dos dez rios que diariamente despejam o maior número de toneladas de plástico se situam na Ásia, e os outros dois, na África. Então, o que pode fazer a Europa? Nada além de compartilhar imagens alarmantes nas redes sociais e lamentar a miséria do mundo?
Não, é claro que a Europa dispõe de opções bem diferentes. Por exemplo ajudar as regiões nas bacias desses rios mais sujos a construírem sistemas decentes de coleta e reciclagem, a fim de que o lixo não seja mais despejado na água corrente. Para tal, empresas europeias, e em especial alemãs, oferecem excelentes projetos e instalações altamente eficientes. Só que nos países em questão ninguém quer ou pode pagar por isso.
Portanto, se a questão é realmente tão importante para nós, europeus, não há alternativa senão meter a mão no próprio bolso e lançar projetos de desenvolvimento nesse sentido. Essa, pelo menos, seria uma política eficaz e sustentável. Mas, claro, bem mais cara do que proibir talheres descartáveis e cotonetes.
Felix Steiner
O que o capitão deveria prender com Caxias
As circunstâncias impõem que revisitemos a Revolução Liberal de 1842. Naquela ocasião, o povo rebelou-se em Minas Gerais e São Paulo contra a centralização do poder político, promovida pelos conservadores, em 1840, em favor da Corte imperial, por meio do chamado Ato de Interpretação do Ato Adicional de 1834. Contavam também com o apoio dos Farrapos, que ainda resistiam no Rio Grande do Sul. Em Minas Gerais, eram liderados por Teófilo Otoni. Seus correligionários − e ele próprio − foram derrotados em uma batalha ocorrida num local denominado Muro de Pedra, nos arredores de Santa Luzia. Quem conduzia as tropas imperiais era Luís Alves de Lima e Silva, o então barão de Caxias. Preso, Teófilo Otoni foi conduzido a Ouro Preto. Seria julgado em Mariana por crime de lesa-majestade, correndo o risco de ser condenado à morte.
Perto de Sabará, Caxias ficou sabendo que Teófilo Otoni estava sendo conduzido, de Santa Luzia a Ouro Preto, a pé, com pernas e braços atados. Determinou que lhe fosse dada montaria e que as correntes fossem retiradas. Assegurou-lhe, ainda, que teria direito a um julgamento imparcial. No tribunal, Teófilo Otoni assumiu sua própria defesa e foi absolvido. Sua fama espalhou-se. A partir daí, os membros do Partido Liberal, no Segundo Reinado, passaram a ser conhecidos como os “luzias”. Anistiado em 1844, Teófilo Otoni foi eleito para a Câmara dos Deputados, lá permanecendo até 1850. Afastou-se da política por uma década, período em que fundou uma colônia agrícola e uma companhia de comércio e navegação no vale do Mucuri. Construiu, ainda, a famosa estrada de ferro Bahia-Minas.
Nos anos 60 do século XIX, os eleitores mineiros colocaram-no como o primeiro da lista tríplice da qual o imperador deveria escolher um senador. Após muita relutância, d. Pedro II o alçou ao Senado, no limiar da Guerra do Paraguai. Teófilo Otoni havia se formado, com louvor, como oficial da Marinha no Primeiro Reinado. Fora o melhor aluno de sua turma. Acinte: na cerimônia de colação, negou-se a beijar a mão de d. Pedro I, por se considerar republicano. Já no Senado, em famoso discurso, quando o Brasil se encontrava na defensiva contra as tropas de Solano López, propôs que os militares brasileiros fossem conduzidos por um combatente que conhecia bem. Tratava-se de um adversário político, do Partido Conservador: o senador Luís Alves de Lima e Silva, agora, marquês de Caxias. Sob o comando de Caxias, os brasileiros ganhariam a guerra, em 1869. No mesmo ano, Teófilo Otoni, o Senador do Povo, morreria. Seu enterro reuniu, até então, a maior multidão que se aglomerou nas ruas do Rio de Janeiro.
O capitão eleito diz que seguirá os passos de Caxias, o Pacificador. Seria bom que alguém lhe narrasse a relação do “Patrono do Exército” com o Senador do Povo. Ali se vê como a política pode ser exercida de forma altaneira entre oponentes que se respeitam e que não veem o adversário como o inimigo subversivo a ser varrido deste país.
Perto de Sabará, Caxias ficou sabendo que Teófilo Otoni estava sendo conduzido, de Santa Luzia a Ouro Preto, a pé, com pernas e braços atados. Determinou que lhe fosse dada montaria e que as correntes fossem retiradas. Assegurou-lhe, ainda, que teria direito a um julgamento imparcial. No tribunal, Teófilo Otoni assumiu sua própria defesa e foi absolvido. Sua fama espalhou-se. A partir daí, os membros do Partido Liberal, no Segundo Reinado, passaram a ser conhecidos como os “luzias”. Anistiado em 1844, Teófilo Otoni foi eleito para a Câmara dos Deputados, lá permanecendo até 1850. Afastou-se da política por uma década, período em que fundou uma colônia agrícola e uma companhia de comércio e navegação no vale do Mucuri. Construiu, ainda, a famosa estrada de ferro Bahia-Minas.
Nos anos 60 do século XIX, os eleitores mineiros colocaram-no como o primeiro da lista tríplice da qual o imperador deveria escolher um senador. Após muita relutância, d. Pedro II o alçou ao Senado, no limiar da Guerra do Paraguai. Teófilo Otoni havia se formado, com louvor, como oficial da Marinha no Primeiro Reinado. Fora o melhor aluno de sua turma. Acinte: na cerimônia de colação, negou-se a beijar a mão de d. Pedro I, por se considerar republicano. Já no Senado, em famoso discurso, quando o Brasil se encontrava na defensiva contra as tropas de Solano López, propôs que os militares brasileiros fossem conduzidos por um combatente que conhecia bem. Tratava-se de um adversário político, do Partido Conservador: o senador Luís Alves de Lima e Silva, agora, marquês de Caxias. Sob o comando de Caxias, os brasileiros ganhariam a guerra, em 1869. No mesmo ano, Teófilo Otoni, o Senador do Povo, morreria. Seu enterro reuniu, até então, a maior multidão que se aglomerou nas ruas do Rio de Janeiro.
O capitão eleito diz que seguirá os passos de Caxias, o Pacificador. Seria bom que alguém lhe narrasse a relação do “Patrono do Exército” com o Senador do Povo. Ali se vê como a política pode ser exercida de forma altaneira entre oponentes que se respeitam e que não veem o adversário como o inimigo subversivo a ser varrido deste país.
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