Não perceberam ou não quiseram enxergar que o petista se reinventara, passando ao largo de conflitos que arrastaram José Serra e Ciro Gomes. Por certo despeito, passaram a crer que o ex-metalúrgico não conseguiria governar; anunciavam o desastre. E não foi bem assim. Quando deu certo, desdenhavam que Lula apenas “dava sequências aos acertos de FHC”. Na época, lhes perguntava: “e vocês acham errado?”
Seguindo esse soberbo instinto, em 2006 deram Lula como morto, em virtude do mensalão. A eleição de Geraldo Alckmin seria um passeio. Passeio, porém, foi a vitória do petista, que entrou em campo apenas na reta final e fez com que Alckmin tivesse no segundo turno menos votos do que obtivera no primeiro. Uma extravagância digna do Guinness Book.
E assim perseveraram supondo que a candidata inventada por Lula não resistisse à campanha eleitoral, pois perderia a paciência, a estribeira, a eleição. O mesmo pensaram em relação ao que chamaram de poste, Fernando Haddad, em 2012; o que se repetiu em 2014, novamente com Dilma, tendo Lula entrado em campo apenas na última semana do segundo turno.
Cópia da Esfinge, made in China |
O primeiro argumento em favor de Bolsonaro se usava também em defesa de Lula: ninguém chega à presidência da República em vão. Na política, idiotas morrem cedo. A Bolsonaro cabem vários tipos de crítica, menos a de que seja bobo. Afinal, venceu pleito concorridíssimo, aparentemente sem recursos e superou diversas barreiras. Jogou e se deu bem, sendo a sensação do primeiro turno e pautando palanques estaduais no segundo. Gostem ou não, deu o tom da eleição.
“Circunstâncias”, “espírito do tempo”, “sorte”… Não importa. O fato é que, tendo por base uma mensagem direta e o sentimento antissistema, Bolsonaro e seu exército brancaleone operaram extraordinariamente bem as condições e as oportunidades que os cercaram.
O mesmo pode ocorrer durante o governo. Não se trata de torcer a favor ou contra, mas de possibilidade que não pode ser descartada.
À parte dos sinais desencontrados e aparentes erros cometidos nesses dias de transição e das inúmeras frentes de conflito que tem aberto, o certo é que ao projetar um Superministério da Justiça e convidar para ele o juiz Sérgio Moro, Bolsonaro parece alçar mira em objetivos muito claros, que ultrapassam o combate à corrupção e ao crime organizado. Com o propósito de pacificar o país, o eleito se pinta para guerra. Seu símbolo é Caxias, que se fez herói pelo enfrentamento de revoltosos, não pela contemplação de interesses.
No esforço para construir a governabilidade de seu mandato, o arranjo da Justiça com Moro parece fazer sentido, seja entregando a seu eleitor as promessas da campanha — o que lhe elevaria a popularidade —, seja dissuadindo adversários por meio dos instrumentos legais que terá em mãos.
Ao invés de negociar e ceder ao fisiologismo, Bolsonaro pode estar em vias construir um mandato cuja estratégia tenho chamado “governabilidade coercitiva”. Alto impacto.
Até aqui, o embate eleitoral foi jogo de damas, um come-come. A dinâmica da alternância de poder, na tentativa de instalação de um novo ciclo, é diferente, mais sutil: jogo de xadrez. A atenção a todos os lances, movimentos diversionistas, performáticos, e movimentos de fundo é imprescindível.
Qualquer objeto requer que os atores sejam compreendidos e, por isso, respeitados — sem preconceitos ou desdém. Este o papel do analista: “nem o riso, nem a lágrima; apenas o entendimento”, como diz Spinoza. Já à oposição, até para não ser devorada como tucanos, caberá observar, intuir, compreender e decifrar os enigmas do próximo governo. Eis a tarefa e o esforço para os próximos meses.Carlos Melo
Nenhum comentário:
Postar um comentário