Voltamos depois de um spa natalino com ventilador, K-suco e grumete
sábado, 22 de dezembro de 2018
Organiza o Natal
Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.
A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.
A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.
Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.
O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.
O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
E será Natal para sempre.Carlos Drummond de Andrade, “Cadeira de Balanço”
Os filhos do lixo
Há quem diga que dou esperança; há quem proteste que sou pessimista. Eu digo que os maiores otimistas são aqueles que, apesar do que vivem ou observam, continuam apostando na vida, trabalhando, cultivando afetos e tendo projetos. Às vezes, porém, escrevo com dor. Como hoje.Acabo de assistir a uma reportagem sobre crianças do Brasil que vivem do lixo. Digamos que são o lixo deste país, e nós permitimos ou criamos isso. Eu mesma já vi com estes olhos gente morando junto de lixões, e crianças disputando com urubus pedaços de comida estragada para matar a fome.A reportagem era uma história de terror – mas verdadeira, nossa, deste país. Uma jovem de menos de 20 anos trazia numa carretinha feita de madeiras velhas seus três filhos, de 4, 2 e 1 ano. Chegavam ao lixão, e a maiorzinha, já treinada, saía a catar coisas úteis, sobretudo comida. Logo estavam os três comendo, e a mãe, indagada, explicou com simplicidade: "A gente tem de sobreviver, né?". O relato dessa quase adolescente e o de outras eram parecidos: todas com filhos pequenos, duas novamente grávidas e, como diziam, vivendo a sua sina – como sua mãe, e sua avó, antes delas. Uma chorou, dizendo que tinha estudado até a 8ª série, mas então precisou ajudar em casa e foi catar lixo, como outras mulheres da família. "Minha sina", repetiu, e olhou a filha que amamentava. "E essa aí?", perguntou a jornalista. "Essa aí, bom, depende, tomara que não, mas Deus é quem sabe. Se Ele quiser..."Os diálogos foram mais ou menos assim; repito de memória, não gravei. Mas gravei a tristeza, a resignação, a imagem das crianças minúsculas e seminuas, contentes comendo lixo. Sentadas sobre o lixo. Uma cuidando do irmãozinho menor, que escalava a montanha de lixo.
Criadas, como suas mães, acreditando que Deus queria isso. Não sei como é possível alguém dizer que este país vai bem enquanto esses fatos, e outros semelhantes, acontecem. Pois, sendo na nossa pátria, não importa em que recanto for, tudo nos diz respeito, como nos dizem respeito a malandragem e a roubalheira, a mentira e a impunidade e o falso ufanismo. Ouvimos a toda hora que nunca o país esteve tão bem. Até que em algumas coisas, talvez muitas, melhoramos. Temos vacinas. Existem hospitais e ensino públicos – ainda que atrasados e ruins. Temos alguns benefícios, como aposentadoria – embora miserável –, e estabilidade econômica aparente. Andamos um pouco mais bem equipados do que 100 anos atrás.Mas quem somos, afinal? Que país somos, que gente nos tornamos, se vemos tudo isso e continuamos comendo, bebendo, trabalhando e estudando como se nem fosse conosco? Deve ser o nosso jeito de sobreviver – não comendo lixo concreto, mas engolindo esse lixo moral e fingindo que está tudo bem. Pois, se nos convencermos de que isso acontece no nosso meio, no nosso país, talvez na nossa cidade, e nos sentirmos parte disso, responsáveis por isso, o que se poderia fazer?Pelo menos, reclamar. Achar que nem tudo está maravilhoso. Procurar eleger pessoas de bem, interessadas, que cuidassem dos lixões, dos pobrezinhos, da saúde pública, dos leitos que faltam aos milhares, dos colégios desprovidos, de tudo isso que cansativa mas incansavelmente tantos de nós têm dito e escrito. Que pelo menos a gente saiba e, em vez de disfarçar, espalhe. Não para criar hostilidade e desordem, mas para mudar um pouquinho essa mentalidade. Nunca mais crianças brasileiras sendo filhas do lixo, nem mães dizendo que aquela é a sua sina, porque Deus quer assim.
Deus não quer assim. Os deuses não inventaram a indiferença, a crueldade, o mal causado pelo homem. Nem mandaram desviar o olhar para não ver o menino metendo avidamente na boca restos de um bolo mofado, talvez sua única refeição do dia. E, naquele instante, a câmera captou sua irmãzinha num grande sorriso inocente atrás de um par de óculos cor-de-rosa que acabara de encontrar: e assim se iluminou por um breve instante aquela imensa, trágica realidade.
Lya Luft
Criadas, como suas mães, acreditando que Deus queria isso. Não sei como é possível alguém dizer que este país vai bem enquanto esses fatos, e outros semelhantes, acontecem. Pois, sendo na nossa pátria, não importa em que recanto for, tudo nos diz respeito, como nos dizem respeito a malandragem e a roubalheira, a mentira e a impunidade e o falso ufanismo. Ouvimos a toda hora que nunca o país esteve tão bem. Até que em algumas coisas, talvez muitas, melhoramos. Temos vacinas. Existem hospitais e ensino públicos – ainda que atrasados e ruins. Temos alguns benefícios, como aposentadoria – embora miserável –, e estabilidade econômica aparente. Andamos um pouco mais bem equipados do que 100 anos atrás.Mas quem somos, afinal? Que país somos, que gente nos tornamos, se vemos tudo isso e continuamos comendo, bebendo, trabalhando e estudando como se nem fosse conosco? Deve ser o nosso jeito de sobreviver – não comendo lixo concreto, mas engolindo esse lixo moral e fingindo que está tudo bem. Pois, se nos convencermos de que isso acontece no nosso meio, no nosso país, talvez na nossa cidade, e nos sentirmos parte disso, responsáveis por isso, o que se poderia fazer?Pelo menos, reclamar. Achar que nem tudo está maravilhoso. Procurar eleger pessoas de bem, interessadas, que cuidassem dos lixões, dos pobrezinhos, da saúde pública, dos leitos que faltam aos milhares, dos colégios desprovidos, de tudo isso que cansativa mas incansavelmente tantos de nós têm dito e escrito. Que pelo menos a gente saiba e, em vez de disfarçar, espalhe. Não para criar hostilidade e desordem, mas para mudar um pouquinho essa mentalidade. Nunca mais crianças brasileiras sendo filhas do lixo, nem mães dizendo que aquela é a sua sina, porque Deus quer assim.
Deus não quer assim. Os deuses não inventaram a indiferença, a crueldade, o mal causado pelo homem. Nem mandaram desviar o olhar para não ver o menino metendo avidamente na boca restos de um bolo mofado, talvez sua única refeição do dia. E, naquele instante, a câmera captou sua irmãzinha num grande sorriso inocente atrás de um par de óculos cor-de-rosa que acabara de encontrar: e assim se iluminou por um breve instante aquela imensa, trágica realidade.
Lya Luft
Preços de matérias-primas reduzem previsões de crescimento para América Latina
A combinação de preços mais baixos e menor volume de vendas será um pacote difícil de digerir para economias altamente dependentes de suas exportações agrícolas, da mineração e dos hidrocarbonetos. "Os minerais e as commodities agrícolas seriam afetados pela desaceleração da atividade econômica global, em particular, de um importante importador como a China. No caso do petróleo, além dos fatores de desaquecimento da demanda, algumas restrições à oferta têm sido flexibilizadas", afirma a Cepal. Para 2019, "espera-se que, longe de diminuir, as incertezas sejam maiores e venham de diferentes frentes. Não são identificados motores para que o crescimento em 2019 mostre maior dinamismo na economia mundial. A desaceleração esperada na China e em países emergentes como um todo é intensificada pelo desaquecimento nos Estados Unidos, na zona do euro e, no geral, nas economias desenvolvidas".
Essas incertezas serão o combustível de um aumento da percepção de risco nas economias que enfrentaram, em 2018, a desvalorização de suas moedas, a fuga de capitais para mercados mais seguros e a redução do financiamento internacional de bancos e de investidores privados. "Os mercados emergentes, incluindo a América Latina, mostraram uma redução significativa nos fluxos de financiamento externo, enquanto os níveis de risco soberano aumentaram e suas moedas se desvalorizaram em relação ao dólar", diz a Cepal em seu relatório. Para a secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, o pano de fundo é que "o ciclo econômico mudou porque há menor dinamismo, um dólar apreciado e juros mais altos. Há também uma vulnerabilidade no balanço de pagamentos e o aumento do endividamento global".
O caso da Argentina foi o mais dramático. Depois de projeções de crescimento próximas de 3% para 2018, o país deve encerrar este ano com uma retração de 2,6%, segundo a Cepal, com apenas a Venezuela apresentando um desempenho pior (10%). Em meados do ano, o Governo de Mauricio Macri pediu e obteve um empréstimo do FMI no valor de 57 bilhões de dólares (cerca de 220 bilhões de reais), em meio a uma crescente desconfiança da capacidade do país de pagar uma dívida que se aproxima de 80% do PIB. O peso argentino perdeu metade do valor desde janeiro, a inflação ultrapassou 40% e uma seca sem precedentes, que encolheu a produção agrícola do país em 31%, colocaram a Casa Rosada contra a parede. A dívida externa do Brasil também subiu este ano, chegando a 77,2% do PIB. São os dois países da região com o maior nível de endividamento, seguidos pela Costa Rica, com uma relação dívida/PIB de 52%.
É por isso que a queda dos preços das commodities será sentida mais intensamente na América do Sul, onde suas duas maiores economias estão em crise. A Argentina já está em recessão, após registrar o terceiro trimestre consecutivo de retração do PIB. O Brasil, país com grande influência sobre seus vizinhos, teve dois anos consecutivos de fraca expansão: 1,1% em 2017 e 1,3% em 2018.
Receitas mais baixas colocarão ainda mais pressão sobre economias que enfrentam rigorosos processos de ajuste fiscal para reduzir o déficit primário (que exclui o pagamento de juros da dívida). A Cepal avisa que o ano que vem pode ser ainda mais complicado do que 2018, porque "novos episódios de deterioração das condições financeiras dos mercados emergentes não podem ser descartados". "É necessária a gestão prudencial da dívida e das políticas públicas para fortalecer as fontes de crescimento e enfrentar o panorama de incerteza global", disse Bárcena durante a apresentação do relatório.
O próximo ano será cheio de desafios, especialmente entre os mais vulneráveis ao risco, como Argentina e Brasil. "As consequências sobre os países", diz o relatório, "dependerão de quão expostos estejam em termos de necessidades de financiamento externo, da proporção de endividamento denominado em dólar e de sua dívida de curto prazo. Países com desequilíbrios significativos e pouco espaço para adotar medidas contracíclicas poderiam piorar suas perspectivas de atividade". Não será o melhor cenário para Brasil e Argentina.
Saque real
A corrupção política é usada para tornar invisível esse saque feito pelas elites. A corrupção da política é uma gota no oceano quando comparado ao real saque, por meio da sonegação, por exemplo. É isso que deixa o Brasil pobreJessé Souza ex-presidente do Ipea
No gasto, o Brasil parece rico
O governo brasileiro gasta como se o País fosse rico, mas a enorme despesa pouco beneficia a maior parte da população. Pior que isso: esse descompasso aumentará muito nos próximos anos, se o novo presidente for incapaz de arrumar as contas públicas e de promover, como condição essencial para esse ajuste, a reforma da Previdência. Esses fatos – e o contraste com a gestão pública de outros países – foram evidenciados mais uma vez em um novo relatório do Tesouro sobre as despesas do governo central.
Esse conjunto é formado pelas contas do Tesouro, do Banco Central e da Previdência. O documento ressalta o grande peso dos juros, consequência do alto endividamento e da fragilidade das finanças públicas, e o crescente desarranjo do sistema de aposentadorias e pensões, um dos principais desafios diante do nova administração federal.
O Brasil só ficou atrás dos países nórdicos, em 2016, na comparação das despesas governamentais. O governo central brasileiro gastou naquele ano o equivalente a 33,7% do Produto Interno Bruto (PIB). A despesa correspondente ficou em 34,4% nos países nórdicos – Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia. Os quatro são econômica e socialmente muito mais avançados que o Brasil, têm tributação maior que a brasileira e suas populações têm acesso a educação, saúde e outros serviços públicos de altíssima qualidade.
Na mesma comparação, a zona do euro aparece com 27,3% de despesa governamental; a América Latina emergente, com 28,5%; a Ásia emergente, com 17,9%; e a média das economias avançadas, com 28,5%.
Em 2017, a despesa do governo central brasileiro ficou em 32,7% do PIB, proporção pouco menor que a do ano anterior, mas ainda bem maior que a observada na maior parte do mundo avançado e emergente.
Além de excessivo, pela condição de país emergente, o gasto do governo central brasileiro é mal distribuído e incompatível com as necessidades do crescimento econômico e de uma população carente de educação, saúde, saneamento, segurança, serviços essenciais de infraestrutura e oportunidades de emprego.
No confronto com os 54 países selecionados, duas das dez funções usadas na classificação internacional concentram as maiores diferenças entre o governo central brasileiro e os demais. A primeira dessas funções, denominada serviços públicos gerais, corresponde a 43,9% da despesa total, no caso brasileiro. Os principais componentes desse conjunto são os gastos com juros da dívida pública e transferências a Estados e municípios.
Em 2016, os serviços públicos gerais consumiram no Brasil o equivalente a 13,3% do PIB. Na média dos demais países, 7,3%. A despesa com juros caiu em 2017, mas continuou muito acima da registrada em outros países. O êxito do Banco Central no controle da inflação permitiu a redução da taxa básica de juros e isso aliviou o Tesouro, mas novas quedas dependerão principalmente de avanços na reparação das finanças públicas, advertem os autores do relatório.
A segunda maior diferença aparece no item proteção social, formado principalmente pelas despesas com aposentadorias e pensões. No Brasil a despesa com proteção social, nas contas do governo central, correspondeu em 2016 a 12,7% do PIB, proporção quase igual à dos países nórdicos (12,8%). A participação foi de 8,2% na média das economias avançadas e do Grupo dos 20 (G-20). Na média dos países emergentes, ficou em 7,6%. No G-7, formado pelas sete maiores economias capitalistas, a despesa equivaleu a 7,2% do PIB.
No Brasil, aposentadorias e pensões concentram 70% da despesa do governo central com proteção social. Este item representava 34% de toda a despesa do governo central em 2015. Em 2017, 39,9%, soma equivalente a 13,1% do PIB. Esse aumento decorreu principalmente dos gastos com aposentadorias e pensões.
Juros e Previdência têm deixado pouco espaço, nas contas públicas, para despesas necessárias ao crescimento econômico e ao bem-estar dos brasileiros. Os números são claros e a situação ficará pior, se o governo hesitar ou falhar na promoção de ajustes e reformas.
Esse conjunto é formado pelas contas do Tesouro, do Banco Central e da Previdência. O documento ressalta o grande peso dos juros, consequência do alto endividamento e da fragilidade das finanças públicas, e o crescente desarranjo do sistema de aposentadorias e pensões, um dos principais desafios diante do nova administração federal.
O Brasil só ficou atrás dos países nórdicos, em 2016, na comparação das despesas governamentais. O governo central brasileiro gastou naquele ano o equivalente a 33,7% do Produto Interno Bruto (PIB). A despesa correspondente ficou em 34,4% nos países nórdicos – Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia. Os quatro são econômica e socialmente muito mais avançados que o Brasil, têm tributação maior que a brasileira e suas populações têm acesso a educação, saúde e outros serviços públicos de altíssima qualidade.
Na mesma comparação, a zona do euro aparece com 27,3% de despesa governamental; a América Latina emergente, com 28,5%; a Ásia emergente, com 17,9%; e a média das economias avançadas, com 28,5%.
Em 2017, a despesa do governo central brasileiro ficou em 32,7% do PIB, proporção pouco menor que a do ano anterior, mas ainda bem maior que a observada na maior parte do mundo avançado e emergente.
Além de excessivo, pela condição de país emergente, o gasto do governo central brasileiro é mal distribuído e incompatível com as necessidades do crescimento econômico e de uma população carente de educação, saúde, saneamento, segurança, serviços essenciais de infraestrutura e oportunidades de emprego.
No confronto com os 54 países selecionados, duas das dez funções usadas na classificação internacional concentram as maiores diferenças entre o governo central brasileiro e os demais. A primeira dessas funções, denominada serviços públicos gerais, corresponde a 43,9% da despesa total, no caso brasileiro. Os principais componentes desse conjunto são os gastos com juros da dívida pública e transferências a Estados e municípios.
Em 2016, os serviços públicos gerais consumiram no Brasil o equivalente a 13,3% do PIB. Na média dos demais países, 7,3%. A despesa com juros caiu em 2017, mas continuou muito acima da registrada em outros países. O êxito do Banco Central no controle da inflação permitiu a redução da taxa básica de juros e isso aliviou o Tesouro, mas novas quedas dependerão principalmente de avanços na reparação das finanças públicas, advertem os autores do relatório.
A segunda maior diferença aparece no item proteção social, formado principalmente pelas despesas com aposentadorias e pensões. No Brasil a despesa com proteção social, nas contas do governo central, correspondeu em 2016 a 12,7% do PIB, proporção quase igual à dos países nórdicos (12,8%). A participação foi de 8,2% na média das economias avançadas e do Grupo dos 20 (G-20). Na média dos países emergentes, ficou em 7,6%. No G-7, formado pelas sete maiores economias capitalistas, a despesa equivaleu a 7,2% do PIB.
No Brasil, aposentadorias e pensões concentram 70% da despesa do governo central com proteção social. Este item representava 34% de toda a despesa do governo central em 2015. Em 2017, 39,9%, soma equivalente a 13,1% do PIB. Esse aumento decorreu principalmente dos gastos com aposentadorias e pensões.
Juros e Previdência têm deixado pouco espaço, nas contas públicas, para despesas necessárias ao crescimento econômico e ao bem-estar dos brasileiros. Os números são claros e a situação ficará pior, se o governo hesitar ou falhar na promoção de ajustes e reformas.
Motorista atípico invade Presidência de Bolsonaro
Pela segunda vez em 48 horas Fabrício Queiroz, o correntista de R$ 1,2 milhão, faltou ao depoimento marcado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Na quarta-feira, ausentara-se por conta de uma “inesperada crise de saúde”. Nesta sexta, alegou-se que teve de ser internado.
Falsa ou verdadeira, a motivação não atenua as consequências. Enquanto Queiroz não abre o bico, continuam penduradas na conjuntura as palavras mais recentes de Bolsonaro sobre a encrenca:
1) “Temos um problema pela frente no caso do ex-assessor nosso que está com movimentação atípica. Deixo bem claro aqui: eu não sou investigado, meu filho Flávio Bolsonaro não é investigado. E, pelo que me consta, o senhor…, esse ex-assessor nosso será ouvido pela Justiça na semana que vem. A gente espera que ele dê os devidos esclarecimentos para o que vem acontecendo.”
2) “Agora, se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém.”
3) “O que a gente mais quer é que seja esclarecido o mais rápido possível, que sejam apuradas as responsabilidades —se é minha, se é do meu filho, se é do Queiroz. Ou de ninguém. Afinal de contas, o Queiroz também não estava sendo investigado.”
Bolsonaro tem razão quando diz que “temos um problema pela frente”. Quanto a quem está ou não sob investigação, recomenda-se ao capitão que se atualize. Fabrício Queiroz é investigadíssimo. Seu silêncio, por ensurdecedor, levou à fogueira o deputado estadual Flávio Bolsonaro (agora senador eleito).
O primogênito do novo presidente foi convidado pelo Ministério Público a depor no dia 10 de janeiro. Terá de explicar por que oito de seus assessores realizavam depósitos regulares na conta tóxica de Queiroz em datas contíguas ao dia do pagamento na Assembléia Legislativa do Rio.
Logo, logo o próprio Jair Bolsonaro terá de explicar em termos mais convincentes os R$ 24 mil que migraram da conta “atípica” do amigo Queiroz para a conta da futura primeira-dama Michelle Bolsonaro. Soou inverossível aquele lero-lero de que seria parte do pagamento de um empréstimo não-declarado de R$ 40 mil. Que foi parar na conta da mulher por falta de tempo do marido-presidente para ir ao banco.
Conforme já foi comentado aqui, o “faz-tudo” Queiroz pode seguir duas trilhas quando sua saúde ou a conveniência dos Bolsonaro permitir que preste depoimento. Numa trilha, o correntista toca fogo nas próprias vestes. Noutra, incendeia o circo da dinastia Bolsonaro. Por ora, as únicas novidades disponíveis sobre o caso são as seguintes: 1) O correntista piromaníaco continua sumido. Já lá se vão 15 dias. 2) O espetáculo da autocombustão foi transferido para os primeiros dias da Presidência de Jair Bolsonaro.
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