quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

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Desse jeito acaba em sangue

Os acontecimentos de terça-feira na Câmara dos Deputados e a cobertura que lhes deu a imprensa são a ilustração exata do esquema denunciado no último artigo.

O PT, cujos filiados e militantes são essencialmente os funcionários públicos de quem o partido morde 30% do salário, liderou a “rebelião” à qual se deixaram docemente constranger aquelas figuras gordas e luzidias metidas nos seus ternos e gravatas italianos de dentro e de fora da chamada “base aliada”, contra a proibição de reajustes para servidores, a criação de novos cargos, a realização de concursos públicos, a criação de despesa obrigatória de caráter continuado e o gasto com publicidade oficial em troca do refinanciamento das dividas estaduais pela União.


Isso significa autorizar a transferência do rombo dos estados para a União, o ente de governo com poder de emitir moeda, o que equivale a decretar que, por cima da carga esmagadora de impostos que já nos remeteu a estas profundezas em que estamos, a conta será paga com inflação, a pá de cal sobre os miseráveis do Brasil, sem que os fabricantes dessa miséria fiquem sequer sugestionados a deter qualquer dos expedientes que usam para fabricá-la, muito ao contrário.

E a imprensa em peso, onde todo mundo é pai, filho, irmão ou cônjuge de alguém que é funcionário público, trata isso não como uma derrota do povo brasileiro mas sim como “uma derrota do governo” que todos têm trabalhado furiosamente para solapar por “desonestidade” e “conluio com a corrupção”.

Não tem jeito mesmo. Essa putaria vai acabar em sangue…

O Brasil está precisando de bombeiros, não de incendiários

Quando escrevo meus artigos, torço bastante para que (eu) seja entendido pelo leitor. Quando os envio ao jornal, nem sempre seguro do que escrevi, falo para mim mesmo: “Por que tanto sofrimento? O leitor saberá, com certeza, destrinchar o que escrevi nas entrelinhas”.

Infelizmente, porém, nem sempre acontece assim. Há leitores que me cobram mais clareza. Ou, com energia, um mínimo de coerência. Nunca tenho o que reclamar deles. Sinceramente. A culpa é somente minha. Fui eu quem não soube transmitir, corretamente, o que desejava. Afinal, ninguém me obrigou a tornar público o que penso sobre a política do meu país em tempos bicudos. Sou o único culpado daquilo que me incomoda mais do que ao verdadeiro destinatário destas linhas.

Quando afirmei, por exemplo, que o mais importante para nossa incipiente democracia é que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário vivam em paz, quis dizer que é desejável que sejam harmônicos e independentes, além de obedientes a nossa Constituição Federal. Isso não significa que ela não possa jamais ser emendada. Pode, sim, mas pelo Poder que a promulgou. É essencial que a Constituição seja o nosso norte. Como afirmei e aqui novamente reitero, ela dará conta do recado.

É verdade que o país nunca passou, simultaneamente, por inúmeras crises graves e profundas. O momento, todavia, requer bombeiros, e não incendiários. Não foi a operação Lava Jato que tornou público esse quadro cruel. Amedrontador. O ambiente político já vinha se deteriorando desde o mensalão, no governo do ex-presidente Lula. E a ex-presidente Dilma Rousseff conseguiu piorar a política e a economia. O presidente Temer poderia tê-lo administrado se outros fossem os atores políticos de seu governo. Nomeou equipe econômica competente na certeza de que, com ela, resolveria todos os problemas. Esqueceu-se de que não se governa mantendo ao lado apenas amigos e correligionários.

O Ministério Público acha que só ele será capaz de salvar o país da corrupção. Um enorme equívoco. Ministros do Supremo Tribunal Federal botam lenha na fogueira e se desentendem entre eles. Esquecem-se de que têm missão política e, por isso, devem funcionar, em certas circunstâncias, como Poder moderador. Como já aconteceu.

Equivocadas foram, leitor, tanto a decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello – que quis afastar o senador Renan Calheiros (atenção: o que está em jogo é a instituição, não o senador; este está com os dias contados…) não só da linha de substituição do presidente da República, mas, igualmente, da presidência do Senado – quanto a monocrática decisão do ministro Luiz Fux – que considera que “cumpriu seu dever de ofício” ao mandar anular a tramitação do projeto das dez medidas contra a corrupção, que nem sequer se tornara lei. Projeto, aliás, diga-se de passagem, que continha desvairados absurdos!

Penso que pior do que o fato tem sido sua versão. Um cidadão informado sabe que, neste cipoal de investigações, acusações, colaborações e condenações, há distinções que precisam ser feitas. Está certo o jornalista Ricardo Noblat: “Caixa 2 é crime ou infração eleitoral. Uma coisa ou outra merece ser castigada. Mas não é justo que se puna quem se valeu de caixa 2 só para se eleger como se punirá quem se enriqueceu à custa dele, ou quem retribuiu o caixa 2 com contratos públicos superfaturados ou não, ou quem recebeu propina”.

Só isso já daria conta de baixar a bola de muita gente.

Feliz Natal, leitor!

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Anton Pieck:
Anton Pieck (1895-1987) 

2017 será diferente, mas 2018?



Talvez o ano não termine antes do vazamento de mais algumas trapalhadas, com a indicação de seus autores, pinçados das delações premiadas de 77 diretores e ex-diretores da Odebrecht. Não há sala blindada e trancada no Supremo Tribunal Federal que consiga guardar todos os segredos das acusações.

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Conhecidos agora ou em janeiro mais alguns personagens da roubalheira, a conclusão é de que perto de 200 parlamentares andam sem dormir ou dormindo mal, neste fim de ano. Nem todos que são objeto das delações premiadas perderão o pescoço, mas o percentual incomoda. O dinheiro podre da empreiteira movimentou o bolso de muita gente e a menos contundente das punições será devolver o dinheiro roubado. Pior acontecerá com os que tiverem seu futuro interrompido, proibidos de candidatar-se em 2018. Uns que pretendiam subir de patamar, candidatando-se a governador e até a presidente da República, outros à reeleição.

De um total de 513 deputados e 81 senadores, quantos serão processados e perderão seus direitos políticos? Mais importante, quantos serão rejeitados pelo eleitorado, mesmo conseguindo escapar da guilhotina?

Prenuncia-se uma renovação forçada de parte do atual Congresso, sem a garantia de que os eleitos cederão à tentação de enveredar pelo mesmo caminho do atingidos. A ninguém será dado concluir que o país vai mudar completamente, que a longa temporada de corrupção estará encerrada. O ano em vias de começar não se livrará de malfeitos peculiares ao tempo que passou. Mesmo assim, passos fundamentais terão sido dados, em matéria de mudanças. 2017 será diferente de 2016. Mas 2018?

Um clássico natalino

Cartãozinho de Natal

Até que eu não sou de reclamar, puxa! Taí, se há alguém que não é de reclamar, sou eu. Pago sempre e não bufo. Claro que procuro me defender da melhor maneira possível, isto é, chateando o patrão, cobrando cada vez mais, buscando o impossível — como diz Tia Zulmira —, ou seja, equilíbrio orçamentário. Se o Banco do Brasil não tem equilíbrio orçamentário, eu é que vou ter, é ou não é?

Mas a gente luta. Eu ganho cada vez mais e nem por isso deixo de terminar sempre o mês que nem time de Zezé Moreira: 0 x 0. Segundo cálculos da tia acima citada, que é bárbara para assuntos econômicos, eu sou um dos homens mais ricos do Brasil, pois consigo chegar ao fim do mês sem dever. Esta afirmativa não me agrada nada, mas dá uma pequena amostra de como vai mal a organização administrativa do nosso querido Brasil.

Aliás, minto…o cronista pede desculpas, mas estava mentindo. Eu vou no empate até dezembro, porque, quando chega o Natal, é fogo. Aí embaralha tudo. Não há tatu que resista aos compromissos natalinos. São as Festas — dizem.
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O presente das crianças, a ganância do comerciante, as gentilezas obrigatórias, os orçamentos inglórios, a luta do consumidor, a malandragem do fornecedor e olhe nós todos envolvidos nesse bumba-meu-boi dos presentinhos.

E que fossem só os presentinhos. A gente selecionava, largava uma lembrancinha nas mãos dos amigos com o clássico letreiro: “Você não repare, que é presente de pobre” e ia maneirando. Mas tem as listas, tem os cartõezinhos.

O que me chateia são as listas e os cartõezinhos. A gente passa o mês todo comprando coisas pros outros sem a menor esperança de que os outros estejam comprando coisas pra gente. De repente, quando o retrato do falecido Almirante Pedro Álvares Cabral, que, no caminho para as Índias, ao evitar as calmarias, etc., etc. já é um raro no bolso dos coitados do que deputado em Brasília, vem um de lista.

O de lista é sempre meio encabulado. Empurra a lista assim na nossa frente e diz: — O pessoal todo assinou. Fica chato se você não assinar. Então a gente dá uma olhada. A lista abre com uma quantia polpuda — quase sempre fictícia — que é pra animar o sangrado. E tem a lista dos contínuos, tem a lista dos porteiros, tem a lista dos faxineiros, tem a lista das telefonistas, tem a lista do raio que te parta.

A gente assina a lista meio humilhado, porque, no máximo, pode contribuir com duzentas pratas, onde está estampada a figura de Pedro I, que às margens do Ipiranga, desembainhando a espada, etc., etc. e pensa que está livre, embora outras listas estejam de tocaia, esperando a gente.
Stanislaw Ponte Preta

A propinocracia tem muitos reis


Hoje, os brasileiros estão atônitos, foram pegos de calça curta neste final de ano com um terremoto maior do que se esperava. Mas é a mesma população que já se mostrou incansável para reclamar nas ruas quando a ficha cai.  
 
Neste momento, a sociedade está dividida e nocauteada. Mas basta apenas uma fagulha para brigar de novo. Pode demorar meses para reagir, mas reage. Do jeito que está, decididamente, não pode ficar
Carla Jiménez

Perdidos no tempo

O tempo não é uma afecção das coisas, mas apenas um modo de pensar 
Baruch Espinoza

Ao final de 2016, é hora de separar os mortos dos sobreviventes (que parecem mais mortos ainda). Foi-se embora uma presidente da República, que expirou antes que lhe expirasse o mandato. Do outro lado da praça, um presidente da Câmara dos Deputados, de olhar muito vivo, teve de trocar sua cadeira por uma cela de cadeia, assim como um ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, vivíssimo, que fixou residência atrás das grades. Os três estão politicamente mortos, embora seus substitutos zumbis não estejam propriamente vivos.

Não que a Justiça tenha sido feita, não nos precipitemos. A harmonia entre os poderes deu um “até logo” abrupto, deixando em seu lugar um pêndulo que balança discórdia malcriada ao conchavo surdo. Quanto ao emprego dos brasileiros, foi comprar cigarro na esquina e não voltou mais. A saúde pública, que sempre foi meio delinquente, vira de uma vez por todas um insolúvel caso de polícia. O Natal vai ter um gosto de chão derretendo sob os pés de multidões desorientadas, que se sabem perdidas – e nisso, somente nisso, têm toda a razão.

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Mesmo assim, há cânticos de otimismo no ar. Eis que, dos auto-falantes e das telas eletrônicas, brotam campanhas publicitárias que prometem reconciliar o povo com sua história descarrilada. É algo espantoso. As tais festas natalinas, que se intercalam como tréguas os padecimentos cíclicos daqueles que guerreiam em tempos de paz, agora chegam embaladas por mensagens que vêm devolver nada menos que o tempo para os que sentem a vida ir embora sem deixar o endereço. O mais espantoso ainda é que quem manda essas mensagens não é outro que não o dinheiro, ou o Papai Noel do dinheiro. Os bancos, ninguém menos que os bancos, são os anjos que anunciam a felicidade.

Ligue a TV e ouça: “O que faz um ano inesquecível são aqueles segundos que se tornam eternos dentro da gente”. No comercial, um pai passeia com a filha, ao som de uma canção conhecida (“isso me acalma, me acolhe a alma...”). Tudo está bem, tudo está certo, tudo nos conformes. “Feliz 2017. E conte com o Banco do Brasil em cada segundo.”

Um concorrente privado do Banco do Brasil concorda. Também para o Itaú o tempo que conta, que tilinta, é aquele que, digamos, “se torna eterno dentro da gente”. Mas o Itaú deu um jeito de dizer isso com palavras menos modestas.

“Eu sou o tempo”, diz a voz atemporal. “Eu gostaria de te dar um conselho. Pense menos em mim, e mais em você. É perdendo tempo que se ganha a vida. O segredo do tempo não está nas horas que passam, está nos momentos que ficam. Porque são eles que vão contar a sua história. Eu sei disso. Eu sou o tempo.” Ao fim da mensagem, lá está a assinatura do anunciante: “Itaú. Digital, para você ter mais tempo para ser pessoal”.

Sejamos, pois, pessoais, bem pessoais, mesmo sem tomar a coisa no plano “pessoal”. O capital só se acumula quando ganha sua corrida contra o relógio. Mesmo que diga para você relaxar e “perder tempo para ganhar a vida”, o dinheiro não cochila por um segundo sequer. Aliás, foi uma campanha do Citibank, há poucos anos, que cuidou de nos lembrar disso: “The Citi never sleeps”. Bem antes, em 1987, num filme americano chamado Wall Street (dirigido por Oliver Stone), o especulador Gordon Gekko (Michael Douglas) – que termina na cadeia, ele também – alertava o seu aprendiz Bud Fox (Charlie Sheen): “Money never sleeps, pal”.

O dinheiro não dorme, o dinheiro não perde tempo e, principalmente, o dinheiro não perde do tempo. Se ele pede a você que perca tempo para ganhar a vida, existe aí uma conta que não fecha: ou o dinheiro mente sobre si mesmo, ou mente sobre você, porque, numa engrenagem de acumulação que só se faz possível pelo incremento da velocidade (e, na era digital, o dinheiro viaja na velocidade da luz), ou o seu ócio é financiado pelo cochilo dos outros, ou quem cochila é você. Tente se localizar nessa equação e você entenderá um pouco, bem pouco, do discurso que promete reconciliar sujeitos perdidos no tempo com uma história perdida no ano “inesquecível” que, esperemos, vai se encerrar.

Além do que, o tempo não é bem isso que os bancos anunciam. O tempo, lamento dizer, não é um dado da natureza, uma “afecção das coisas”, por mais que seja o tecido de que somos feitos, tecido do qual vivemos e morremos. O tempo é um “ente da Razão” (Espinoza), ou uma construção da cultura – da cultura publicitária, inclusive. É bem verdade que Newton acreditava que o tempo fluía “uniformemente sem relação com nada que lhe seja externo” e, com base nisso, construiu uma Física que deu conta de mandar o homem à Lua. Desde Newton, porém, ficou mais perceptível que “o tempo, tal como o concebemos, é uma consequência da história” (Gerald James Whitrow). Segundo os nossos sentidos, a gente ocupa um lugar no espaço e percorre um segmento minúsculo na extensa e imutável linha do tempo, mas o tempo, “tal como o concebemos”, nós é que o construímos, com os nossos tempos verbais e os sistemas tecnológicos que medem os intervalos entre um evento e outro.

Dizem que feliz é aquele que tem tempo. Menos enganoso seria dizer que feliz é aquele cujos dias de vida não foram roubados por outro – ou pelo dinheiro.

Não obstante, vai chegando o Natal. Parece que, como tem sido desde a travessia do Mar Vermelho, Roberto Carlos vai ter um programa especial só para ele na televisão. Não há marcador de tempo como Roberto Carlos. Talvez ele cante aquela “o importante é que emoções eu vivi”, ressoando a receita de felicidade que o dinheiro, vivíssimo, o dinheiro que não dorme nunca, prescreve para os seres humanos. Embalado nas canções de Roberto, quem é vivo tenta desaparecer (e não consegue), enquanto a penitenciária espreita o réveillon dos que até mandaram, mas não podem dizer que são o tempo.

Paisagem brasileira

AAF de Artes, de Arquitetura, de Fotografia. E mais ideias...: OS SABORES E AS…:
Paraty (RJ)

Odebrecht devolve menos do que desviou comprando MPs no Congresso

O acordo firmado pela Odebrecht e pela Brasken, braço petroquímico da construtora, para devolver o equivalente a R$ 6,9 bilhões aos governos dos Estados Unidos, da Suíça e do Brasil foi comemorado pelos procuradores da Lava Jato como um feito histórico —o maior acordo do gênero já celebrado no mundo.

O fato realmente merece celebração. Sobretudo porque o Brasil vai ficar com a maior parte da grana: R$ 5,3 bilhões. Mas é preciso levar em conta o seguinte: a corrupção rendeu à construtora muito mais do que isso. A Folha noticiou dias atrás que apenas com duas medidas provisórias que um de seus ex-diretores confessou ter comprado no Congresso o grupo Odebrecht obteve benefícios de R$ 8,4 bilhões entre 2006 e 2015.


De todo modo não se deve diminuir a importância do que está acontecendo. Uma empresa corrupta devolvendo dinheiro roubado no Brasil é sempre motivo de festa. Mesmo que esse dinheiro vá retornar em suaves prestações. Pelo acordo, a Odebrecht resssarcirá o erário em 23 anos.

A verba assaltada retornará aos pouquinhos, ao longo de mais de duas décadas. Mas a Odebrecht passa a usufruir imediatamente do direito de voltar a firmar contratos com o Estado. O que é motivo de festa também para a empresa. Na prática, esse tipo de acordo funciona como um negócio convencional. Quando as duas partes concordam cada uma acha que levou vantagem sobre a outra.

O custo do improviso

Quanto mais bem planejada é uma obra, mais barata ela fica, mais rapidamente é executada e melhor a sua qualidade. Esta máxima serve tanto para a reforma de uma cozinha como para a construção de uma ponte ou usina hidrelétrica. No caso das obras públicas, porém, o planejamento adequado não é apenas uma prática salutar: deve ser uma obrigação dos governos com a sociedade.

Boa parte dos problemas e desperdícios ocorridos nas grandes obras de infraestrutura realizadas no país resulta de licitações feitas com base em projetos incompletos — de forma intencional ou não. Isso porque, quanto menos detalhado é o planejamento, maior o espaço para erros, improvisos e para a ingerência de interesses não necessariamente alinhados com os da sociedade.

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A exigência de projetos completos, portanto, deveria ser um dos pilares da nova Lei Geral de Licitações, que está sendo discutida pelo Congresso e irá substituir a 8.666/1993, em vigor. Dessa forma, tornaria os erros do passado mais raros e as brechas, menores. Mas é exatamente o oposto que ocorre neste momento.

O Senado acaba de aprovar em segunda discussão um texto substitutivo ao PLS 559/2013, que incorpora a “contratação integrada” na legislação licitatória do país. Isso significa que obras públicas poderão ser licitadas com base apenas em anteprojetos. O texto prevê essa possibilidade para as obras com valor acima de R$ 20 milhões, o que transforma as atuais brechas em verdadeiros rombos nas futuras licitações feitas no país. Seria um enorme retrocesso.

A crítica não se baseia apenas na teoria, mas nos efeitos práticos nefastos deste tipo de flexibilização, que já foram comprovados com o uso do Regime Diferenciado de Contratação/Contratação Integrada nas obras do chamado legado da Copa, das Olimpíadas, da área de transporte, entre outros. Não por acaso, diversas entidades têm se posicionado contrárias à “contratação integrada”, como, por exemplo, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e o Sinaenco (Sindicato da Arquitetura e Engenharia Consultiva).

Em vez de dar um passo atrás, é preciso que a legislação avance, e garanta maior controle e transparência. Que as licitações sejam feitas exclusivamente com projeto completo, contratado de preferência por concurso público. Pois esse é um elemento fundamental para garantir mais segurança e qualidade da obra e a confiança no planejamento dos custos e prazos.

Aprovado no Senado, o projeto de lei agora segue para a Câmara, onde já funciona desde o primeiro semestre de 2015 uma comissão especial para discutir o tema. Neste momento, portanto, é preciso que não só os arquitetos e urbanistas brasileiros tomem parte no debate. Mas toda a sociedade. Afinal, esse é um tema crucial para a ética da gestão pública e a qualidade de vida de toda a população brasileira.

Jerônimo de Moraes

Exemplos d'além-mar

Há 70 anos, seis séculos depois das grandes navegações, surgiu o LNEC- Laboratório Nacional de Engenharia Civil de Lisboa, que vem participando ativamente dos programas de melhoria da infraestrutura em Portugal (barragens, hidráulica fluvial e marítima e grandes estruturas, entre outras), da realização de inúmeros estudos e pareceres para cerca de 50 países, como o estudo do alargamento da praia de Copacabana e do Aterro do Flamengo, da construção de inúmeras barragens de grande porte, e ainda da análise dos efeitos dos sismos em muitas localidades.

Portugal vem dando um grande exemplo de como uma pequena nação pode contribuir para os avanços da tecnologia e de sua aplicação.

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Escola de Sagres
No renascimento, Portugal utilizou as inovações desenvolvidas para, por exemplo, viabilizar as expedições dos descobrimentos. As mais conhecidas dessas inovações lusitanas são o astrolábio, a balestilha e a caravela, todos indispensáveis na empreitada de atravessar os oceanos, na busca do caminho para as Índias, ou na tentativa de expansão do império Português.

A balestilha é um instrumento mede a posição dos navios em relação às estrelas.

A caravela, a mais importante das inovações dos portugueses, era uma embarcação ágil e que, pelo seu peso, permitia, em situação adversa, ser movida a remos. Tinha 25 metros de comprimento e velas triangulares, que possibilitavam navegar em ziguezague contra o vento. Esta propriedade foi determinante para o sucesso dos portugueses.

Outra brilhante ideia foi o nó, medida de velocidade, calculada por meio de um cabo com nós espaçados de 14,40 m. Cada nó lançado corresponde a 1851,66 m/h.

Tudo isso foi acompanhado por estudos e pela disseminação da cultura náutica, por meio da Escola de Sagres, e que na verdade, traduzia mais uma corrente de pensamento do que uma instalação física.

O LNEC, fundado por Manuel Rocha, ícone da engenharia no século XX, vem buscando soluções inovadoras para os inúmeros desafios que enfrenta. Ele é um instituto de pesquisas, também voltado para a transferência de tecnologias. Sua participação foi determinante para a utilização de computadores em engenharia civil e para o avanço da Mecânica das Rochas, e ultrapassou largamente as fronteiras de Portugal, alcançando, pelo trabalho de seus pesquisadores, projeção internacional.

No plano das relações com o Brasil, além da duplicação das praias já mencionadas, o Laboratório realizou inúmeros estudos de observação de estruturas, ensaios em modelos reduzidos de barragens, e liderou a realização das Jornadas Luso-Brasileiras de Engenharia Civil, abrindo as portas para a geração de uma cultura de produção científica, notadamente na área de engenharia civil.

Além disso, formou centenas de jovens engenheiros, que lá estiveram para realizar um estágio de tirocínio, uma tese de especialista ou de investigador.

Aliás, este é um modelo interessante, pois o Laboratório oferece graus equivalentes ao de doutor, permitindo que engenheiros de todas as áreas se engajem no processo de desenvolvimento de inovações.

Um dos obstáculos ao nosso desenvolvimento científico e tecnológico reside na incapacidade de assegurar financiamentos contínuos e em montante suficiente para a sustentabilidade dos projetos de pesquisa.

Na era dos descobrimentos, a Escola de Sagres decorreu da vontade política do Infante D. Henrique, traduzida pelo expressivo quantitativo de renomados estudiosos de outros países, e pelo apoio material às expedições. O mesmo ocorreu com o LNEC que, ao longo dos anos, constituiu-se numa prioridade para o governo português.

No Brasil,a adequada articulação universidade-empresa poderá ampliar a capacidade de formação de mestres e doutores, promovendo a elaboração de dissertações e teses capazes de contribuir para o incremento da competitividade da indústria. Embora a FINEP já tenha caminhado nessa direção, há ainda um longo percurso a cumprir.

Apesar da crise, é mandatório garantir ciência, tecnologia e inovação como prioridades para o desenvolvimento.