quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Um ministro sem rumo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem uma vaga ideia de onde está, ignora para onde vai e desconhece, portanto, como chegar lá. Na escuridão, será cobrado ao mesmo tempo para arrumar as contas públicas, ampliar o âmbito da recuperação econômica, aumentar os investimentos e, acima de tudo, cuidar da reeleição do presidente da República. Será complicado combinar os dois primeiros itens, mas pelo menos esse desafio fará sentido. A resposta será possível com um plano bem cuidado, crível e apresentado de forma competente ao mercado. Mas planejamento é algo estranho ao ministro e credibilidade é uma palavra muito longa para seu chefe. Atender a todas as cobranças será impossível. A mera tentativa será desastrosa, como tem sido até agora.

Nos próximos dois anos, prometeu o ministro, o governo vai jogar no ataque, depois de ter jogado na defesa na primeira metade do mandato. Haverá, segundo ele, reformas, privatizações, prosperidade e abertura comercial. As privatizações deveriam ter rendido R$ 1 trilhão em pouco tempo, segundo sua promessa anterior. Mas nada foi vendido, até agora, nem ele explicou por que a história será diferente a partir de agora, com o mesmo presidente e com tanta gente, no governo e em torno dele, interessada em usar as estatais para seus propósitos.

Sem surpresa, o ministro continua reciclando as promessas, jogando-as para a frente e nunca explicando como vai cumpri-las. Com a mesma firmeza, sempre sujeita a uma reconsideração, ele negou a manutenção do auxílio emergencial em 2021 – exceto se houver uma segunda onda de covid-19.

Mas a pandemia, segundo ele, está amainando no Brasil. Não há bom motivo, portanto, para preocupação diante das notícias de recrudescimento. “Parece que está havendo repiques. São ciclos, vamos observar. Fato é que a doença cedeu substancialmente. As pessoas saíram mais, se descuidaram um pouco. Mas tem características sazonais da doença, estamos entrando no verão, vamos observar um pouco.”



Ciclos, características sazonais, chegada do verão – tudo isso compõe um aranzel desconexo e distante dos fatos. A mudança da curva de contágio, o aumento de casos e a ocupação crescente de leitos de hospitais vêm sendo mostrados pelas estatísticas. A taxa de transmissão da covid passou de 1,10 em 16 de novembro para 1,30 no balanço divulgado na terça-feira passada.

Os números foram coletados e organizados pelo centro de controle de epidemias do Imperial College, de Londres. É a maior taxa desde a semana de 24 de maio, quando foi alcançado o nível de contaminação de 1,31. Nesse patamar, 100 pessoas passavam o vírus a 131. Pela última informação, o contágio é de 100 para 130. Não se pode, portanto, falar de epidemia controlada em nível nacional.

Com a fala sobre a pandemia e sobre a expectativa de atuação econômica, o ministro se mostrou, portanto, amplamente distante dos fatos, tanto quanto esteve, quase sempre, desde o ano passado. Em quase dois anos, só uma reforma, a da Previdência, foi aprovada, graças ao trabalho de parlamentares. Além disso, a discussão já havia avançado no governo do presidente Michel Temer.

Outros projetos importantes para a economia, como a chamada PEC Emergencial, continuam travados. Na mesma condição está a reforma administrativa, pouco mais ambiciosa que uma revisão de critérios do RH. Na área tributária o ministro, além de apresentar uma proposta modesta de fusão de duas contribuições, nada fez além de defender, até agora sem sucesso, a recriação da malfadada CPMF.

O ministro falou ainda sobre abertura comercial, mas sem explicar como se conseguirá, por exemplo, vencer a resistência, muito forte em alguns países da Europa, à confirmação do acordo entre União Europeia e Mercosul. Essa resistência tem sido alimentada pela política antiecológica do governo brasileiro, jamais criticada por Paulo Guedes.

Enfim, para jogar no ataque, o governo precisaria, em primeiro lugar, de um roteiro para 2021. Mas nem o Orçamento do próximo ano está definido. Ficará também para mais tarde, talvez para 2022?

Procura-se Pazuello, o zero bala

Devo estar mal informado, mas, então, o Google também estará. Ao ver ontem o general Eduardo Pazuello sendo chamado a se explicar sobre os 6,8 milhões de testes de Covid mofando num galpão federal em Guarulhos (SP), ocorreu-me que ele é o ministro de Saúde. Ocorreu-me também que, desde que contraiu o vírus —sim, Pazuello pegou a doença, lembra-se?—, mal ouvimos falar dele. E que, sendo o responsável pela saúde de 212 milhões de brasileiros, sua própria saúde é ou deveria ser do interesse nacional.

Pazuello foi diagnosticado com Covid no dia 21 de outubro. Internou-se num hospital de Brasília, onde seu chefe Jair Bolsonaro o visitou expressamente para desmoralizá-lo, desautorizando a sua compra da vacina Coronovac. Pazuello engoliu a ofensa, disse-se "zero bala" e se mudou para um hospital militar. Teve alta no dia 3 seguinte e foi para casa, mas só retomou as "atividades presenciais" no dia 11. Em entrevista, admitiu "ainda não estar completamente recuperado" e atreveu-se a chamar a Covid de "doença complicada". E, a partir dali, sumiu do noticiário —até ontem. Digitei "Pazuello e Covid" no Google para saber se ele estava mesmo "zero bala". Nada sobre esse assunto.

Gostaria de saber de Pazuello como foram seus sintomas, doença, tratamento, recuperação e sequelas. Terá sido entubado? É tudo mesmo um horror? Teve medo de morrer? Foi salvo pela cloroquina ou, como diz a ciência, tomá-la ou passá-la nas costas dá na mesma? Como foi, afinal, que pegou o vírus? Era sempre testado? Não acredita em testes?

Claro que, não sendo médico, Pazuello não tem ideia do que lhe aconteceu. E muito menos do que a Covid já fez, faz e ainda fará com o Brasil.

Pazuello nos deve um minucioso relatório pessoal. Afinal, somos nós que pagamos —em solidão, desemprego, falência e vidas humanas— a conta que ele e Bolsonaro estão apresentando ao país.

'Normalidade' dos anormais


Sob Bolsonaro, o escárnio vai adquirindo na Presidência da República uma doce, uma persuasiva, uma admirável naturalidade

O poder civil e os militares

Encontra-se no escaninho do Congresso a Política (PND) e a Estratégia (END) Nacionais de Defesa, documentos fundamentais para o planejamento e execução das atividades voltadas à defesa do País, desde o recrutamento aos acordos internacionais. Infelizmente deverá fazer caminho semelhante ao de sua versão anterior, de 2016, que só foi aprovada depois de dois anos, sem qualquer debate na Casa e sem a realização de audiências públicas, já no apagar das luzes do governo Michel Temer.

A omissão do poder civil em ditar os rumos para a política de defesa nacional e para as próprias Forças Armadas é emblemática. Deveria ser dele a liderança para definir as grandes diretrizes, cabendo aos militares o comando das ações de defesa propriamente ditas, como acontece na Europa, nos Estados Unidos e na maioria dos países dotados de forças armadas apetrechadas e preparadas para exercer suas funções tanto em tempos de paz como de guerra.

Sem cumprir o seu papel, o poder civil fica em suspense quando a temperatura aumenta nos quartéis, como no caso do atrito recente entre o comandante do Exército e o Presidente da República, que poderia desaguar em uma grave crise caso Jair Bolsonaro demitisse o general. A solução foi uma nota assinada pelos comandantes das três armas que preserva a autoridade do presidente e reafirma o substantivo: as Forças Armadas como instituições de Estado e não de governo.

Mas o simples fato de seus comandantes terem de sair a público para afirmar o que seria óbvio é sinal da existência de conflitos que precisam ser dirimidos.

Sempre bom lembrar que, nos anos do regime militar, o Brasil viu a política adentrando nos quartéis, o que gerou anarquia e quebra de disciplina, muitas vezes com o emparedamento do presidente, mesmo sendo ele um general de quatro estrelas. As Forças Armadas saíram de suas funções profissionais para comandar diretamente a política e o país.


O ativismo teria fim com uma transição democrática, a partir da qual os militares puderam recuar organizadamente para os quartéis. A atuação política deu lugar ao modelo estritamente profissional, com as Forças Armadas se dedicando às suas funções constitucionais. Por isso mesmo tornaram-se as instituições mais respeitadas pelos brasileiros e puderam se dedicar a dar uma formação profissional de altíssimo nível a seus oficiais, onde as promoções acontecem por mérito e não por antiguidade.

Os militares começam a ser arrastados de volta para política ao final da crise do governo de Dilma Rousseff, quando o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, teve atuação constante nas redes sociais. E militares como o general Hamilton Mourão, hoje vice-presidente da República, passaram a fazer pronunciamentos descolados de suas funções profissionais.

Com a vitória de Jair Bolsonaro, a linha divisória entre as Forças Armadas e o governo ficou tênue em função da forte participação de militares – mais de seis mil –, alguns dos quais em postos estratégicos, como o grupo que compõe o núcleo palaciano.

Como era de se prever, a imagem dos militares, duramente construída ao longo dos últimos 35 anos, tem sido afetada negativamente por esse processo.

Um bom exemplo da clareza do papel de cada um vem dos Estados Unidos. As Forças Armadas americanas cuidam exclusivamente de seus assuntos sob o comando do poder civil, que se estabelece de forma democrática e representativa.

Diante da premência de se estabelecer a Política e a Estratégia Nacional de Defesa, o Congresso prestará um desserviço ao país se tratá-las com o mesmo desdém do passado. É hora dos civis assumirem protagonismo e responsabilidade nesta questão.
Hubert Alquéres