quinta-feira, 1 de março de 2018
Intervenção e revolução
São conceitos originários do triunfo do campo político e econômico e, não por acaso, dominam o nosso pensamento e permeiam os valores da chamada “modernidade ocidental”, hoje globalizada. Aprimorados sob a égide do indivíduo-cidadão como motor da vida social, o político e o econômico estão interligados. Vale observar, porém, como “intervenção” e “revolução” estão ausentes ou são raros no campo religioso. Essa esfera que, ao lado da economia e da política, possui primazia na nossa visão de mundo.
Fizemos muito mais revoluções (e intervenções) políticas e econômicas do que religiosas, um campo no qual – no nosso sistema cultural – predominam as “reformas”. Reformar é promover uma modificação relativa situada aquém daquilo que a nossa cosmologia ainda figura no espaço de redentoras transformações sociais. De um certo ponto de vista, a ideia de revolução com “R” maiúsculo, enfeixaria todos os campos sociais menos, é óbvio, o do paradoxal interesse ou vontade popular de realizá-la e dirigi-la. Seriam as revoluções alérgicas ao religioso porque prometem uma transcendência histórica enquanto a religião garante uma eterna salvação? Ou revolução e religião não combinam também porque o ponto de partida revolucionário seria construir (ou reconstituir, como queriam os pensadores radicais vitorianos) um paraíso neste mundo e não no outro? O materialismo iluminista e burguês afirma que tudo (inclusive as ideias) vêm da realidade física e biológica. Neste universo sem ironia, paradoxo, liminaridade, ambiguidade e incoerência, o elo entre a matéria e o espírito é de ordem mecânica – menos, é claro – a utopia revolucionária a qual promove sem saber um inconsciente retorno ao religioso.
O século passado – como diz o harvardiano Nur Yalman – está permeado das carcaças de revoluções fracassadas. Lenin, Stalin, Mao, Mussolini e Hitler tentaram todos controlar a modernidade – para detê-la ou acelerá-la – e falharam. Mustafa Kemal Pasha, o famoso Atatürk tendo como inspiração o materialismo burguês, buscou acomodar soberania popular com islamismo nas décadas de 20 e 30 do século passado, mas, como diz Yalman (que é turco), tal tentativa fracassou no atual regime de Erdogan.
Fizemos muito mais revoluções políticas e econômicas do que religiosas e, no entanto, a Reforma que, pelo credo revolucionário, seria uma mera rebelião, agenciou uma irônica mudança sem precedentes. A crer em Max Weber e Karl Polanyi, ela estilhaçou o centralismo, reinventou a racionalidade, o capitalismo e o mercado...
Tivemos também o nosso momento revolucionário com Getúlio Vargas, em 1930, e até hoje persiste dúvida na classificação do movimento militar ocorrido em 1964. Para quem diz que o movimento ocorreu no dia 1.º de abril, todo mundo caiu num golpe. Para quem se refere a um romano fim de março, teria sido revolução.
A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, determinada por imoralidade administrativa, a perda de controle da rotina tomada por bandidos e a mais absoluta ausência de competência têm suscitado reações.
Grande parte da elite brasileira se diz revolucionária, mas não chega a ser reformista. E, menos ainda, protestante. Há, agora, o receio da intervenção no sistema de (in)segurança do Rio de Janeiro. Reformar mete menos medo do que intervir, que fica mais ao lado do protesto. Primeiro, porque sempre fizemos as reformas apropriados a um Estado republicano cuja função sempre foi a de canibalizar a sociedade a ele profundamente entrelaçada, mas sempre visto como sendo uma entidade independente e, quando interessa, onipotente. Segundo, porque as reformas requerem uma densa aprovação política e têm amplos objetivos e múltiplas consequências. Para muitos, elas correm o risco de realizar o que tememos: igualar e regular privilégios. Terceiro porque, nas reformas, as responsabilidades podem ser dissolvidas. Rejeitadas ou modificadas numa instância política, pode-se culpar uma outra e se ninguém decide coisa alguma, vão para o centro de nossa hierarquia: o STF.
O contraste com a intervenção é nítido. Nela, há a figura de um interventor. Personificada num responsável, corre-se o risco de erro ou acerto – ou seja: daquilo que os políticos escondem, já que são capazes de tudo, menos de admitir culpa ou admitir erros. Em suma: a intervenção é um protesto, tem uma autoria e permite atribuir responsabilidade, dimensões que o sistema, regido pela sua matriz aristocrática, tem horror.
Finalmente, mas não por último, intervenção rima com revolução.
*
O século passado – como diz o harvardiano Nur Yalman – está permeado das carcaças de revoluções fracassadas. Lenin, Stalin, Mao, Mussolini e Hitler tentaram todos controlar a modernidade – para detê-la ou acelerá-la – e falharam. Mustafa Kemal Pasha, o famoso Atatürk tendo como inspiração o materialismo burguês, buscou acomodar soberania popular com islamismo nas décadas de 20 e 30 do século passado, mas, como diz Yalman (que é turco), tal tentativa fracassou no atual regime de Erdogan.
Fizemos muito mais revoluções políticas e econômicas do que religiosas e, no entanto, a Reforma que, pelo credo revolucionário, seria uma mera rebelião, agenciou uma irônica mudança sem precedentes. A crer em Max Weber e Karl Polanyi, ela estilhaçou o centralismo, reinventou a racionalidade, o capitalismo e o mercado...
Tivemos também o nosso momento revolucionário com Getúlio Vargas, em 1930, e até hoje persiste dúvida na classificação do movimento militar ocorrido em 1964. Para quem diz que o movimento ocorreu no dia 1.º de abril, todo mundo caiu num golpe. Para quem se refere a um romano fim de março, teria sido revolução.
A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, determinada por imoralidade administrativa, a perda de controle da rotina tomada por bandidos e a mais absoluta ausência de competência têm suscitado reações.
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Grande parte da elite brasileira se diz revolucionária, mas não chega a ser reformista. E, menos ainda, protestante. Há, agora, o receio da intervenção no sistema de (in)segurança do Rio de Janeiro. Reformar mete menos medo do que intervir, que fica mais ao lado do protesto. Primeiro, porque sempre fizemos as reformas apropriados a um Estado republicano cuja função sempre foi a de canibalizar a sociedade a ele profundamente entrelaçada, mas sempre visto como sendo uma entidade independente e, quando interessa, onipotente. Segundo, porque as reformas requerem uma densa aprovação política e têm amplos objetivos e múltiplas consequências. Para muitos, elas correm o risco de realizar o que tememos: igualar e regular privilégios. Terceiro porque, nas reformas, as responsabilidades podem ser dissolvidas. Rejeitadas ou modificadas numa instância política, pode-se culpar uma outra e se ninguém decide coisa alguma, vão para o centro de nossa hierarquia: o STF.
O contraste com a intervenção é nítido. Nela, há a figura de um interventor. Personificada num responsável, corre-se o risco de erro ou acerto – ou seja: daquilo que os políticos escondem, já que são capazes de tudo, menos de admitir culpa ou admitir erros. Em suma: a intervenção é um protesto, tem uma autoria e permite atribuir responsabilidade, dimensões que o sistema, regido pela sua matriz aristocrática, tem horror.
Finalmente, mas não por último, intervenção rima com revolução.
Os animais doidos de cólera
O que vou contar, ainda não aconteceu. Mas acontecerá, quando não sei, talvez daqui por quinhentos ou mil anos, precisamente (arrisco a profecia) em 2968. Qual venha ser o primeiro animal a endoidecer de cólera, não o diria mesmo que soubesse, porque o mais certo era acabarem-lhe já com a espécie, na mira de evitar a catástrofe. E eu, que não estarei cá para ver, eu, a quem o assunto por isso não interessa pessoalmente, não vejo por que hei-de poupar uns vagos e longínquos vindouros à maior guerra da história. Já não é pequeno favor este aviso. Cumpram-se pois os fados.
Em todo o caso, alguma coisa me diz que a primeira rebelião virá de um animal pacífico. Talvez o cão, talvez a calhandra. Ou a rola, hoje tão modesta e conformada. Não sei, não sei. Agora mesmo (vá lá explicar porque) tive a certeza de que será o potro. Vi-o no meio de um prado, com erva até os joelhos, o sol a acender-lhe fogachos no pelo sedoso - e de repente erguer-se nas patas traseiras, esgrimir os cascos, de crina revolta e beiços arreganhados de furor. E se aqui deixo, afinal, esta revelação, é só porque sei que, no fundo, ninguém vai acreditar-me.
Será o primeiro sinal. O potro sairá do prado verde e meterá as estradas dos homens. Por onde passa, levanta o motim, desperta a cólera, bate com as patas nos troncos das árvores e nas tocas sombrias. Ergue a cabeça transfigurada para as nuvens e chama as aves do céu. Por todo o mundo começa a mover-se o grande exército dos animais.
Ao princípio, os homens ficam surpreendidos. Depois, o interesse científico leva-os a sobrevoar de helicóptero as manadas e rebanhos, os insetos alados e os bandos de pássaros, os intermináveis cortejos de lagartas e formigas. Tiram fotografias e escrevem relatórios e reportagens. Colhem aqui e além um animal crispado, estudam-lhe o comportamento, vivissectam e dissecam - e nada encontram, porque não há vírus da ira nem micróbio da fúria.
Quando os animais se tornam incômodos, os homens põem em uso a panóplia doméstica dos pequenos conflitos: armas de caça, inseticidas, redes, venenos, armadilhas. Mas os animais são inúmeros. Surgem de todos os lados e cercam as cidades. E não adianta contar com a inimizade do cão e do gato, nem com o gosto do leão pela carne da gazela. Os animais alimentam-se de sua própria cólera. Então os homens substituem o DDT pelo TNT, a caçadeira pela bomba atômica, o papel apanha-moscas pelos gases. É inútil. Sobre os cadáveres de uns, avançam outros. Dos esgotos saem exércitos de ratos enfurecidos. As toupeiras cegas abrem caminho a longas serpentes que dormiam no interior da terra. As noites são povoadas de rumores estranhos: sussurros, pulsões de asas, guinchos, crepitações de mandíbulas secas, uivos e rugidos, silvos arrepiantes. E quando o dia nasce, os homens, pálidos de insônia e medo, lêem nos jornais que uma esquadra inteira foi afundada por monstros marinhos e que trezentos aviões caíram com os reatores asfixiados de penas e carne triturada.
Virá então o pânico. A cólera dos animais cresce até se transformar em loucura de extermínio. Os homens perguntaram uns aos outros o que fizeram para merecer esta condenação. Não podem enviar parlamentares porque os animais não falam. E se falassem, a cólera cortar-lhes-ia a voz.
Que fazer? que fazer? São chamados os sábios e os filósofos - e ninguém traz salvação. Vêm os políticos e os engenheiros - e calam-se. Pede-se auxílio a toda gente, velhos, adolescentes, crianças - e nada. Dão-se alvíssaras. O mundo dos homens vai acabar.
Talvez acabe mesmo. E se os animais vierem a endoidecer de cólera e desencadearem esta guerra (em 2968, por exemplo), ao menos o último homem, coberto de formigas que o estraçalham, ainda poderá pensar que morre a lutar pela humanidade. Não contra a humanidade... E será a primeira vez que tal acontece.
Em todo o caso, alguma coisa me diz que a primeira rebelião virá de um animal pacífico. Talvez o cão, talvez a calhandra. Ou a rola, hoje tão modesta e conformada. Não sei, não sei. Agora mesmo (vá lá explicar porque) tive a certeza de que será o potro. Vi-o no meio de um prado, com erva até os joelhos, o sol a acender-lhe fogachos no pelo sedoso - e de repente erguer-se nas patas traseiras, esgrimir os cascos, de crina revolta e beiços arreganhados de furor. E se aqui deixo, afinal, esta revelação, é só porque sei que, no fundo, ninguém vai acreditar-me.
Ao princípio, os homens ficam surpreendidos. Depois, o interesse científico leva-os a sobrevoar de helicóptero as manadas e rebanhos, os insetos alados e os bandos de pássaros, os intermináveis cortejos de lagartas e formigas. Tiram fotografias e escrevem relatórios e reportagens. Colhem aqui e além um animal crispado, estudam-lhe o comportamento, vivissectam e dissecam - e nada encontram, porque não há vírus da ira nem micróbio da fúria.
Quando os animais se tornam incômodos, os homens põem em uso a panóplia doméstica dos pequenos conflitos: armas de caça, inseticidas, redes, venenos, armadilhas. Mas os animais são inúmeros. Surgem de todos os lados e cercam as cidades. E não adianta contar com a inimizade do cão e do gato, nem com o gosto do leão pela carne da gazela. Os animais alimentam-se de sua própria cólera. Então os homens substituem o DDT pelo TNT, a caçadeira pela bomba atômica, o papel apanha-moscas pelos gases. É inútil. Sobre os cadáveres de uns, avançam outros. Dos esgotos saem exércitos de ratos enfurecidos. As toupeiras cegas abrem caminho a longas serpentes que dormiam no interior da terra. As noites são povoadas de rumores estranhos: sussurros, pulsões de asas, guinchos, crepitações de mandíbulas secas, uivos e rugidos, silvos arrepiantes. E quando o dia nasce, os homens, pálidos de insônia e medo, lêem nos jornais que uma esquadra inteira foi afundada por monstros marinhos e que trezentos aviões caíram com os reatores asfixiados de penas e carne triturada.
Virá então o pânico. A cólera dos animais cresce até se transformar em loucura de extermínio. Os homens perguntaram uns aos outros o que fizeram para merecer esta condenação. Não podem enviar parlamentares porque os animais não falam. E se falassem, a cólera cortar-lhes-ia a voz.
Que fazer? que fazer? São chamados os sábios e os filósofos - e ninguém traz salvação. Vêm os políticos e os engenheiros - e calam-se. Pede-se auxílio a toda gente, velhos, adolescentes, crianças - e nada. Dão-se alvíssaras. O mundo dos homens vai acabar.
Talvez acabe mesmo. E se os animais vierem a endoidecer de cólera e desencadearem esta guerra (em 2968, por exemplo), ao menos o último homem, coberto de formigas que o estraçalham, ainda poderá pensar que morre a lutar pela humanidade. Não contra a humanidade... E será a primeira vez que tal acontece.
José Saramago
É um novo direito penal. Ainda bem
"Agora, nesse exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí".
Não se trata de um voto em alguma corte superior, muito menos de um parecer juntado aos autos. Foi uma frase dita numa conversa rápida com jornalistas, na saída de um evento. Mas conhecendo-se o autor, a tirada ganha força especial.
Trata-se de Eros Grau, advogado e professor de Direito, como ele se apresenta hoje, e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, como todos conhecem. Ocorre que ele, se não quer apagar, pretende colocar em plano bem inferior sua passagem pelo STF. "Não me entusiasmo" (por ter sido ministro, comentou.
E entretanto, sua passagem por lá e sua frase mais recente, dita na última terça, em São Paulo, tiveram e têm enorme e muito atual importância. Ocorre que Eros Grau foi o autor, no Supremo, do voto que, em 2009, mudou o entendimento da corte sobre a execução da pena.
Até então, entendia-se que o condenado em segundo instância já poderia ser preso e assim iniciar o cumprimento da pena. Grau argumentou - e formou maioria - que o condenado só poderia ser preso depois de esgotados todos os recursos nas instâncias superiores.
Em 2016, com Grau já fora do Supremo, e por uma apertada maioria de 6 a 5, a corte voltou ao entendimento anterior: que a prisão após condenação em segunda instância é constitucional e não viola o princípio da presunção de inocência.
Mas o caso não morre aí. Há um debate nacional sobre a necessidade ou não de mudança desse entendimento. Debate que vai pegando fogo na medida em que Lula foi condenado na segunda instância e se aproxima o momento em que o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre vai julgar o último recurso e determinar a prisão do ex-presidente.
Temos, portanto, uma questão em tese, de doutrina jurídica, e um caso político, especial, a situação de Lula.
O pessoal, digamos, assim, do "velho direito" brasileiro, do garantismo, acha que a prisão em segunda instância é um absurdo. Seguem o pensamento e a prática, como diz o jurista José Eduardo Faria, do direito romano-germânico, "bastante litúrgico, cheio de entraves burocráticos, cheio de sistemas de prazos e recursos que permitiam aos advogados discutir não grandes questões factuais mas sim teses, pleitear vícios, aguardar que tais pleitos fossem julgados lentamente e, assim, obter a prescrição dos crimes dos seus clientes".
Dito de outro modo: se o condenado só puder ser preso depois de todos os recursos em última instância, isso significa no Brasil , e muito especialmente no Brasil dos mais ricos, que não vai em cana nunca mais.
Contra o garantismo, surgiu e se desenvolve no Brasil um novo direito penal econômico, praticado especialmente na Justiça Federal de primeira e segunda instância, pelo Ministério Público e por setores da Polícia Federal. Sim, estamos falando, entre tantos, de Curitiba, Sérgio Moro, do Rio, Marcelo Bretas, de Porto Alegre dos desembargadores Thompson Flores, João Pedro Gebran, Leandro Paulsen, Victor Luiz dos Santos Laus.
Na linha do mensalão, essa turma, nos seus 45 anos, e seguindo a descrição de José Eduardo Faria, tem uma "visão mais americana, mais voltada a esse direito penal que vai direto ao foco, que trabalha com a identificação de atos que fogem a determinados padrões. Em geral, essa nova visão do direito penal é, de fato, sustentada por pessoas e equipes que entendem de contabilidade, que usam bem a tecnologia, que têm formação interdisciplinar, que sabem identificar procedimentos de ocultação de propriedades e de patrimônio. É uma turma capaz de descobrir os rastros deixados por documentos em vastas cadeias utilizadas para ocultar patrimônio ou dinheiro sujo".
Essa doutrina não nasceu por acaso, mas para responder à sofisticação global dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, especialmente ligados ao tráfico de drogas e ao terrorismo. No caminho, apanhou sonegadores que escondiam dinheiro no caixa dois.
Essa doutrina começou a se introduzir no país com o julgamento do mensalão e se instalou com o petrolão, já então apoiada nos essenciais instrumentos da delação premiada e do acordo de leniência.
Mudaram as circunstâncias, muda o crime, muda-se o direito penal, mudam-se as interpretações.
Com o entendeu Eros Grau. Com tantos bandidos por aí, pode ser o caso de prender esses bandidos da corrupção e do assalto ao Estado logo na primeira instância. O repórter perguntou: o senhor está falando do Lula?.
Eros Grau: "Inclusive. Não tenha dúvida nenhuma porque se ele foi condenado depois de uma série de investigações e tudo é porque ele é um sujeito culpado".
O professor não se julga contraditório. Ele entende que a mudança na realidade (na sociedade, nos costumes, na vida) exige nova interpretação da mesma lei.
O ministro Gilmar Mendes e seus seguidores falam com desprezo do "direito penal de Curitiba". Seria uma aberração.
Pois, ao contrário, há sim um novo direito, é praticado em Curitiba, e está colocando um monte de bandido na cadeia.
Não se trata de um voto em alguma corte superior, muito menos de um parecer juntado aos autos. Foi uma frase dita numa conversa rápida com jornalistas, na saída de um evento. Mas conhecendo-se o autor, a tirada ganha força especial.
Trata-se de Eros Grau, advogado e professor de Direito, como ele se apresenta hoje, e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, como todos conhecem. Ocorre que ele, se não quer apagar, pretende colocar em plano bem inferior sua passagem pelo STF. "Não me entusiasmo" (por ter sido ministro, comentou.
E entretanto, sua passagem por lá e sua frase mais recente, dita na última terça, em São Paulo, tiveram e têm enorme e muito atual importância. Ocorre que Eros Grau foi o autor, no Supremo, do voto que, em 2009, mudou o entendimento da corte sobre a execução da pena.
Até então, entendia-se que o condenado em segundo instância já poderia ser preso e assim iniciar o cumprimento da pena. Grau argumentou - e formou maioria - que o condenado só poderia ser preso depois de esgotados todos os recursos nas instâncias superiores.
Em 2016, com Grau já fora do Supremo, e por uma apertada maioria de 6 a 5, a corte voltou ao entendimento anterior: que a prisão após condenação em segunda instância é constitucional e não viola o princípio da presunção de inocência.
Mas o caso não morre aí. Há um debate nacional sobre a necessidade ou não de mudança desse entendimento. Debate que vai pegando fogo na medida em que Lula foi condenado na segunda instância e se aproxima o momento em que o Tribunal Regional Federal de Porto Alegre vai julgar o último recurso e determinar a prisão do ex-presidente.
Temos, portanto, uma questão em tese, de doutrina jurídica, e um caso político, especial, a situação de Lula.
Dito de outro modo: se o condenado só puder ser preso depois de todos os recursos em última instância, isso significa no Brasil , e muito especialmente no Brasil dos mais ricos, que não vai em cana nunca mais.
Contra o garantismo, surgiu e se desenvolve no Brasil um novo direito penal econômico, praticado especialmente na Justiça Federal de primeira e segunda instância, pelo Ministério Público e por setores da Polícia Federal. Sim, estamos falando, entre tantos, de Curitiba, Sérgio Moro, do Rio, Marcelo Bretas, de Porto Alegre dos desembargadores Thompson Flores, João Pedro Gebran, Leandro Paulsen, Victor Luiz dos Santos Laus.
Na linha do mensalão, essa turma, nos seus 45 anos, e seguindo a descrição de José Eduardo Faria, tem uma "visão mais americana, mais voltada a esse direito penal que vai direto ao foco, que trabalha com a identificação de atos que fogem a determinados padrões. Em geral, essa nova visão do direito penal é, de fato, sustentada por pessoas e equipes que entendem de contabilidade, que usam bem a tecnologia, que têm formação interdisciplinar, que sabem identificar procedimentos de ocultação de propriedades e de patrimônio. É uma turma capaz de descobrir os rastros deixados por documentos em vastas cadeias utilizadas para ocultar patrimônio ou dinheiro sujo".
Essa doutrina não nasceu por acaso, mas para responder à sofisticação global dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, especialmente ligados ao tráfico de drogas e ao terrorismo. No caminho, apanhou sonegadores que escondiam dinheiro no caixa dois.
Essa doutrina começou a se introduzir no país com o julgamento do mensalão e se instalou com o petrolão, já então apoiada nos essenciais instrumentos da delação premiada e do acordo de leniência.
Mudaram as circunstâncias, muda o crime, muda-se o direito penal, mudam-se as interpretações.
Com o entendeu Eros Grau. Com tantos bandidos por aí, pode ser o caso de prender esses bandidos da corrupção e do assalto ao Estado logo na primeira instância. O repórter perguntou: o senhor está falando do Lula?.
Eros Grau: "Inclusive. Não tenha dúvida nenhuma porque se ele foi condenado depois de uma série de investigações e tudo é porque ele é um sujeito culpado".
O professor não se julga contraditório. Ele entende que a mudança na realidade (na sociedade, nos costumes, na vida) exige nova interpretação da mesma lei.
O ministro Gilmar Mendes e seus seguidores falam com desprezo do "direito penal de Curitiba". Seria uma aberração.
Pois, ao contrário, há sim um novo direito, é praticado em Curitiba, e está colocando um monte de bandido na cadeia.
'Manu militari' ou o trio elétrico macabro
No país das infâmias, sejamos infames nós também. Ao menos sejamos infames nos trocadilhos e reconheçamos logo: em política, a partir de agora, a propaganda é a arma do negócio. A recíproca é verdadeira: a arma é a propaganda política da vez. Michel Temer mandou plantar coturnos na Cidade Maravilhosa com o único propósito de fazer propaganda de si mesmo.
A prova é documental. Tão logo despachou as tropas para o Rio de Janeiro, o Planalto mandou publicar anúncios para se gabar do seu improviso armado. Eis a chamada de uma peça publicitária: “O governo, que está tirando o país da maior recessão da sua história, agora vai tirar o Rio de Janeiro das mãos da violência”. (Anote-se: esses anúncios são pagos, muito bem pagos, com dinheiro público.)
Os termos da propaganda não deixam dúvida: não se trata de uma publicidade para explicar como funcionaria a intervenção federal (a explicação, aliás, não veio até agora); trata-se, isso sim, de armas e fardas nas ruas para dar consistência material à propaganda. A campanha não serve para orientar as pessoas, serve somente para que o governo se vanglorie das tropas que mandou para o Rio.
Como a reforma da Previdência malogrou – ela mesma baseada numa estratégia publicitária que vilipendiou o quanto pôde a imagem do servidor público para enaltecer o inexistente civismo governamental –, os marqueteiros palacianos partiram em busca de um novo pretexto para falarem bem do chefe e só conseguiram encontrá-lo na violência, que, graças à corrupção e à irresponsabilidade de autoridades públicas, municipais, estaduais e federais, se instalou nos domínios do Cristo Redentor.
Para o governo, portanto, a tragédia carioca não passa de pretexto oportunista. Os objetivos essenciais da atribulada, destrambelhada e atrapalhada intervenção federal – que o leigo vem chamando, não sem alguma dose de razão, de intervenção “militar” – não têm nada que ver com tráfico de drogas, com comércio ilegal de armamentos ou rajadas de metralhadora aleatórias; os objetivos essenciais são de natureza propagandística, estão a serviço da obsessão de fabricar um ou dois pontos de popularidade para um presidente impopular. O governo aproveitou-se da dor das famílias desmembradas pelos tiroteios, aproveitou-se do medo generalizado para tentar tirar daí uma casquinha eleitoreira. A propaganda oficial não respeita ninguém. A propaganda oficial é a arma do negócio.
Mais ainda. Por ser uma estratégia publicitária, a intervenção deixará seus saldos negativos não apenas nos cadáveres, mas, principalmente, no imaginário político do brasileiro. Qualquer propaganda de governo, já sabemos disso, faz mal à saúde (o ministério da Saúde, se não fosse cúmplice, bem que poderia lançar uma advertência). Nesse caso em particular, a propaganda de governo fará muito mal à saúde dos valores democráticos.
A venda de uma solução brucutu para problemas de ordem pública estimula a crença de que a força bruta resolve as mazelas de democracia. A nova campanha de imagem do governo joga lenha na fogueira dos discursos odientos, como o de Jair Bolsonaro, e convida o cidadão a acreditar que a lei do mais forte, que é a lei do crime, serve como critério para uma política de Estado. Não surpreende que altas patentes do Exército, durante o início da intervenção, se tenham queixado da Comissão da Verdade. Não surpreende que ajam para dificultar a identificação dos soldados nas ruas. Não surpreende que, para revistar Deus e o mundo, exijam os mandados coletivos – sobre os quais um editorial do Estado, Ideias perigosas, de 21 de fevereiro, alertou: “O desejo de acabar com o crime não pode atropelar os direitos e garantias dos cidadãos – a não ser que se esteja a falar de estado de defesa ou de estado de sítio, quando alguns desses direitos são parcialmente suspensos, o que obviamente não é o caso do Rio de Janeiro. O combate à criminalidade jamais será bem-sucedido se estiver assentado na violação da lei”.
Em plena Quaresma, desfila no Rio um trio elétrico macabro, cujo enredo é o medo e cujo fim é gerar dividendos de imagem a favor da Presidência da República. Desse desfile, repita-se, vão sair feridos de morte não apenas as vítimas desorientadas e desprotegidas que são baleadas na Cidade Maravilhosa, mas, principalmente, as garantias democráticas. Até mesmo a urbanidade e a boa educação sairão perdendo.
No sábado 24 de fevereiro, na primeira página do Estado uma foto mostra militares fotografando moradores de comunidades da zona oeste do Rio, a pretexto de checar antecedentes criminais, como se fossem todos suspeitos. “É muita humilhação”, reclamou um deles. “Quero ver fazer isso na zona sul”. A Defensoria Pública declarou que as medidas são abusivas, mas, indiferente às queixas, o trio elétrico da Quaresma passa.
Michel Temer pode não ser candidato a sucessor de si mesmo, mas é, sim, candidato a Capitão Nascimento, o herói dos filmes Tropa de Elite. Ou a Rambo. Ou a Conde Drácula, desde que fardado. É candidato a se alistar no serviço militar. Tanto é que, para coroar sua investida – não contra o crime, mas contra a sua impopularidade férrea –, nomeou um general para o Ministério da Defesa. É a primeira vez – desde que a pasta foi criada, no governo Fernando Henrique – que um militar assume esse ministério como seu titular. Dizer que isso é um “retrocesso” (como afirmou o editorial de ontem do Estado) é dizer pouco. O que está em curso é uma escalada de militarização da política – e do Estado – cujas consequências para a democracia são imprevisíveis. Quando o governo patrocina a truculência e dela se envaidece, publicamente, algo vai muito mal.
Com velocidade, apetite e fúria, Temer promove a ideia de que as armas podem substituir a política. Ele, que nunca se deu bem em cima de palanques, agora parece pleitear uma segunda chance em cima de tanques.
Os termos da propaganda não deixam dúvida: não se trata de uma publicidade para explicar como funcionaria a intervenção federal (a explicação, aliás, não veio até agora); trata-se, isso sim, de armas e fardas nas ruas para dar consistência material à propaganda. A campanha não serve para orientar as pessoas, serve somente para que o governo se vanglorie das tropas que mandou para o Rio.
Como a reforma da Previdência malogrou – ela mesma baseada numa estratégia publicitária que vilipendiou o quanto pôde a imagem do servidor público para enaltecer o inexistente civismo governamental –, os marqueteiros palacianos partiram em busca de um novo pretexto para falarem bem do chefe e só conseguiram encontrá-lo na violência, que, graças à corrupção e à irresponsabilidade de autoridades públicas, municipais, estaduais e federais, se instalou nos domínios do Cristo Redentor.
Para o governo, portanto, a tragédia carioca não passa de pretexto oportunista. Os objetivos essenciais da atribulada, destrambelhada e atrapalhada intervenção federal – que o leigo vem chamando, não sem alguma dose de razão, de intervenção “militar” – não têm nada que ver com tráfico de drogas, com comércio ilegal de armamentos ou rajadas de metralhadora aleatórias; os objetivos essenciais são de natureza propagandística, estão a serviço da obsessão de fabricar um ou dois pontos de popularidade para um presidente impopular. O governo aproveitou-se da dor das famílias desmembradas pelos tiroteios, aproveitou-se do medo generalizado para tentar tirar daí uma casquinha eleitoreira. A propaganda oficial não respeita ninguém. A propaganda oficial é a arma do negócio.
Mais ainda. Por ser uma estratégia publicitária, a intervenção deixará seus saldos negativos não apenas nos cadáveres, mas, principalmente, no imaginário político do brasileiro. Qualquer propaganda de governo, já sabemos disso, faz mal à saúde (o ministério da Saúde, se não fosse cúmplice, bem que poderia lançar uma advertência). Nesse caso em particular, a propaganda de governo fará muito mal à saúde dos valores democráticos.
A venda de uma solução brucutu para problemas de ordem pública estimula a crença de que a força bruta resolve as mazelas de democracia. A nova campanha de imagem do governo joga lenha na fogueira dos discursos odientos, como o de Jair Bolsonaro, e convida o cidadão a acreditar que a lei do mais forte, que é a lei do crime, serve como critério para uma política de Estado. Não surpreende que altas patentes do Exército, durante o início da intervenção, se tenham queixado da Comissão da Verdade. Não surpreende que ajam para dificultar a identificação dos soldados nas ruas. Não surpreende que, para revistar Deus e o mundo, exijam os mandados coletivos – sobre os quais um editorial do Estado, Ideias perigosas, de 21 de fevereiro, alertou: “O desejo de acabar com o crime não pode atropelar os direitos e garantias dos cidadãos – a não ser que se esteja a falar de estado de defesa ou de estado de sítio, quando alguns desses direitos são parcialmente suspensos, o que obviamente não é o caso do Rio de Janeiro. O combate à criminalidade jamais será bem-sucedido se estiver assentado na violação da lei”.
Em plena Quaresma, desfila no Rio um trio elétrico macabro, cujo enredo é o medo e cujo fim é gerar dividendos de imagem a favor da Presidência da República. Desse desfile, repita-se, vão sair feridos de morte não apenas as vítimas desorientadas e desprotegidas que são baleadas na Cidade Maravilhosa, mas, principalmente, as garantias democráticas. Até mesmo a urbanidade e a boa educação sairão perdendo.
No sábado 24 de fevereiro, na primeira página do Estado uma foto mostra militares fotografando moradores de comunidades da zona oeste do Rio, a pretexto de checar antecedentes criminais, como se fossem todos suspeitos. “É muita humilhação”, reclamou um deles. “Quero ver fazer isso na zona sul”. A Defensoria Pública declarou que as medidas são abusivas, mas, indiferente às queixas, o trio elétrico da Quaresma passa.
Michel Temer pode não ser candidato a sucessor de si mesmo, mas é, sim, candidato a Capitão Nascimento, o herói dos filmes Tropa de Elite. Ou a Rambo. Ou a Conde Drácula, desde que fardado. É candidato a se alistar no serviço militar. Tanto é que, para coroar sua investida – não contra o crime, mas contra a sua impopularidade férrea –, nomeou um general para o Ministério da Defesa. É a primeira vez – desde que a pasta foi criada, no governo Fernando Henrique – que um militar assume esse ministério como seu titular. Dizer que isso é um “retrocesso” (como afirmou o editorial de ontem do Estado) é dizer pouco. O que está em curso é uma escalada de militarização da política – e do Estado – cujas consequências para a democracia são imprevisíveis. Quando o governo patrocina a truculência e dela se envaidece, publicamente, algo vai muito mal.
Com velocidade, apetite e fúria, Temer promove a ideia de que as armas podem substituir a política. Ele, que nunca se deu bem em cima de palanques, agora parece pleitear uma segunda chance em cima de tanques.
Meu telefone é inteligente. E minha cidade?
As cidades da América Latina e do Caribe foram protagonistas de um dos processos de crescimento demográfico mais significativos do planeta, com grandes consequências para a sustentabilidade, a qualidade de vida e a competitividade desta região. Urbes como São Paulo ou a Cidade do México mostram que o planejamento estratégico permite que um rápido crescimento não deteriore o bem-estar de seus cidadãos. Um planejamento adequado permite solucionar os problemas de mobilidade urbana, saneamento, fornecimento de água potável, poluição ambiental, segurança, saúde e educação. Mas além de planejamento, é necessário utilizar todos os avanços tecnológicos para que as cidades sejam lugares melhores para viver e se tornem inteligentes, e os cidadãos encontrem respostas satisfatórias para suas necessidades.
Para os autores de "Caminho para as smart cities: Da gestão tradicional para a cidade inteligente", uma publicação recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), uma urbe inteligente é aquela que coloca as pessoas no centro do desenvolvimento, integra tecnologias da informação e comunicação na gestão urbana e usa estes elementos para estimular a formação de um Governo eficiente. Cidades com estas características promovem um desenvolvimento integrado e sustentável e se tornam mais inovadoras, competitivas, resilientes e atrativas, melhorando, assim, a vida de quem vive nelas.
Alcançar o ideal de uma cidade inteligente é um processo que requer uma grande capacidade de liderança e visão a longo prazo. Na América Latina e no Caribe — a segunda região do mundo com maior número de habitantes a residir em cidades, com 80% — se deram passos importantes na planificação de cidades inteligentes em países como a Colômbia, o Brasil, as Bahamas e o México, entre outros. No caso da cidade de Medellín, na Colômbia, por exemplo, o Sistema Inteligente de Mobilidade gerou uma poupança na ordem de 20 milhões de dólares nos custos socioeconômicos em resultado de um menor número de acidentes de trânsito.
A cidade de Nassau, nas Bahamas, é outro caso bem-sucedido de soluções inteligentes. Em 2012, a cidade não faturava 58% do consumo de água, devido principalmente a filtrações e fugas na infraestrutura e também, em menor escala, a roubos e erros de medição. Se investiu num plano de contenção de perdas físicas, utilizando tecnologias diversas para a reparação e substituição de canalizações, para o controle ativo de fugas, a gestão da pressão, a micromedição avançada e a luta contra as fraudes. Com este sistema de monitorização e controle se reduziu, em dois anos, o volume de perdas de água não faturada em 29%.
Cada cidade tem de enfrentar os seus próprios desafios e não existe uma fórmula mágica única que torne as cidades inteligentes, mas é verdade que estas têm em comum quatro características básicas que podem fixar o roteiro para aquelas que se encontram em processo de transformação. As cidades inteligentes são:
• Sustentáveis: usam a tecnologia digital para reduzir custos e otimizar o consumo de recursos, de modo a que a sua administração atual não comprometa o seu uso por parte das gerações futuras.
• Inclusivas e transparentes: criam e promovem canais de comunicação diretos com os cidadãos, operam com dados abertos e permitem fazer o acompanhamento das suas finanças.
• Capazes de gerar riqueza: oferecem uma infraestrutura adequada para a geração de empregos de alta qualidade, com ênfase na inovação, o que aumenta a competitividade e o crescimento dos negócios.
• Acolhedoras para os cidadãos: usam tecnologia digital para dar acesso rápido a serviços públicos mais eficientes.
A América Latina e o Caribe têm a oportunidade única de construir um novo modelo de urbanização no qual os governos, a sociedade civil e o setor privado façam uso da tecnologia para forjar cidades que melhorem a qualidade de vida dos seus cidadãos. Numa era em que tudo é inteligente, desde o telefone celular ao eletrodoméstico mais simples`, os dirigentes políticos devem demonstrar mais que nunca que possuem essa qualidade, para adaptar as cidades aos novos tempos.
Mildred Rivera
Alcançar o ideal de uma cidade inteligente é um processo que requer uma grande capacidade de liderança e visão a longo prazo. Na América Latina e no Caribe — a segunda região do mundo com maior número de habitantes a residir em cidades, com 80% — se deram passos importantes na planificação de cidades inteligentes em países como a Colômbia, o Brasil, as Bahamas e o México, entre outros. No caso da cidade de Medellín, na Colômbia, por exemplo, o Sistema Inteligente de Mobilidade gerou uma poupança na ordem de 20 milhões de dólares nos custos socioeconômicos em resultado de um menor número de acidentes de trânsito.
A cidade de Nassau, nas Bahamas, é outro caso bem-sucedido de soluções inteligentes. Em 2012, a cidade não faturava 58% do consumo de água, devido principalmente a filtrações e fugas na infraestrutura e também, em menor escala, a roubos e erros de medição. Se investiu num plano de contenção de perdas físicas, utilizando tecnologias diversas para a reparação e substituição de canalizações, para o controle ativo de fugas, a gestão da pressão, a micromedição avançada e a luta contra as fraudes. Com este sistema de monitorização e controle se reduziu, em dois anos, o volume de perdas de água não faturada em 29%.
Cada cidade tem de enfrentar os seus próprios desafios e não existe uma fórmula mágica única que torne as cidades inteligentes, mas é verdade que estas têm em comum quatro características básicas que podem fixar o roteiro para aquelas que se encontram em processo de transformação. As cidades inteligentes são:
• Sustentáveis: usam a tecnologia digital para reduzir custos e otimizar o consumo de recursos, de modo a que a sua administração atual não comprometa o seu uso por parte das gerações futuras.
• Inclusivas e transparentes: criam e promovem canais de comunicação diretos com os cidadãos, operam com dados abertos e permitem fazer o acompanhamento das suas finanças.
• Capazes de gerar riqueza: oferecem uma infraestrutura adequada para a geração de empregos de alta qualidade, com ênfase na inovação, o que aumenta a competitividade e o crescimento dos negócios.
• Acolhedoras para os cidadãos: usam tecnologia digital para dar acesso rápido a serviços públicos mais eficientes.
A América Latina e o Caribe têm a oportunidade única de construir um novo modelo de urbanização no qual os governos, a sociedade civil e o setor privado façam uso da tecnologia para forjar cidades que melhorem a qualidade de vida dos seus cidadãos. Numa era em que tudo é inteligente, desde o telefone celular ao eletrodoméstico mais simples`, os dirigentes políticos devem demonstrar mais que nunca que possuem essa qualidade, para adaptar as cidades aos novos tempos.
Mildred Rivera
Cansado de viver como um mito, Lula vira piada
Lula concedeu uma entrevista à Folha.Longa, ela se divide em duas partes. Nos trechos em que desconversa, Lula demonstra ser capaz de tudo. Mas revela-se incapaz de todo nos pedaços em que é convidado a dar explicações sobre seus confortos. Quem não quiser desperdiçar tempo pode se concentrar em duas passagens. Numa, Lula foge das perguntas sobre o sítio de Atibaia. Noutra, insinua que a força-tarefa da Lava Jato segue ordens de controladores americanos, instalados numa salinha obscura de um prédio qualquer de Washington.
Perguntou-se a Lula se a reforma que a Odebrecht fez no sítio de Atibaia não revelaria um relacionamento promíscuo entre um político e uma empreiteira. E ele: “Não. Esse é um outro tipo de processo. Não é o processo do qual estou sendo vítima.” A repórter deu uma segunda chance ao entrevistado: É uma pergunta que estou fazendo ao senhor, insistiu. Lula não se deu por achado:
“Essa pergunta eu espero que seja feita em juízo, pelo Moro. Porque primeiro disseram que o sítio era meu. Aí descobriram que ele tem dono. Então mudaram [para dizer que] me fizeram favor. Se fizeram, não me pediram. Eu fiquei sabendo desse sítio no dia 15 de janeiro de 2011.”
Ofereceu-se a Lula uma terceira chance de se defender. Por que empreiteiras tinham que reformar o sítio? E nada: “Quando eu for prestar depoimento, eu espero que essas sejam as perguntas que eles me façam.” A repórter não se deu por vencida. Estou fazendo a pergunta agora, ela disse. Esforço inútil: “Não, você não é juíza. Eu vou esperar o juiz. Porque se eu responder para você, o Moro vai fazer outras…”
Coube a Lula injetar os Estados Unidos na conversa. De repente, ele declarou: “Estou convencido de que os americanos estão por trás de tudo o que está acontecendo na Petrobras. Porque interessa para eles o fim da lei que regula o petróleo, o fim da lei que regula a partilha. O Brasil descobriu a maior reserva de petróleo do mundo do século 21. E não se sabe se tem outra…”
Perguntou-se a Lula se ele faz uma conexão entre a trama supostamente urdida pelos americanos e o drama criminal que o assedia. “Faço”, disse ele, com sólida convicção. “Se estiver errado, vou viver para pedir desculpas”, acrescentou, abrindo uma ligeira brecha para a dúvida.
A repórter foi ao ponto: Acha que os procuradores da Lava Jato vão aos EUA e se reúnem com um mentor? “Eu acho”, declarou Lula. “Agora mesmo o Moro está lá, para receber um prêmio dessa Câmara de Comércio Brasil-EUA. Ele foi lá para ficar 14 dias. Eu já recebi prêmios. Você vai num dia e volta no mesmo dia.”
Como se vê, Lula escolheu viver num Brasil alternativo, onde nada aconteceu. Nesse país paralelo, Lula é uma inocente criatura a quem empreiteiras culpadas prestam favores monetários jamais solicitados. Tudo tramado num porão de Washington, nos arredores da Casa Branca, de onde nossos controladores mexem os cordões que movem os marionetes de Curitiba.
O fracasso subiu à cabeça de Lula. Pelo elevador do Tríplex. Cansado de viver como mito, o líder máximo do PT escolheu ser preso como piada. “Eu não tenho essa perspectiva nem de me matar nem de fugir do Brasil. E vou ficar aqui. Aqui eu nasci, aqui é o meu lugar. Eu não tenho medo de nada. Só de trair o povo desse país. É por isso que eu estou aqui, fazendo a minha guerra”, disse Lula a certa altura, como um Napoleão se descoroando, numa Waterloo particular.
Perguntou-se a Lula se a reforma que a Odebrecht fez no sítio de Atibaia não revelaria um relacionamento promíscuo entre um político e uma empreiteira. E ele: “Não. Esse é um outro tipo de processo. Não é o processo do qual estou sendo vítima.” A repórter deu uma segunda chance ao entrevistado: É uma pergunta que estou fazendo ao senhor, insistiu. Lula não se deu por achado:
“Essa pergunta eu espero que seja feita em juízo, pelo Moro. Porque primeiro disseram que o sítio era meu. Aí descobriram que ele tem dono. Então mudaram [para dizer que] me fizeram favor. Se fizeram, não me pediram. Eu fiquei sabendo desse sítio no dia 15 de janeiro de 2011.”
Ofereceu-se a Lula uma terceira chance de se defender. Por que empreiteiras tinham que reformar o sítio? E nada: “Quando eu for prestar depoimento, eu espero que essas sejam as perguntas que eles me façam.” A repórter não se deu por vencida. Estou fazendo a pergunta agora, ela disse. Esforço inútil: “Não, você não é juíza. Eu vou esperar o juiz. Porque se eu responder para você, o Moro vai fazer outras…”
Perguntou-se a Lula se ele faz uma conexão entre a trama supostamente urdida pelos americanos e o drama criminal que o assedia. “Faço”, disse ele, com sólida convicção. “Se estiver errado, vou viver para pedir desculpas”, acrescentou, abrindo uma ligeira brecha para a dúvida.
A repórter foi ao ponto: Acha que os procuradores da Lava Jato vão aos EUA e se reúnem com um mentor? “Eu acho”, declarou Lula. “Agora mesmo o Moro está lá, para receber um prêmio dessa Câmara de Comércio Brasil-EUA. Ele foi lá para ficar 14 dias. Eu já recebi prêmios. Você vai num dia e volta no mesmo dia.”
Como se vê, Lula escolheu viver num Brasil alternativo, onde nada aconteceu. Nesse país paralelo, Lula é uma inocente criatura a quem empreiteiras culpadas prestam favores monetários jamais solicitados. Tudo tramado num porão de Washington, nos arredores da Casa Branca, de onde nossos controladores mexem os cordões que movem os marionetes de Curitiba.
O fracasso subiu à cabeça de Lula. Pelo elevador do Tríplex. Cansado de viver como mito, o líder máximo do PT escolheu ser preso como piada. “Eu não tenho essa perspectiva nem de me matar nem de fugir do Brasil. E vou ficar aqui. Aqui eu nasci, aqui é o meu lugar. Eu não tenho medo de nada. Só de trair o povo desse país. É por isso que eu estou aqui, fazendo a minha guerra”, disse Lula a certa altura, como um Napoleão se descoroando, numa Waterloo particular.
A glória de ser medíocre
Cada vez mais gostamos de ser medíocres no Brasil. Sofremos uma absurda atração pela cultura da mediocridade e a elevamos a objetivo nacional. Estamos conseguindo, e com que brilho! Caminhamos para a liderança mundial em muitos quesitos. Consulte os índices de qualidade de vida, de desenvolvimento humano, de educação, de violência, de saúde pública, de saneamento, de habitação. Percorra nossas estradas, nossos portos e aeroportos, nossas escolas. Visite os estádios superfaturados e abandonados neste país que ainda usa o futebol como ópio do povo.
A atração fatal pela mediocridade se espalha em todos os níveis da sociedade. Alguns exemplos: quem acha que nosso Congresso é composto por mentes brilhantes? Quem acha que pessoas capazes ocupam nossos ministérios? Como Eike Batista chegou tão longe e acabou em Bangu? Seria apenas pela aliança com um governador que levou 16 milhões de dólares dele para o exterior? Por que tantos turistas compulsórios visitam Curitiba tendo a PF como cicerone? Onde foi que um presidente afirmou que nunca tinha lido um livro – e não lhe fez falta? Por que tantos?
Se você acha que a cultura da mediocridade para aí, está enganado. Escute com atenção as músicas que fizeram maior sucesso em 2016, curta a riqueza das letras e das melodias, encante-se com a mesmice e o ridículo. Veja um programa na televisão, desses que arrancam dinheiro do espectador a cada minuto, eleve-se ao nível da danação intelectual ou caia no fundo do poço da exploração humana. Sintonize a grade das tvs abertas e delicie-se com o vazio que elas nos impingem travestido de entretenimento. Leia também os best-sellers, mergulhe na profundidade de suas páginas, repare quanta sabedoria eles lhe trazem, quanta novidade divulgam, quanta sede de escrever diários de bananas eles propagam. Não se esqueça de ver os filmes nacionais de maior bilheteria: como são inteligentes, criativos, nem um pouco machistas e, cá entre nós, que humor. Que humor requintado! Gaste oito ou dez horas por dia, como nossos jovens, enfrentando os games e seus inspiradores combates, ache-se mais esperto, mais genial, com neurônios mais rápidos, longe da alienação e do vício.
Observe bem as propagandas nas mídias, admire os estereótipos tão maravilhosamente engendrados pelas mentes sedutoras das agências, tão sedutoras que a crise passa longe dos produtos que anunciam. Mergulhe de cabeça nos posts inovadores do Facebook ou nas mensagens do “zapzap” e sinta-se pronto para conquistar o Vale do Silício, depois do implante de um cilício mental.
A lista não tem fim. Estamos conseguindo, a passo acelerado, a mediocridade. Viva! Como é bom ser medíocre, a grande mania nacional! Deixemos que outros pensem por nós. O melhor é que a opção pela mediocridade é nossa, o gosto é nosso, as consequências cairão em nossas cabeças. Viva! Quem sabe, em 2018, para coroar o ano, não elegemos o brilhante Donald Trump nosso presidente?
Se você acha que a cultura da mediocridade para aí, está enganado. Escute com atenção as músicas que fizeram maior sucesso em 2016, curta a riqueza das letras e das melodias, encante-se com a mesmice e o ridículo. Veja um programa na televisão, desses que arrancam dinheiro do espectador a cada minuto, eleve-se ao nível da danação intelectual ou caia no fundo do poço da exploração humana. Sintonize a grade das tvs abertas e delicie-se com o vazio que elas nos impingem travestido de entretenimento. Leia também os best-sellers, mergulhe na profundidade de suas páginas, repare quanta sabedoria eles lhe trazem, quanta novidade divulgam, quanta sede de escrever diários de bananas eles propagam. Não se esqueça de ver os filmes nacionais de maior bilheteria: como são inteligentes, criativos, nem um pouco machistas e, cá entre nós, que humor. Que humor requintado! Gaste oito ou dez horas por dia, como nossos jovens, enfrentando os games e seus inspiradores combates, ache-se mais esperto, mais genial, com neurônios mais rápidos, longe da alienação e do vício.
Observe bem as propagandas nas mídias, admire os estereótipos tão maravilhosamente engendrados pelas mentes sedutoras das agências, tão sedutoras que a crise passa longe dos produtos que anunciam. Mergulhe de cabeça nos posts inovadores do Facebook ou nas mensagens do “zapzap” e sinta-se pronto para conquistar o Vale do Silício, depois do implante de um cilício mental.
A lista não tem fim. Estamos conseguindo, a passo acelerado, a mediocridade. Viva! Como é bom ser medíocre, a grande mania nacional! Deixemos que outros pensem por nós. O melhor é que a opção pela mediocridade é nossa, o gosto é nosso, as consequências cairão em nossas cabeças. Viva! Quem sabe, em 2018, para coroar o ano, não elegemos o brilhante Donald Trump nosso presidente?
Como existir paz num país que tenta conviver a miséria absoluta e a riqueza total?
A escalada da criminalidade é uma bomba-relógio que já explodiu sem que as elites percebessem. O fato concreto é que um dos países mais ricos e promissores do mundo foi transformado numa republiqueta chinfrim, onde as leis vigoram para uns, não atingem os outros e a Suprema Corte está sempre pronta a colaborar para a impunidade de políticos e empresários. Em meio a essa realidade contraditória e confusa, a estratégia em ação é tentar fazer com que a riqueza total conviva pacificamente com a miséria absoluta, fenômeno que não foi alcançado em nenhum país do mundo, porém o Brasil insiste em fomentar o confronto social, em função do desamparo das faixas mais carentes da população.
Em meio a esta guerra civil não-declarada, o governo usa as Forças Armadas para comandar uma salvadora mobilização pela segurança pública. Todos apoiam, porque sonhar ainda não é proibido e qualquer avanço será um alívio. Mas o problema não será solucionado. No final da história, muitos criminosos estarão soltos e os ricos e a classe média continuarão literalmente atrás das grades que os protegem.
Autoridades e formadores de opinião pretendem melhorar as condições de segurança, sem antes de preocuparem em alcançar condições mais adequadas em termos de emprego, saúde, educação, infraestrutura e transportes.
Em meio a esta guerra civil não-declarada, o governo usa as Forças Armadas para comandar uma salvadora mobilização pela segurança pública. Todos apoiam, porque sonhar ainda não é proibido e qualquer avanço será um alívio. Mas o problema não será solucionado. No final da história, muitos criminosos estarão soltos e os ricos e a classe média continuarão literalmente atrás das grades que os protegem.
Autoridades e formadores de opinião pretendem melhorar as condições de segurança, sem antes de preocuparem em alcançar condições mais adequadas em termos de emprego, saúde, educação, infraestrutura e transportes.
É constrangedor constatar a ilusão que representa este apelo às Forças Armadas para reduzir a criminalidade, que é o último recurso, não há Plano B. A intervenção é necessária, não apenas no Rio de Janeiro, mas no plano nacional, porque há cidades e Estados em condições ainda piores, acredite se quiser. É preciso haver penas mais rigorosas e transformar os presídios em locais de trabalho, para que os detentos desenvolvam atividades produtivos. Por exemplo, poderiam dar manutenção às viaturas policiais, que estão caindo aos pedaços e são sempre substituídas por frotas superfaturadas. Mas quem se interessa?
O Exército vai melhorar a situação no Rio, não há dúvida, mas apenas transitoriamente. O Brasil precisa de muito mais. É preciso mudar o país como um todo, e o primeiro passo é moralizar a administração pública, para que haja a eficácia e a transparência que todo governo anuncia, mas na verdade não existe.
Basta citar apenas um exemplo – a transparência do cartão corporativo de Rosemary Noronha, que é tão impenetrável quanto o sigilo do presidente Temer, quando a democracia exige que homem público não possa ter sigilo. Ora, se o homem público quer ter privacidade em suas contas bancárias, deveria escolher outra profissão.
O Exército vai melhorar a situação no Rio, não há dúvida, mas apenas transitoriamente. O Brasil precisa de muito mais. É preciso mudar o país como um todo, e o primeiro passo é moralizar a administração pública, para que haja a eficácia e a transparência que todo governo anuncia, mas na verdade não existe.
Basta citar apenas um exemplo – a transparência do cartão corporativo de Rosemary Noronha, que é tão impenetrável quanto o sigilo do presidente Temer, quando a democracia exige que homem público não possa ter sigilo. Ora, se o homem público quer ter privacidade em suas contas bancárias, deveria escolher outra profissão.
Na verdade, o Brasil e o mundo ainda estão muito longe da democracia. Há alguns países mais avançados, como as nações nórdicas, porém ainda falta muito. Faz sucesso na internet uma declaração do chefe de polícia de Estocolmo, recomendando aos suecos que evitem se aproximar de determinados bairros, que se transformaram em guetos de imigrantes, porque lá a polícia não entra. O mesmo fenômeno ocorre em bairros periféricos de Paris e em outras importantes metrópoles.
No caso do Brasil, o país precisa ser repensado com transparência total. O primeiro passo deveria ser a realização de auditorias sobre o descontrole da dívida e sobre o déficit da Previdência, duas caixas pretas até agora impenetráveis. A democracia exige também uma melhor distribuição de renda, sem a atual desigualdade salarial, em que o céu é o limite, diria o apresentador Jota Silvestre. O aprimoramento político-administrativo requer também serviços adequados de infraestrutura, transportes, saúde e educação, incluindo ensino profissionalizante.
Acreditar que a criminalidade será controlada sem que haja avanços político-administrativos é uma ilusão verdadeiramente patológica. Os comandos militares sabem disso e sempre foram contrários à intervenção.
No caso do Brasil, o país precisa ser repensado com transparência total. O primeiro passo deveria ser a realização de auditorias sobre o descontrole da dívida e sobre o déficit da Previdência, duas caixas pretas até agora impenetráveis. A democracia exige também uma melhor distribuição de renda, sem a atual desigualdade salarial, em que o céu é o limite, diria o apresentador Jota Silvestre. O aprimoramento político-administrativo requer também serviços adequados de infraestrutura, transportes, saúde e educação, incluindo ensino profissionalizante.
Acreditar que a criminalidade será controlada sem que haja avanços político-administrativos é uma ilusão verdadeiramente patológica. Os comandos militares sabem disso e sempre foram contrários à intervenção.
Por que programas federais de segurança não funcionaram até hoje no Brasil?
A intervenção no Rio de Janeiro é inédita. Nunca antes um governador perdeu as rédeas do comando da segurança do seu Estado para o governo federal. Por outro lado, essa é a sétima tentativa de um presidente da República de conter a violência no país desde 2000. Na média, houve um novo anúncio federal a cada três anos.
Em 2000, Fernando Henrique Cardoso lançou o Plano Nacional de Segurança Pública, que vigorou por apenas dois anos. Já Luiz Inácio Lula da Silva lançou, em 2007, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Além disso, tentou criar o Sistema Único da Segurança Pública - uma espécie de SUS para a área da segurança. Encaminhado para o Congresso Nacional em 2007, está em tramitação até hoje.
Dilma Rousseff não deu continuidade aos planos do seu padrinho político. Em 2012, criou o Programa Brasil Mais Seguro, e, em 2015, o Programa Nacional de Redução de Homicídios. Já Michel Temer deu início ao Plano Nacional de Segurança em 2017. E, agora, a intervenção no Rio.
O levantamento dos diferentes planos federais foi feito pelos especialistas em segurança pública Isabel Figueiredo, Renato Sérgio de Lima e Sérgio Adorno. Em comum, nenhum deles foi capaz de conter o avanço da violência no Brasil.
Um dos sinais do acirramento da crise de segurança é a guerra entre facções criminosas. Antes concentradas no Sudeste - o PCC, principalmente em São Paulo, e o Comando Vermelho, no Rio - essas organizações criminosas se multiplicaram pelo país. Em 2006, no Amazonas, foi criada a Família do Norte; em 2012, o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte; em 2013, no Acre, o Bonde dos 13; por volta de 2015, no Ceará, os Guardiões do Estado - entre vários outros.
Além disso, regiões antes pacatas entraram no foco da violência. Entre 2000 e 2016, enquanto a taxa de homicídio do Sudeste caiu pela metade, a do Norte e Nordeste dobrou. Nas cidades menores, a quantidade de mortes violentas cresceu mais do que nas metrópoles. Na soma do país, o número de assassinatos passou de 47,9 mil para 61 mil por ano.
"A principal razão para os programas não serem efetivos é que falta um desenho claro de uma política de segurança no Brasil", afirma Isabel Figueiredo, especialista em direito constitucional e segurança, membro do Fórum de Segurança Pública.
"Veja o caso da saúde. O grosso do SUS não muda com o governo A ou governo B. Já a segurança está ao sabor da política. A consequência são as interrupções dos programas", compara.
Alberto Kopptike, que atuou na área de segurança pública durante parte dos governos Lula e Dilma, também usa o SUS como exemplo. Para criar o sistema de saúde, primeiro foi elaborado seu conceito e, depois, montada uma estrutura nacional para implementá-lo, como Ministério da Saúde, Datasus, Fundo Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Para Kopptike, esse mesmo processo precisaria ocorrer com a segurança pública.
"O SUS não é um programa, é a política nacional de saúde do Brasil. Já na segurança pública, foram criados apenas programas", completa Kopptike.
Segundo Figueiredo, o problema vem desde a Constituição de 1988, "que é detalhada nas áreas de saúde e educação, mas pífia com relação à segurança pública".
O trecho constitucional que trata da área apenas lista quais são as forças de segurança, estabelece qual é a função de cada uma e a quem respondem: as Polícias Militar e Civil ficam sob comando dos Estados e as Polícias Federal e Rodoviária Federal estão sob responsabilidade da União. As Forças Armadas não são um braço da segurança pública.
O Susp (Sistema Único da Segurança Pública), idealizado no governo Lula, foi uma tentativa de suprir essa lacuna, mas não avançou. Agora, o Ministério da Justiça diz que vai publicar uma política nacional - embora não dê datas. "Ela reunirá, pela primeira vez, um conjunto de princípios, diretrizes e objetivos de segurança pública a serem implementados pelos três níveis de governo de forma integrada e coordenada", disse a pasta, por nota.
Em 2000, Fernando Henrique Cardoso lançou o Plano Nacional de Segurança Pública, que vigorou por apenas dois anos. Já Luiz Inácio Lula da Silva lançou, em 2007, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Além disso, tentou criar o Sistema Único da Segurança Pública - uma espécie de SUS para a área da segurança. Encaminhado para o Congresso Nacional em 2007, está em tramitação até hoje.
O levantamento dos diferentes planos federais foi feito pelos especialistas em segurança pública Isabel Figueiredo, Renato Sérgio de Lima e Sérgio Adorno. Em comum, nenhum deles foi capaz de conter o avanço da violência no Brasil.
Um dos sinais do acirramento da crise de segurança é a guerra entre facções criminosas. Antes concentradas no Sudeste - o PCC, principalmente em São Paulo, e o Comando Vermelho, no Rio - essas organizações criminosas se multiplicaram pelo país. Em 2006, no Amazonas, foi criada a Família do Norte; em 2012, o Sindicato do Crime do Rio Grande do Norte; em 2013, no Acre, o Bonde dos 13; por volta de 2015, no Ceará, os Guardiões do Estado - entre vários outros.
Além disso, regiões antes pacatas entraram no foco da violência. Entre 2000 e 2016, enquanto a taxa de homicídio do Sudeste caiu pela metade, a do Norte e Nordeste dobrou. Nas cidades menores, a quantidade de mortes violentas cresceu mais do que nas metrópoles. Na soma do país, o número de assassinatos passou de 47,9 mil para 61 mil por ano.
"A principal razão para os programas não serem efetivos é que falta um desenho claro de uma política de segurança no Brasil", afirma Isabel Figueiredo, especialista em direito constitucional e segurança, membro do Fórum de Segurança Pública.
"Veja o caso da saúde. O grosso do SUS não muda com o governo A ou governo B. Já a segurança está ao sabor da política. A consequência são as interrupções dos programas", compara.
Alberto Kopptike, que atuou na área de segurança pública durante parte dos governos Lula e Dilma, também usa o SUS como exemplo. Para criar o sistema de saúde, primeiro foi elaborado seu conceito e, depois, montada uma estrutura nacional para implementá-lo, como Ministério da Saúde, Datasus, Fundo Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Saúde. Para Kopptike, esse mesmo processo precisaria ocorrer com a segurança pública.
"O SUS não é um programa, é a política nacional de saúde do Brasil. Já na segurança pública, foram criados apenas programas", completa Kopptike.
Segundo Figueiredo, o problema vem desde a Constituição de 1988, "que é detalhada nas áreas de saúde e educação, mas pífia com relação à segurança pública".
O trecho constitucional que trata da área apenas lista quais são as forças de segurança, estabelece qual é a função de cada uma e a quem respondem: as Polícias Militar e Civil ficam sob comando dos Estados e as Polícias Federal e Rodoviária Federal estão sob responsabilidade da União. As Forças Armadas não são um braço da segurança pública.
O Susp (Sistema Único da Segurança Pública), idealizado no governo Lula, foi uma tentativa de suprir essa lacuna, mas não avançou. Agora, o Ministério da Justiça diz que vai publicar uma política nacional - embora não dê datas. "Ela reunirá, pela primeira vez, um conjunto de princípios, diretrizes e objetivos de segurança pública a serem implementados pelos três níveis de governo de forma integrada e coordenada", disse a pasta, por nota.
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