sábado, 14 de junho de 2025

O PL da Devastação e a miopia climática

Na contramão dos esforços para conter e mitigar a crise climática, o Congresso Nacional está prestes a aprovar o PL 2159/21, que implodirá importantes mecanismos de proteção socioambiental estabelecidos pela Constituição de 1988 que vêm sendo implementados ao longo das últimas décadas.

Para atender aos interesses imediatos e à ganância de alguns setores da economia, o Parlamento comprometerá os interesses gerais de toda a comunidade, assim como o próprio desenvolvimento sustentável da economia brasileira, que tem na preservação ambiental e na biodiversidade a sua maior vantagem competitiva.


Como há muito alertou David Hume, os homens comumente se deixam seduzir por tentações presentes, ainda que irrelevantes, em detrimento daqueles interesses que lhe são verdadeiramente importantes, mas mais longínquos, sendo essa uma fraqueza "incurável na natureza humana".

Com a aproximação da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que se realizará em Belém, setores predatórios da economia brasileira têm mobilizado suas bancadas no Congresso Nacional para promover um verdadeiro atentado contra o bem-estar das futuras gerações. O festival de agressões ao meio ambiente, à biodiversidade e aos direitos fundamentais dos povos tradicionais tem como peça central o chamado PL da Devastação.

Conforme nota técnica emitida pelo Observatório do Clima, o objetivo central do projeto, em vias de aprovação na Câmara dos Deputados, é ampliar as hipóteses de isenção de licenças ambientais, priorizando o autolicenciamento, inclusive para projetos com potencial poluidor. Isso reduzirá a capacidade de prevenir desastres ambientais, devastação florestal e degradação ambiental, além de fragilizar os mecanismos de fiscalização e punição daqueles que agridem o meio ambiente.

O projeto, se aprovado, também violará os direitos indígenas, quilombolas e das populações tradicionais, na medida em que restringiu a participação de diversas agências e autoridades responsáveis pela proteção dessas populações no processo de licenciamento, além de deixar desprotegidas as áreas ainda não demarcadas. Preocupação esta que foi expressa pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos em mensagem endereçada ao Congresso.

Mesmo aqueles que defendem reformas no processo de licenciamento ambiental, como o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, alertam para os riscos de "arrebentar os mecanismos de controle e fiscalização do meio ambiente".

Além dos impactos sobre o meio ambiente e as populações que protegem nossas florestas, o PL 2159 também ameaça o regime de chuvas e a segurança hídrica, indispensáveis para o sucesso do agronegócio e da própria estabilidade da vida em grandes conglomerados urbanos. Se aprovado, promoverá ainda uma enorme insegurança jurídica, provocando uma explosão de litigiosidade. Pior, esse litígio ocorrerá depois que o estrago já tiver ocorrido.

Trata-se de um projeto de lei eivado de inconstitucionalidades e que não trará nenhum benefício à sociedade brasileira. Como as pérfidas agressões à ministra Marina Silva por parte de alguns senadores, esse projeto é uma expressão da irresponsabilidade e do descaso de muitos parlamentares com as futuras gerações.

Por todos esses motivos, o PL 2159 não deveria ser aprovado. Se for aprovado, deveria ser vetado pelo presidente. Se sancionado, deveria ser declarado, em seu cerne, inconstitucional.

'Colonialismo alimentar'

Quase um milhão de pessoas na África Ocidental e Meridional poderiam ser alimentadas semanalmente com porções dos peixes selvagens locais que hoje são capturados para a produção de ração de outras espécies criadas em cativeiro em países europeus. É o que revela o relatório "Ocean Takeover", divulgado nesta quinta-feira na terceira Conferência da ONU sobre os Oceanos (UNOC3), em Nice, pela ONG britânica Foodrise e a aliança grega Aktaia. O estudo mostra que a prática tem agravado ainda mais a situação precária das regiões, onde ao menos 77 milhões de pessoas enfrentam um quadro de insegurança alimentar, de acordo com a ONU.

Segundo o documento, a criação intensiva de espécies como o robalo e a dourada domina vastas áreas marinhas do Mediterrâneo, especialmente na Grécia — maior produtora da União Europeia e a segunda maior do mundo (atrás apenas da Turquia), com um crescimento de 141% desde o início dos anos 2000. Somente em 2022, o país produziu cerca de 137 mil toneladas de peixes de cativeiro, 92% sendo dessas duas espécies altamente consumidas na Europa.

Para alimentar esse modelo de indústria que se espalhou pela região, desde a Turquia até as Ilhas Canárias, utilizam-se grandes volumes de peixes pequenos de mar aberto, essenciais para a cadeia alimentar marinha e para a segurança alimentar de muitas comunidades costeiras, como sardinha, anchova, cavala e arenque, na produção de farelo e óleo de peixe (fishmeal and fish oil, ou FMFO).


As espécies são extraídas principalmente da costa do Senegal, da Mauritânia e da Gâmbia, e estima-se que até cinco quilos de peixes selvagens sejam necessários para alimentar apenas um quilo de peixe cultivado em cativeiro. Tal desequilíbrio contribui diretamente para o esgotamento das populações locais das espécies, afetando a pesca artesanal e a dieta de milhares de famílias, que já estão em situação vulnerável. Segundo dados da ONU, cerca de 77 milhões de pessoas enfrentam insegurança alimentar grave na África Ocidental e Meridional, com quase 50 milhões na primeira e aproximadamente 27 milhões na segunda região.

— O que estamos vendo como resultado do crescimento da aquicultura com ração é uma transferência de micronutrientes de países do Sul Global (onde uma parte significativa do FMFO é produzida) para países do Norte Global, mercados de alta renda, principalmente na Europa e América do Norte, mas cada vez mais também na Ásia (incluindo a China) — diz Natasha Hurley, diretora de campanhas da Foodrise.

Segundo o relatório, a aquicultura intensiva também gera sérios impactos ambientais. Os sistemas de criação confinam grandes quantidades de peixes em redes flutuantes, favorecendo a disseminação de poluentes, além da grande concentração de dejetos orgânicos e restos de ração, prejudicando a biodiversidade e ecossistemas já sensibilizados.

Contudo, apesar dos impactos ambientais e sociais, o setor recebe forte apoio financeiro da UE. A Grécia, por exemplo, deve receber 91 milhões de euros (R$ 578 milhões) do Fundo Europeu Marítimo, das Pescas e da Aquicultura (Feampa) para fomentar a expansão da aquicultura até 2027, enquanto a legislação local aumentou em 24 vezes as áreas permitidas para esse tipo de criação.

Além disso, em março deste ano, a Comissão Europeia lançou uma campanha para promover a criação de peixes, mariscos e algas como uma solução sustentável para a segurança alimentar. A iniciativa enfatiza o "enorme potencial" da aquicultura, nas palavras do eurodeputado Paulo do Nascimento Cabral, que também defendeu que "é preciso passar a mensagem aos europeus de que os produtos da aquicultura são seguros e também produzidos de forma sustentável" na Europa.

Para Hurley, no entanto, o atual modelo extrativista da aquicultura europeia representa uma forma contemporânea de "colonialismo alimentar", sendo impulsionado pelo lucro das empresas, e não por um real compromisso com a segurança alimentar global.

— A aquicultura intensiva tornou-se um grande negócio. Se as empresas estivessem realmente comprometidas com a segurança alimentar, não estariam cultivando salmão e robalo — diz Hurley.

A diretora defende ainda que a única forma de proteger os oceanos e as comunidades vulneráveis ao redor do mundo é impor uma "moratória imediata sobre novas fazendas industriais de peixes e o desmonte gradual das instalações existentes".

"As operações de aquicultura europeias estão, literalmente, tirando o pão da mesa dos africanos para encher estômagos europeus. Esse sistema extrativista precisa acabar, e devemos encontrar alternativas sustentáveis que priorizem a segurança alimentar local em vez do lucro com exportações", defendeu Aliou Ba, líder da campanha pelos oceanos do Greenpeace África, no documento.

— O mais revoltante é que todo esse peixe saqueado aqui nem sequer alimenta seres humanos: vai para a Europa e a Ásia engordar peixes de cativeiro — diz Mor Mbengue, presidente do comitê de pescas artesanais de Cayar, do Senegal. — É uma injustiça que não suportamos mais.

A Pós-verdade

Estamos vivendo coisas com que nunca sonhamos. Uma delas, a pós-verdade, que colocou a mentira no lugar da verdade, que deixou de ser o que é para tornar-se o que as emoções da rede social definiram como verdade. O fato foi substituído pela narrativa.

As descobertas científicas colocaram em nossas mãos milagres. Podemos, numa tela vazia em nossa frente, por artes de Deus ou do diabo, ver o que se passa em todos os lugares do mundo no instante mesmo em que estão acontecendo. Com uma pequena caixinha que cabe na palma de minha mão, posso localizar qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo e falar com ela, através dela me comunicar, saber e transmitir notícias, prever o tempo, fazer cálculos matemáticos e recuperar mensagens que me mandaram de outra máquina fabulosa — sua excelência, o computador —, que com um teclado que também me conecta com todo o mundo no mesmo instante que me fornece todas as informações que desejo, milhões e milhões de dados sobre tudo, a cada segundo, sem um centro organizador e produtor, que vão se multiplicando quando alguém mais se junta a esse processo, que não tem limites e atinge o infinito, que é o conceito de rede.

O que acontece com nossa cabeça que foi da cultura oral, fez uma pausa no livro e de repente caiu na era da cultura visual? Que mudanças aconteceram em nossa maneira de pensar, nos costumes e nos sentimentos que durante milênios criaram a criatura humana que a História formou até agora? Nós nos acostumamos a conviver com a alegria, com a tristeza, com o amor em todos os seus níveis, com a noção de trabalho, com os valores da família, os sentimentos de ódio, da cólera, da violência, tudo isso de maneira artesanal, criando outro mundo, outra sociedade para a qual não estávamos preparados, diferente, com coisas que não podemos dominar, outro mundo a que buscamos nos adaptar, e não ele a nós.

Tudo mudou. Vivemos nossas circunstâncias, em que são as da realidade. Porém nossa realidade não é realmente a realidade. Nossos sentimentos e nossas reações estão sendo reciclados e já não são o que nos faziam acreditar. “O que em mim sente está pensando”, dizia o verso de Fernando Pessoa. Só que hoje, sentir e pensar não são mais faculdades do ser individual e sim do ser coletivo que somos.

O amor deixou de ser o amor como o concebíamos no passado. O mesmo acontece com a amizade, com a noção de convivência, com o ódio e a cólera. Estamos perdendo até a indignação, todos submetidos ao uso de uma droga tecnológica. As próprias drogas fazem parte deste contexto. A diferença é que estas são substâncias químicas para a sublimação dos prazeres. A droga da modernidade, com a parafernália de comunicação, nos impõe uma situação mais perigosa que a de não ter a liberdade de ingeri-la, porém, a obrigação de consumi-la.

O culto da velocidade. Não temos mais a liberdade de andar. As distâncias, o estilo de vida que foi criado nos fez dependentes da velocidade, do patinete, da bicicleta, da moto, do carro, do ônibus, do trem, do avião. Já não tem sentido escrever cartas. A civilização é oral, é o telefone. Escrever passou a ser algo atrasado. Escreve-se para confirmar o que se falou. Fala-se por telefone, por fax, pelo computador, pelo cinema, pela televisão, pelas redes sociais na internet.
Vemos perplexos que somos um grande laboratório e que estamos nos transformando com todas as mudanças que acontecem no mundo. É como se estivéssemos chegando ao desaparecimento da espécie de homem que foi o homem e que fez a História que chegou aos nossos dias.

Estamos em meio a estas perplexidades que são mais de segurança que de dúvidas. Nossas reações são condicionadas pelas inseguranças que nos rodeiam. Já não sabemos o que é bom e o que é mau. Nossos códigos de ética e comportamento individual, aquelas leis que cada um de nós processa dentro de si ao longo da vida, de um momento para outro estão questionadas pela realidade virtual. São os meios de comunicação que nos condicionam, e de tantas informações que nos chegam já não podemos distinguir o que é verdade e o que é mentira… As verdades são tantas que é impossível saber qual delas realmente é a verdade.

Abrimos os jornais, vemos televisão, navegamos na internet, e a soma de informações que nos chegam são tão grandes que não podemos estabelecer uma escala de valores para absorvê-las.

Estamos dentro da bolha da rede social na internet, da qual é impossível fugir. A tarefa de sair tornou-se inexpugnável.

São tantas as versões que existem sobre uma verdade que é difícil descobrir onde está escondida a verdadeira mentira.

A internet é uma droga pesada

No início, há uns sete anos, quando meu neto abriu uma conta no Instagram para mim, me empolguei. Que instrumento maravilhoso de comunicação: ter seu próprio jornal, sua rádio e sua televisão, para dizer o que quiser. Pero no mucho.

Quando você começa a postar, também começa a seguir outros perfis, e mais outros, e mais outros, e quando vê está viciado nisso, cai na rede do algoritmo, perde horas de precioso tempo com futilidades, fofocas e bobagens sem se dar conta, uma vai puxando a outra, e a outra, sem que você consiga interromper o fluxo. Se torna um vício — ou, mais clinicamente, uma dependência. Uma patologia contemporânea. Uma espécie de droga psicológica.


Você se engana, pensando que está buscando informações, reflexões e novidades, mas sua atenção está sendo atraída para iscas, guloseimas e publicidade do algoritmo. É difícil resistir, quebrar o hábito. Talvez logo surja um Instagrâmicos Anônimos para ajudar quem quer se livrar da adicção. Ou do rótulo de advertência, inútil, “use com moderação”. Rede social é droga pesada.

No início da empolgação, minha filha me sacaneava: “o papai se mudou para Instaland”, comentava, concluindo com “rsrs” debochados. Mas a fase aguda foi superada e tento manter uma relação equilibrada com o mundo digital, principalmente porque tenho muito a trabalhar e criar, e a essas alturas da vida, o tempo é cada vez mais precioso. Mas, em algumas circunstâncias, como no táxi, numa sala de espera — em qualquer lugar de espera— , é irresistível, e muito bem-vinda. É melhor me concentrar no que realmente importa, não usar só como um alternativa ao tédio, à solidão e à melancolia.

Mas às vezes vejo o que não queria, e aí já é tarde. Exibicionismos e autoexaltações constrangedores, confidências e sinceridades envergonhantes, urgências de aceitação e validação patéticas, conselhos e orientações de quem não sabe nada, tempo absolutamente perdido.

O problema é que as páginas e assuntos que me interessam tem uma tal abundância de informações, quase sempre controversas, que acabam mais confundindo do que esclarecendo. Quanto mais opções, mais difícil a escolha. Quanto mais aprendo, menos certezas tenho, o que acaba sendo bom, porque estimula a saber mais. E saber para quê? Na superfície e no fundo, para viver melhor, ser mais feliz. O problema é que, quanto mais se sabe, mais consciência da realidade, mais difícil ser feliz, seja lá o que isso for. A vida acontece off-line.

Consenso e discordâncias

O Brasil tem um consenso sobre a tragédia de sua educação, mas ainda enfrenta quatro grandes discordâncias: sobre as causas desse estrago; suas consequências; as metas que devemos perseguir; e os caminhos para atingi-las. A Unesco nos instala em 72º lugar entre 125 países avaliados; o Pisa, em 57º entre 79 participantes. O país tem cerca de 10 milhões de adultos incapazes de ler. Entre os que leem, a maioria não compreende, interpreta ou analisa o que lê. Cerca de 100 milhões de brasileiros estão despreparados para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo. Soma-se a isso o genocídio intelectual provocado pela brutal desigualdade de oportunidades conforme a renda e o endereço do indivíduo. Não há polêmica quanto ao reconhecimento desse quadro.


Mas, para muitos, o horror é resultado natural da história e das características da população. Outros tratam como conspiração de nossas elites. Há quem considere o drama educacional uma questão social. Sim, é, mas enxergá-lo apenas sob esse ponto de vista turva a visão, porque deixamos de perceber que a educação ferida é o pântano que nos impede de chegar ao futuro desejado. Direto ao ponto, e é crucial tê-lo em perspectiva: os problemas estruturais do Brasil — baixa produtividade, pobreza, desigualdade, violência, racismo — são causados, em grande parte, pela baixa qualidade e pela desigualdade da educação de base.

Mesmo entre os que já se espantaram com o estado da educação e se aterrorizam com suas consequências, há discordância sobre as metas necessárias para assegurar educação de qualidade para todos. Poucos acreditam ser possível colocar a educação brasileira entre as melhores do mundo. Falta adesão a uma meta ambiciosa que contemple aprender a ler e escrever com rigor; que faça os jovens fluentes em pelo menos um idioma estrangeiro; que autorize o encantamento com as artes e o debate rico em torno de temas de filosofia, política, história e geopolítica. A educação, desde o início, enfim, é o que nos permite indignar-nos diante da pobreza, da desigualdade, do autoritarismo e dos preconceitos; usar com competência as ferramentas digitais; formar-nos em ao menos um ofício; praticar a solidariedade entre os seres humanos e com a natureza; respeitar os patrimônios cultural e ambiental; querer participar da construção de sociedades pacíficas, com desenvolvimento sustentável, democrático e justo; continuar aprendendo ao longo da vida; e ter a base para disputar as melhores vagas do ensino superior.

Além do consenso com a tragédia, as causas, as consequências, além dos objetivos a serem perseguidos, é preciso superar as divergências sobre como alcançá-los. Muitos acreditam que o Brasil já está no caminho certo e que basta esperar os resultados dos tímidos passos dados ao longo de décadas, por meio de programas como o do Livro Didático, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Pé-de-Meia e a Base Nacional Comum Curricular, entre outros. Para boa parte, porém, os programas federais com execução municipal, embora tragam avanços, não promovem o salto de qualidade e equidade de que o país precisa. Para tanto, seria preciso nacionalizar a educação de base, com a criação de um sistema nacional federal, no qual todas as escolas públicas ofereçam a mesma elevada qualidade — como nas escolas federais já existentes. Os desafios são imensos.